Patrícia Viegas, in Diário de Notícias
Defesa dos direitos humanos sem tradução prática em Lisboa
"A presidência portuguesa não teve coragem política na cimeira UE-Rússia", afirma ao DN Rachel Denber, directora adjunta da divisão Europa e Ásia Central da organização não governamental Human Rights Watch, concluindo que deveria ter sabido antecipar aquilo que são as reacções típicas de Putin. "É uma pena que assim não tenha sido", diz, lamentando que seja permitido a Putin continuar a brincar com os europeus.
Há precisamente uma semana, em Mafra, o primeiro-ministro José Sócrates afirmava: "Espero que ninguém minimize o facto de esta ter sido a primeira cimeira [UE-Rússia] em que há resultados nestes domínios [dos direitos humanos e democracia]."
O presidente em exercício da UE referia-se, em concreto, ao facto de o chefe do Estado russo, Vladimir Putin, ter aceitado observadores internacionais da OSCE nas legislativas russas de 2 de Dezembro e ter proposto a criação de um instituto para a defesa e promoção dos direitos humanos... na União Europeia ... não na Rússia.
"É completamente desapropriado chamar a isto resultados concretos. A presença de observadores da OSCE é uma questão de rotina e sempre será dessa forma. Levar a Rússia a concordar observadores da OSCE [embora em número inferior aos de 2003] não é nenhuma grande vitória", garante a responsável da Human Rights Watch.
Esta tinha divulgado um relatório, antes da cimeira, no qual instava Sócrates a aproveitar o ambiente criado pela chanceler alemã Angela Merkel, na cimeira de Samara, em Maio, para exigir ao líder russo que fizesse reformas profundas naquelas duas áreas. E tinha-o criticado por na sua visita ao Kremlin, também em Maio, ter afirmado que em matéria de direitos humanos e democracia "ninguém pretenda dar lições a ninguém".
Também a eurodeputada socialista Ana Gomes havia pedido, em vésperas da reunião de Mafra, que a União Europeia não continuasse a fazer "vista grossa" às violações de direitos humanos na Rússia. Moscovo "daria um tiro no pé se não convidasse os observadores da OSCE. Isso apenas serviria para que admitisse que alguma coisa de errado se passa", sublinha ao DN, considerando que a proposta do referido instituto para vigiar os direitos humanos nos países Bálticos, onde há minorias russas, "foi apenas uma manobra de diversão".
Ana Gomes diz ter ficado "surpreendida" com "o embandeiramento em arco de uma coisa que não faz sentido, pois já existem instituições, como o Conselho da Europa". Acrescenta, porém, que Sócrates "também não tinha mais nada para apresentar". E lembra que, mesmo antes da cimeira, "o ministro dos Negócios Estrangeiros já tinha tido o cuidado de baixar a fasquia e de dizer que não era ambiciosa a agenda da cimeira".
"As pessoas deveriam questionar--se porque só agora, após tantos anos, Putin decidiu dizer que a Rússia está disposta a monitorizar os direitos humanos na Europa. O motivo é calculismo político e não uma preocupação com esses direitos", alerta Rachel Denber.
A responsável da Human Rights Watch acrescenta que o ambiente criado por Merkel em Samara, com as críticas abertas que fez sobre as violações dos direitos humanos e a repressão da oposição na Rússia, "perdeu-se" em Mafra e isso enviou "uma mensagem terrível".