Tiago Correia, opinião, in SIC
Opinião de Tiago Correia. No momento em que Portugal enfrenta uma nova vaga de calor, interessa recordar que o aumento da temperatura ambiente e dos oceanos está ligado a fenómenos naturais extremos – secas, ventos e chuvas – mais frequentes e em mais zonas do planeta.
Julho terá sido o mês mais quente desde que há registos e acredita-se que é preciso recuar 120.000 anos para encontrar temperaturas iguais. No momento em que Portugal enfrenta uma nova vaga de calor, interessa recordar que o aumento da temperatura ambiente e dos oceanos está ligado a fenómenos naturais extremos – secas, ventos e chuvas – mais frequentes e em mais zonas do planeta.
As implicações para a vida humana são muitas, entre as quais a escassez de água potável e de alimentos, mas também os efeitos da fuga em massa de populações ou o aumento do preço de recursos naturais. O certo é que tudo isto implicará mudanças na geopolítica internacional e no modo de vida a que nos habituámos.
Olhando para a sociedade portuguesa, fica-se com a ideia de que estes assuntos continuam a merecer uma preocupação oscilante, a que apelidei efeito boomerang. Ou seja, que falta uma consciência permanente sobre o problema, o qual apenas ganha relevância quando se sente na pele o calor ou frio extremos, a falta de água, a destruição de colheitas, os incêndios ou enxurradas.
A nível político, é justo dizer que governos e autarquias têm aumentado a agenda ambiental e ecológica, em grande medida devido às autoridades europeias, mas um problema de base mantém-se: a pobreza energética.
Pobreza energética significa a incapacidade financeira das famílias para aquecerem ou arrefecerem as suas habitações. Dizendo de outra forma: as pessoas vivem com frio e calor por falta de dinheiro. Os dados sobre Portugal são bem conhecidos e preocupam. O país é quinto da UE em maior risco de pobreza energética: entre 1,8 milhões a 3 milhões de pessoas, das quais mais de 660 mil vivem em situação severa (quando a despesa com energia supera 10% do rendimento disponível).
Apesar da ação política, o facto de o ponto de partida ser tão negativo e do fenómeno estar relacionado com problemas estruturais da sociedade portuguesa, incluindo baixos rendimentos, baixa qualidade do parque habitacional e vulnerabilidades sociais das famílias, importa manter o assunto na agenda mediática com o objetivo de garantir a mobilização política e da sociedade.
Mostrar os efeitos da pobreza energética na saúde das populações é uma forma de contribuir para este alerta. Segundo a evidência científica disponível, as pessoas nesta situação apresentam:
- maiores gastos com cuidados de saúde ou maior carga de doença quando não têm forma de cobrir esses gastos;
- menor esperança de vida;
- maior probabilidade de aumentar os picos de mortalidade excessiva no inverno e verão;
- maior risco de sedentarismo e consumo de substâncias aditivas;
- piores avaliações sobre a perceção de saúde e bem-estar, fatores de stress e saúde mental (crianças incluídas);
- mais doenças cardiovasculares, respiratórias, artrite, inflamações e quedas
Estes dados são de particular importância porque mostram que campanhas de sensibilização em momentos de frio ou calor têm eficácia limitada. Não se trata de pôr em causa a comunicação das autoridades de saúde, mas sim mostrar que, em certa medida, isso conta pouco perante a pobreza energética.
Estudos europeus mostram que as pessoas têm iniciativa de procurar informações sobre o que fazer perante situações climatéricas extremas, sobretudo aquelas que sabem que têm vulnerabilidades associadas à idade ou certas doenças. O que acaba por acontecer é que os comportamentos nem sempre acompanham esse conhecimento devido à falta de recursos. É este o problema a resolver.