15.11.09

Portugueses convidados a aprender com África

Por Lurdes Ferreira, in Jornal Público

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento defende que o Sul pode ensinar o Norte do planeta na adaptação às mudanças do clima


Pôr o Norte a aprender com o Sul, levar cidades e regiões portuguesas a participar em acções de adaptação à mudança climática em curso nos países em vias de desenvolvimento, e iminente nas regiões do Norte, é o objectivo de um novos programas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para ajudar os mais pobres a enfrentar este problema.

"É o contrário do habitual", afirma Jorge Moreira da Silva, o português consultor do PNUD que coordena a operacionalização de quatro programas, sublinhando que este está especialmente centrado em África. Normalmente são os países mais pobres que aprendem e se capacitam tecnicamente para a redução de emissões, "mas, em termos de adaptação, é o Norte que vai ter de aprender com os bons exemplos que se esperam virem a ser criados no Sul".

Os contactos com o Governo português e com as regiões e autarquias estão programados para os próximos tempos, com o referido responsável a prometer "empenho" no programa de desenvolvimento de planos regionais de gestão integrada das alterações climáticas, ao qual já aderiram a Califórnia, o País Basco e a Bretanha como parceiros co-financiadores, envolvidos no planeamento integrado de adaptação e mitigação e na partilha de conhecimento.

"O que as regiões portuguesas puderem aprender com os projectos de adaptação de Marrocos e Argélia, por exemplo, será muito útil. As previsões indicam que o clima a norte estará, dentro de 30 a 40 anos, numa situação idêntica à que se vive hoje nesses países". O leque das parcerias Norte-Sul "não está fechado", diz Moreira da Silva, que gostaria de contar com a participação dos países africanos de expressão portuguesa.

"Se os países industrializados, que estão neste momento com impactos de alterações climáticas não tão severos como nos países em vias de desenvolvimento, puderem participar desde o início em programas de adaptação nos PVD, estão a aprender sobre o seu próprio nível de adaptação ao clima futuro".

Há boas razões para o PNUD para que os municípios e as regiões, em vez de serem colocados tradicionalmente à parte no desenho das políticas para as alterações climáticas, passem a fazer parte de uma resposta integrada logo desde o início. Moreira da Silva salienta que 80 por cento dos investimentos com impacto no aumento das emissões são investimentos decididos a nível local e quase 100 por cento das medidas de adaptação têm ou decisão directa ou participação dos municípios. "Isto significa que estamos a desperdiçar um actor fundamental, que são as regiões e os municípios, para nos adaptarmos à mudança climática e reduzir as emissões", afirma este responsável. O PNUD quer ter, dentro de três anos, 50 regiões de países em vias de desenvolvimento envolvidas neste programa.

À semelhança deste projecto integrado, os outros três programas - para a agricultura sustentável, adaptação em pequenas comunidades rurais e partilha e gestão de risco climático -, que deverão estar no terreno em 2010, procuram testar respostas mais adequadas às necessidades especialmente sentidas pelos mil milhões de pessoas que vivem hoje em pobreza extrema.

Com o programa para as pequenas comunidades rurais, o PNUD em conjunto com a UNESCO e o programa de voluntários das Nações Unidas vão lançar uma espécie de "microcrédito para a mudança climática". A linha de financiamento será de 50 milhões de euros por quatro anos, para projectos de pequena escala (250 mil euros anuais por projecto) "mas que podem fazer a diferença ao nível das comunidades", que não podem esperar 10 anos por um grande projecto.

Já na partilha e gestão de risco climático, o que está em causa é a criação de um seguro multilateral, reclamado pelos países em vias de desenvolvimento. Trata-se de um novo mecanismo de financiamento, em avaliação por instituições multilaterais como a ONU e por diversos países como potenciais financiadores. A inovação financeira que se vai testar é "uma aproximação entre sistemas financeiros, energia e combate à mudança climática", o que não pode ser feito pela via tradicional. No programa de agricultura sustentável, o objectivo é que todos os custos ambientais e sociais de toda a cadeia agrícola, da produçãoà comercialização, passando pela distribuição, estejam incorporados nos produtos agrícolas, de modo a promover a biodiversidade.

O programa está a arrancar na Malásia, Filipinas e Tailândia com as grandes multinacionais da produção de arroz e óleo de palma. O mesmo será feito a seguir com o café, cacau, algodão e o açúcar em outros países.

Moreira da Silva esclarece que o objectivo não é criar um processo de certificação e rotulagem, mas de "reconhecimento à escala mundial de que um produto é "verde", respeitando os requisitos de sustentabilidade em toda a cadeia económica, nomeadamente quanto à biodiversidade". com R.G.