Natália Faria, in Jornal Público
Portugal soma 53 mil desempregados licenciados e continua a exportar boa parte dos seus jovens mais qualificados
a São quadros de empresas robustas, na faixa etária dos 30, recebem salários de vários dígitos, regalias que por cá são excepção e falam... português. Estão a trabalhar em paí-ses como Inglaterra, Alemanha ou Noruega porque buscavam currículo internacional mas sobretudo porque a alternativa que Portugal lhes oferecia era um cargo mal remunerado ou o desemprego. Quando tentam regressar, o mercado de trabalho continua a fechar-lhes as portas. "Era um procurador de emprego a tempo inteiro. Fiz cartões-de-visita, enviei candidaturas espontâneas e respondi a centenas de anúncios. Cheguei a um ponto em que desisti. Fiz as malas e voltei para Londres", conta Pedro Brandão.
Com 32 anos e uma ocupação precária, este licenciado em Economia tinha decidido investir as suas economias num mestrado em Gestão Financeira pela Bristol Business School, em Inglaterra. Em Setembro de 2005, um ano e meio depois, regressou a Portugal munido com o diploma de melhor aluno do mestrado. "Fiquei pior do que estava antes: com mais qualificações mas sem dinheiro e sem perspectivas de emprego", recorda. O remédio foi regressar a Londres e, três semanas mais tarde, tinha cinco ofertas de trabalho. Hoje trabalha como analista do mercado europeu numa empresa de produtos para higiene pessoal. "Ganho quatro vezes mais do que uma pessoa a fazer o mesmo em Portugal, mas, em termos de remuneração e regalias, é o mesmo que comparar um Fiat 127 a um Mercedes: não vale a pena", afirma.
Por razões pessoais, Pedro Brandão está a tentar regressar novamente a Portugal. O problema é que o cenário não se alterou. "Contactei a agência de recrutamento na área e fiz umas 20 ou 30 candidaturas mas não obtive respostas", desabafa. As razões lêem-se nas séries do Instituto Nacional de Estatística que, em Dezembro de 2006, registavam 56,5 mil licenciados desempregados. "O país tem duas realidades: a do discurso político, que diz que Portugal tem que se qualificar, qualificar, qualificar e, por outro lado, a da prática dos empregadores que continuam a recrutar maioritariamente jovens pouco qualificados", observa Joaquim Azevedo, presidente do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa.
Consequência de Portugal ter uma economia baseada em sectores tradicionais? "O sector não é problema: os têxteis e o calçado são tradicionais e têm feito inovações tecnológicas fantásticas", responde Azevedo. "O dramático é continuarmos com um modelo de especialização económica baseado em mão-de-obra barata". Rosária Nunes sabe-o bem. Com 26 anos, esta jovem natural do Porto trabalha desde Janeiro em Bona, na Alemanha, numa empresa de consultoria na área energética. "Concorri a muitas empresas em Portugal, mas a maior parte nem sequer respondeu e, entre as respostas que obtive, eram propostas mal remuneradas e fora da minha área", contextualiza. Licenciada em Economia, com um master em Economia de Energia e Ambiente, não desdenha regressar a Portugal, embora tema não conseguir fazê-lo tão cedo. "Aqui, em termos brutos, ganho três vezes mais que em Portugal e, se tiver que sair, não vou ficar confinada ao mercado nacional: tenho a Europa toda", desdramatiza.
Na prática, o Estado que investe fortunas na qualificação da população não rentabiliza o investimento. Joaquim Azevedo defende por isso que deviam ser lançados programas de atracção dos jovens que se doutoraram lá fora. "Falamos de pessoas muito qualificadas que poderiam desenvolver uma actividade muito importante para o país", sublinha, preocupado com o facto de "45 por cento dos jovens activos, entre os 18 e os 24 anos, estarem a trabalhar sem terem concluído o 12.º ano".
Inês Alegria, de 24 anos, tinha mais do que isso. Mas uma licenciatura em Engenharia de Informática com média de 15,4 não era garantia de emprego em Portugal. Depois de um estágio em Londres, arriscou a Noruega. Trabalha na empresa que desenvolveu o software da Google Earth. "Ganho 2800 euros por mês, com refeições pagas, ginásio e telemóvel oferecidos pela empresa". E quanto a regressar a Portugal? "Lá, os meus colegas ganham entre 400 a 600 euros. Para já, Portugal só para férias". Neste cenário, convencer uma família a gastar dinheiro na formação dos mais novos ameaça tornar-se missão impossível.
"É um dos problemas mais graves com que nos defrontamos e por isso é que muitas famílias estão a desinvestir na formação", preocupa-se Azevedo, para quem a situação só poderá inverter-se quando o Governo apostar a sério no apoio à inovação, às novas dinâmicas de gestão empresarial e aos processos de reconversão e modernização das pequenas e médias empresas. 367 mais de 367 mil alunos inscritos no ensino superior em 2005-06. Mas 56,5 mil licenciados estavam desempregados a Nos últimos 30 anos, o Estado foi o grande empregador dos licenciados em Portugal.
E, no actual cenário de retracção de emprego na administração pública, a consequência é lógica: o número de desempregados com um curso superior está a aumentar. "Os licenciados até podem estar a entrar a um ritmo razoável nas empresas, mas o efeito principal é o da não entrada na máquina da administração pública", nota Joaquim Azevedo, apontando "os enormes desajustamentos" entre a oferta do ensino superior e as necessidades da economia. E o pior é que os dados mais recentes do Observatório da Ciência e do Ensino Superior mostram que, dos 233.177 alunos que no ano lectivo 2005-2006 estavam matriculados em cursos de licenciatura, mais de 32 por cento inscreviam-se na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito, contra os 22 por cento inscritos em Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção.
Ao contrário da primeira área, cujo número de inscritos tem vindo a diminuir (menos 15.637 alunos em sete anos), a das engenharias cresceu no mesmo período. Já o sector da Ciência, Matemática e Informática, para as quais continua a registar-se uma procura relativamente elevada, contabilizavam-se apenas 11,5 por cento dos alunos. Entre bacharelatos, licenciaturas, mestrados e doutoramentos, o ensino superior público e privado registava em Portugal, no último ano lectivo, 367.312 alunos.