TEXTO AMADEU ARAÚJO FOTO TIAGO MIRANDA, in Expresso
Beatriz Bandeira estava num beco sem saída. Tinha-se formado em Arquitetura e já trabalhava, mas o que ganhava não lhe permitia “sair de casa dos pais”, porque as rendas e os preços de um T1 em Lisboa eram “escandalosos”. Aos 26 anos, vivia uma história comum a outros jovens, que, como ela, enfrentam as dificuldades de uma realidade condicionada pela inflação e por um mercado imobiliário cujos valores excedem o poder de compra de uma grande percentagem da população. Mas Beatriz não se conformou: enjeitou os “avisos dos amigos” e mudou-se para Nelas, onde encontrou emprego, “qualidade de vida e bom ambiente social”. Agora vive no distrito de Viseu com o namorado e faz parte de uma estatística: é uma entre os 4728 novos habitantes do interior do país, sobretudo jovens que beneficiam do programa Mobilidade Apoiada para um Interior Sustentável, promovido pelo Governo, que já investiu nele €3,8 milhões.
“Temos neste momento, números de 30 de junho, 4728 pessoas abrangidas, incluindo o seu agregado familiar. Há alguns concelhos no interior do país que não têm sequer esta população”, sublinha a ministra do Trabalho e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que garante a continuidade de medidas de apoio à fixação e à valorização de pessoas fora dos grandes eixos metropolitanos, e utiliza uma metáfora para explicar o empenho: “É como se estivéssemos a criar uma grande vila no interior.” O sentido de comunidade é especialmente valorizado por Beatriz Bandeira. “Nas ruas recebo os bons-dias, o que não era habitual em Lisboa. A vizinha é simpática, atenta, até me oferecem alguns produtos e há sempre tempo para ir a um café depois do emprego, passear num dos muitos parques, encontrar novos amigos, tudo muito devagar e tranquilo.”
O programa está em vigor desde julho de 2020 e surgiu como resposta ativa aos desafios da situação pandémica, possibilitando um apoio financeiro direto às famílias que, em contexto de mobilidade geográfica, se fixem e iniciem atividade laboral em territórios do interior. O apoio financeiro direto varia entre os €2442 e os €3363, com uma majoração de 20% por cada elemento do agregado familiar que se mude com destino ao interior. E contempla também a comparticipação do custo de transporte de bens com €720.
Em março deste ano o programa foi alargado a situações de atividade profissional já existente, em que se verifique a transferência do respetivo local de trabalho para território de baixa densidade populacional. Estão também abrangidos os nómadas digitais, a par de projetos de fixação e do exercício de atividade profissional no interior, concretizados na sequência de estágios profissionais que tenham decorrido nesses territórios. Outros beneficiários são os bolseiros e membros de órgãos estatutários de empresas.
Aos 4728 novos residentes do interior abrangidos pela Mobilidade Apoiada para um Interior Sustentável, juntam-se mais 2876 pessoas que beneficiaram do programa Regressar, que facilita o retorno dos emigrantes, contemplando uma majoração de 25% dos apoios quando a atividade profissional se situe em territórios do interior. Tudo somado, chega-se a 7604 novos residentes que nos últimos anos escolheram mudar de vida e fixar residência em concelho de baixa densidade populacional.
OS IMIGRANTES
As candidaturas aos vários programas são processadas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que as especifica detalhadamente: a maior parte das aprovações (73,2%) refere-se a processos de mobilidade baseados em trabalho por conta de outrem, 23,2% a pessoas que criaram o seu próprio emprego e 3,5% aos novos residentes que criaram empresas. Por outro lado, mais de metade dos destinatários com processos de mobilidade baseados em trabalho por conta de outrem estão com contrato sem termo. 56% dos candidatos com processos aprovados têm o ensino superior e 54,7% têm até 35 anos.
Quanto à proveniência dos novos residentes, são maioritariamente oriundos dos distritos de Lisboa (32,5%), Porto (17,2%), Setúbal (7,4%), Braga (5,9%), Aveiro (5,3%) e Coimbra (4,7%). E os principais destinos são os distritos de Castelo Branco, com 25,4% das candidaturas aprovadas, de Évora (13,7%), Portalegre (7,6%), Guarda (7,3%) e Vila Real (7,1%). Há ainda 2521 candidaturas em análise, registadas até 31 de maio, e que abrangem um total de 4608 pessoas.
