Alexandra Prado Coelho (texto) Enric Vives-Rubio (fotos), in Jornal Público
Mesmo tendo atravessado situações difíceis, sobretudo para conseguir trabalho, os quatro imigrantes que ouvimos não se queixam das políticas de integração
As políticas portuguesas de integração dos imigrantes podem ser consideradas generosas, mas como é a prática? Fomos ouvir as experiências de quatro imigrantes a lidar com a lei, e com os funcionários que a aplicam.
O difícil, dizem, é conseguir o tão ambicionado contrato de trabalho. Muitos são enganados e explorados. Mas das instituições quase não há queixas: mesmo quando estão ilegais são tratados nos hospitais, inscrevem os filhos nas escolas e não se sentem perseguidos pela polícia. Se alguma vez os direitos lhes foram negados é porque tiveram o azar de deparar com um funcionário com má vontade. E se, às vezes, ouvem um "vai para a tua terra", não dão demasiada importância a isso, e não se queixam de racismo.
Adriana Gomes da Silva
"Uiiii, isso é uma longa história", sorri a brasileira Adriana quando lhe perguntamos como chegou a Portugal pela primeira vez. Foi em 2000, tinha 21 anos e vinha com uma amiga para fazer um curso de rádio e televisão - viagem paga por um casal português dono de um restaurante no Algarve, gente muito simpática que garantira ao pai de Adriana que "podia ficar descansado porque eles tomariam conta das raparigas". Elas trabalhariam no restaurante para pagar a viagem e o curso, e estariam em segurança. "Chegámos lá e percebemos que o restaurante, à noite, se transformava noutra coisa", conta Adriana. "A senhora queria obrigar-nos a trabalhar lá à noite, mas nós recusámo-nos. Ela batia-nos, mas eu não me importava. Podia bater, que eu não ia fazer o que ela queria". Decidiram fugir, apesar de a dona do restaurante lhes ter tirado os passaportes.
Adriana acabou por conseguir fugir e procurou amigos em Lagos. Aí a sorte mudou. Conseguiu trabalho em casa de um senhor idoso, teve um contrato, iniciou a legalização. Mas quando o patrão morreu, regressou ao Brasil.
Entretanto engravidou e só voltou a Portugal em 2005, com o filho de três anos, para se juntar ao namorado. E essa é "outra longa história", que envolve violência doméstica. Das autoridades portuguesas não se queixa. "Estava ilegal e fui ao tribunal, ao hospital, fiz queixa na polícia [do ex-companheiro] e eles até me acompanharam a casa. Tenho amigos em Espanha que dizem que até no supermercado é preciso ter cuidado porque a polícia chama os serviços de imigração. Dizem que aqui é o paraíso."
Mas mesmo no "paraíso" há problemas. Quando se mudou do Centro de Acolhimento Pedro Arrupe (do JRS-Serviço Jesuíta aos Refugiados, onde trabalha actualmente no atendimento ao público) e viveu com o filho durante um ano depois de deixar o companheiro, para Sete Rios não a queriam aceitar no centro de saúde da área. Tentou várias vezes, até que o filho ficou doente, ela teve que ir ao hospital e aí disseram-lhe que para ter baixa tinha que ter médica de família. Só uma carta escrita por um funcionário do hospital desbloqueou a situação no centro de saúde - onde, apesar disso, não escapou a comentários como "já cá temos mais brasileiros do que portugueses".
Este episódio e um processo bloqueado quase um ano no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) são as únicas razões de queixa. De resto, diz, "estando legais, temos os mesmos direitos que os portugueses, tudo depende de quem nos atende, é preciso termos a sorte de não ser uma pessoa racista e xenófoba".
Euclides Monteiro
Euclides Monteiro, de 29 anos, deixou Cabo Verde há onze anos para vir estudar para Portugal. "Infelizmente não consegui, porque tinha que trabalhar para poder estudar, e acabei sem estudar por trabalhar", diz, rindo.
Quando chegou, em 1998, foi para o Algarve, onde trabalhou, juntou algum dinheiro e tentou tirar o 12º ano. Conseguiu um primeiro contrato e um visto de permanência - "não foi muito complicado, depois o visto caducou e a situação complicou-se". Mas esses eram os anos bons para a construção civil (1998 a 2003).
Esteve três anos em situação ilegal. Casou, teve um filho e finalmente conseguiu o contrato para poder legalizar-se. O mais complicado nos processos burocráticos em Portugal é o facto de "as leis mudarem e os serviços não estarem bem informados sobre isso", o que gera por vezes situações em que "o imigrante sabe o que mudou e o serviço não sabe". Mas "as coisas melhoraram muito nos últimos dois ou três anos".
A parte mais complicada da sua vida em Portugal é a habitação. "Tive que me desenrascar e construir um barraco" num bairro clandestino da Costa da Caparica (até criou o blogue Voz di nha bairro). "O meu bairro é esquecido, não existe, só é encontrado com mandato de captura", lamenta. "Aí, a política falha. Só é conhecido como um bairro problemático, com tráfico de droga, e não como um bairro com crianças, jovens, trabalhadores, que vivem sem água e sem energia eléctrica." Tem pena disso, como tem pena de não poder votar e, sobretudo, de não poder estudar. Mas não desiste. "Ainda quero estudar - e vou estudar." E deixa uma sugestão: "Devia dar-se oportunidade aos ilegais que querem estudar, permitir que se matriculassem e que, assim, conseguissem legalizar a sua situação. Seria um país cheio de estudantes, sem analfabetos. Acho que isso era um passo gigante".
