31.8.21

4700 desempregados aguardam novo apoio social. Atraso na validação de condições trava pagamentos

Cátia Mateus, in Expresso

Desempregados tinham beneficiado de uma prorrogação excecional do subsídio social de desemprego até julho deste ano e podiam agora requerer o Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores (AERT). Verificação da situação de dependência económica está a atrasar o deferimento dos processos na Segurança Social.

O pagamento do Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores (AERT), o novo apoio social criado pelo Governo em 2021 para colmatar situações de desproteção social e económica e garantir que ninguém viveria abaixo do limiar da pobreza, chegou aos beneficiários a 26 de agosto. Mas não a todos.

Quem requereu o apoio pela primeira vez com as regras gerais, depois de ter beneficiado da prorrogação excecional do subsídio social de desemprego, no âmbito do AERT, até julho deste ano, está neste momento sem qualquer rendimento a aguardar que a Segurança Social valide o acesso ao apoio e viabilize o respetivo pagamento.

Fonte oficial do Ministério do Trabalho confirma ao Expresso que 4,7 mil desempregados deste grupo solicitaram o AERT no mês de referência de julho, passando a ter de cumprir a condição de recursos a que antes estavam isentos, adiantando que “a Segurança Social prevê efetuar o pagamento no dia 14 de setembro àqueles que cumpram os requisitos”.

Em causa estão desempregados cuja proteção no desemprego terminava no final de 2020 e que, por isso, ficariam sem qualquer rendimento já que o novo apoio social criado pelo Executivo, o AERT, impunha como condição que a situação de desproteção económica se tornasse efetiva apenas a partir de janeiro de 2021.

Só aqueles cujo subsídio social de desemprego terminasse após essa data poderiam tentar o acesso ao novo apoio. O Executivo decidiu – depois de uma intensa contestação por parte do Bloco de Esquerda e de uma petição que reuniu milhares de assinaturas – garantir o acesso destes desempregados ao AERT, sem cumprir a condição de recursos definida para acesso ao apoio, numa espécie de prorrogação excecional do subsídio social de desemprego, durante seis meses, até julho de 2021. Ou seja, ficando a receber no AERT (sem verificação da condição de recursos) mensalmente um valor idêntico ao que recebiam estando enquadrados no subsídio social de desemprego. 22 mil foram abrangidos pela medida.

Uma vez terminado esse prazo, em julho, estes 22 mil desempregados poderiam então candidatar-se ao AERT, mas ficando já sujeitos ao crivo das regras gerais do programa. Nomeadamente, ao cumprimento da condição de recursos que o acesso ao AERT impõe como obrigatória e que é apontada como um dos grandes entraves no acesso ao apoio.

As regras do programa determinam que não basta ter ficado em situação de desproteção económica em 2021 para ter direito ao apoio social, é também preciso que os rendimentos mensais do agregado familiar do requerente não ultrapassem os 501,16 euros por adulto.

Nestes cálculos inclui-se o valor do património imobiliário do agregado, na parte em que exceda 450 vezes o indexante de apoios sociais (197.464,5 euros) e exclui-se o imóvel destinado a habitação permanente do agregado familiar. Regras que, em muitos casos, podem significar uma exclusão do apoio ou uma redução acentuada do valor a que tiveram direito no âmbito da prorrogação extraordinária do subsídio social de desemprego, já que o AERT consiste numa prestação de caráter diferencial entre o rendimento médio mensal por adulto do agregado familiar e o valor de referência mensal de 501,16 euros.

Segundo os dados disponibilizados ao Expresso pelo Ministério do Trabalho, “no mês de referência de julho, 4,7 mil beneficiários nesta situação solicitaram o AERT, estando a ser aplicada a condição de recursos a estes beneficiários”. Um número que representa cerca de 21% dos cerca de 22 mil que terão ficado abrangidos pela prorrogação do subsídio social de desemprego no âmbito do AERT.

Porém, apesar de a maior fatia não ter requerido em julho o acesso ao apoio social, a necessidade de verificação da condição de recursos dos que o solicitaram não deixou de provocar constrangimentos na Segurança Social.

Vários desempregados ouvidos pelo Expresso que requereram no último mês o AERT, e que resperavam um pagamento até 26 de agosto, denunciam atrasos na validação dos processos e no processamento dos pagamentos.

O requerimento de acesso a AERT que apresentaram dentro do prazo previsto permanece “em análise” na página da Segurança Social Direta, não tendo recebido qualquer pagamento na data determinada para o efeito. Mais, dizem que os esclarecimentos que estão a obter junto da linha de apoio da SS referem apenas que análise dos processos é demorada e exige a verificação do cumprimento de requisitos, restando por isso aguardar por uma decisão dos serviços.

Há também casos em que o processo surge na Segurança Social Direta com a indicação de “validado”, mas não clarifica qualquer referência ao valor do apoio a que terão direito, nem quando este será pago.

Um prazo que o Ministério do Trabalho fixa em setembro. Questionado pelo Expresso sobre a situação destes desempregados, fonte oficial do gabinete de Ana Mendes Godinho esclareceu que “tal como se encontra previsto na legislação, os beneficiários de Subsídio Social de Desemprego terminado a 31 de dezembro de 2020, que puderam aceder ao AERT pelo período de 6 meses sem condição de recursos podem manter o acesso ao apoio por mais 6 meses, ficando sujeitos à aplicação da condição de recursos nesse período”. A mesma fonte garantiu que “a Segurança Social prevê efetuar o pagamento no dia 14 de setembro àqueles que cumpram os requisitos”.

Recorde-se que em julho, o Bloco de Esquerda já tinha sinalizado a possibilidade de muitos destes trabalhadores poderem ver os apoios suspensos ou reduzidos, ou ainda ocorrerem atrasos nos pagamentos.

Os bloquistas apresentaram um projeto de resolução onde recomendavam ao Governo que prorrogasse “excecionalmente, até ao final do ano de 2021, isto é, por mais seis meses, a atribuição do AERT sem necessidade de verificar condição de recursos, a todos os beneficiários abrangidos pela alínea a) do n.º 2 do artigo 156.º do Orçamento do Estado para 2021, assegurando o direito a este apoio extraordinário correspondente ao valor da prestação cessada, até ao limite de 501,16 euros”. A proposta acabaria chumbada no Parlamento com os votos contra do PS e abstenções do PSD, do Chega e da Iniciativa Liberal.

Taxa de desemprego recua para 6,6% em julho. Há 341 mil desempregados

Cátia Mateus, in Expresso

INE contabiliza 341 mil desempregados no sétimo mês do ano. Número corresponde a uma descida de 3,3% em relação ao mês anterior e de 15,7% face ao mesmo mês de 2020. A população empregada aumentou em julho 0,8% (39,5 mil), para 4,84 milhões de pessoas

O desemprego em Portugal voltou a recuar em julho. Os dados divulgados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) ainda são provisórios, mas sinalizam uma nova diminuição da taxa de desemprego para 6,6%, menos 0,2 pontos percentuais do que o registado em junho e menos 1,5 pontos percentuais (p.p.) do que o apurado no mesmo mês do ano passado.

No sétimo mês do ano, a população desempregada recuou 3,3% em cadeia, para 341 mil pessoas, enquanto a população empregada cresceu 0,5%, para 4,84 milhões de pessoas. Taxa de subutilização do trabalho voltou a recuar para os 12,5%.

"Em julho de 2021, a população desempregada, estimada em 341 mil pessoas, diminuiu 3,3% (11,6 mil) em relação ao mês anterior, 3,7% (13 mil) relativamente a três meses antes e 15,7% (63,7 mil) por comparação com o período homólogo de 2020", sinalizam os dados provisórios da estatística do INE que fixa a taxa de desemprego em julho nos 6,6%, valor que fica 0,2 p.p. abaixo do verificado em junho e 1,5 p.p. face a julho de 2020.

Num movimento inverso, a população empregada aumentou em julho 0,8% (39,5 mil), para 4,84 milhões de pessoas. Uma evolução positiva que representa um crescimento homólogo de 5,2% (238,2 mil). Assim, "a taxa de emprego situou-se em 63,1%, tendo aumentado 0,5 p.p. em relação ao mês anterior, 1,7 p.p. relativamente a abril de 2021 e 3 p.p. por comparação com um ano antes", clarifica o INE.

Já no que toca à população ativa, a estimativa do INE aponta para que em julho este grupo tenha registado um aumento de 0,5% (27,9 mil) face a junho, agregando um universo de 5,18 milhões de pessoas, mais 3,5% (174,5 mil) quando comparado com o mês homólogo.

A merecer destaque está também o indicador relativo à subutilização do trabalho, que agrega além dos desempregados também os trabalhadores a tempo parcial que gostariam de trabalhar mais horas, os inativos disponíveis para trabalhar, mas que não procuram ativamente emprego e os inativos que procuram emprego, mas não estavam disponíveis no imediato para aceitar uma vaga. Também aqui se verificou uma descida, à semelhança do que vem acontecendo nos últimos meses.

Segundo o INE, "em julho de 2021, a subutilização do trabalho situou-se em 668 mil pessoas, o que corresponde a um decréscimo de 2,4% (16,3 mil) em relação a junho de 2021, de 1,9% (12,6 mil) relativamente a abril de 2021 e de 19,4% (161,3 mil) por comparação com julho de 2020". Assim, a taxa de subutilização do trabalho estimada para julho é de 12,5%, representando uma diminuição de 0,3 p.p em cadeia e de 3,2 p.p. homóloga.

Na síntese estatística divulgada esta terça-feira, o organismo nacional de estatística reviu ainda em baixa a estimativa da taxa de desemprego avançada para junho. A correção agora publicada coloca a taxa nacional de desemprego, inicialmente estimada em 6,9% nos 6,8%, correspondendo a uma redução em cadeia de 0,2 pontos percentuais e homóloga de 0,7 pontos percentuais. Já a taxa de subutilização do trabalho foi revista em alta. Junho fechou com 12,8%, mais 0,1 p.p. do que a estimativa inicial do INE avançava.







PRR. 417 milhões de euros em novos equipamentos para 60 mil pessoas: “Este é um investimento social massivo”

in Expresso

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social assinou um contrato para financiar uma nova geração de equipamentos e respostas sociais que beneficiará 60 mil pessoas. Segundo a governante, trata-se de um programa que retrata a "grande missão de Portugal ser um país para todos"

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social recordou hoje, durante a assinatura de um contrato, que vão ser disponibilizados 417 milhões de euros para financiar uma nova geração de equipamentos e respostas sociais que beneficiará 60 mil pessoas.

"Este programa [no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)] tem, acima de tudo, o objetivo de chegar às várias dimensões, desde as pessoas mais novas às pessoas mais velhas, naquilo que são as respostas sociais", disse hoje, na Guarda, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

A governante falava no final da sessão pública de assinatura do contrato de financiamento da Nova Geração de Equipamentos e Respostas Sociais, no âmbito do PRR, entre o Instituto da Segurança Social e a Estrutura de Missão Recuperar Portugal.

Segundo uma nota do Gabinete da ministra, o contrato "mobiliza 417 milhões de euros para reforçar, adaptar, requalificar e inovar as respostas sociais dirigidas às crianças, pessoas idosas, pessoas com deficiência ou incapacidades e famílias, tendo em vista a promoção da natalidade, do envelhecimento ativo e saudável, da inclusão e promoção da autonomia e da conciliação entre atividade profissional e a vida pessoal e familiar e a coesão social e territorial, e ainda promover uma intervenção integrada com vista ao combate à pobreza".

"Este é um investimento social massivo, temos aqui um programa de mais de 400 milhões de euros, com o objetivo de chegar a 60 mil pessoas, sejam, crianças, através das creches, com o alargamento da rede de creche, seja através de requalificação das respostas para o envelhecimento (...), nomeadamente requalificação de lares ou novas respostas dedicadas ao envelhecimento e, também, uma nova geração de apoio domiciliário", explicou Ana Mendes Godinho.

Segundo a governante, trata-se de um programa que retrata a "grande missão de Portugal ser um país para todos, desde novos a velhos, mas com um forte investimento social".

Já no seu discurso, Ana Mendes Godinho disse que o país "conta muito" com o setor social para conseguir que "seja líder na execução do PRR" e demonstrar que "mais uma vez", é quem lidera na capacidade de colocar os fundos "ao serviço das pessoas".

A ministra de Estado da Presidência, Mariana Vieira da Silva, também presente na cerimónia, afirmou que a dimensão das respostas sociais é importante pelo facto de o país poder modernizar os equipamentos e inovar.

"Todas as partes fáceis do PRR vão sendo sempre superadas. Primeiro a sua negociação, depois a sua redação, depois a sua negociação com a Comissão Europeia, depois a sua aprovação, e eis que chegamos ao momento em que assinamos este protocolo que já tem muito trabalho por trás e se avizinha a parte que é, efetivamente, a mais difícil e a mais desafiante [que é] executar em cada um dos nossos territórios os investimentos que aqui preparamos", disse.

Na opinião de Mariana Vieira da Silva, se se conseguir "unir" os diferentes esforços que estão a ser feitos do lado da recuperação do país e articular os investimentos com os outros fundos comunitários, Portugal poderá sair do ciclo de recuperação que agora se inicia "como um país mais forte, mais coeso do ponto de vista social e mais coeso do ponto de vista territorial", garantindo que "ninguém fica para trás".

Na sessão, Rui Fiolhais, presidente do Instituto da Segurança Social, explicou que o plano de nova geração de equipamentos e respostas sociais tem quatro dimensões: requalificação e alargamento da rede (277,2 milhões de euros), serviço de apoio domiciliário (17,1), Piloto Radar Social (60,2) e mobilidade verde social (62,5).

Famílias carenciadas podem pedir vales para tornar casas energeticamente eficientes

in Expresso

Candidaturas começam esta terça-feira e até 2025 haverá 100 mil vales para atribuir, no valor de 1.300 euros mais IVA. Substituir de janelas, instalar de bombas de calor ou painéis solares são algumas das obras que poderão ser pagas com estes vales

Cem mil famílias que pagam tarifa social de eletricidade podem a partir desta terça-feira candidatar-se a vales de 1.300 euros para financiar obras de melhoria da eficiência energética das suas casas, anunciou o Governo.

Na apresentação do programa de vales de eficiência energética, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, indicou que até 2025 haverá 100 mil vales para atribuir, no valor de 1.300 euros mais IVA.

Uma das intervenções que podem ser pagas com vales de eficiência energética é a instalação de painéis solares, uma área em que "Portugal se deixou atrasar ao ponto de produzir menos [eletricidade] a partir do solar do que a Bélgica ou Inglaterra".

"Temos que dar o salto e chegar aos 08 ou 09 gigawatts no final da década", defendeu, atribuindo 02 a 03 gigawatts dessa produção às habitações.

Matos Fernandes referiu que cerca de um terço do consumo de energia em Portugal acontece nos edifícios e apontou que "há muitas situações já antigas de pobreza energética".

O programa dos vales de eficiência energética destinou para este ano 20 mil vales, mas se essas candidaturas forem integralmente aprovadas, abrir-se-á outro aviso para mais 20 mil, referiu o governante.

O valor disponível para esta primeira leva de candidaturas ascende a 32 milhões de euros, 26 dos quais do Programa de Recuperação e Resiliência e seis milhões do Fundo Ambiental.

Os potenciais beneficiários (famílias carenciadas que pagam tarifa social de luz e são proprietárias) podem pedir vales através de uma plataforma específica no Fundo Ambiental e as obras serão feitas por uma de cerca de 70 empresas fornecedoras que estão numa lista ali disponibilizada.

Substituição de janelas, aplicação ou substituição de isolamentos térmicos, de portas, instalação de bombas de calor ou painéis fotovoltaicos estão entre o tipo de obras que poderão ser pagas com estes vales.

31 AGOSTO 2021 15:30

Famílias já consomem mais do que em 2019 e o investimento também está acima do pré-crise (mas as exportações estão muito abaixo)

Sónia M. Lourenço, in Expresso

Produto Interno Bruto português no segundo trimestre ficou apenas 3,4% abaixo do mesmo período de 2019. Despesas de consumo das famílias e das Administrações Públicas já ultrapassaram o patamar pré-crise, tal como o investimento. Mas as exportações, penalizadas pelo turismo, ainda contabilizam uma quebra superior a 15%

Perto de 1750 milhões de euros. Foi essa a distância a que o Produto Interno Bruto (PIB) português no segundo trimestre deste ano ficou do valor registado no mesmo período de 2019, ou seja, antes da crise pandémica. A diferença foi de apenas 3,4%, sinalizando que a economia portuguesa está perto de regressar ao patamar pré-crise. Mas, uma análise do Expresso aos dados publicados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mostram que a recuperação está a ser assimétrica. Na frente interna, o consumo das famílias e das Administrações Públicas já ficou no segundo trimestre acima do segundo trimestre de 2019. Também o investimento ultrapassou o patamar pré-crise. Mas, na frente externa, as exportações, penalizadas pelo turismo, ainda contabilizam perdas a dois dígitos.

Um crescimento histórico de 15,5% - o mais elevado desde pelo menos 1978. Foi assim o comportamento da economia portuguesa no segundo trimestre deste ano, beneficiando tanto do efeito de base - um ano antes Portugal enfrentou o primeiro confinamento geral para travar a pandemia de covid-19 e a atividade económica caiu a pique - como do impulso dado pela reabertura do país após o segundo confinamento geral no início de 2021.

Como resultado, o PIB atingiu 48,99 mil milhões de euros, ficando a cerca de 1750 milhões de euros de distância do valor do segundo trimestre de 2019. Em termos percentuais, a quebra foi de 3,4%.

Contudo, por trás destes números, estão velocidades de recuperação diferentes entre os vários componentes do PIB. Na frente interna predominam as boas notícias, mas na frente externa os dados são mais sombrios.

Os números do INE indicam que no segundo trimestre deste ano a procura interna em Portugal - consumo privado e público, bem como investimento - ficou 1,1% acima do registado no segundo trimestre de 2019.

As despesas de consumo final ultrapassaram o patamar pré-crise, com o valor do segundo trimestre a ultrapassar em 1,5% o do mesmo período de 2019. E tanto as famílias residentes no país (mais 0,6%), como as Administrações Públicas (mais 5,6%) consumiram acima do período homólogo de 2019.

Onde é que as famílias estão a gastar mais? Comparando as despesas de consumo final no segundo trimestre de 2021 e no mesmo período de 2019, conclui-se que houve um aumento de 7,1% nos bens alimentares. Já nos bens duradouros - automóveis, mobílias e computadores, entre outros bens - as despesas de consumo final das famílias ficaram praticamente em linha com 2019, com uma quebra muito ligeira de 0,5%. Por fim, nos bens correntes não alimentares e serviços, o patamar pré-crise ainda não foi atingido, mas por uma margem pequena (redução de 1%).

Passando para o investimento, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) é o indicador mais importante na análise e regista um crescimento de 2,8% entre o segundo trimestre de 2019 e o mesmo período deste ano. Mais ainda, todas as componentes da FBCP, com exceção do equipamento de transporte, estão acima do patamar pré-crise pandémica. Os incrementos são de 0,4% nos recursos biológicos cultivados, de 2,3% nas outras máquinas e equipamentos e sistemas de armamento, de 9,8% na construção, e de 0,6% nos produtos de propriedade intelectual. Em sentido inverso, como referido, a FBCF em equipamento de transporte contabiliza uma queda acentuada, de 29,6%.

TURISMO PENALIZA EXPORTAÇÕES

O cenário é diferente quando se analisa a frente externa da economia portuguesa. No segundo trimestre deste ano as exportações ficaram 15,3% abaixo do valor alcançado no mesmo período de 2019, muitos penalizadas pela componente dos serviços, onde o turismo tem um peso decisivo. De facto, os dados do INE mostram que, em termos reais, as exportações de bens ficaram perto do patamar pré-crise (quebra de 5,6% entre o segundo trimestre de 2019 e o mesmo período de 2021), mas nos serviços ainda estão muito longe desse nível (menos 36,1%). Até porque a retoma parcial que se tem sentido no sector do turismo tem sido conseguida sobretudo com turistas nacionais. Já o turismo internacional com destino a Portugal permanece débil.

Quanto às importações, ficaram 4,7% abaixo do patamar do segundo trimestre de 2019, com reduções de 2,6% nos bens e de 15,2% nos serviços.

Uma nota importante a ter em conta na evolução de exportações e importações em termos reais foi a deterioração dos termos de troca para Portugal, penalizando o contributo da frente externa para o PIB. O INE destaca que "no segundo trimestre de 2021, em termos homólogos, registou-se uma perda nos termos de troca, tendo o comportamento do deflator das importações sido influenciado, em larga medida, pelo crescimento pronunciado dos preços dos produtos energéticos".

Rendas deverão subir 0,43% em 2022

in Público on-line

Dados da inflação divulgados pelo INE apontam para um aumento de rendas, depois de terem permanecido inalteradas este ano

O valor das rendas deverá voltar a subir, 0,43%, em 2022, após se ter mantido inalterado este ano, segundo os números da inflação dos últimos 12 meses até Agosto hoje divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

De acordo com os dados do INE, nos últimos 12 meses até Agosto a variação média do índice de preços, excluindo a habitação, foi de 0,43%, valor que serve de base ao coeficiente utilizado para a actualização anual das rendas para o próximo ano, ao abrigo do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), e que representa mais 43 cêntimos por cada 100 euros de renda.

O aumento de 0,43% das rendas em 2022, aplicável tanto ao meio urbano como ao meio rural, segue-se ao congelamento deste ano (na sequência de variação negativa do índice de preços) e aos acréscimos de 0,51% em 2020, 1,15% em 2019, 1,12% em 2018, 0,54% em 2017 e 0,16% em 2016.

Por lei, os valores das rendas estão em geral sujeitos a actualizações anuais que se aplicam de forma automática em função da inflação. O NRAU estipula que o INE é que tem a responsabilidade de apurar o coeficiente de actualização de rendas, tendo este de constar de um aviso a publicar em Diário da República até 30 de Outubro de cada ano para se tornar efectivo.

Só após a publicação em Diário da República é que os proprietários poderão anunciar aos inquilinos o aumento da renda, sendo que a subida só poderá efectivamente ocorrer 30 dias depois deste aviso.

De acordo com a lei do arrendamento, a primeira actualização pode ser exigida um ano após a vigência do contrato, e as seguintes um ano depois da actualização prévia, tendo o senhorio de comunicar por escrito, com uma antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente de actualização e a nova renda que resulta deste cálculo.

Caso não o pretendam, os senhorios não são obrigados a aplicar esta actualização.

As rendas anteriores a 1990, contudo, foram actualizadas a partir de Novembro de 2012, segundo o NRAU, que permite aumentar as rendas mais antigas através de um processo de negociação entre senhorio e inquilino. Caso tenham sido objecto deste mecanismo de actualização extraordinária, ficam isentos de nova subida.


Governo só vai mexer no 1.º e 2.º escalões do abono de família

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

A subida do abono foi apresentada como uma medida de luta contra a pobreza infantil. Beneficiará, por isso, as crianças que vivem nos agregados com os dois escalões de rendimento mais baixos.

O primeiro-ministro, António Costa, anunciou a medida no domingo, no encerramento do 23.º Congresso do PS: “Iremos alargar as medidas de combate à pobreza ao longo dos próximos dois anos a todas as crianças, independentemente da sua idade.”


O abono, destinado a compensar os encargos familiares com o sustento e educação das crianças e jovens, está organizada em quatro escalões de rendimento. O valor atribuído tem em conta o tipo de família, o tamanho da fratria, a idade das crianças.




Está no primeiro escalão quem vive numa situação de pobreza extrema, contando com um rendimento de referência igual ou inferior a 3071,67 euros por ano. No segundo escalão cabe quem está numa situação de pobreza, vivendo com 3071,67 a 6143,34 euros por ano.

