A última estimativa aponta para a existência de 240 mil piscinas no país. As ondas de calor parecem dar um impulso ao negócio que se adapta à procura. A seca não coloca, para já, nenhum obstáculo.
As ondas de calor, que se tornam cada vez mais intensas e frequentes, parecem estar a dar um empurrão para a entrada das piscinas nas residências unifamiliares. Apesar dos profissionais do sector defenderem que o calor não será um factor decisivo, os números revelam um aumento significativo da procura. Ter uma piscina em casa já não é um luxo, confirmam. A ameaça da seca não parece estar a travar o apetite dos consumidores, que, perante o vazio legal, não têm sequer de obedecer a nenhum requisito de segurança ou eficiência da gestão da água.
O comparador de preços KuantoKusta adianta através de informação que publicou, um aumento de 269% na procura por piscinas de superfície entre 1 e 14 de Maio de 2023, em comparação com as duas semanas anteriores, salientando que as ondas de calor poderão ser um factor determinante na sua aquisição. Os números registados são particularmente significativos em 2023, já que no mesmo período do ano passado este aumento era de 132%.
Filipa Santos, presidente da Associação Portuguesa de Profissionais de Piscinas (APP), também admite que as alterações climáticas, “especialmente as ondas de calor, certamente, poderão ter alguma influência na decisão do consumidor”, mas realça: a seca em Portugal “é uma situação preocupante e muitas vezes as piscinas são vistas como parte do problema e não como parte da solução”.
A APP estima que existam cerca de 240.000 piscinas em Portugal. E “em 2022, estimamos que tenham sido edificadas cerca de 4500 novas piscinas, praticamente o dobro dos números pré-pandémicos”.
No entanto, a verdade é que as populações das zonas mais afectadas pela seca recorrem às piscinas para se “refrescar e obter níveis de conforto que não conseguiriam obter noutras circunstâncias”, admite a presidente da APP, frisando, ainda assim, que a experiência lhe diz que as ondas de calor não são “um factor decisivo” a justificar o aumento na procura de piscinas.
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Piscinas acima do solo
O registo deste crescimento “é assim algo natural neste mercado”, prossegue a dirigente da APP, descrevendo o critério seguido para a aquisição, em grande parte de piscinas amovíveis, ou vulgarmente chamadas piscinas acima do solo.
“São piscinas que se adquirem em grandes superfícies, de fácil e rápida instalação e que são uma solução muito eficaz para quem procura algo de investimento reduzido.” O comparador KuantoKusta precisa que os equipamentos mais procurados possuem cerca de 7 mil litros de capacidade, com preços que rondam os 300 euros.
Mas se se pretender um equipamento um pouco mais sofisticado e de maior dimensão, “por 10 a 15 mil euros pode ter-se uma piscina em casa”, sugere Cristiano Godinho, da empresa CR Piscinas, que actua na zona entre Ovar e o Porto, acrescentando que, no actual contexto económico, “quem faz uma casa faz uma piscina”.
Antes da subida exponencial que se observa na compra de piscinas, a opção recaía frequentemente em estruturas com 20 ou 30 metros. Mas o mercado adaptou-se a uma nova procura, oferecendo piscinas mais pequenas, mais baratas e de fácil manutenção. Agora a opção vai para equipamentos entre os seis e os dez metros, que representam um encargo mensal entre os 30 ou 40 euros na sua manutenção.
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O empurrão da pandemia
A APP estima que existam cerca de 240.000 piscinas em Portugal. E “em 2022, estimamos que tenham sido edificadas cerca de 4500 novas piscinas, praticamente o dobro dos números pré-pandémicos”.
A instalação de uma piscina num espaço unifamiliar “deixou de ser algo caro que se julga só acessível aos ricos”, garante ao PÚBLICO Cristiano Godinho. E esta atracção por um equipamento que se considerava inacessível para a maioria das pessoas revela que “há realmente um aumento do poder de compra e uma desmistificação na aquisição de piscinas” que aceleraram um aumento da procura.
A mudança de atitude, acredita, é consequência directa da covid-19. A pandemia veio confrontar as famílias com a necessidade de “olharem mais para dentro de casa”. Superados os constrangimentos impostos pela covid-19, “muitas piscinas foram instaladas para afastar os filhos das consolas e dos computadores e para valorizar o convívio com os amigos”, salienta o empresário.
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E explica como o consumidor que se encontrava confinado “e com muitas incertezas” acerca do Verão e do conforto que iria ter em ambientes aquáticos, bem como confrontados com a impossibilidade de viajar, “tomou a decisão de investir na própria habitação”, nomeadamente, com a aquisição ou construção de uma piscina.
As regiões que registam maior número de piscinas, prossegue a APP, são: o Algarve, pela antiguidade do mercado nessa zona, onde as piscinas estão muito ligadas ao turismo, continuando a ser a região com maior número de piscinas por metro quadrado. Segue-se Lisboa, devido à sua elevada densidade populacional, e a região Norte, onde se tem registado o maior crescimento na construção de novas piscinas, com uma grande aposta nas piscinas interiores.
