Joana Ascensão Jornalista, in Expresso
Há três fenómenos a esculpir a realidade religiosa portuguesa. Se por um lado, dos países europeus historicamente católicos, somos o que mais conserva o domínio do catolicismo, por outro lado, vivemo-lo de forma muito heterogénea de região para região. E, sobretudo, somos cada vez mais ateus, agnósticos ou indiferentes
Oito em cada dez pessoas em Portugal consideram-se católicas (80,2%). Apontaram-no nos Censos de 2021, naquela que foi uma resposta de cariz voluntário, mas cuja taxa de resposta é robusta o suficiente para ser fiel à realidade – e que intrigou os investigadores. Pode um país da Europa, com um regime liberal e em plena globalização continuar a ter uma influência religiosa desta magnitude? Sim. E não.
O mais intrigante dos fatores que neste momento marcam a realidade religiosa portuguesa é a resistência quase intacta da identidade católica com o passar dos anos, exposta pelos recenseamentos gerais. Numa década, de 2011 (81%) para 2021 (80,2%), o peso do catolicismo só decresceu 0,8 pontos percentuais. “Numa escala macro, estamos a falar de uma erosão ténue quando comparada com outros países de maioria católica com os quais podemos comprar-nos, como Itália, Irlanda ou Polónia”, admite o antropólogo Alfredo Teixeira.
Contudo, é esperado que nestes casos de grande impermeabilidade histórica a outras religiões, a dominante se torne essencialmente cultural, reproduzindo-se a partir de simbologias, daquilo em que acreditam para além da morte e daquilo que organiza os seus ciclos da sua vida. Nesse sentido, o investigador da Universidade Católica assume que entre os números portugueses “coexistem muitas pessoas que se declaram católicas, mas estão relativamente afastadas”.
“Estamos a falar daquilo que é o universo de uma identidade coletiva”, avança também Paulo Mendes Pinto, coordenador da área da Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. “A esmagadora maioria das pessoas que se dizem católicas têm como única prática religiosa ir a um batizado, a um casamento ou a um funeral. Isto leva-nos para um conceito muito difícil – que há uns anos o então cardeal português, José Policarpo, tentou levantar – que é o dos católicos não praticantes.”
Mas se é verdade que muitos dos católicos que se autodenominam como tal não são verdadeiros católicos aos olhos dos cânones da igreja católica, também não tem interessado à instituição separar as águas.
ILHAS LIDERAM NO CATOLICISMO, ALGARVE MAIS AFASTADO
Pouco surpreendentemente, é nas regiões mais dominadas por imigração que mais se tem equilibrado o cenário religioso no país, com Lisboa a ser palco da maior dispersão e diversidade de crenças. Os resultados dos diversos estudos que Alfredo Teixeira tem conduzido ao longo dos anos fazem-no assumir mesmo que “se retirássemos da amostra a Área Metropolitana de Lisboa (AML), ficaríamos com um país compactamente católico como foi no passado”.
É em redor da capital que se encontra fortemente concentrada a diversidade de cultos religiosos, estando ali agrupados mais de metade dos pertencentes a igrejas evangélicas, o segundo grupo religioso mais representativo em Portugal, e mais de metade dos não-crentes.
Por consequente, segundo os números que o INE enviou ao Expresso, o peso dos católicos na AML é de 67,5%, perdendo apenas para o Algarve, região também muito ocupada por pessoas de outras nacionalidades, que no momento do último recenseamento geral, em 2021, evidenciava 65,9% de peso do catolicismo.
No extremo oposto encontram-se a região do Norte e as ilhas, onde o desequilíbrio mais tomba a balança para a religião dominante. Já o Alentejo, uma das regiões do país onde é menor o índice de prática religiosa, ou seja, a presença nos locais de culto, está a meio caminho nos números como está no que à geografia diz respeito.