Nesse primeiro escalão, o abono fica-se pelos 149,85 euros até aos 36 meses; 49,95 entre os 36 e os 72 meses e 37,46 a partir daí. No segundo escalão, o abono é de 123,69 até aos 36 meses, 41,23 entre os 36 e os 72 meses e 30,93 a partir daí.

“As crianças entre os 3 e os 6 anos que estiverem em condição de pobreza, de pobreza extrema, e que hoje só recebem entre 41 e 50 euros, nos próximos dois anos chegarão aos 100 euros”, disse Costa. “E as que têm mais de 6 anos passam dos 37 ou 31 para 50 euros.”

No seu discurso, o primeiro-ministro qualificou a pobreza infantil de “chaga inaceitável numa sociedade decente”. E assumiu o compromisso de “erradicar a pobreza infantil no país”.

“Quem está disposto a esperar cinco gerações para que as 130 mil crianças que estão ainda em situação de pobreza extrema possam estar numa família que atingiu o rendimento mediano?”, questionou. “Quem está disponível para esperar várias gerações para que as crianças em risco de pobreza, cerca de 300 mil, possam libertar-se desta situação?”

Aproveitou para lembrar as mudanças introduzidas na anterior legislatura. “Desde 2015, iniciamos uma medida de reforço significativo do abono para todas as crianças em condição de extrema pobreza ou em risco de pobreza até aos três anos. Com esta medida, saíram da situação de pobreza mais de 75 mil crianças até 2019”, afirmou. “Em 2019, após transferência 159 mil crianças deixavam estar em situação de pobreza. Se estas medidas deram certo sabemos que temos de as reforçar para erradicar a pobreza infantil”, disse ainda.

O inquérito ao rendimento das famílias, que vai sendo feito pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mostra a evolução desse indicador. A taxa de risco de pobreza infantil atingiu um pico em 2013 (25,6%) e desde então baixou progressivamente até 2018: 24,8%, 22,4%, 20,7%, 19,0%, 18,9%. Em 2019, situou-se nos 19.1%, bem acima da taxa geral (16,2).

A presença das crianças num agregado familiar representa um risco de pobreza acrescido, sobretudo nas famílias monoparentais (25,5%) ou numerosas (39,8%). Em 2019, o risco de pobreza para os agregados sem crianças dependentes era 15,4% e dos agregados com crianças dependentes 17,0%.

Os últimos dados do Instituto de Segurança Social, referentes ao mês de Julho, apontam para 1.087.199 crianças titulares de abono. Eram 534.442 raparigas e 552.757 rapazes. Entre estes, 91.328 com bonificação por deficiência. Entre estes, 12.141 com subsídio para educação especial.

Os dados mensais não permitem perceber quantas crianças pertencem aos dois primeiros escalões, mas a Segurança Social confirma que rondam meio milhão. As outras estão no terceiro (97,31 euros até aos três anos, 32,44 entre os três e os seis, 28 a partir daí) e no quarto escalão (58,39 nos primeiros três anos, 19,46 entre os três e os seis e zero a partir daí).

Em qualquer escalão há uma majoração para famílias monoparentais. E outra para famílias numerosas.

Esta medida é complementada com uma dedução fiscal de 900 euros para todas as famílias com crianças até seis anos. E uma garantia fiscal de 600 euros a partir do segundo filho para as que não ganham o suficiente para pagar IRS.

Dos dez mil lugares em creche, 3438 já estão criados

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Às vagas do Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais — 2.ª Geração juntam-se as do Plano de Recuperação e Resiliência.

O Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais — 2.ª Geração, abrange até agora 3438 vagas em creches comparticipadas pela Segurança Social. Em Outubro, um novo concurso será lançado para criar outras 5586.

A baixa cobertura média de respostas para a primeira infância é um problema há muito diagnosticado em Portugal continental. Ficava-se pelos 48,4% em 2018 (ano da última Carta Social - Rede de Serviços e Equipamentos). Lia-se então que “as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, designadamente os distritos de Lisboa, Setúbal e Porto, eram os territórios com menor cobertura”. Do outro lado da barricada, com poucas crianças, estavam “os territórios do interior, nomeadamente os distritos da Guarda, Castelo Branco e Portalegre”.

Há precisamente dois anos, o primeiro-ministro António Costa anunciou o programa que ficou conhecido pelo acrónimo PARES 0.2. Falou, então, em sete mil novas vagas, priorizando as duas áreas metropolitanas a todos os concelhos com taxa de cobertura abaixo do objectivo europeu de 33%.

Contactado pelo PÚBLICO, o Instituto de Segurança Social esclarece que “foram já assinados 59 novos contratos de comparticipação financeira com as entidades, abrangendo 3438 lugares em creche (mais de 2600 dos quais novos), num investimento público que ultrapassa os 21 milhões de euros”.

Costa subiu a parada, falando agora em dez mil vagas. “Com os concursos de há poucos meses mais o novo concurso que vamos abrir em Outubro vamos criar no próximo ano mais dez mil lugares de creche no nosso país para que haja mais dez mil crianças que possam ter uma creche para frequentar”, disse no domingo, no encerramento do Congresso do PS, em Portimão.

