29.2.16

Ciganos portugueses são os mais pobres da Europa. Dependência do RSI preocupa

João Madeira, in iOnline

Existem 40 a 60 mil ciganos em Portugal. Falta de escolarização gera dificuldades de emprego e crise complicou negócio das feiras. Mais de metade vivem do rendimento mínimo.

Há cinco séculos que a comunidade cigana está fixada em Portugal, mas o longo período de convivência não foi suficiente para ultrapassar a desconfiança mútua entre os cidadãos desta etnia e a generalidade da sociedade portuguesa. A pobreza extrema é um traço comum na maioria das famílias ciganas, onde o recurso ao Rendimento Social de Inserção (RSI) é a principal fonte de subsistência. Mais de metade tem este apoio social como rendimento.

Não existem estatísticas oficiais sobre a dimensão da comunidade cigana no país. Há apenas aproximações. No início deste século, o SOS Racismo realizou um inquérito junto das câmaras municipais e estimou que havia em Portugal 21.831 cidadãos ciganos. O valor mais recente é do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, que aponta para um número entre 40 mil e 60 mil indivíduos.

Baixa escolaridade O desconhecimento sobre esta comunidade é revelador da distância que ainda subsiste. Foi apenas há dois anos que um grupo de investigadores fez um estudo abrangente sobre o perfil desta população, num trabalho do Observatório das Comunidades Ciganas. Foram feitos inquéritos à comunidade e os resultados “apontam claramente para o facto de as desigualdades face à sociedade envolvente continuarem a ser bem salientes e persistentes”, diz ao i a investigadora Manuela Mendes, co-autora do estudo.

Cerca de um terço dos inquiridos não ultrapassava o 1º ciclo do ensino básico – tinha apenas quatro anos de escola. Apenas 2,8% tinham o ensino secundário e superior. E esta falta de competências perpetua a exclusão social e a pobreza.

Um estudo levado a cabo pela Agência Europeia dos Direitos Fundamentais, junto de 11 Estados-membros, mostrou que 80% dos entrevistados de origem cigana estavam em risco de pobreza na Europa. Os níveis mais elevados eram em Itália, França e Portugal, onde quase 100% da população estava naquele patamar de carência.

Segundo o mesmo estudo, apenas cerca de uma em cada 10 pessoas ciganas com idades entre os 20 e os 64 anos exercia um emprego remunerado. Os ciganos estão numa posição de desvantagem no emprego não só devido à falta de credenciais escolares e profissionais, mas também também devido à discriminação. “Estamos perante pessoas e famílias marcadas por um ciclo incontornável em que há uma espécie de auto perpetuação de desigualdades de oportunidades, práticas discriminatórias e aspirações inconcretizadas”, frisa Manuela Mendes.

Com falta de trabalho, a carência material torna-se evidente. No acesso a alimentos, um terço dos indivíduos revelou ter passado algum ou vários momentos de fome no último ano. Estas dificuldades eram mais frequentes na população menos escolarizada, mais velha e da região do Algarve. Nestas situações, a sobrevivência consegue-se com apoio da família, com a ajuda de vizinhos e de instituições, além dos apoios públicos.

Crise nos negócios tradicionais A imagem tradicional dos ciganos está associada ao comércio nas feiras e, embora seja uma atividade ainda praticada na comunidade, a crise tem vindo a afastar um número crescente de famílias desta atividade.

Segundo os técnicos de inserção social ouvidos no estudo do Observatório, há ainda “um número não negligenciável de trabalhadores” por conta própria, como feirantes ou vendedores ambulantes. “Porém, pelo retraimento de os negócios nas feiras com a crise económica, muitos já desistiram dessa atividade. Há outros que estão em efetiva situação de desemprego ou desocupação”, refere o documento.

O perfil dos ciganos entrevistados no estudo mais recente do Observatório estudo mostra uma fraca inserção laboral. “Dominam os que não sabem ler nem escrever e mais de metade dos sujeitos inquiridos não possui o primeiro ciclo do ensino básico completo. Quanto às principais fontes de rendimento, mais de metade depende do RSI, e 15% do seu trabalho”. Mais de 60% encontra-se inscrito nos centros de emprego, embora muitos não tenham procurado trabalho recentemente.

“O RSI é um pau de dois bicos. Por um lado foi bom porque tirou todas as pessoas – e não só os ciganos – de situações de miséria externa. Por outro, criou dependência e não estimula a escolaridade”, admite Olga Magano, outra investigadora que participou no estudo do Observatório.

No entanto, as perspetivas são positivas. “Entre ser um cigano analfabeto e receber o RSI ou ser escolarizado e ter um emprego julgo que estas pessoas estão a começar a mudar a mentalidade, até porque o tradicional setor de negócio – as feiras – apresenta-se cada vez menos como uma solução”.

A escolarização é uma das raízes mais fortes dos problemas da comunidade e um dos pontos em que os técnicos apontam como fulcrais para intervir. Os raros casos de integração bem sucedida estão muitas vezes associados a uma frequência mais prolongada na escola.