Por Lusa, in RTP
Na semana passada, o Banco Central Europeu (BCE) voltou a aumentar as taxas diretoras e a presidente da instituição deixou em aberto novos aumentos. Christine Lagarde disse que o resultado da reunião de setembro "pode ser uma subida ou uma pausa", mas garantidamente não será um corte, e destacou que mesmo que o BCE opte por manter inalteradas as três taxas de referência, tal "não quer dizer que seja definitivo".
Com os aumentos em 27 de julho, a subida da taxa de facilidade de depósito passou para 3,75%, a taxa de juro das principais operações de refinanciamento para 4,25% e da taxa de juro aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez para 4,5%.
A analista financeira do departamento de estudos económicos do BPI Vânia Patrícia Duarte afirma que é provável que "possa haver mais uma subida dos juros até final do ano", ainda que o BCE deva estar "já perto do pico de taxas de juro".
Para o analista da Activtrades Ricardo Evangelista o cenário é pouco claro pelo que "tudo vai depender dos dados macroeconómicos e de inflação que forem saindo".
Por um lado, recordou, os últimos dados da inflação na zona euro mostram que esta ainda está alta -apesar de a inflação da zona euro ter abrandado para 5,3% em julho, a inflação subjacente, que exclui energia, alimentação, álcool e tabaco, manteve-se estável nos 5,5%, um nível historicamente alto - mas, por outro lado, os sinais de contração económica poderão fazer abrandar Frankfurt.
A economia da zona euro cresceu, no segundo trimestre do ano, 0,6% na comparação homóloga e 0,3% em cadeia. Já a economia alemã estagnou (0,0%), depois de no primeiro trimestre ter contraído 0,1%.
Para a analista da Forste Finance Carla Santos a "postura de esperar para ver" do BCE "mostra preocupação em relação a uma possível recessão e tenta encontrar um equilíbrio entre taxas de juro e inflação". Ainda assim, acrescenta que, mesmo não acontecendo em setembro, "o mais provável é que o BCE tenha que intervir mais vezes ainda este ano".
Também o analista da XTB Henrique Tomé espera novas subidas e considera que "o grande desafio neste momento do BCE é, sem dúvida, conseguir controlar a inflação e evitar o cenário de recessão em toda a zona euro".
"A atividade económica na zona euro está, de facto, a abrandar e as principais economias europeias, como Alemanha, França e Itália, têm sido fortemente penalizadas com o aumento dos juros, e isto pode levar o BCE a ponderar parar ou abrandar o ritmo da subida dos juros se a atividade económica continua a abrandar ao ritmo atual", disse.
Acompanhando a subida das taxas de juro estarão as taxas de juro Euribor, pelo que a previsão é que ainda subam e comecem a cair em 2024. Na quarta-feira, a taxa Euribor a 12 meses subiu para 4,081%, a Euribor a três meses subiu para 3,733%, enquanto a Euribor a seis meses desceu para 3,944%.
Em Portugal, com mais de 90% dos contratos de crédito à habitação indexados a taxas Euribor, tal terá um impacto direto nas prestações mensais pagas pelas famílias aos bancos.
Só no primeiro semestre houve mais de 62 mil reestruturações e renegociações de créditos e os analistas estimam que estas aumentem. É que, além da subida dos créditos, as famílias têm ainda de fazer face à subida dos preços que os salários não acompanham e as poupanças que têm sido usadas para manter os níveis de consumo deverão começar a ser insuficientes.
Henrique Tomé, da XTB, afirma que num cenário de novos aumentos dos juros "o grau de incumprimento começa a aumentar significativamente e deverá ser um sinal de alerta, tanto para as famílias como para os decisores de política monetária".
Vânia Patrícia Duarte, do departamento de estudos do BPI, recorda que já os "dados do primeiro trimestre revelam um ligeiro aumento dos empréstimos à habitação `non-performing` [em incumprimento]", mais 12 milhões de euros de malparado face ao último trimestre de 2022, e que é "possível que haja uma estabilização ou ligeira deterioração dos indicadores" e aumentos das reestruturações.
Ainda assim, o elevado nível de emprego e as medidas de apoio do Governo deverão atenuar uma situação mais gravosa.
Carla Santos, da Forste, apela às famílias para tentarem reestruturar créditos enquanto ainda podem procurar melhores condições de `spread` e seguros, pois entrando em incumprimento ficam com nome `sinalizado` no Banco de Portugal e perdem poder negocial.
Ricardo Evangelista também prevê que seja "maior o risco de um número crescente de famílias não consiguir cumprir" as obrigações com os bancos, com novos aumentos de juros.
Num comentário ao facto de os bancos garantirem que, para já, não há um problema generalizado no crédito à habitação, mas pontual em algumas franjas - ainda que admitam um agravamento -, o analista citou uma frase de Ernest Hemingway: As falências ocorrem todas da mesma maneira, "primeiro devagar, depois rápido".