Salomão Rodrigues, in Jornal de Notícias
O olhar de Serguy Voronyak carrega saudade quando pousa no écrã do computador, ferramenta preciosa no pequeno consultório onde ganha o pão, na freguesia de Rossas, em Arouca. O retrato da família, hoje longe, na Ucrânia, serve para amansar a nostalgia e agarrar esperanças. Serguy (e não Serhiy como um engano o rebaptizou no passaporte) é ucraniano e médico, tem 49 anos e está em Portugal há cerca de seis anos. "Valeu a pena", diz.
Mas nem sempre foi assim. As mãos de Serguy já tiveram calos, a alma desalento e o corpo trabalho duro. Hoje, voltou a salvar vidas e a fazer o que escolheu é médico em Rossas, uma aldeia que o estima e onde nem sequer se admite que ele se vá embora. "É muito bom para nós", repete-se, em cada canto.
Serguy chegou a Lisboa em Fevereiro de 2001. Trazia nada nas mãos. Só uma mala com poucos pertences. Arranjou trabalho num lar de idosos, em Lisboa. Ficou por lá, a ganhar o ordenado mínimo, meio ano. Depois, vieram Fafe e uma fábrica de carpintaria onde não viu tostão pelo trabalho de três meses. Desanimado, voltou a procurar um ganha-pão. Encontrou-o em Válega, Ovar. Também como carpinteiro. E foi aí que a sua vida começou a mudar.
"Fui falar com o director do Centro de Saúde de Ovar, Manuel Sebe, e pedi-lhe emprego como ajudante de enfermagem. Perguntou-me o que fazia. Disse que era médico. E ele disse que o lugar de um médico é a exercer Medicina", contou ao JN.
Serguy e Manuel Sebe levaram o desafio a peito. O imigrante teve de voltar a estudar para conseguir a equivalência do curso. Conseguiu. Fez um exame no Hospital de Santo António, no Porto, ao lado de jovens finalistas. A seguir, foi estagiar para o Centro Hospitalar de Gaia, onde durante nove meses não recebeu dinheiro. Foi Manuel Sebe quem o ajudou. A sobreviver e a recuperar a auto-estima.
Rossas, em Arouca, aparece-lhe na vida em Setembro de 2005. E é nesse consultório onde se mantém e onde recebe os mais de 1500 utentes da freguesia, que o tratam como se fosse da família.
E é na família que Serguy está sempre a pensar. Por isso, pousa o olhar carregado de saudade no computador, onde vê a mulher, também clínica, e os dois filhos, um deles a estudar Medicina, o outro Direito. O regresso à Ucrânia é uma certeza. "Vamos ver quando", remata.
Rossas quer que ele fique
"Ele é muito humilde e atencioso para nós". Por todo lado se ouvem , em Rossas, elogios ao médico de família que, "por acaso, é ucraniano", mas já é considerado "filho da terra" . Daí que a possibilidade de Serguey Voronyak ir embora seja algo inaceitável. E o jantar ontem realizado por um grupo de utentes quis mostrar isso mesmo, sobretudo quando se sabe que o médico acaba o contrato de prestação de serviços no final deste mês. Em Rossas, o povo gostava de festejar com o médico o seu 50º aniversário, no próximo dia 25 de Abril. Mas o clínico já decidiu que passará a data com a família, regressando, por uns dias, à Ucrânia. "Sofri muito nestes seis anos. Mas a vida é mesmo assim", sublinha Serguy, garantindo não estar arrependido de ter escolhido Portugal para recomeçar.