1.2.23

“Não é aceitável que o trabalho não seja solução”

Raquel Albuquerque, in Expresso

Sandra Araújo Coordenadora da Estratégia de Combate à Pobreza

Sandra Araújo foi escolhida pelo Governo para coordenar a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, uma área a que se dedica há mais de 30 anos. Até abril, estará a preparar um plano de ação para reduzir a pobreza em Portugal e acredita que será possível atingir as metas até 2030. “Estamos ainda longe e há muito a fazer”, admite.

Apesar das melhorias dos últimos 20 anos, porque é que os avanços são tão reduzidos?

Foram anos muito difíceis, com crises profundas. Além disso, a pobreza estrutural em Portugal está associada ao modelo económico e à Educação, à Saúde e ao acesso aos serviços. O número de trabalhadores pobres, por exemplo, continua a ser elevado. Não é aceitável que o trabalho não seja solução suficiente para não se ser pobre. Temos de acabar com isso. Esta Estratégia, tal como foi definida, permite interromper ciclos e atacar algumas das causas estruturais da pobreza. Acredito que, se a conseguirmos concretizar, vamos ter resultados, mas temos de intervir na Educação, transição para o mercado de trabalho, valorização dos salários e habitação.

A pobreza caiu para 16,4% em 2021, mas o país está longe dos 10% a que quer chegar até 2030. É possível alcançar essa meta?

É concretizável, mas precisamos de alinhamento político de diferentes áreas de governação, além do Trabalho e da Segurança Social. Para já, os números da pobreza não nos tranquilizam. Estamos ainda longe do ponto a que queremos chegar e há muito a fazer. Isto reforça ainda mais a importância da Estratégia para criar uma articulação com a sociedade civil, empresas, sector social e solidário, academia e poder local. É absolutamente preponderante reforçar políticas públicas, seja na Saúde, Educação ou Habitação, e incluir estratégias para combater o estigma e discriminação das pessoas em situação de pobreza.

Os aumentos das prestações sociais anunciados na semana passada e a subida gradual do salário mínimo são suficientes?

Esse é um caminho importante de proteção dos mais vulneráveis ao aproximar as prestações sociais do limiar da pobreza. É o caso do aumento do Complemento Solidário para Idosos, da componente base da Prestação Social para a Inclusão e do Rendimento Social de Inserção (RSI). Mas, obviamente, ainda não é suficiente. É fundamental continuar este caminho nos próximos anos.

Os dados do INE mostram pequenos sinais de agravamento das condições de vida já em 2022. São precisos mais apoios?

A Estratégia vai permitir uma maior monitorização do impacto das medidas na vida dos portugueses, em particular dos que estão em situação de pobreza. Isso é importante para a decisão política porque permitirá introduzir novos apoios se, a determinada altura, parecerem necessários.

Como será feita essa monitorização?

Estou a trabalhar na identificação dos indicadores juntamente com o Gabinete de Estudos e de Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho e com o PLANapp do Ministério da Presidência. Também temos dados das entidades que acompanham as famílias e que nos permitem ter sinais de alerta.

A taxa de risco de pobreza não conseguirá captar o impacto da inflação em 2022 e 2023. Faz sentido criar indicadores complementares para evitar que o agravamento fique escondido das estatísticas?

Com certeza que sim. Poderá ser necessário aprimorar a informação para ter dados mais fidedignos. E temos espaço para que isso aconteça, criando novos indicadores com ajuda de pessoas especializadas nessa matéria, incluindo do GEP, do INE e talvez até do Banco de Portugal.

Em que ponto está a Estratégia agora?

Tenho de apresentar a proposta de plano de ação até abril, com indicadores, metas, recursos, dotação financeira para cada medida e o trabalho de monitorização. Está prevista a constituição de um fórum consultivo e vou propor entidades a incluir. Mas, para avançar, é preciso que se verifiquem outras premissas. Já foram pedidos pontos focais às diferentes áreas governativas para que haja um diálogo constante. Possivelmente, poderá acontecer esta reunião com os diferentes pontos focais até ao final deste mês ou início de fevereiro.