Rui Bondoso, in Jornal de Notícias
As quatro famílias de etnia a cigana, 12 pessoas ao todo, incluindo duas mulheres grávidas, desalojadas anteontem dos apartamentos que tinham ocupado na sexta-feira no bairro de Paradinha, em Viseu, estão a dormir na rua. Improvisaram uma tenda e transferiram para lá os poucos haveres que possuem. Garantem que só saem dali quando a autarquia lhes arranjar casa. No mesmo bairro ou noutro.
"Há cinco anos que tenho na Câmara pedidos de alojamento", protesta Sílvia Pinto, casada, um filho e grávida de outro.
Sílvia vivia em casa da sogra com outros cinco casais. "Não tínhamos nenhumas condições de habitabilidade. Dois casais dormiam numa sala e outros dois no corredor junto ao quarto de banho", lembra.
O apartamento que ocupou (um T0) na sexta-feira, diz que estava devoluto há mais de um ano. "Arrombamos as portas e entramos. Não faz sentido nenhum haver casas vazias e nós a precisarmos delas. Isso é mesmo fazer pouco das pessoas carenciadas", atira Sílvia Pinto, que acusa a autarquia de "incompetência". "Nem resposta dão às nossas cartas", diz.
As quatro famílias foram desalojadas anteontem, por ordem da Câmara Municipal. O despejo decorreu sem incidentes e foi coordenado por agentes da PSP e da Polícia Municipal. Porém, há queixas por parte de alguns dos desalojados. "Apareceu aqui tanta polícia que isto até parecia o Iraque", recorda Nadja Soares, casada e também grávida.
Nadja vivia com os pais e partilhava a casa com mais seis pessoas. Uma zanga familiar atirou-a para a rua. "Como havia aqueles apartamentos vazios, também ocupei um (T3)", lembra.
"Agora que nos tiraram a casa, vamos domir na rua até que nos arranjem outra. Dormimos com os ratos a passarem-nos pelos pés e com os cães e os gatos por perto. É uma vergonha", protesta Nadja.
Câmara promete avaliar
Hermínio Magalhães, vereador da Acção Social da Câmara de Viseu, justifica a acção de despejo por se ter tratado de uma "ocupação ilegal". Mas o autarca prometeu que vai reunir em breve com o administrador da Habisolvis para avaliar a situação.
"Se forem casos urgentes e prioritários, terão resposta rápida", garante o vereador, que fala numa lista de 600 famílias à espera que lhes seja atribuída casa. "Só este ano realojamos 38, 22 das quais de etnia cigana", diz.
Polémica em Sernancelhe
Na aldeia de Fonte Arcada, Sernancelhe, uma denúncia anónima enviada aos jornais, acusa o presidente da Junta e o padre local de estarem a incitar a população a expulsar uma família de etnia cigana que ali reside há mais de 20 anos. Tudo começou, segundo aquela denúncia, quando o pároco e o autarca souberam que a família pretende construir uma casa. O presidente da Junta, Nuno Franclim, nega a existência de qualquer campanha para expulsar os ciganos. "É gente pacífica e integrada. A denúncia mistura isto com outra questão, que é a casa que a família quer construir ilegalmente, já que registou ilicitamente um terreno baldio. Já fui à Câmara contar o que se passa e há possibilidade de construção num outro terreno", diz. O padre nega também e fala numa campanha para o denegrir. "Sou muito amigo daquela família cigana. É boa gente. Estou todos os dias com eles".