Sara Correia Baptista Jornalista e Sara Tarita Ilustradora, in Expresso
Há quem queira aprender a nadar, outros a patinar, dançar ballet ou praticar kickboxing. No projeto Reformers, os mais velhos escolhem as atividades que desejam fazer. Na base está o combate aos preconceitos associados à idade, assim como uma forma de enfrentar o isolamento e a exclusão social
Luísa tinha um sonho: saber andar de bicicleta. Sentia “muita pena” de não ter aprendido, em mais de sete décadas de vida. Procurou aulas para pessoas da sua idade, sem sucesso. Até que o projeto Reformers a ajudou a cumprir o objetivo: semanalmente, lá anda a praticar sobre rodas.
Nascida no Porto a partir do Movimento Transformers, a iniciativa procura combater o idadismo – o preconceito baseado na idade – e a exclusão social da população mais velha. Tudo começa com juntas de freguesias, câmaras municipais, centros de dia ou lares, que “sinalizam os seniores mais isolados das suas comunidades”, como pessoas que moram sozinhas, que não têm “rede de suporte” ou “não têm tanta oferta e visitas das famílias” nos lares, explica ao Expresso a diretora executiva, Joana Moreira.
São as próprias pessoas que, depois, transmitem aquilo que “gostavam muito de ter aprendido e nunca tiveram possibilidade” ou “o que é que gostavam de aprender antes de morrer”. Aprendizagem que é garantida através de mentores voluntários, num programa que se prolonga, no mínimo, durante um ano. “Como psicóloga, não acredito em soluções penso rápido, que é ir lá, fazer um workshop e vir embora”, justifica a responsável.
Luísa salienta como o que se aprende é “muito diverso”, desde culinária a macramé. É casada e tem filhos e netos, mas quando tem disponibilidade não perde o convívio. “Sempre que posso vou e estou lá”, relata a transmontana de 78 anos. Agora, vai pedir se é possível repetir uma sessão sobre redes sociais em que não pôde estar presente, porque quer saber mais sobre o tema.
O foco assenta numa mudança de paradigma: “Normalmente, as organizações que têm seniores definem o programa de atividades e implementam-no. Nós acreditamos na lógica inversa, que é perguntar às pessoas o que é que elas gostavam de aprender e criar um programa de atividades tendo em conta o que elas querem e não o que nós queremos”, enquadra Joana Moreira.
Ao mesmo tempo, trata-se de combater um “preconceito” existente em relação a pessoas com mais idade: que “começam a ficar incapazes e já só querem ver televisão, tratar do campo ou fazer renda”. “Não é verdade. Ainda têm coisas por cumprir e é isso que tentamos fazer.”
EXPERIÊNCIAS “INESQUECÍVEIS”
Durante a pandemia de covid-19, Ermelinda sentia-se sozinha e triste. Tem 71 anos e cuida de um filho doente. Entretanto, experimentou juntar-se ao Reformers. “Mudou um bocadinho a minha vida e deu-me mais ânimo para enfrentar as dificuldades”, conta ao Expresso. “Quando estou em baixo, têm paciência para me ouvir. Parece que já é família.”
São várias as memórias e experiências “inesquecíveis”, desde o desejo de “andar numa prancha”, que riscou da lista quando fez surf, ao dia em que celebrou 70 anos e, durante uma visita a Serralves, toda a equipa lhe cantou os parabéns na deslocação de autocarro. “Temos sempre muitas atividades e vamos aprendendo outras coisas”, resume. “Estou ansiosa que chegue a sexta-feira que é para ir para lá. Parece que a semana nem corre.”
Entre os impactos do projeto está o “sentido de utilidade” que muitas participantes – as mulheres estão em maioria – ganham porque “passam a sair de casa para participar nestas atividades semanais, ou seja, passam a ter um grupo de amigas”, indica Joana Moreira. Este “sentido de pertença” é um dos resultados, além da “redução dos índices de solidão”. “Sentem-se mais úteis, capazes, valorizadas”, enumera. Verifica-se também uma melhoria das condições de saúde mental e física, da autoestima e do autoconceito, algo que Ermelinda confirma: diz que passou a ter “mais gosto” para se vestir e até mais atenção à alimentação.
Este ano, o projeto abrangeu 200 seniores na Área Metropolitana do Porto, que é composta por 17 municípios, e no Fundão. No próximo ano, a previsão aponta para 400 participantes e uma subida proporcional no número de mentores voluntários: dos atuais 60 para entre 120 a 150.
Para o futuro, os objetivos são estar em “pelo menos todos os distritos” de Portugal continental e nas ilhas e atingir “crescimento internacional”, detalha Joana Moreira. “Acreditamos que o projeto faz sentido em qualquer parte do mundo, com as devidas adaptações. Queremos estar em todos os lugares que precisam de nós.”