1.8.23

Excedente de Medina mais perto do fim, emprego resiste, desemprego já espreita

Luís Reis Ribeiro, in DN

Economia cresceu 2,3% no segundo trimestre, em termos homólogos, mas estagnou face ao primeiro. Ambos são os piores registos desde a pior fase da pandemia. Inflação alivia, mas fadiga económica devido a agravamento dos juros prejudica a receita.
As contas públicas portuguesas estão a aproximar-se de um ponto de viragem, depois do forte impulso que a inflação deu à receita durante o ano passado e boa parte deste.

Segundo a nova execução orçamental relativa ao primeiro semestre de 2023, as Finanças do ministro Fernando Medina ainda conseguiram entregar um excedente orçamental muito elevado (mais de 1,8 mil milhões de euros), também este apoiado na expansão do emprego (cresceu 1,5% em junho, segundo indicou ontem o INE - Instituto Nacional de Estatística).

No entanto, há sinais de que a situação económica e financeira do País está a virar para uma fase mais complicada, na qual a subida dos juros terá cada vez mais impacto na procura e em que algumas medidas anunciadas pelo governo começam a ter efeitos orçamentais relevantes no lado da despesa.

É o caso do aumento intercalar das pensões, que aparece nas contas públicas na execução até julho (a divulgar no final de agosto), devendo fazer subir a despesa em 500 milhões de euros, segundo estimativas do governo.


Além disso, o número de pessoas desempregadas aumentou mais de 8% no primeiro semestre, mas como a população ativa também subiu muito devido ao emprego, a taxa de desemprego ficou estável nos 6,4%, mostrou o INE.

Seja como for, é um sinal de que, depois de uma primeira fase em que a inflação até ajudou a fazer subir a receita de impostos e a faturação de muitas empresas, pode estar a chegar a fase das maiores dificuldades, em que a forte subida das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE) já está a afetar a concessão de crédito, a agravar os juros a pagar ao banco pela compra de casa, a restringir o consumo e o investimento empresarial.

O INE também mostrou que a inflação aliviou mais em julho (3,1%). Bom para o poder de compra das famílias, mas menos bom para a receita fiscal, que tanto beneficiou do empolamento de preços desde março de 2022.

Economia estagna face ao primeiro trimestre

Embora, atualmente, não se projete uma recessão em 2023, o INE mostrou também ontem que a economia (o PIB - Produto Interno Bruto) terá estagnado (0%) no segundo trimestre face ao anterior. Em termos homólogos (que compara com o segundo trimestre do ano passado, quando começou o choque da guerra contra a Ucrânia), a economia portuguesa ainda cresceu 2,3%.

Mas ambos os registos para o PIB do segundo trimestre (variação em cadeia e homóloga) são os mais fracos desde o primeiro trimestre de 2021, o período que coincide com a fase mais agreste em infeções e letal da pandemia.

Como referido, o INE revelou que o emprego continua a subir, puxado essencialmente pela camada dos muito jovens (15 a 24 anos), onde o número de postos de trabalho subiu mais de 23%, o que acabou por compensar a quase estagnação no grupo de pessoas com 25 anos ou mais.

No entanto, o número de desempregados continuou a subir bastante nestes primeiros seis meses do ano. Em junho, aumentou mais de 8% para 336 mil casos de pessoas que queriam trabalhar e procuraram um emprego, não tendo conseguido. Este avanço do desemprego afetou tanto os muito jovens quanto os mais adultos.

Num futuro próximo, se continuar a subir, será mais uma pressão sobre a despesa por causa do aumento do número de subsídios de desemprego.

Para já, o saldo positivo das contas públicas mantém-se, mas as Finanças e o próprio ministro Medina já ressalvaram que vai "começar a refletir-se de forma mais evidente o impacto na despesa das medidas de reforço de rendimentos anunciadas em final de março e abril", como o aumento nos salários (intercalar) e do subsídio de refeição dos funcionários públicos. "A aceleração da despesa tenderá a continuar nos próximos meses", diz o ministério.

Do lado da receita, há medidas com peso que estão e vão continuar a pressionar o saldo em baixa (ou o défice em alta, quando este reaparecer). É o caso do IVA zero, que terá um custo superior a 400 milhões de euros, segundo o governo.

O objetivo do governo é chegar ao fim do ano com um défice de apenas 0,4% do PIB, igual ao de 2022.

Execução do primeiro semestre

Seja como for, neste primeiro semestre, mesmo com a economia a abrandar, o excedente orçamental público português ainda registou um aumento de 600 milhões de euros, revelou ontem o Ministério das Finanças.

"O saldo orçamental ajustado foi de 1.810 milhões de euros no primeiro semestre". "Ajustado" porque a receita pública foi "ajustada dos 3.018 milhões de euros da transferência do Fundo de Pensões da Caixa Geral de Depósitos (FPCGD) para a Caixa Geral de Aposentações (CGA)". Foi um encaixe de grande dimensão, extraordinário e irrepetível.

O reforço do excedente acontece porque a receita ainda continua a crescer mais do que a despesa.

"No desempenho da receita, que cresce 7,7%, em termos ajustados, mantêm-se as dinâmicas positivas observadas no mercado de trabalho, que justificam cerca de dois terços do aumento", refere o gabinete do ministro Medina.

A coleta de IRS aumentou 14,8% no primeiro semestre face a igual período do ano passado, e as contribuições sociais avançaram 11,3%.

'Do lado da despesa, registou-se um aumento de 6,5%", acrescenta o ministério.

Segundo as Finanças, o aumento da despesa neste primeiro semestre é, sobretudo, explicado pelas "medidas de reforço de rendimentos anunciadas no início do ano", designadamente o pacote da Função Pública. "As despesas com pessoal crescem 7,7%)".

A estas acrescem as medidas de apoio a famílias, bem como um deslize que fez aumentar o valor dos contratos públicos além do esperado, "reflexo da inflação", dizem as Finanças.

Ainda do lado da despesa, a tutela de Fernando Medina refere que "o impacto do pacote anunciado ainda não reflete o aumento intercalar das pensões, que se repercutirá apenas a partir de julho". São os tais 500 milhões de euros a mais.



Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo