Isabel Forte e Leonor Paiva Watson, in Jornal de Notícias
A Segurança Social de Lousada adiou por três dias a entrega da bebé Andreia aos pais, não por existir um histórico familiar de maus tratos, mas por se tratar de uma família com pouco recursos financeiros. A socióloga Anália Torres acredita que a ponderação se deveu à pressão social em torno de crianças maltratadas. Mas Adelino Mendes, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), afirma que se devem separar problemas sociais de dificuldades económicas. E neste último caso, acusa, o Estado deveria ser mais interventivo.
Em Portugal, de acordo com os dados da Segurança Social, mais de 100 mil agregados familiares sobrevivem à custa do Rendimento Social de Inserção, o apoio socialmente mais visivel. Mas no resto na Europa, há muito que os governos criaram políticas vocacionadas unicamente para a família, independentemente de serem pobres ou ricas. "Em Portugal, as famílias, sobretudo as numerosas, são prejudicadas e penalizadas, quer pelo Governo quer pelas câmaras municipais", censura Adelino Mendes. "Na Europa, todos os países, com excepção de Portugal, já fazem uma correcção por dimensão familiar". Isto é, "nós não queremos pagar menos do que os outros, queremos é pagar o mesmo, mas per capita, porque estamos a sustentar o futuro da Segurança Social, estamos a sustentar sete ou oito filhos, que no futuro vão pagar as reformas de muitos portugueses". Em troca, censura, "não recebemos qualquer benefício. Pagamos é sempre mais. Pela água, pela luz, pelo carro de oito lugares, pelo imposto municipal sobre imóveis..."
A situação agrava-se ainda mais, comenta, quando uma família grande, como a de Lousada, tem poucos recursos financeiros. "O Rendimento Social é quase irrelevante. O que o Estado deveria fazer era conceder-lhes um abono de família igual ao da propina na faculdade"(valor médio anda na casa dos 800 euros). Porque afinal, lembra, "há uns tipos com dinheiro, mas há outros que não o têm e não é por viverem numa casa pobre que deixam de ser uma família unida".
Sociedade pouco atenta
Anália Torres até concorda, mas afirma que "o Estado é o desgraçado que está sempre a apanhar", quando todos os cidadãos deviam saber que "o Estado somos todos nós, que pagamos impostos e que, por isso mesmo, queremos que as crianças do nosso país sejam bem tratadas". O que implica, também, acrescenta, uma certa vigilância da própria sociedade face a estes casos "Nós não vivemos sozinhos e isolados. Vivemos em sociedade. E nós temos de saber que deve existir um mínimo de coesão social, de atenção, de intervenção". É que se, por um lado, "as pessoas têm liberdade de constituir uma família", por outro, "há liberdades que têm limites, como bater num filho ou maltratar a esposa".
Não será, por certo,apenas no seio das famílias numerosas, que existirão históricos de mau-tratos, garante Adelino Mendes. "Se existem, são reduzidos, quando comparado com os problemas sociais que abundam em famílias pequenas, onde as agressões as transformam em famílias pouco saudáveis". O que pode acontecer, interpreta, é que muitas das famílias com três ou mais filhos "têm é dificuldades económicas. Trata-se de uma questão social e não de um problema social". E perante isso, assegura, "é o Estado que lhes deve prestar auxílio financeiro, quem deve providenciar os meios para garantir a sobrevivência daquela família, como parece ser a situação desta família de Lousada".
De qualquer forma, além do auxílio financeiro, deve, reitera Anália Torres, ser implicada "uma vigilância permanente do Estado a estes agregados" (ver entrevista da página ao lado).