A margem de acção alargou-se. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê um investimento em estruturas de apoio que contribuem para responder às necessidades de prestação de cuidados a crianças, pessoas com deficiência e idosos.

Esclarece a Segurança Social que, “no âmbito do PRR, estão previstos investimentos para alargamento da rede de apoio à infância e criação de novos lugares de creches nos territórios de maior carência de resposta”. “Ao todo, serão intervencionados 5586 lugares, no valor de 54 milhões de euros, estando prevista a abertura do aviso em Outubro”, precisa.

Ao que informou aquela entidade por escrito, no dia 1 de Junho, no território continental “existiam 1854 creches com acordo de cooperação celebrado com a Segurança Social com capacidade para 89.014 crianças, 75.281 abrangidas por acordo”. Havia ainda, no sector privado, outras 1035 creches com licença de funcionamento com capacidade para acolher 28.210 crianças.

A grande fatia das respostas desta natureza pertence, portanto, ao chamado sector social e solidário. O valor de comparticipação por utente/mês em creche é de 293,66 euros.

Pandemia fez cair a natalidade especialmente em Itália, Hungria, Espanha e Portugal

in Público on-line

Estudo de universidade italiana analisou a evolução da natalidade em 22 países e concluiu que em sete deles a natalidade diminuiu para lá do que era previsível.

A pandemia tem sido acompanhada por uma queda significativa nas taxas de natalidade bruta em países de alto rendimento, com declínios particularmente acentuados no sul da Europa: Itália (-9,1%), Espanha (-8,4%) e Portugal (-6,6%). Esta é a principal conclusão de um estudo conduzido pela Universidade Bocconi de Itália e publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, utilizando modelos numéricos e analisando dados de 22 países.

As pandemias são um motor fundamental das mudanças nas populações, afectando tanto a mortalidade como as taxas de natalidade.

A maior pandemia do século passado, a chamada gripe espanhola (1918-1919), fez com que as taxas de natalidade nos Estados Unidos baixassem de 23 por 1000 habitantes em 1918 para 20 por 1000 em 1919 (-13%). Efeitos comparáveis foram observados em países como Reino Unido, Índia, Japão e Noruega.

Os dados preliminares do estudo italiano sugerem agora que a pandemia de covid-19 diminuiu a taxa de natalidade nos países de alto rendimento.

Para avaliar melhor o efeito desta doença, os autores do estudo recolheram dados mensais de Janeiro de 2016 a Março de 2021 de um total de 22 países de elevado rendimento. Após vários cálculos comparativos, os cientistas utilizaram modelos para contabilizar a sazonalidade e as tendências a longo prazo.

Ao aplicar e aperfeiçoar os modelos, os dados mostram que a pandemia foi acompanhada por um declínio significativo nas taxas de natalidade bruta para além do previsto pelas tendências do passado em sete dos 22 países considerados.

Assim, as taxas de natalidade bruta caíram 8,5% na Hungria, 9,1% em Itália, 8,4% em Espanha e 6,6% em Portugal. Além disso, Bélgica, Áustria e Singapura também mostraram um declínio significativo nas taxas de natalidade bruta, de acordo com esta análise.

Contudo, os autores sublinham que os dados disponíveis apenas fornecem informações sobre a primeira vaga e, portanto, “apenas dão uma ideia do declínio global durante a pandemia”.

Os dados fornecem informações sobre várias fases da primeira vaga e indicam que em alguns países, como França e Espanha, foi observada uma recuperação nas taxas de natalidade em Março de 2021, quando comparadas com as de Junho de 2020.

Para estes países, o mês de Junho de 2020 marcou o ponto em que a primeira vaga da pandemia diminuiu, podendo assim reflectir uma inversão.

De acordo com os autores, os resultados revelam o impacto da pandemia na dinâmica populacional e podem ter implicações políticas nos cuidados infantis, na habitação e no mercado de trabalho.

Mais 20 cidadãos refugiados chegam esta terça-feira a Portugal

in Público on-line

Segundo a governante, os cidadãos afegãos que chegaram a Portugal estão concentrados em dois centros e, seguirão, posteriormente para acolhimento.

Portugal vai receber esta terça-feira mais cerca de 20 cidadãos afegãos que se juntam aos 66 refugiados que já se encontram em território nacional, disse a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva.

“Nós recebemos até agora 66 pessoas e hoje chegará um grupo próximo de 20 pessoas. E, portanto, ficaremos já com um número significativo”, disse a ministra, na Guarda.

A governante falava aos jornalistas à margem da sessão pública de assinatura do contrato de financiamento da Nova Geração de Equipamentos e Respostas Sociais, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, entre o Instituto da Segurança Social e a Estrutura de Missão Recuperar Portugal, que também contou com a participação da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, e da secretária de Estado da Acção Social, Rita Mendes.