PESO DO CATOLICISMO POR REGIÃO E PERCENTAGEM
AÇORES - 91,6%
MADEIRA - 90,9%
NORTE - 88,1%
CENTRO - 85,1%
AML - 67,5%
ALENTEJO - 76,1%
ALGARVE - 65,9%
Em traços gerais, pela sua menor capacidade de atração de fluxos migratórios, Portugal tem sentido mais retardadamente uma integração de crentes noutras regiões, quando comparado com outros países europeus. “Nós nos estudos internacionais aparecemos sempre no pódio. A Polónia e a Irlanda, que partiram de percentagens ainda mais elevadas de católicos, estão neste momento a conhecer uma erosão maior [do catolicismo]”, diagnostica Alfredo Teixeira.
Ainda assim, na última década o país viveu um crescimento de outras crenças religiosas de 3,9% (2011) para 5,7% (2021). Ténue, ainda assim, face ao que se esperava.
Deste número, grande parte é ainda ocupado por outros ramos do cristianismo. 2,1% é representado pelo ramo protestante, onde se inclui a igreja Evangélica. 0,7% são Testemunhas de Jeová. Só 0,4% são muçulmanos e 0,3% são hindus e budistas.
Os judeus (0,03%), mesmo após o novo regime de atribuição de nacionalidade aos sefarditas (e um aumento exponencial dos pedidos de naturalização, segundo o governo português) são apenas 2 910 em Portugal.
CRESCEM OS ‘NÃO CRENTES’ E MUDA-SE O FUTURO
Mas de todos, o fenómeno que mais tatua uma tendência para o futuro na vivência das crenças religiosas é um crescimento vertiginoso dos não crentes na última década. 14,1% da população do país diz não acreditar no divino, o valor duplicou em dez anos.
Ao ponto de o antropólogo ouvido pelo Expresso sentenciar que “do ponto de vista social, as transformações da sociedade portuguesa passam mais pelo crescimento das pessoas sem religião do que propriamente pela adesão a outros grupos religiosos”.
Em grande parte, a resposta encontra-se quando os resultados dos Censos de 2021 são estratificados por gerações. “Aí encontramos uma curva enorme de decréscimo. Isto quer dizer que o peso relativo dos católicos vive à custa do facto de sermos uma população muito envelhecida e que esta erosão vai acelerar na medida em que houver uma substituição geracional”, atira Alfredo Teixeira.
Simultaneamente, os mais novos são mais ateus, agnósticos ou indiferentes. De entre as pessoas com 15 a 29 anos, 22% respondeu ser não crente, face a 19% entre as pessoas dos 30 aos 44, a 11% entre as pessoas de 45 a 64 anos e a apenas 7% entre as pessoas com mais de 65 anos.
Para Paulo Mendes Pinto, surpreendido pela manutenção de tamanho peso do catolicismo nos últimos Censos, a realidade religiosa em Portugal não tardará em mudar. Além da tendência para um aumento dos não crentes, haverá um crescimento inquestionável de ramos religiosos sem tradição em países culturalmente católicos e protestantes. “Os números já estão brutalmente desatualizados para todas as minorias religiosas, em especial para a comunidade hindu, que já terá duplicado em dois anos”.
Isto acontece sobretudo porque as tradições religiosas ocidentais estão a atravessar uma fase “de um certo desalento”. O cristianismo ocidental “desvinculara-se muito da vivência espiritual ao longo do século XX e não deu resposta às necessidades espirituais dos seus crentes”.
No fundo, aos olhos do investigador, após ter sido criada uma vivência religiosa muito centrada no cumprimento do rito, como ir à missa ao domingo, em detrimento da vivência espiritual, as igrejas históricas, como a católica e algumas protestantes, têm sentido decréscimos difíceis de combater.
Por outro lado, os ramos religiosos mais focados em oferecer respostas espirituais para os seus crentes têm-se visto robustecidos, mesmo em países sem nenhuma tradição. São exemplos a igreja evangélica, o hinduísmo e o budismo.