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A chegada do Verão e a escassez de chuva nos últimos meses, acrescida dos baixos níveis de armazenamento das albufeiras espanholas (48%), tem gerado grande preocupação. No entanto, da Associação Espanhola de Profissionais de Piscinas (ASEPPI), interpreta o fenómeno da seca como “uma oportunidade de crescimento para a sua actividade”, dando conta das suas preocupações pela escassez de água.
Este facto, salienta a ASEPPI, tem “impulsionado a inovação e a tecnologia do sector, permitindo maior eficiência no uso da água. Além disso, aumenta a consciencialização dos utilizadores sobre o impacto ambiental das piscinas”, incentivando-os “a fazer um melhor uso da água.” Ou seja, os profissionais do sector alegam que, para quem tem piscinas, a seca acaba por ser uma motivação para uma gestão mais eficiente da água.
No Verão passado, em algumas regiões de Espanha foram adoptadas uma série de medidas de restrição do consumo de água como cortes nocturnos de abastecimento, encerramento de chuveiros nas praias, proibição de regar, encher piscinas e lavar carros. Tudo para garantir o abastecimento de água para consumo humano. Em Portugal, na mesma altura, foram fechadas várias piscinas municipais entre outras medidas.
Vazio legal, seca no país e piscinas cheias
Actualmente, temos 26% do território de Portugal continental em seca extrema ou severa – um cenário muito diferente do que se passava no mesmo período há um ano, quando 97% do território estava nessa situação. Porém, a região do Algarve está a passar um dos piores períodos. No Algarve, a seca agravou-se em relação ao ano passado.
Em Portugal, a APP diz que tem desenvolvido esforços para “melhorar a sustentabilidade do sector”, formando profissionais e informando o consumidor para que as piscinas sejam construídas e operadas “de forma que se faça uma utilização consciente e responsável da água e da energia".
Recentemente, sublinha a APP, foi enviada à Assembleia da República uma proposta legislativa, em conjunto com a Associação para a Defesa do Consumidor (Deco) e a Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), reivindicando a necessidade de regulamentação para o sector, com a “sustentabilidade e a segurança” das piscinas.
O que é preciso então para ter uma piscina em casa? Na legislação portuguesa sobre as piscinas particulares, a licença para a construção de piscinas não é obrigatória, sendo, no entanto, exigida uma comunicação prévia da obra. Após a comunicação, a câmara municipal é obrigada a dar uma resposta num prazo de 20 dias. Se não existir nada contra, o proprietário pode seguir em frente com o projecto de construção da piscina.
A associação de defesa do consumidor, Deco, confirma: “Existe um vazio legal para as piscinas de lazer em condomínios, alojamentos locais ou espaços particulares para utilização doméstica.” No site da APP, os responsáveis deste sector também reclamam pela falta de regulamentação, considerando mesmo que a situação de seca a torna ainda mais urgente.
A associação de defesa do consumidor, Deco, confirma: “Existe um vazio legal para as piscinas de lazer em condomínios, alojamentos locais ou espaços particulares para utilização doméstica.” No site da APP, os responsáveis deste sector também reclamam pela falta de regulamentação, considerando mesmo que a situação de seca a torna ainda mais urgente.
“Com todas as medidas apresentadas, com especial foco na regulamentação na construção e operação das piscinas, haverá, certamente, uma melhoria na eficiência energética e hídrica das piscinas. A água é um recurso cada vez mais escasso, pelo que a sua utilização deve ser responsável e consciente, quer por parte do profissional no processo de construção e manutenção da piscina, quer por parte do proprietário, que deverá ser informado sobre as boas práticas de operação de uma piscina.”
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“Precisamos de sair da nossa cultura de abundância”, disse o ministro francês da Transição Ecológica, Christophe Béchu, justificando que a proibição de venda de piscinas pretende “evitar que as pessoas sejam tentadas a fazer o que, de facto, não podem fazer, ou seja, enchê-las”. “As alterações climáticas estão aqui e agora. Precisamos de sair da nossa cultura de abundância. Precisamos de mostrar muito mais contenção na forma como utilizamos os recursos que temos.”
Num estudo recente publicado na revista Nature (que não analisou a situação em Portugal) concluía-se que as piscinas e jardins das classes mais altas estavam a sugar uma boa parte dos preciosos recursos hídricos das cidades. “As piscinas privadas são muitas vezes abastecidas com recurso a furos ou poços, agravando a desigualdade no acesso aos recursos hídrico”, referiam os autores.
A National Geographic Society lança o alerta: entre uso doméstico, agricultura e indústria, “extraímos oito vezes mais água do que há um século”. E para ajudar a entender a actual oferta e procura global de água, a organização fez uma parceria com a Universidade de Utrecht para elaborar o Mapa Mundial da Água. Malta, Sul e Leste da Espanha, Sul de Portugal e Oeste da França enfrentam défices de água maiores do que o resto da Europa.
Ao mês de Abril mais quente e seco desde que os registos começaram em 1961, seguiu-se o mês de Junho e agora Julho como o mais quente de que há memória e já se teme pela escassez de alimentos no Sul da Europa, especialmente frutas e cereais.
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