Os dados não se cingem à mobilidade interna. Em março, o número de estrangeiros a trabalhar no interior ao abrigo desta medida rondava os 400, sendo o Brasil, Itália, Ucrânia e Espanha os principais países de origem.
Nicolau de Oliveira é um exemplo. Este engenheiro informático, de 34 anos, veio do Brasil há oito meses e mudou-se para Belmonte com a família. A empresa para a qual trabalha “tem um programa para brasileiros e moçambicanos se expatriarem para Portugal e aconselha Belmonte”, revela o engenheiro. “É natural, é a terra de Pedro Álvares Cabral, o descobridor do Brasil”, graceja.
Nicolau, que faz desenvolvimento de software para uma multinacional, adianta que “a adaptação foi muito boa”, que “todos ajudaram” e que rapidamente alugou uma casa. Apesar do calor, “mais seco” do que no Brasil, “há praias fluviais e a vida é tranquila e muito segura”. “O dia a dia é feito no escritório, para onde me desloco a pé com muita tranquilidade, tenho tempo para almoçar, conversar, fazer amigos e conhecer um concelho fantástico.” Conhecedor dos problemas demográficos de Portugal, classifica o programa de “positivo”, apesar de “alguns atrasos com o reagrupamento familiar, mas nada que não se resolva”. Também “não tenciona” regressar ao Brasil e pretende ficar “no país e ver os filhos crescer no concelho”.
Tem sido, aliás, o aumento dos residentes estrangeiros em Portugal que tem feito com que a população em território nacional tenha registado um crescimento, de forma consecutiva, nos últimos quatro anos. Sem essa imigração a população iria continuar a diminuir, já que o saldo natural tem sido negativo. Em 2022, o número de mortes superou em 40 mil o de nascimentos. Mas estes desequilíbrios afetam as regiões de forma diferente, com o interior a ser mais penalizado pelo envelhecimento e pela desertificação.
Olhando para os dados mais recentes do INE, é possível constatar que, dos 308 concelhos do continente, 144 ganharam habitantes em 2022 face a 2021, segundo as estimativas da população residente. Grande parte concentra-se nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e também em alguns municípios do Algarve. E a verdade é que os programas de atração de população criados pelo Governo estão longe de inverter a perda de população na maioria das regiões do interior. “São programas simbólicos, porque, de facto, não são muito efetivos. Não é com ganhos como estes e com estes planos que a população se vai alterar”, considera Pedro Góis, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, especialista em migrações (ver entrevista aqui).
Quanto ao programa Regressar, foram até agora aprovados 1196 processos de mobilidade de pessoas que se fixaram nestes territórios, abrangendo um total de 2876 indivíduos, incluindo os elementos do agregado familiar dos candidatos, correspondendo a uma despesa de €779,9 mil. Já o ATIVAR.PT promove incentivos às entidades promotoras de projetos de estágio profissional no interior, com 24% das entidades candidatas a pretenderem realizar projetos de estágio localizados no interior do país.
Outro projeto é o Compromisso Emprego Sustentável, que atribui 25% de apoio financeiro a cada posto de trabalho localizado em territórios de baixa densidade. Com as empresas a procurar talento e a gerar emprego qualificado, os salários já estão a subir. Os dados do IEFP mostram que nos distritos de Bragança, Guarda e Viseu, o salário médio ultrapassa agora os €1100, quando em 2015 rondava os €800. “Há distritos no interior onde não só o emprego tem vindo a subir, como os salários estão a crescer acima da média nacional. Na Guarda e em Viseu o aumento do salário médio de 2015 para 2013 foi superior a 37%”, destaca Ana Mendes Godinho.
APOIOS
56%
dos candidatos beneficiados pelos programas de mobilidade têm ensino superior e 55% tem até 35 anos
2521
candidaturas, envolvendo mais 4608 pessoas, e recebidas até 31 de maio, estão em análise ao abrigo do Mobilidade Apoiada para um Interior Sustentável