18.3.07

Arminda não consegue sair do pântano

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Arminda é beneficiária do RSI desde 2000 e o companheiro tornou-se beneficiário quatro anos depois. Arminda perdeu a sua independência

Cada vez que Arminda tenta expor a sua versão, o companheiro ordena silêncio. Não diz: silêncio. Sequer chiu. Torce a cara, estica a mão. Arminda baixa a cabeça, cerra os lábios. Alberto, o companheiro, está "muito revoltado". A filha foi retirada à família e internada numa instituição.

Quando o público a conheceu, em maio de 2004, Arminda recebia 150 euros de rendimento social de inserção (rsi). Pagava 75 pela barraca insalubre, uns "35" pelos medicamentos - "tenho bronquite asmática, problemas no coração e na cabeça, até já estive internada no [hospital] magalhães lemos." Vendia pensos rápidos pelas ruas - "para comprar um peixinho ou assim". havia o cabaz da paróquia e "muita senhora boa".

A vida "não melhorou". A vida teima em não melhorar. Mesmo recebendo rsi desde 2000 - "tirei cursos! olhe, curso de lavandaria, andei lá com a máquina e tudo! Fiz muito coisa! Até trabalhei a dar comida num lar de idosos e num infantário! Trabalhei lá um ano, depois mandaram-me embora." A vida... "piorou". O companheiro tornou-se beneficiário em 2004. Há oito meses, a segurança social explicou-lhes que não podia ser, que tinha de agregar os processos. Alberto tornou-se titular, controla os 270 euros. Arminda perdeu a sua independência. A filha foi-lhes retirada, pela primeira vez, com um ano e três meses. A protecção de menores argumentou que a mãe era alcoólica, o pai toxicodependente, que a menor sofria maus tratos. "Disseram que eu a beliscava na rua para as pessoas terem pena e darem dinheiro." A menina regressou ao seio familiar aos "dois anos e meio", depois de os pais darem mostras de mudança. "Até exigiram que a minha mulher fosse à Casa do Caminho provar que sabia fazer comer para a minha filha."

A criança tornou a ser-lhes retirada aos seis anos. Alberto era recluso no estabelecimento prisional de Chaves, Arminda permanecia mergulhada no pântano. Aproximara-se dela uma mulher que a vira a vender meias na rua com a filha ao colo. Começou por dar apoio, baptizou a miúda, acabou por apresentou queixa. "Ela dizia que a minha mulher andava aos tombos na rua com a minha filha." Arminda esforçou-se, resgatou a menor. No final de 2004, estava Alberto preso em Lamego, a protecção de menores tornou a retirá-la à família. "A dr.ª a dizer que a menina passava fome, que faltava à escola, que tinha mau ambiente em casa! É mentira!" que fizeram os técnicos de rsi? Desde 2003 que Arminda não recebe qualquer proposta de inserção. E alberto foi apenas convocado para se inscrever no centro de emprego. A filha está agora com 11 anos e a protecção de menores não arrisca mais do que permitir que ela passe os fins-de-semana em família. Entende que as dependências dos progenitores geram negligência e que a violência que de vez em quando estala na barraca insalubre constitui outro perigo.