17.3.07

Sonhos não discriminam as crianças

Emanuel Carneiro, Alfredo Cunha, in Jornal de Notícias

Se as perspectivas sobre os motivos da frequente dificuldade na obtenção de sucesso escolar por parte das crianças ciganas pecam por algum antagonismo - os argumentos de que os currículos académicos não se ajustam às particularidades culturais e sociais da etnia opõem-se aos de que é a própria comunidade a negligenciar a formação -, as expectativas e ansiedades destes alunos não diferem dos sonhos de futuro dos seus colegas de estudo. Quatro provas, mais do que vivas, surgem corporizadas abaixo, pela voz de meninos e meninas do Bairro de S. João de Deus, no Porto.

"Os professores não estão preparados para cativar as crianças de etnia cigana, por muito carinho que dêem, por muito que queiram, por muito que sejam contra o racismo, não conseguem". A resignação transparece das palavras de José Maria Fernandes, presidente e fundador da associação Os Viquingues, estrutura de matriz social e desportiva sediada no Bairro de S. João de Deus.

Manuel Abrantes Costa, doutorado em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Coimbra e director-executivo do Centro de Estudos Ciganos, discorda. "Para os adultos ciganos, a escola não traz vantagens. Por isso, afasta-se dela e arrasta as crianças nesse afastamento".

Acrescenta. "Essencialmente, são dois os motivos para esta atitude. "Indo à escola, não aprendem a técnica de venda ambulante e, se avançarem nos estudos, podem deixar a comunidade, devido à interiorização de outros valores. Os pais têm medo disto".

Problemas com a diferença

No livro "O povo cigano cidadãos na sombra", Luiza Cortesão e Fátima Pinto apontam que "as crianças ciganas têm características decorrentes da pertença a grupos sociais em situações de pobreza e exclusão e, simultaneamente, fazem parte de um grupo etnicamente minoritário. Sabe-se, por outro lado, que a escola funciona habitualmente através de ofertas pedagógicas concebidas e desenvolvidas especialmente para uma população de crianças brancas de classe média, do meio urbano e de confissão católica. Assim sendo, natural será que o insucesso, o desinteresse pela escola e o abandono sejam neste grupo quase uma constante. As crianças ciganas geralmente não aprendem o que os currículos escolares exigem, ou aprendem mal..."

Apesar de admitir que "a escola também não está muito preparada para lidar com a diferença", Manuel Abrantes Costa (professor do Primeiro Ciclo do Ensino Básico e autor do livro "Ciganos - histórias de vida") julga que há formas de combater o recorrente fraco aproveitamente escolar entre os estudantes de etnia cigana.

"O primeiro passo seria a inscrição das crianças num jardim-de-infância, para terem regras e hábitos de socialização. Depois, os responsáveis têm de interiorizar que qualquer aluno, cigano ou não, tem tendência, a não gostar da escola. Portanto, todos têm de ser olhados apenas como formandos. Não se pode pensar que, por serem ciganos, não vão aprender".

Outra das vertentes que o investigador pensa que deve ser explorada é a da interacção com os adultos. "É importante chamar os encarregados de educação das crianças ciganas à escola, integrá-los em comissões de pais, fazê-los participar na vida escolar".

Prossegue. "Tem de se fazer ver que há regras também para eles, que não podem só desculpar-se com condicionantes sociais. Caso contrário, estigmatizam-se tanto as crianças como os pais".

José Maria Fernandes não cede "As matérias curriculares são desadequadas, as crianças não têm interesse".

Por outro lado, o dirigente não esconde as dúvidas sobre a validade da aposta nos estudos. "O que adianta um pai esforçar-se para proporcionar um curso superior aos filhos se, depois, eles vão ser discriminados no acesso ao mercado de trabalho, precisamente, por ser ciganos?"

O docente - lançando mão de experiência própria - resgata outra direcção. "Quando uma criança cigana está em pequenos grupos com outros alunos numa sala de aula, a aprendizagem é normal. Nos casos em que os estudantes ciganos predominam, as expectativas em relação à apreensão das matérias são baixas".

Luiza Cortesão (que participou no estudo "Pontes para outras viagens - Escola e comunidade cigana representações recíprocas", do qual foram extraídos os dados expostos na caixa ao lado) e Fátima Pinto escrevem que, em diversas ocasiões, "as crianças ciganas não vão à escola porque 'lá fora' acontecem coisas mais importantes e/ou mais interessantes do que na sala de aula e também porque não existe, nos seus grupos de pertença, grande pressão social para que cumpram a escolaridade obrigatória ou, até, para que se alfabetizem". "A nossa tem sido uma luta para a integração", afirma José Maria Fernandes.

Desmotivação e instabilidade emocional

Nos problemas de natureza psicológica mais usuais entre os alunos de etnia cigana, contam-se a falta de motivação para aquisição de conteúdos programáticos, a instabilidade emocional e a pouca capacidade de concentração.Virtudes culturais como modelo de educaçãoSegundo o investigador J. P. Liégeois, se é verdade que as crianças ciganas deveriam ser as beneficiárias da educação intercultural , elas podem também proporcionar um modelo para essa educação, devido às suas características únicas, notavelmente a força da sua cultura.

Análises negativas salientam faltas

Quando avaliados negativamente, os alunos de etnia cigana são considerados faltosos, difíceis, pouco motivados, desorganizados ou desprovidos de qualquer aprendizagem.

Perspectivas positivas destacam dinamismo

As análises positivas realçam o facto de as crianças ciganas serem dinâmicas, inteligentes, capazes de efectuar bom cálculo mental, despreocupadas, felizes e de terem muito que ensinar aos interlocutores.