Arvyol Namniyek
"Nunca tivemos medo. Não sabíamos nada. O medo aparece quando se sabe alguma coisa." Foi assim, sem saber o que ia encontrar, que Arvyol Namniyek, de 40 anos, chegou, há nove anos, à Estação de Santa Apolónia, em Lisboa.
Este cidadão ucraniano nascido na Rússia tinha decidido deixar a Ucrânia e viajar com a mulher. "Queríamos sair para um lado qualquer. Não tínhamos quase nenhum dinheiro e Portugal era o mais barato", conta no seu português fluente. Foram levados até Badajoz e aí compraram um bilhete de comboio para Santa Apolónia. Traziam apenas um número de telefone de alguém que, a troco de um pequeno pagamento, os poderia ajudar nesses primeiros dias. Ligaram, o contacto apareceu, e levou-os até uma pensão.
Nessa altura - chegaram a 21 de Dezembro -, Lisboa estava toda enfeitada com luzes de Natal, mas ninguém andava à procura de trabalhadores. Arvyol esperou, e no final da primeira semana de Janeiro já tinha arranjado trabalho nas obras. Durou um mês, ao fim do qual lhe disseram que afinal não precisavam de serventes. Apesar disso, pagaram-lhe 750 escudos por hora, mais cem escudos do que o combinado. "Na verdade, trabalhei como uma máquina."
Conseguiu pagar a dívida na pensão, mudou-se para um quarto. "A minha mulher trabalhava em casa de uma família e eu começava às oito da manhã a andar pela cidade à procura de trabalho." Vendo o ar confiante deste antigo polícia, alto, bem penteado, sorriso com um dente de ouro, percebe-se que não desanima facilmente.
Encontrou um novo trabalho, ainda nas obras, mas já com contrato. Não precisava de mais nada. Deu entrada para o processo de legalização e "tudo aconteceu como devia ser". Dois meses depois de ter chegado, recebia o seu primeiro visto por um ano. Em 2002, pôde ir à Ucrânia buscar o filho mais velho, hoje com 16 anos. O segundo filho já nasceu em Portugal. Até Maio de 2005, continuou a trabalhar na mesma empresa, inscreveu os filhos na escola, comprou casa.
Um dia viu um anúncio a pedir motoristas para a Carris, candidatou-se, passou os testes e foi chamado. Hoje guia autocarros pelas ruas de Lisboa que aprendeu a conhecer quando tinha que as percorrer à procura de um primeiro trabalho.
Raja Asher Jalal
Os sonhos de Raja Asher Jalal eram grandes e este paquistanês de 33 anos nunca imaginou recorrer à ajuda dos outros. Saiu do Paquistão para ir estudar gestão na Holanda, mas problemas financeiros obrigaram-no a vir para Portugal, onde "o processo de legalização estava a começar".
Quando chegou, em Março de 2008, tinha algum dinheiro, mas as coisas não correram bem. "Conheci umas pessoas [não sabe se portugueses ou estrangeiros] que me prometeram trabalho na construção, mas não cumpriram: não me pagaram tudo e não me deram contrato", conta em inglês.
Os meses foram passando, o dinheiro foi acabando. Num cibercafé de um paquistanês, tornou-se amigo de uns portugueses. Viveu em casa deles três meses. "Nós, os asiáticos, não estamos habituados a depender dos outros. Eu procurava trabalho todos os dias."
O que Raja não sabia é que "existiam sítios como este", e aponta à volta. Estamos no Centro de Acolhimento Pedro Arrupe do Serviço Jesuíta aos Refugiados. "Não sabia que aqui davam alojamento e este tipo de apoio." O centro, onde vive há 10 meses, foi uma tábua de salvação. "Quando cheguei, não tinha um tostão. A cabeça estava vazia. Precisei de uma semana para estabilizar psicologicamente. Aqui ajudaram-me muito nisso."
Teve que recomeçar lentamente. Aceitou trabalhos mesmo sem contrato. "Ter dinheiro para poder beber um café é muito importante psicologicamente." Também isso foi uma surpresa: "As pessoas trabalham como burros, dez euros para descarregar dois camiões cheios de fruta, seis horas de trabalho". Depois soube que uma empresa de restauração procurava quem falasse inglês, candidatou-se, começou nas limpezas e já é cozinheiro, conta, orgulhoso. "Virá o tempo em que terei um emprego num escritório."
Deixa um conselho aos imigrantes: "Não sigam o caminho mais curto. Se forem pelo caminho certo, mesmo que pareça impossível, vão conseguir". E um esclarecimento: "Vivemos uma situação muito difícil no Paquistão [com o terrorismo]. Por favor, vejam-nos de forma positiva, somos honestos e trabalhadores".
Dos portugueses não tem mal a dizer. Quando cortou um dedo, foi ao hospital. "Visitei muitos países e nunca vi um tratamento tão bom", garante. "Num grande país, nunca teria sido assim. Pedem a identificação e se a pessoa não tiver não a tratam mesmo que esteja a morrer". Em Portugal, "não há dinheiro mas há sentimentos".