Cláudia Bancaleiro, in Público Última Hora
Alunos despertam contra a pobreza no relvado da Cidade Universitária
O relvado serviu de cama, a ONU emprestou lençóis e almofadas e cerca de 400 pessoas responderam à iniciativa “Vem Para a Cama Connosco”, que decorreu ao final da manhã na Alameda da Cidade Universitária, em Lisboa. O objectivo não foi dormir mas “Despertar Contra a Pobreza”, o nome da iniciativa promovida pela Associação PAR inserida no manifesto “Levanta-te e Faz-te Ouvir” que decorre hoje, no dia em que se assinala o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza.
A curta “sesta” estava marcada para as 12h00, mas meia hora antes apareciam já os primeiros candidatos à cama gigante que se formava na relva ainda húmida da Alameda. “Os alunos de Direito foram os primeiros a chegar”, gritou um caloiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que falhou uma aula para estar presente, decisão tomada por mais cinco colegas. Tal como todos o que se lhe seguiram foi encaminhado por um voluntário da associação até uma pequena tenda onde recebeu um número, que confirmaria a sua presença no protesto e ajudaria a contabilizar os participantes.
Enquanto se estendiam os dois mil metros de lençol, em longas tiras dispostas ao longo do relvado, o porta-voz da PAR, Amândio Rodrigues, defendia a necessidade de “respostas sociais” para enfrentar o problema da pobreza, que em 2005 representava um risco para 19 por cento da população, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística.
A “forma apaixonante e sedutora” encontrada pela PAR para alertar os jovens para este flagelo foi a acção “Despertar Contra a Pobreza”, que, segundo Amândio Rodrigues, pretendeu possibilitar “uma experiência diferente” a quem nunca participou neste género de iniciativas.
O representante da associação contou que a iniciativa foi o resultado de “uma mobilização espontânea”, divulgada, tal como outras iniciativas previstas para o dia de hoje, através de milhares de mensagens electrónicas.
Amândio Rodrigues explicou que a irreverência da iniciativa, inserida na acção mundial desenvolvida em Portugal pela Campanha Pobreza Zero, foi apenas uma “forma diferente” para alertar para os oito objectivos que integram a Declaração do Milénio, e que se pretendem cumpridos até 2015. O protesto teve ainda como meta superar o recorde do Guiness do maior número de pessoas que, em 24 horas, se levantaram em defesa de uma causa. Em 2006, 20 mil portugueses participaram nas iniciativas nacionais contra a pobreza, um número que a Campanha Pobreza Zero pretende elevar este ano para 50 mil.
Alunos solidários
Com o número 1977 ao peito, João Correia, de 21 anos, aluno do terceiro ano e membro da Associação Académica da Faculdade de Direito, garante estar sensibilizado para as questões humanitárias, sublinhando que a sua faculdade ajuda alunos mais desfavorecidos. “A Associação Académica e a Faculdade de Direito dão senhas de almoço a estudantes nacionais, de Timor e de outros países mais carenciados, e ajudam com material escolar”, disse João Correia, defendendo a “sensibilização” como um dos primeiros passos a dar para o combate à pobreza.
Também Cláudia Pereira, de 17 anos, aluna do primeiro ano do curso de Psicologia, insistiu na necessidade de sensibilizar “os portugueses para dizimar a pobreza” e falou nas iniciativas que a sua faculdade organiza anualmente para ajudar quem precisa. No seu ano de caloira, Cláudia diz que foi criada uma recolha de brinquedos para meninos carenciados e que para os anos seguintes estão previstas novas acções.
Atrás de João e Cláudia, Ana Cabrita, funcionária pública de 48 anos, destoa do resto da multidão pela idade e pelas duas bandeiras negras que carrega. “Trago negro pela fome de pão e de justiça e luto por termos regressado a um regime fascista”, disse, “revoltada com as injustiças do mundo”.
Vinte filas de lençóis mais à frente, a voz de Amândio Rodrigues é amplificada por um megafone, através do qual reúne os participantes e começa a “deitá-los” na cama de relva já preparada por dois voluntários. Após dois ensaios - o deitar e levantar exigiu mesmo uma coreografia, com direito a onda humana -, os cerca de 400 participantes ouviram um manifesto redigido pela associação PAR e lido pelo seu porta-voz para assinalar o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza. Após ter sido interrompido algumas vezes pelo apresentador de um programa de comédia da SIC Radical, que apareceu subitamente na Alameda da Cidade Universitária, e pelo buzinão de solidariedade de alguns condutores que passavam no local, Amândio Rodrigues apelou à participação na “luta pela causa deste século”.
Numa mensagem destinada a “sensibilizar os líderes mundiais para que até 2015 haja acções concretas no combate à pobreza”, foi pedida mais ajuda aos carenciados, o perdão da dívida dos países em desenvolvimento e um comércio mais justo. “Não pedimos caridade mas justiça (...). Não podemos perder esta oportunidade histórica de alertar para a fome. Somos a primeira geração para acabar com a pobreza extrema”, disse Amândio Rodrigues ao ler as últimas linhas do manifesto.
No final, o balanço feito pela Associação PAR foi positivo. “Mais do que fazer pressão política, tentamos incutir o bicho as pessoas para fazerem algo no dia-a-dia e combaterem a pobreza”, rematou Amândio Rodrigues
Além da acção “Despertar Contra a Pobreza”, até às 21h00 de hoje decorrem outras iniciativas no país, no âmbito do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, que contará só em Portugal com cerca de duas mil acções. A partir das 17h00, as escadarias da Assembleia da República recebem um Requiem à Pobreza, que se repete às 20h45 na Basílica da Estrela. Também depois das 17h00, haverá uma concentração na Fonte Luminosa da Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa. A Praça Central de Telheiras vai alertar contra a pobreza através de um assobiadela colectiva.
A Campanha Pobreza Zero foi lançada pela ONG Oikos em 2005, ano em que decorreu a Cimeira da ONU do Milénio + 5, a reunião do G8 na Escócia onde foram perdoadas dívidas de vários países pobres, e a Cimeira da Organização Mundial do Comércio, onde se discutiram importantes questões do comércio internacional.