4.7.09

Magistrados de cinco países defendem cuidados de saúde em vez de sanção penal para consumidores de drogas

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Emitiram ontem a Declaração do Porto, que irá agora ser enviada aos magistrados de outros países


Estavam desde quarta-feira reunidos. Ontem de manhã assinaram a Declaração do Porto 2009 - título do "documento de magistrados latinos sobre políticas públicas em matéria de drogas e direitos humanos". Querem mudar o paradigma da redução de riscos associados ao consumo de drogas. Querem nela incluir "a redução da violência que as agências governamentais e estatais produzem contra a população por acção ou omissão".

O documento, apresentado pelo juiz argentino Martín Válquez Acuña, começa por apregoar o "rotundo fracasso" das políticas públicas de droga. O diagnóstico assenta em dois pilares: após décadas de proibicionismo, o consumo não diminuiu e as grandes organizações criminosas não foram punidas. Não chegam aos tribunais os casos "mais graves". Ao sistema judicial chegam, sobretudo, casos "insignificantes", que sobrecarregam o sistema prisional e geram um "imenso e desnecessário sistema judicial".

O texto pensado por magistrados de Portugal, de Espanha, de Itália, do Brasil e da Argentina advoga que se tire da alçada da justiça os consumidores e os consumidores que fazem pequeno tráfico para pagar a dose: "Pretender solucionar um problema social complexo através do sistema penal é violar o direito de acesso à saúde."
Esta ideia de que o consumo é um problema de saúde atravessa todo o documento. "A proibição do consumo através da repressão e da posse de estupefacientes marginaliza o consumidor e condiciona o seu contacto com as instituições sanitárias ou outros organismos de assistência social, já que os identifica com a agência policial, privando-os da acção terapêutica necessária para a atenção voluntária do consumo problemático", sustenta. A prisão deverá ser aplicada só em "último recurso".
A juíza argentina Mónica Cuñarro enfatizou ser "a primeira vez" que magistrados de diversos países se reuniram para tomar uma posição pública sobre este assunto. A mensagem deverá agora propagar-se. Desde logo, no seio de quem se dedica a aplicar as leis. Como explicou o procurador português António Cluny, os magistrados presentes integram associações nacionais que, por sua vez, integram organizações internacionais.

Os países têm especificidades, admitiu Eduardo Maia Costa, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça português. Apesar das diferenças, subsiste uma lógica global de criminalização do consumidor. Em Espanha, exemplificou o espanhol Pablo Gutierrez, 70 por cento dos 71 mil presos respondem por crimes relacionados com droga. No Brasil, explicou o juiz brasileiro José Enrique Torres, a redução de danos nem sequer é legal. Os funcionários do Ministério da Saúde podem ser julgados por executarem programas de troca de seringas ou de substituição opiácea.

A Conferência Latina de Magistrados "Políticas de Droga, Democracia e Direitos Humanos" decorreu no âmbito da V Conferência Latina sobre Redução de Riscos, organizada pela Agência Piaget pelo Desenvolvimento, em parceria com o grupo Igia e com a Universidade do Porro. Luiz Eduardo Soares, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, encerra hoje na Alfândega do Porto o evento, que reuniu 250 oradores nestes quatro dias. Mestre em Antropologia Social, doutor em Ciência Política, é co-autor do livro Elite da Tropa, que deu origem ao filme Tropa de Elite.