10.2.23

Universidades terão vagas para alunos pobres já este ano como projecto-piloto

Samuel Silva, in Público

Solução será testada num conjunto restrito de cursos ou de instituições de ensino. Quando for universalizada, reservará cerca de 2500 vagas para beneficiários do escalão A da Acção Social.

As universidades e politécnicos vão destinar 2% das vagas de alguns dos seus cursos superiores para alunos muito pobres já a partir deste ano. O anúncio foi feito pela ministra Elvira Fortunato na manhã desta sexta-feira, na Assembleia da República. A medida não vai abranger desde já todas as formações: a sua implementação arranca em forma de "projecto-piloto" e vai receber financiamento da União Europeia.

O modelo final para o acesso ao ensino superior, que é apresentado esta sexta-feira, em Coimbra, aumentou a percentagem de vagas destinada a alunos carenciados em cada ciclo de estudos face à proposta inicial do Governo, passando de 1% para 2%. Esta é uma medida que não tem paralelo na Europa. “Pelo seu carácter inovador” será iniciado como um projecto-piloto, anunciou a ministra Elvira Fortunato aos deputados.

A medida vai ser implementada já a partir deste ano, no concurso de acesso ao ensino superior que vai decorrer durante o Verão e terá financiamento através de fundos comunitários, já que Portugal vai integrar um projecto europeu juntamente com outros países que estão a lançar medidas para garantir a entrada no ensino superior de grupos sub-representados.

No Parlamento, a tutela não esclareceu de que forma é que esta solução será operacionalizada, mas em declarações anteriores ao PÚBLICO e ao Observador o secretário de Estado Pedro Teixeira antecipou que pode vir a ser escolhido um grupo de cursos ou de instituições de ensino onde este "contingente prioritário" possa ser inicialmente aplicada.

O debate ficou marcado pelo facto de deputados do PSD terem confundido um Perguntas & Respostas, publicado pelo PÚBLICO a 6 de Janeiro com um recorte de um retrato da ministra –, com uma entrevista da própria Elvira Fortunato.

Se os resultados forem positivos, será alargado a todos os cursos, antecipou a ministra. Caso isso venha a acontecer, serão destinados cerca de 2500 lugares em todas as licenciaturas e mestrados integrados, pelas projecções feitas pelo PÚBLICO tendo em conta os dados do último concurso nacional de acesso ao ensino superior.

Na audição parlamentar, esta sexta-feira, a ministra Elvira Fortunato chamou-lhe “quota”, mas foi corrigida posteriormente pelo secretário de Estado Pedro Teixeira: “Não estamos a falar de quotas. É um contingente prioritário e, se estas vagas não foram ocupadas, remetem para o regime geral.”

Os actuais “contingentes especiais”, que incluem, por exemplo, os estudantes com deficiência ou os luso-descendentes, passam a designar-se “contingentes prioritários”, para que se perceba que são grupos de candidatos ao ensino superior para os quais o país entendeu que devia ser criada uma prioridade de colocação, acrescentou o secretário de Estado.

Os lugares para alunos carenciados destinam-se a candidatos beneficiários do escalão A da Acção Social Escolar, onde se agrupam os agregados com maiores dificuldades económicas. Grosso modo, correspondem ao 1.º escalão do abono de família. Refere o Governo que a criação deste “contingente prioritário” se destina a “promover a equidade e as oportunidades de mobilidade social”.

Em 2021/2022, 11.847 beneficiários do escalão A da Acção Social Escolar frequentaram o 12.º ano, segundo o Ministério da Educação. De acordo com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, havia 13.600 titulares do 1.º escalão do abono de família com 17 anos, idade com que tipicamente se termina o ensino secundário, no final do ano passado.

Neste ano lectivo, pouco mais de 1400 alunos, dos mais de 50 mil que entraram nas universidades e politécnicos, são beneficiários do 1.º escalão do abono de família.
Regiões autónomas sem mexidas

A audição da ministra Elvira Fortunato foi convocada pelo PS e pelo PSD. O requerimento dos social-democratas questionava o futuro do contingente especial destinado a estudantes provenientes das regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

A proposta que o MCTES esteve a discutir com os parceiros do sector no final do ano passado antecipava uma redução das vagas destinadas a estes alunos, passando dos 3,5% dos lugares reservados em cada curso, como actualmente está previsto, para 2%. O modelo de acesso às universidades e politécnicos que é apresentado esta sexta-feira deixa, no entanto, cair essa solução.

“Não é um assunto. Que fique muito claro que não vai haver qualquer mexida em relação a esta questão”, afirmou Elvira Fortunato, face à insistência dos deputados dos diferentes partidos.

O debate ficou ainda marcado pelo facto de os deputados do PSD Sara Madruga e Paulo Moniz terem confundido um Perguntas & Respostas, publicado pelo PÚBLICO a 6 de Janeiro, em que são explicadas as principais mudanças no modelo de acesso ao ensino superior que estavam em cima da mesa – e que é ilustrado, na edição impressa, com um recorte de um retrato da ministra –, com uma entrevista da própria Elvira Fortunato.

Confrontaram, por isso, a governante com declarações que esta nunca fez, dado que as expressões em causa eram do próprio artigo do jornal. “Não dei nenhuma entrevista”, teve que repetir mais do que uma vez Elvira Fortunato.

A ministra protagonizou também ela própria uma confusão mediática, quando disse que desmentiu essas declarações com um comunicado, referindo-se na verdade a um esclarecimento conjunto dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Educação sobre uma outra notícia do PÚBLICO, publicada quase um mês depois, que dava conta das divergências entre os dois ministérios sobre o papel dos exames nacionais do ensino secundário.

Apesar de, nessa nota, ser garantido que “existe consenso entre as duas áreas governativas”, os desacordos no Governo acabariam por ser confirmados no início da semana seguinte pelo próprio Presidente da República, obrigando os dois ministros a anteciparem para segunda-feira um primeiro anúncio sobre o modelo de conclusão do ensino secundário e de acesso ao ensino superior.