Com a ajuda do abrandamento dos preços, a queda do salário médio real em Portugal foi interrompida. Mas a perda de poder de compra sentida ao longo da crise não foi totalmente compensada.
Nos últimos dois anos, desde o início da crise inflacionista, entre aquilo que subiram os preços dos bens e serviços e a actualização do salário pago em média, quem tem saído a perder é o poder de compra das famílias portuguesas. Nos últimos meses, contudo, os salários estão a recuperar algum do terreno perdido.
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Em fase de recuperação
De notar, contudo, que esta perda de poder de compra já foi bastante mais acentuada no início da crise inflacionista, numa altura em que a inflação disparava e os salários demoravam a reagir. Em Junho de 2022, um ano após o início da crise inflacionista, os preços suportados pelos consumidores portugueses já tinham subido 8,7% face a Junho de 2021, enquanto a remuneração regular média apenas tinha aumentado 2,3% no mesmo período de tempo.
Na realidade, os salários apenas responderam à escalada de preços no final de 2022 e início deste ano, altura em que o Estado e muitas empresas fazem as suas actualizações salariais. A partir desse momento, não só o ritmo de crescimento das remunerações médias aumentou como os preços na economia começaram progressivamente a abrandar.
Isso permitiu que os salários recuperassem uma parte do terreno perdido, mitigando o efeito negativo que se tem vindo a sentir no poder de compra. Esta recuperação recente tornou-se mais clara nos dados publicados esta quinta-feira pelo INE. Pela primeira vez nos últimos 12 meses, a remuneração média bruta real (a que desconta já o efeito da inflação) foi, no segundo trimestre deste ano, 2,4% superior ao valor registado no mesmo período do ano passado. Isto acontece num cenário em que a remuneração média em termos nominais (de 1539 euros) registou uma variação anual de 6,7% no segundo trimestre, ao passo que a inflação homóloga foi caindo ao longo da primeira metade deste ano, chegando aos 3,4% em Junho (e tendo descido entretanto para os 3,1% em Julho).
A evolução dos salários médios é também bastante diferente consoante o sector de actividade que se está a analisar, havendo ainda áreas do mercado de trabalho em Portugal em que se continuam a acumular perdas de poder de compra.
Assim, no segundo trimestre, a remuneração média bruta continuou a cair em termos reais no sector da “Electricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio”, com uma perda homóloga de 4,3%, no sector da “Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca”, diminuindo 1,2%, e no sector das “Actividades financeiras e de seguros”, onde se registou uma descida de 0,7%.
No sentido oposto, as maiores subidas do salário médio real face ao ano passado ocorreram na “Administração Pública e Defesa; Segurança Social Obrigatória” e nas “Actividades dos organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais”, com aumentos de 4,7%, seguindo-se as “Actividades de consultoria, científica, técnicas e similares” e o “Alojamento, restauração e similares”, ambos com subidas de 4,2%.
A política salarial na Administração Pública é um exemplo claro da forma como os salários em Portugal reagiram à subida dos preços. Com a crise inflacionista já a começar a fazer-se sentir, o Governo avançou com uma actualização salarial para os funcionários públicos em 2022 indexada à inflação total do ano de 2021, que tinha sido ainda bastante moderada. Só na actualização feita para 2023 é que o impacto da escalada dos preços em 2022 se reflectiu nos salários.
De notar que, antes da crise inflacionista, Portugal atravessou um período de cinco anos seguidos em que o aumento do valor do salário médio superou a subida dos preços. Um ganho do nível salarial em termos reais que não foi eliminado durante a presente crise.
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