Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
O pai do microcrédito acredita que não devemos procurar mas sim criar o nosso próprio emprego. Em conversa com o PÚBLICO em Londres defende ainda que a eliminação da pobreza é o passo para acabar com a escravatura
Oito anos depois de ter recebido o Nobel da Paz, Muhammad Yunus continua a ser uma estrela. Yunus é interpelado várias vezes depois do seu discurso na conferência anual Trust Women, organizada em Londres pela Thomson Reuters Foundation, a 18 e 19 de Novembro, e dedicada ao tema das mulheres e da escravatura. As conversas com curiosos são constantemente interrompidas, é-lhe pedido que tire selfies. Bem-disposto, vai aceitando, sorrindo.
Yunus (n.1940) recebeu o Nobel da Paz em 2006 pela fundação do banco Grameen e pela criação do microcrédito (pequenos empréstimos a pessoas pobres). Nascido no Bangladesh, criou o Yunus Centre, que desenvolve a sua filosofia e funciona como apoio aos negócios sociais (negócios sem prejuízos, nem dividendos, mas com mais valias sociais). Yunus não quis falar do Grameen e da polémica que o envolve (o governo do Bangladesh, em 2011, acusou-o de atropelos à lei; Yunus considera-se vítima de perseguição política).
Na conferência de Londres, encontrou-se com o Nobel da Paz deste ano, Kailash Satyarthi, o activista indiano que salvou 80 mil crianças do trabalho forçado. Conversa de 25 minutos num dos intervalos da conferência.
Kailash Satyarthi, na sua intervenção, contou a história de uma criança que tinha perguntado: o que nos impede de acabar com a escravatura? Quer responder?
Há muitas coisas erradas no mundo às quais as pessoas não ligam, e esta é uma delas. Diria que a resposta é a indiferença: as pessoas estão tão focadas em fazer dinheiro, na perseguição do lucro, em ambições pessoais em termos de quanto dinheiro se ganha... Temas como a violação dos direitos humanos, a escravatura infantil, a pobreza, a disparidade salarial não interessam. Nesse contexto, as pessoas tornam-se muito egoístas porque isso é encorajado num sistema que é alicerçado no egoísmo.
A escravatura é também um produto disso, entre outras coisas. Está-se tão focado em fazer dinheiro que não há interesse pelos direitos humanos, subjugam-se as pessoas para fazer dinheiro com elas.
Disse que os negócios sociais poderiam ser uma maneira de prevenir o tráfico de pessoas. Pode explicar melhor como?
As vítimas são pessoas que estão à procura de oportunidades porque não as tiveram nem as vêem na sua vida. As mães vendem os filhos e entregam-nos porque têm tão pouco que não conseguem alimentá-los. E pensam que, se os derem, recebem dinheiro – é um instinto de sobrevivência que as leva a sacrificar os filhos. Mas se conseguirmos melhorar a qualidade de vida dos pais a incidência desse problema diminui. Como? Criamos negócios sociais para empregar pessoas que não têm salários. É uma acção preventiva, tirar as pessoas da pobreza, de modo a que não estejam sob pressão para as vender, as mandar para a prostituição, etc. Isso é o que pode fazer um negócio social. Num negócio convencional não é isso que acontece: quer-se fazer dinheiro. Precisamos de negócios que não estejam sedimentados nos interesses pessoais, no egoísmo. São os negócios sociais, que não têm dividendos.
Os problemas a resolver são ajudar as famílias a melhorar a sua qualidade de vida, de educação, ou a criar emprego ou negócios, de modo a não se tornarem vulneráveis à pressão de vender os seus filhos.
Criou dois conceitos fortes, microcrédito e negócio social. Tem algum outro conceito que permita acabar com a escravatura ou fazer avanços na prevenção e combate?
O combate é mais um tema de lei e ordem – apanhar quem faz negócio com escravatura, condenar, etc. Estes são os mecanismos que existem, como deixar o sistema alerta de modo a receber os sinais das pessoas que estão em dificuldade, como melhorar a parte do crime, do sistema judicial e de modo a que os perpetradores não saiam ilesos.
A solução é criar consciência sobre o tema. Muita gente, mesmo os indianos, não sabe que metade do trabalho escravo infantil está na Índia. Se soubermos quantas pessoas estão nessa situação então ficamos alertas, fazemos disso um tema político, tornamo-lo um tema global. Então a questão é de como melhorar as leis, tornar o sistema sensível de modo a não se arrastar durante anos até chegar a uma conclusão. Estes são os temas da luta contra o crime. No comércio sexual mundial há mulheres a entrar no esquema e porque entram? Porque não têm alternativa e caem na armadilha. Se tiverem melhores alternativas não caem no tráfico.
O seu objectivo era que o Bangladesh cumprisse a meta dos objectivos do milénio para 2015. Como é que está neste momento nessa matéria?
Está muito bem. O objectivo número um, de erradicar a fome e a pobreza extrema em metade, conseguiu fazê-lo dois anos e meio antes – um dos países mais pobres do mundo atingiu isso antecipadamente. Em relação aos outros objectivos tem um bom desempenho, excepto na saúde maternal, mas estamos a tentar corrigir isso de modo a que, quando chegar Dezembro de 2015, atinjamos o objectivo ou cheguemos lá muito perto. Estamos a aplicar tecnologia para identificar a gravidez, desenvolvemos aplicações de telemóvel para mulheres grávidas em que respondem a 20 perguntas e, de acordo com as respostas, uma mulher pode identificar se está numa gravidez de risco – no Bangladesh 16% das gravidezes são de risco.