11.11.09

Taxa bruta de nupcialidade atingiu o valor mais baixo desde 1900

Por Natália Faria, in Jornal Público

Casamos cada vez menos e só depois de testar a relação


Ana Manta Botelho, 30 anos, nunca foi de se imaginar a percorrer um altar, envolta em tules e sedas brancas, ou sequer de se pôr a pensar nas implicações de ver as iniciais "cas" estampadas no seu Bilhete de Identidade. "O que me fazia sonhar era a ideia de encontrar um homem que eu amasse muito e com quem pudesse ter filhos: o casamento simplesmente não fazia parte do meu imaginário."

Ana Botelho e o marido João: vivem juntos há 7 anos, casaram em Setembro
Acabou por fazer parte da sua realidade desde que, em Setembro, esta arquitecta paisagista casou, no jardim da casa que construiu juntamente com o homem com quem vive há sete anos e numa altura em que a filha dos dois já estava a caminho dos três anos. "Foi um casamento civil, com a família e amigos, para celebrar a inauguração da casa mas, sobretudo, o facto de estarmos juntos... uma espécie de confirmação de uma relação que já existia, também porque julgamos que a nossa filha ficaria socialmente mais protegida."

Sem o saberem, Ana Manta Botelho e o marido, João, passaram a dar rosto a uma das tendências que mais se evidenciam nas estatísticas demográficas de 2008 divulgadas ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Primeiro: em mais de um terço dos casamentos (35,4 por cento) o casal já possuía residência anterior comum - em 2003, a proporção de casamentos com coabitação prévia era de 20,6 por cento. Segundo: em 27,6 por cento dos casamentos já existiam filhos - comuns ou de casamentos anteriores.

"As pessoas começam a encarar o viver juntos como uma espécie de experimentação e como uma forma de selecção do parceiro antes de avançarem para um casamento que tem outras implicações, nomeadamente ao nível do património", interpreta a socióloga Anália Torres. O casamento surge, assim, como confirmação a posteriori da dimensão mais formal de uma relação. "O que as pessoas valorizam antes de mais é o bem-estar na relação. Mas isto não significa que tenham deixado de valorizar o compromisso mais perene, nos bons e nos maus momentos", acrescenta.

Sofia Rocha, uma enfermeira de 25 anos, casada desde Julho com o homem com quem vivia há um ano e meio, não podia estar mais de acordo. "Começámos a viver juntos três meses depois de termos começado a namorar e, na altura, nem se falou em casar. Ambos queríamos perceber primeiro se aquilo resultava." Ao contrário de Ana, a ideia de casar sempre acompanhou Sofia Rocha. Ficou foi em banho-maria até se ter tornado claro que a relação estava "sólida e estável o suficiente para avançar para o nível superior". Quanto ao resto, tudo como dantes. "Acrescentei o nome dele ao meu no BI mas continuo a sair com as amigas e ele com os amigos: a vida continua da mesma forma."

Mais 1500 divórcios

Outra tendência que sobressai nas estatísticas do INE é que o casamento, com ou sem coabitação prévia, continua a perder terreno. Em 2008, houve 43.228 casamentos, ou seja, menos 3101 do que em 2007. Querem estes números dizer que a taxa bruta de nupcialidade baixou para 4,1 casamentos por mil habitantes - o valor mais baixo desde 1900.

Anália Torres olha para estes números, conjuga-os com o aumento dos divórcios (26.885 em 2008, mais 1474 do que em 2007), mas conclui que isso está muito longe de significar a falência da conjugalidade. "A vida em casal continua a ser muito valorizada, se calhar até demais, no sentido em que as pessoas depositam nela demasiadas expectativas. O que está a perder terreno é a dimensão institucional, a ideia do casamento enquanto amarra para a vida inteira."

Esta tese ganha força se nos lembrarmos que os segundos ou terceiros casamentos têm aumentado. Em 2008, os casamentos de segunda ordem ou superior já representaram 23,4 por cento do total (22,9 por cento em 2007). "O que as pessoas rejeitam quando se divorciam é aquela pessoa naquele contexto conjugal e não o contexto em si, nem a instituição nem o compromisso", sublinha a socióloga.

Sim, mas pelo civil

O facto de as cerimónias civis terem suplantado as religiosas confirma uma tendência inaugurada em 2007 e já nem surpreende muito. Em números: dos referidos 43.228 casamentos de 2008, 55,2 por cento foram civis e 44,4 por cento católicos. No ano anterior, os civis tinham representado 52,5 por cento do total de casamentos e, em 2006, 49,4 por cento.

"Mesmo nos casos em que as pessoas optam pelo casamento católico, este quase já só representa uma visão ritualista e não tanto sacramental", ilustra Anália Torres. Que não deixa, mesmo assim, de se confessar surpreendida com a rapidez da viragem. "Já vivo há algum tempo com o fenómeno da secularização - que não significa que as pessoas tenham deixado de ser religiosas, mas apenas que se regem por regras profanas nas suas vidas quotidianas -, mas pensava que isto não significaria que as pessoas deixassem de se casar pela Igreja".

Porventura, o raciocínio de Anália Torres teve por base casos como o de Raquel Lima. "Já vivíamos juntos há mais de um ano e resolvemos casar para regularizar a situação em termos jurídicos e porque o nosso objectivo era ter filhos", conta esta engenheira florestal, 31 anos. A cerimónia, realizada em Março de 2009, teria sido civil, não fosse a mãe da noiva insistir no altar. "Se não casássemos pela Igreja estaríamos a dar-lhe um desgosto que nos ia pesar na consciência. Foi um mimo que lhe fiz", assume Raquel.

Descontada a pressão familiar, o importante para Raquel e para o marido era conseguir que o filho que ambos desejavam pudesse nascer de uma relação sólida como cimento. "Também não queria ficar como mãe solteira perante a lei e perante a sociedade", explica. O bebé tem nascimento marcado para Abril. Quando ao casamento, mesmo católico, há-de ser eterno enquanto durar. "Se alguma coisa correr mal, se um de nós não estiver feliz, cada um seguirá o seu caminho."

Saldo natural positivo

No ano passado nasceram 104.594 crianças filhas de mães residentes em Portugal, um aumento face a 2007, e que acabou por compensar o acréscimo verificado também no número de óbitos. O índice de fecundidade ficou-se, mesmo assim, pelos 1,37. E, nos primeiros nove meses deste ano, os dados dos testes do pezinho apontam já para nova quebra da taxa de natalidade.

Mais velhos que nunca

O índice de envelhecimento em 2008 atingia os 115 idosos por cada 100 jovens, o mais elevado alguma vez observado em Portugal. O envelhecimento demográfico continua em curva ascendente, em resultado da quebra da natalidade, por um lado, e do aumento da longevidade, por outro. No ano passado, as pessoas com 65 anos ou mais representavam já 17,6 por cento da população.

Imigrantes partem

Em 2008 residiam legalmente em Portugal 443.102 estrangeiros, menos três mil que em 2007, sinal da saída de alguns imigrantes. Analisando o saldo migratório (saídas versus entradas) percebe-se, aliás, que, após um pico em 2002 (70 mil pessoas), se verificou uma tendência para a diminuição, que atingiu um mínimo de 9361 indivíduos em 2007. Portugal volta a ser um país de emigração.