Psicóloga Tânia Gaspar defende benefícios da tecnologia na sala de aula, mas alerta para a necessidade de criar actividades atractivas nos recreios para afastar crianças dos telemóveis.
Permitir ou proibir telemóveis nas escolas? A partir de que idade? É possível arranjar um meio-termo? O debate arrasta-se há anos e não deverá abrandar no próximo ano lectivo, com queixas e petições para a limitação do uso de tecnologia nas salas de aulas e recreios. Na semana em que a UNESCO veio alertar para os perigos, o PÚBLICO falou com a psicóloga e professora Tânia Gaspar, coordenadora no estudo internacional Health Behavior School Aged Children, promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sobre o tema.
A UNESCO defende, num relatório divulgado na quarta-feira, que o uso de telemóveis devia ser proibido nas escolas se trouxer maior desordem do que incentivos à aprendizagem. Concorda com esta visão?
Tenho muito respeito pela reflexão e julgamento das outras pessoas – especialmente de entidades como a UNESCO. Pela experiência que tenho com escolas e estudos nacionais e internacionais, considero que essa medida existe porque não foi feita prevenção. De alguma maneira não gostaria de concordar com isso, porque as tecnologias fazem parte da nossa vida, do nosso futuro. Não consigo conceber uma formação que não tenha as tecnologias, é a mesma coisa do que decidir tirar a Matemática das escolas.
O relatório foca-se principalmente na utilização dos telemóveis dentro da sala de aula.
É algo que tem sido recomendado e promovido pelos próprios professores e Ministério da Educação, no sentido de os alunos utilizarem isso como um recurso à aprendizagem. Uma vez que gostam tanto do telefone e têm tantas competências de pesquisa, poderem usar esse dispositivo com o fim de aprendizagem dos conteúdos programáticos parece-me adequado. A não ser que não tenham telefone e se criem desigualdades sociais. Mas o que me parece é que [proibir] é uma medida de desespero e dizer: ‘Não consigo gerir os telemóveis na sala de aula, vamos proibir.’ Nesse caso, a ideia passaria por pensar como se pode fazer essa utilização saudável.
O recreio deve ser uma zona livre de telemóveis?
Durante as aulas, as crianças estão concentradas e focadas na matéria. Ao saírem para intervalo, precisam de tempo para descontrair. Se não tiverem esse momento, existirá uma quebra de rendimento no regresso à sala de aula. [A utilização do telemóvel nos recreios] Pode afectar também as relações interpessoais – na substituição do contacto pessoa a pessoa com os outros colegas. Há ainda jovens que têm maior dificuldade nas relações interpessoais que acabam por não desenvolver essas competências. No recreio há um maior risco do que em contexto de sala de aula: como não há uma supervisão, existe uma maior tendência de os alunos passarem os intervalos ao telemóvel. Há uma estratégia que algumas escolas têm adoptado: os jovens colocam os telemóveis numa caixa e o telemóvel não é utilizado nos momentos que não são oportunos.
Acha que há uma idade indicada para uma criança começar a ter telemóvel?
Isso depende da criança e das circunstâncias: a criança mora ao lado da escola ou mais longe? Numa primeira fase, os pais dão o telemóvel por uma questão de segurança. Ali por alturas do 5.º, 6.º ou 7.º ano há uma maior dificuldade em regular [o uso de telemóvel]. O que podemos fazer? É importante fomentar actividades alternativas. Muitas escolas têm poucas condições ou recursos para se desenvolverem actividades nos recreios. Podia existir algum trabalho nas escolas e de formação aos auxiliares para que exista uma gestão de recreio mais estratégica e planeada, para os miúdos não sentirem que não têm nada para fazer e que a melhor alternativa é ligarem-se aos telefones.
Cada escola é livre de decidir ou não o uso dos telemóveis. Acredita que o Ministério da Educação devia definir uma política comum para o ensino público neste tema?
Isto não é uma coisa consensual. Normalmente as medidas mais gerais são as que têm um consenso mais vincado. O que a ciência nos diz é que não são as tecnologias ou os telemóveis que são o problema. Custa-me, enquanto cientista e pessoa que trabalha com os jovens, a ideia de retirar as tecnologias da escola. No resto da vida deles existe e na escola não? Como é que as escolas os preparam para a vida se não integram estes elementos? O que considero é que há falta de prevenção e criação de condições para que os telemóveis sejam usados de forma saudável. Esta medida de dar a decisão a cada escola é permitir que as escolas que conseguem encontrar esse compromisso e equilíbrio entre utilização de tecnologias e dinâmicas das escolas os possam usar, permitindo também que os que não têm essas ferramentas tenham uma decisão mais “autoritária” de retirar os telefones. Assustar-me-ia a proibição do uso de tecnologia ou telemóveis em todas as escolas.