18.3.07

Só metade das famílias com RSI tem planos de integração social

Andreia Sanches, in Jornal Público

Acordos com beneficiários duplicaram desde 2005, mas especialistas dizem que no terreno faltam recursos

A evolução do número de acordos de inserção mais do que duplicou desde 2005, diz o Ministério do Trabalho a O que é inserir alguém? O que é dar autonomia? Eugénio da Cruz Fonseca, presidente adjunto da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), lembra uma história: era uma vez uma cozinheira que não conseguia arranjar emprego. Recebia uma prestação do Estado para sobreviver. Sempre que se candidatava a um trabalho, era recusada. E a razão era simples: a cozinheira "tinha os dentes todos estragados". Para ela, "o programa de inserção foi uma prótese dentária".

Mais de 107 mil agregados familiares estavam em Janeiro a receber o rendimento social de inserção (RSI) - o sucessor, desde 2003, do rendimento mínimo garantido destinado a assegurar a subsistência a quem está em situação de "grave carência económica". Nestes núcleos familiares vivem mais de 260 mil pessoas. Boa parte (cerca de 120 mil) são menores e idosos, mas outros estão em plena idade activa. Em Dezembro de 2005, a percentagem de famílias beneficiárias em programas destinados à "integração social" não ia além dos 21,8 por cento. O Governo introduziu mudanças na lei e disse que ia apostar nesta área. Mais de um ano depois, a percentagem de famílias abrangidas por "acordos de inserção" é de 48,7 por cento, informa o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS).

A lei portuguesa é clara: os chamados "contratos de inserção", elaborados pelos técnicos em conjunto com os beneficiários, devem "promover a criação de condições necessárias à gradual autonomia das famílias". Mas, para muitos beneficiários, o RSI ainda é só uma prestação ao final do mês. Recentemente, a Comissão Europeia divulgou um documento onde referia que um dos principais desafios de Portugal "em matéria de protecção e inclusão social" passava por "acompanhar de perto e avaliar o impacto das medidas relacionadas com o regime de rendimento mínimo", bem como por "garantir a efectiva inserção social" dos grupos de risco. O MTSS faz saber que Portugal está "em sintonia" com Bruxelas. "Os dados referentes a 2007 demonstram que a evolução de acordos de inserção é muito positiva, mais do que duplicaram" desde 2005, diz Manuela Santos, do gabinete de imprensa do MTSS. E o Governo já se comprometeu com o objectivo de, até 2008, conseguir que "90 por cento das famílias RSI estejam em processo de inserção".

Poucos técnicos

Para cumprir a meta, diz o MTSS, está-se a apostar "na dinamização dos núcleos locais de inserção" - os NLI, onde estão representados diversos organismos, da saúde à educação, que têm a missão de elaborar os acordos com os beneficiários e de designarem o técnico que os devem acompanhar. Para Maria do Carmo Tavares - que representa a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses na comissão nacional de acompanhamento do RSI - aqui reside um ponto essencial: existem 310 NLI no país, mas "não há técnicos suficientes para acompanhar milhares de beneficiários". Há técnicos de acção social com "um número escandaloso de processos", diz Cruz Fonseca, que também integra a comissão nacional de RSI.

"Os contratos com as famílias obrigam à definição de percursos de inserção que necessitam de uma fortíssima e muito eficaz coordenação no terreno", nota Sérgio Aires, sociólogo, especialista em questões de pobreza e exclusão social. "Faltam recursos para a concretização desta medida", lamenta também. O MTSS faz saber que está a trabalhar na redinamização dos protocolos com as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) para que estas assumam responsabilidades na inserção dos beneficiários, nomeadamente quando os NLI estão sobrecarregados.

Mas Cruz Fonseca diz que é preciso garantir "que o Estado transfere para as IPSS os meios suficientes, porque é exigido que as instituições tenham um corpo técnico importante". Não tem sido assim. São ainda poucas as IPSS envolvidas - há 167 protocolos com instituições deste tipo ou outras que prossigam os mesmo fins.De resto, nota Cruz Fonseca, nos últimos anos "houve um desinvestimento total" no RSI. "Só agora se está a dar à medida um novo dinamismo." E ela bem precisa: "É fácil tratar da burocracia, dizer: "Este candidato tem condições para ter acesso à prestação ou não tem" e pôr as pessoas a receber." Estudar os seus problemas, encontrar soluções para o "acordo de inserção" e acompanhá-lo é bem mais difícil.

Há ainda outra batalha por vencer, defende Sérgio Aires: "Convencer a opinião pública sobre a validade de medidas como esta. Na realidade, quantas pessoas acreditam mesmo na validade desta política? Quantos técnicos que estão a aplicar o RSI nunca acreditaram e só a aplicam porque são obrigados?"Mas nem só as carências de técnicos - e eventualmente de "cultura do social", como lhe chama Aires - explicam que apenas metade das famílias tenha programa de inserção. Há falta, na opinião do representante da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, "de projectos concretos". E isso deve-se, sobretudo, à escassez de "respostas adequadas de formação para estes públicos", muito marcados pelas fracas habilitações, níveis de escolaridade muito baixos, quando não pelo analfabetismo.

"A formação profissional é a pecha", sublinha Maria do Carmo Tavares. "Não é admissível que seja esta a área menos trabalhada." Apenas 3,5 das acções de inserção desenvolvidas com os beneficiários de RSI em 2006 foram de formação profissional. "É preciso fazer formação à medida, formação profissional específica. Muitas vezes fazem-se propostas aos beneficiários que não são ajustadas", acredita Cruz Fonseca. "Mas talvez com o novo quadro comunitário de apoio as coisas melhorem."