30.10.07

Excluídos do sistema aprendem lições de vida com jogos radicais

Alexandra Marques, in Jornal de Notícias

À distância os obstáculos afiguram-se sempre mais assustadores


Têm mais de 14 anos, não frequentam a escola há muitos anos, tornaram-se rebeldes e alguns já possuem cadastro. A maioria está sinalizada pelos serviços protecção social por se tratar de um grupo problemático. A família não os pode ou não os quer acolher, a escola interdita-lhes o reingresso por excesso de idade e estão em risco de se tornarem marginais. Foi para estes jovens excluídos do sistema que Ricardo Martinez, da Associação "Questão de Equilíbrio", com sede em Setúbal, criou "A Escola da Floresta".

Nesta escola, além das aulas do programa corrente dadas por professores voluntários, uma vez por semana aprende-se a correr riscos, a valorizar a vida e também o apoio dos outros quando se está mais vulnerável ou perante obstáculos que se julgam inultrapassáveis.

Seguindo uma lógica pouco comum de aprendizagem activa, o programa foi concebido para que estes seis jovens que vivem na Associação - três dos quais já em regime aberto -, descubram através de situações concretas que a vida não segue um rumo uniforme, as adversidades podem suceder-se em catadupa e quando alguém cai, não nos devemos rir, porque nos pode acontecer o mesmo. Importante é mesmo perder o medo e voltar a tentar.

Descobriram esta premissa no mar... fazendo esqui aquático. Seguros a uma corda e com os pés em bóias, o professor dificultou-lhes o equilíbrio, imprimindo mais velocidade e mudanças de direcção. À queda sucedia-se uma nova tentativa. "Tínhamos de aguentar o mais tempo possível, mas é difícil porque faz doer os braços, andamos em ziguezague e fomos à água", conta Carlos, 17 anos. Martinez garante que assim perceberam que o percurso a direito teria sido mais fácil, mas menos aliciante "Como a vida".

Seguiu-se a descida da fenda, com mais de 20 metros de profundidade, na serra da Arrábida. Primeiro desceu o monitor e cada um o fez depois, sozinho. Apesar dos arnezes, João, com 15 anos recusou-se a descer. "Não o gozaram porque também tiveram medo. Mas da segunda vez quando o João desceu, foi elogiado pelos colegas", diz o docente na Escola Superior de Educação sadina. A lição estava aprendida respeitar a decisão do outro, ser uma equipa e não ter vergonha por sentir medo, mas aprender a controlar os nervos e o pânico.

Um dia de "acrobranche"

No dia da reportagem, o grupo foi ao Parque Aventura na Mata da Machada, no Barreiro, fazer o percurso aéreo de obstáculos. Suspensos por um cabo, andaram sobre módulos oscilantes, apesar de presos às árvores. Em França, chamam-lhe "acrobranche" (acrobacias em ramos).

"Eles sabem que são situações de risco controlado, que podem cair e magoar-se se não cumprirem as regras de segurança. Mas assim tornam-se responsáveis e e já acontece um voltar atrás para ajudar outro que está mais aflito", explica o supervisor sénior.

A actividade destina-se também a provar que visto do chão (à distância) o percurso (o desafio ou problema) parece tenebroso e insuperável, mas à medida que o fazem verificam que afinal não é tão assustador e até foi possível de realizar. Ao mesmo tempo, ganham a noção de que quanto mais treinam, mais técnica adquirem no desempenho.

Cada um ao seu ritmo. Sem afirmações jocosas sobre a inépcia dos companheiros ou dos técnicos que fazem exactamente os mesmos exercícios. "Só desta forma eles confiam na psicóloga ou no monitor. Não desabafam com alguém que lhes diz para fazer, mas que não sai do chão", argumenta Ricardo Martinez. No final da actividade, sentam-se e falam sobre o que sentiram e a conversa é gravada, o que ajuda os mais tímidos, ao ouvirem os outros, a decidirem também partilhar as suas emoções.

"Questão de Equilíbrio" dá curso a 25 jovens

Na "Questão de Equilíbrio" está a decorrer um curso de educação/formação em DAC (Desenho Assistido por Computador), frequentado por 25 jovens em fase de abandono escolar. A turma do 2º ciclo tem 15 alunos e a do 3º ciclo outros 10. As aulas decorrem na sede de Associação, onde vivem seis destes estudantes.

Restrição às saídas é ponto mais complicado Uma das regras mais difíceis de acatar pelos internatos, que estavam habituados a ficar na rua sem limite, é a permissão para as saídas nocturnas. "Podemos sair se pedirmos autorização e dissermos para onde vamos, se tivermos boas notas e se não faltarmos às aulas", explica, contrafeito, Carlos de 17 anos. " E têm de dizer para onde vão e a que horas chegam, porque é assim em qualquer casa", acrescenta o professor.

Rafting e informática para irem a França

Conceber um projecto informático para que possam ir até França, fazer "rafting" num rio do Norte do país, canoagem no Sado e montanhismo na serra da Estrela são alguns dos próximos desafios. Pretende-se que os alunos convivam com jovens estrangeiros (para perceberem que o civismo e as regras de conduta existem em todos os países), testarem a coordenação no remo e o medo numa descida fluvial.