Catarina Gomes, in Jornal Público
Apreensões superaram pela primeira vez as de heroína
O que é verdade para toda a Europa também o é para Portugal: os actuais sistemas de tratamento da toxicodependência estão sobretudo vocacionados para consumidores de heroína, mas têm que estar preparados para uma tendência crescente - o aumento do consumo da cocaína. Esta foi uma das conclusões da reunião de coordenadores nacionais de combate à droga dos 27 países da União Europeia que ontem decorreu em Lisboa.
"A maior dificuldade tem a ver com a representação social que os consumidores de cocaína têm do próprio consumo", disse ontem o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), João Goulão. Por um lado, "não se assumem como dependentes" e, por outro, não procuram os centros de atendimento a toxicodependentes (CAT) porque são espaços "estigmatizados e muito conotados com usadores de heroína", referiu o responsável em conferência de imprensa, no final da reunião no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia.
Informação fornecida pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) dá conta de três perfis de consumidores de cocaína. Os primeiros, a que se referiu Goulão, estão bem integrados na sociedade, consomem-na em contexto recreativo inalando-a em pó, por vezes com álcool ou cannabis. O presidente do IDT defendeu que é preciso "encontrar espaços diversificados para captar estes usadores".
Um segundo grupo de utentes consome heroína e cocaína, sendo muitas vezes antigos heroinómanos que diversificaram o seu consumo. Nos consumidores de cocaína estes são os que mais se encontram em tratamento.
Como terceiro grupo encontram-se os que consomem cocaína crack (preparada para ser fumada) e pertencem a grupos muito marginalizados, como sem abrigo e minorias étnicas, referem notas informativas do OEDT distribuídas na conferência de imprensa.
Foi escolhida a cocaína como tema da reunião porque o seu consumo está a crescer em toda a União Europeia, constataram os responsáveis. Estima-se que 12 milhões (3,5 por cento) de europeus entre os 15 e 64 anos tenham experimentado a substância e 4,5 milhões (1,3 por cento) a tenham consumido no último ano (dados do relatório europeu do ano passado).
Mas há países onde a prevalência é mais preocupante, referiu ontem Goulão, apontando sobretudo para o caso de Espanha e do Reino Unido. No quadro geral de 22 países analisados, Portugal ocupa o 18.º lugar na prevalência de consumo de cocaína entre jovens adultos dos 15 aos 34 anos, estando bastante abaixo da média europeia mas, ainda assim, "tem vindo a ganhar terreno".
Sendo uma droga de implantação mais recente, ainda não existe tratamento farmacológico eficaz para tratar esta dependência, ao contrário da heroína (um dos tratamentos é a metadona) e "os riscos de saúde não estão bem identificados", explicou Goulão. O consumo excessivo e crónico de cocaína, que muitas vezes é misturado com outras substâncias, pode causar vários tipos de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, neurológicas, psiquiátricas, etc, lê-se nos dados do OEDT.
Na reunião também foi discutida a avaliação das políticas e da estratégia europeia em matéria de drogas (Plano de Acção 2005-2008, inserido na Estratégia europeia Horizonte 2005-2012).
15 por cento dos utentes da rede pública de tratamento que não exige internamento têm como droga principal a cocaína
23 por cento dos utentes em primeiras consultas na rede pública de tratamento têm como droga principal a cocaína
18 por cento dos utentes das unidades de desabituação públicas têm como droga principal a cocaína
1374 foi o número de apreensões de cocaína em 2005, o que significou que pela primeira vez foi superior ao de heroína
9 por cento foi o valor do aumento do número de condenados por tráfico e tráfico-consumo que estavam apenas na posse de cocaína (2004-2005)
Fonte: Relatório sobre a Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependências de 2005
1,3 % é a percentagem de cidadãos europeus que dizem ter consumido cocaína nos ultimos 12 meses