História de Clara Não, in Notícias Online
A aparência jovem é elogiada na esfera pública, mas razão para condescendência e desvalorização no trabalho corporativo, um sinal de inexperiência logo à partida
Dei por mim a questionar-me sobre a minha resposta automática de “aw, obrigada”, sempre que me diziam, com tom de elogio, “pareces mais nova”. Tendo-me apercebido disto, perguntei às minhas seguidoras do Instagram o que sentiam quando lhes diziam que pareciam mais novas, em contexto pessoal e laboral. Esta crónica é pontuada e foi organizada segundo esses testemunhos.
Mas por que raio é que ter aparência jovem pode ser um elogio? Estou bem conservada? Conservada de quê? Envelhecer é assim tão mau? Não é só uma coisa natural, humana?
“Lately, I look in the mirror, and I’m so afraid I’m going to look like my mother.”, jovem citada por Betty Friedan em Feminine Mystique, publicado em 1962.
Se acham que eu pareço mais nova, como imaginam alguém de 45 anos? Com as bochechas nos ombros?
Há fortes estereótipos de idade, especialmente para as mulheres. Atiram-nos à cara prazos de validade, relacionados com a fertilidade, como se as mulheres a partir dos 40 fossem velhas. Além disso, categorizam as mulheres, põem-lhes rótulos: se são mães já não podem vestir roupa sensual; a partir de certa idade não fica bem frequentar certos sítios; ou com determinado peso já não é apropriado usar certos modelos de roupa. Esta questão foi levantada por vários testemunhos, dos quais realço o seguinte: “Tenho 32 e dão-me 20. É o quê? A aparência? Porque a partir de certa idade tenho de me vestir assim e assado? Ou é o comportamento? Porque a sociedade dita o que devemos ser em todas as faixas etárias?”
Uma mulher não é só uma coisa, é muitas coisas! A vida dela é só dela, o corpo dela só a ela diz respeito. Um exemplo satirizado da categorização das mulheres pode ser visto no sketch “Baby Shower” do Saturday Night Live, em que as amigas mães de uma mulher grávida introduzem o “corte de cabelo de mãe” e outros estereótipos de comportamento de uma mãe que ela vai, sem sombra de dúvida, acabar por adotar.
Atente-se que isto em nada invalida que haja mulheres que gostem que lhes digam que parecem mais novas — tive alguns testemunhos que o afirmaram —, mas antes explora as ligações sociais entre beleza, idade, contexto e preconceito.
Há desigualdade de género na exigência de uma aparência mais jovem?
Temos uma sociedade que fala de dad bodies e de sexy grey, como algo com potencial de ser sensual no masculino, porém, ao mesmo tempo, pede a mulheres com 50 para parecerem que têm 30. Uma sociedade que comenta como o Reynaldo Gianecchini ficou tão melhor com a idade, mas, por outro lado, quer saber o segredo da Jennifer Lopez para continuar a parecer tão jovem aos 53 anos. A mesma intensidade de interesse para movimentos opostos. O que muda? O género da pessoa em questão.
Acham que 50 Shades of Grey teria tido o mesmo sucesso se a Anastacia fosse uma estudante com 27 anos do BDSM e o Mr. Grey fosse um empresário de 21 anos, virgem, inocente, inconsciente da sua beleza e sensualidade? Parece que nem faz sentido, não é? Porque não é este tipo de relação que vive nas fantasias de pessoas que crescem, quer queiram quer não, expostas a estereótipos.
Neste campo de desigualdade de tratamento entram também as indústrias de cosmética e dietética, de grandessíssimo valor, tão focadas no público feminino. Alimentam-se maioritariamente das inseguranças das mulheres, expondo-as a estereótipos de corpos que devem almejar. Hoje em dia, já não há só moda na roupa, há moda na aparência corporal. Recentemente, houve uma crise de falta de medicação para diabéticos porque essa medicação estava a ser usada para pessoas não diabéticas emagrecerem muito rápido, para cumprirem a trend do heroin chic que, pelos visto, voltou.
