Pedro Gomes Sanches, opinião, in Expresso
O problema não é o Algarve, o problema não são os algarvios, o problema não é "o sector do turismo", o problema não são os portugueses. O problema são os bolsos dos portugueses, que estão cada vez mais curtos e apertados. Uma família não gasta menos de 1.400 euros por uma semana. Coincidência ou não, da última vez que reparei, o salário médio bruto mensal de um português (repito: médio; repito: bruto; repito: mensal) era de 1.411 euros.
As gentis almas lusas descobriram que há poucos portugueses no Algarve este ano, e trataram logo de especular sobre as razões. Lamento, mas não tenho boas notícias: o problema não tem, fora do empobrecimento estrutural dos portugueses, bodes expiatórios sobre quem o governo possa lançar os anátemas do costume.
O problema não é o Algarve, o problema não são os algarvios, o problema não é "o sector do turismo", o problema não são os portugueses. O problema são os bolsos dos portugueses, que estão cada vez mais curtos e apertados.
E, como não há eleições à porta, Costa não deu a esmola do costume e as pessoas ficaram, compreensivelmente, em casa.
Imaginem uma família composta por um jovem casal com um filho menor, a iniciar férias hoje no Algarve. Seguindo o célebre e útil conselho do Eng. Guterres, fui fazer as contas. Fui ao AirBnB e encontrei uma casa "barata" para os albergar: 123 euros por noite em São Bartolomeu de Messines, a 24 km da costa. Quanto mais perto do mar, mais caras, claro.
Na mesma plataforma, uma pesquisa feita ontem (quando escrevi este artigo), sem grande critério, para a semana de 21 a 28 de Agosto, para dois adultos e uma criança, devolve 480 alojamentos. A média do custo por noite é 568 euros, e o valor com mais ocorrências é 278 euros. Repito: por noite. "Fiquemos", portanto, em São Bartolomeu de Messines. Feita a reserva, com baixa de tarifa e taxa de limpeza: 858 euros por uma semana. A casa não tem piscina, mas não vou contabilizar o custo do combustível para deslocações mínimas de 50 kms diários, para a praia e regresso. Também não vou contabilizar os custos da deslocação de casa para o alojamento de férias e regresso. Nem as portagens.
Passando para o Tripadvisor e procurando restaurantes no Algarve apenas com um € nos filtros, encontram-se algumas hipóteses, e nessas abundam hamburguerias. Uma refeição, para 3 pessoas, não custa menos de 35 euros. Sem sobremesas e com parcimónia nas bebidas, claro.
Admitamos, apertando o cinto - esse velho mas sempre actual conselho Soarista -, que o almoço são sandes compradas num supermercado qualquer e o jantar é na hamburgueria. Considerando a bola de berlim de manhã, o café depois de almoço, o gelado para a criança e a imperial para os adultos à tarde, e a mesma dose à noite, depois do jantar, o dia não acaba, com muita contenção e pouco relaxamento, sem se gastar pelo menos 75 euros. Nada disto inclui gins de final de tarde com vista de mar nem almoçaradas com couvert e sobremesa. Também não inclui duas refeições em restaurante. É tudo à pele: 525 euros por 7 dias.
Em síntese, descontando custos de deslocações, com combustíveis e portagens, para umas férias no Algarve, a 24 kms da praia, e com grande contenção de despesas, consumindo porventura menos e pior do que se consumiria em casa, esta família não gasta menos de 1.400 euros por uma semana. Uma semana.
Coincidência ou não, da última vez que reparei, o salário médio bruto mensal de um português (repito: médio; repito: bruto; repito: mensal) era de 1.411 euros (em 2022). Parece que aumentou, "mas a subida esconde uma queda real de 4% da remuneração média em Portugal se for tido em conta efeito da inflação". Se a família tiver crédito à habitação com taxa variável indexada à Euribor, a coisa é pior.
Claro que houve quem procurasse outras paragens fora do país, nos tais charters. Mas não foram "resmas". Claro que houve quem aproveitasse para "descobrir" outro Portugal, das praias fluviais e das aldeias perdidas. Mas o destino a Sul preferido dos portugueses não ficou mais ventoso nem as suas águas ficaram mais frias.
A explicação é que os portugueses vivem pior. Podiam, claro, ir como na década de 90 do século passado - esse tempo cavaquista que a esquerda deplora -, de Renault 5 carregado de mercearia e grelhador para preparar ao almoço o peixe comprado diariamente no mercado local, dirão alguns. Não teria mal nenhum, e encontro nisso grandes virtudes. Mas enquanto que em 90 esse movimento - com o carro comprado num auto-grupo e as primeiras férias fora de casa - era sinónimo de ascensão social, hoje significa exactamente o contrário. Já para não falar no preço a que está o peixe, que talvez não permitisse grandes poupanças. É claro que, dessa década e do Algarve, os que dizem isso já só se lembram da Kadoc e das festas no Castelo. Portanto, siga a festa!
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia