Por Inês Sequeira, in Jornal Público
Hans-Paul Bürkner, CEO da consultora mundial The Boston Consulting Group, salienta que vai ser "muito duro" ultrapassar a crise.
Quais vão ser as indústrias mais afectadas pela crise actual?
Os mais afectados foram os automóveis, mas também a maquinaria. Os bens de investimento foram muito atingidos porque há capacidade e agora temos de encher a capacidade antes de recomeçar a comprar novas máquinas. Por outro lado, temos de distinguir muito claramente entre os mercados emergentes e os mercados desenvolvidos. Nestes últimos há uma enorme sobrecapacidade, como na indústria automóvel, nas companhias aéreas e talvez no retalho. Precisamos de usar a crise para limpar e reestruturar a sério várias indústrias com muitas companhias.
Acredita que as coisas irão realmente mudar, por exemplo, na banca?
Os Governos e os bancos centrais vão impor critérios mais exigentes no que respeita às necessidades de capital e à rentabilidade das instituições financeiras, mas será que os bancos e os banqueiros mudaram realmente? Tenho a certeza de que nem todos, e quando virem a oportunidade farão muitos negócios arriscados.
Isso vai acontecer quando retornar a confiança dos consumidores?
Sim, alguns banqueiros irão vender novamente tudo da mesma forma que o faziam antes da crise. Outros terão aprendido a lição, terão reestruturado os seus bancos e terão alterado os seus modelos de negócio, mas nem todos. Em especial nos bancos de investimento, haverá um grupo mais pequeno que pensa que agora pode correr riscos grandes, que tem agora margens mais altas e se financia praticamente a custo zero, por isso esta é uma grande altura para se fazer muito dinheiro. E já vemos alguns agora a fazer muito dinheiro.
O que é que pensa do investimento público, nos EUA e na Europa? Há analistas a dizer que esta crise se está a transformar numa crise orçamental e da dívida pública.
Acho que temos este problema na maioria dos países. Muito poucos, que têm muitas reservas, como a Noruega e a China, não têm de aumentar o nível de dívida muito significativamente.
A primeira responsabilidade dos Governos foi ir em socorro do sistema bancário. Não de todos os bancos, mas para ter a certeza de que as principais instituições não estão a falhar e evitar a situação difícil de desconfiança que aconteceu depois da falência do Lehman [em Setembro de 2008].
Por isso, salvar os bancos, nacionalizá-los em parte e mostrar que o mercado interbancário tem liquidez foi muito importante.
Porquê?
Se de repente acreditar que o seu dinheiro não está seguro num banco, tira-o de lá. Se todos fizerem isso, todo o sistema bancário e toda a economia ficariam destruídos. Todo o sistema está em perigo se os principais bancos falham.
Agora, no que respeita a diferentes indústrias, será essencial ter uma companhia que produz carros no seu país? Se tivermos muitas companhias ou uma empresa específica de retalho, será importante ter um grande armazém de retalho no seu país?
Para um Governo interferir e dizer que salva uma determinada firma, é muito problemático, porque não se pode proteger companhias que já não são competitivas. Há uma grande diferença entre o sistema bancário e outras indústrias.
E o emprego?
Claro que pode dizer que protege os empregos, ao proteger as companhias automóveis, ou o retalho... Mas se ninguém comprar esses carros, porque há-de alguém proteger quem os produz? Ou a companhia é competitiva e sobrevive ou não é competitiva e irá morrer. Está sempre a acontecer, em tantas empresas que ninguém nota.
Depois desta crise, a forma como encaramos as intervenções dos Governos e o peso do Estado irá mudar?
Temos realmente assistido a muitas iniciativas no sentido da privatização, os Governos estavam a vender as empresas de serviço público, mesmo estradas, auto-estradas, portos, aeroportos, e o que fosse privado era melhor, enquanto público queria dizer mau.
Certamente que na Europa é muito mais aceite [do que nos EUA] termos um sector público forte e o Governo reforçou a sua posição, mas também o nível de dívida pública cresceu significativamente e isso irá continuar em 2010, 2011... Só talvez dentro de várias décadas seja possível reduzir a dívida para os níveis do PIB.
Será duro?
Muito duro. Vai chegar uma altura em que os Governos terão de reduzir a sério os défices. Quase todos estão acima dos três por cento na Europa.
Pode isto levar a uma crise interminável?
Há o perigo de começar a estimular a inflação. Não agora e talvez também não no próximo ano, porque a capacidade [das empresas] não está a ser totalmente utilizada e por isso ninguém se sente pressionado, mas temos de começar a reduzir o fornecimento de dinheiro e retirar liquidez do mercado. Encontrar o equilíbrio certo e fazê-lo nem demasiado cedo nem demasiado tarde é muito difícil. Por isso, há de facto o perigo significativo de, ao tentarmos impedir que esta crise se torne num desastre autêntico, estarmos a criar uma nova "bolha".
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