A meu ver, a existência de produtos e tratamentos de cuidado de pele não é o problema em si. (Claro que tratamentos como o branqueamento anal ou o peeling vulvar já é todo um outro patamar). Eu própria adoro ter bons cremes e séruns para cuidar do que é meu e faço tratamentos de pele. Aqui o problema é serem maioritariamente direcionados para mulheres, alimentando-lhes e criando-lhes inseguranças. “Tens celulite? Não é bonito que tenhas. Tens rugas na testa aos 28? Não estás a cuidar bem de ti. Tens pêlos nos braços? Que inestético.” E por aí fora. Claro que é difícil amarmos a nossa celulite, mas podemos aceitar que é natural. Se uma ruga nos irrita e temos a possibilidade de fazer botox, não há problema em fazê-lo, mas importa que reflitamos nessa necessidade e procuremos uma clínica de confiança para o fazer. Ainda, pode ser relevante perceber quais são as empresas detentoras dos produtos, ou seja, para quem vai o nosso dinheiro.
No campo da indústria dietética, a mesma narrativa: quantas publicidades a emagrecimento já se viu com homens? Quantas publicidades de dietética pretendem subentender que há corpos prontos para o Verão e outros não conforme o peso?
Esta unidirecionalidade de mercado conforme o género traz ainda mais dois problemas do outro lado da moeda: a falta de variedade produtos para homens e a estigmatização de um homem que queira cuidar da sua pele.
Muita gente associa o uso de maquilhagem num homem e a preocupação com cuidar da pele com homossexualidade. Isto para além de ser excludente é prejudicial para que os homens cuidem da sua pele, graças à masculinidade tradicional nociva. Quantos homens não põem sequer protetor solar na cara?
Talvez se houvesse mais publicidade de produtos de higiene tendo homens como público-alvo, houvesse menos inflamações penianas por acumulação de smegma, menos escavações possíveis no cotão de umbigos e menos cuecas com selo.
Parecer mais nova: o elogio pessoal que vira condescendência no trabalho?
“[quando me dizem que pareço mais nova em contexto profissional] sinto-me diminuída, como se me colocassem um rótulo de inexperiente.”
“Eu gosto quando me dizem isso [parecer mais nova], talvez por estar associado àquela ideia de ‘mais nova é mais bonita’. Mas já tive a necessidade de mudar de visual para parecer mais experiente e profissional.”
Querem-nos mais novas em casa, na vida pública, mas no escritório temos de parecer mais velhas ou ninguém nos leva a sério. A aparência jovem é elogiada na esfera pública, mas razão para condescendência e desvalorização no trabalho corporativo, um sinal de inexperiência logo à partida.
Repare-se que não é em todos os trabalhos que querem que as mulheres aparentem a idade que têm ou que pareçam mais velhas para serem tidas como mais profissionais e eficientes. Quando se trata de atrizes, apresentadoras de TV, modelos nas passerelles e em capas de revista, querem-nas eternamente jovens, ou então já não correspondem aos ideais de beleza, já não servem de recortes para o moodboard de adolescentes que odeiam o seu corpo à custa de estereótipos de beleza inalcançáveis sem intervenções estéticas e edição de imagem.
Sobre este contexto específico, uma seguidora escreveu-me o seguinte: “[quando me dizem que pareço mais nova] penso ‘quando chegar aos 40 parece que tenho 30’. Para uma atriz isso é maravilhoso.”
A verdade é que no ano em que Meryl Streep fez 40 anos, recebeu três propostas para papéis de bruxa. Isto mostra como a sociedade acha que a partir de certa idade uma mulher já não tem grande leque de opções para continuar a sua vida de forma interessante. Por si só, este preconceito idadista, já faz da sequela de “Sexo e a Cidade”, intitulada “And Just Like That”, não só relevante, como necessária, já que mostra como a vida das mulheres continua a acontecer para lá dos 40, dos 50, dos 60, (...), independentemente do seu estado civil e de terem ou não descendência.
A que conclusão chegamos?
Beleza, idade e competência profissional são conceitos independentes e deveriam ser entendidos como tal. Além disso, a sociedade continua a exigir muito mais da aparência feminina do que da masculina e a ter dificuldade em ver para lá da binomia de género. Importa referir que a tão maldita sociedade é composta por todas as pessoas, por isso, se as pessoas mudarem, também a sociedade muda.
Concluo a dizer que esta crónica não é só uma ação de apontar o dedo às outras pessoas, mas também a mim mesma. Por algumas vezes já usei o “pareces mais nova” como elogio. Felizmente, estamos sempre a aprender e vamos sempre a tempo de evoluir, só é preciso querer.
Leituras para aprofundar diferentes afluentes deste tema, de várias épocas e contextos:
Bad Feminist, de Roxane Gay
Feminine Mystique, de Betty Friedan
The Beauty Myth, de Naomi Wolf
Trick Mirror, de Jia Tolentino
What a time to be alone, de Chidera Eggerue