Segundo a governante, os cidadãos afegãos que chegaram a Portugal estão concentrados em dois centros e, seguirão, posteriormente para acolhimento.

“Nós temos, neste momento, uma situação de emergência, é preciso aguardar que as pessoas cheguem para que possamos completar os seus perfis. Elas estão, neste momento, em dois centros de forma mais centralizada, para depois seguirem para soluções de acolhimento mais estáveis. É esse o trabalho que está a ser feito”, explicou.

Mariana Vieira da Silva contou que as pessoas “vinham cansadas”, porque “foram dias muito difíceis até à saída do Afeganistão”.

“[Agora ] é o momento de as acolher... de lhes dar um quadro de estabilidade e de paz, para podermos prosseguir com o acolhimento que já deve ser dirigido em função das suas características (...) para procurarmos encontrar a melhor forma de as acolher em Portugal”, prosseguiu.

Muitas Câmaras Municipais, instituições do sector social, organizações da sociedade civil e também muitas famílias disponibilizaram-se “não apenas a acolher, mas também a contribuir para que o acolhimento seja mais bem sucedido.

“Isso é um excelente sinal que o nosso país dá neste momento difícil e, agora, é tempo de por mãos à obra nesse acolhimento”, admitiu a ministra da Presidência.

Os refugiados poderão ser distribuídos pelas várias respostas encontradas no território, de acordo com os perfis de cada um, e a saída dos centros de acolhimento está dependente das entrevistas e da “avaliação de situação”.

“Mas nós temos condições para rapidamente iniciar esse processo. Não significa que ele seja feito ao mesmo tempo para todas as pessoas. O importante é criarmos boas condições de acolhimento e de integração e é nisso que estamos a trabalhar”, garantiu.

Ainda de acordo com a ministra, há a perspectiva de Portugal receber mais cidadãos refugiados do Afeganistão que trabalharam quer nos programas da União da União Europeia quer da NATO e também através de organizações que estão no território e dos parceiros internacionais.

“Neste momento, nós temos capacidade de acolher mais de 400 pessoas. Agora, sabemos que o ponto mais difícil, neste momento, não é o acolhimento, é o que se passa no terreno, no Afeganistão. E, portanto, é daí que podem surgir mais limitações. Vamos continuar a acompanhar, disponíveis para acolher, para integrar, em conjunto com toda a sociedade”, disse.

Segundo os últimos números, cerca de 114.000 pessoas foram retiradas de Cabul, desde a tomada da cidade pelos talibãs, em cerca de 2.900 em voos militares ou da coligação internacional.

30.8.21

Varandas e quartos maiores, salas separadas das cozinhas, mais construção em altura: “dificilmente” as casas vão voltar a ser como eram

Helena Bento, in Expresso

Há o que já mudou, o que está para mudar e o que tem de mudar: “Posso decidir ter um jardim ou transformar o meu closet, que até tem uma janela, num escritório, mas depois temos imigrantes que ocupam por turnos espaço no chão para dormir. É importante olhar para estes dois lados”, diz Alda Azevedo, demógrafa e investigadora, e uma das pessoas que o Expresso ouviu para perceber como a pandemia alterou a forma como encaramos as nossas casas. Há “novos empreendimentos com varandas da mesma dimensão da sala”, e haverá cada vez mais “construção em altura” para ter espaço para divisões maiores e parques junto à habitação. Tem de haver mais espaço exterior em casa e menos garagens, e as coberturas dos edifícios e os pisos térreos devem ser espaços comuns. Para que isto seja para todos ou tendencialmente para todos, e não apenas para quem pode pagar, é necessário apoio e investimento público

Nem as nossas casas estavam preparadas para a pandemia. Ora porque se revelaram demasiado pequenas, ora porque, tendo um tamanho até razoável, tinham divisões minúsculas onde mal cabia uma cama, quanto mais uma secretária para estudar ou trabalhar. Bom era ter um escritório, para as tarefas importantes mas também para descontrair, ler um livro, ouvir música ou simplesmente gozar o tédio em privado, que vale sempre a pena. Também não seria nada mal pensado ter um terraço para apanhar sol, já que não posso sair à rua, ou pelo menos uma varanda onde dê para enfiar uma cadeira.

Preocupações como estas ocuparam a cabeça das pessoas, ou de uma parte delas, durante os períodos de confinamento a que a pandemia obrigou. É pelo menos isso que mostram os vários inquéritos e estudos que foram realizados ao longo do último ano e meio, bem como as histórias e experiências pessoais partilhadas nos meios de comunicação social. Apercebemo-nos ainda mais de que as casas que temos não nos servem e houve quem tratasse de resolver logo isso, fazendo pequenas ou grandes alterações consoante o dinheiro no banco. Mas há uma dúvida: poderá haver, de facto, uma mudança nas habitações ou elas vão continuar a ser construídas e escolhidas mais ou menos como eram até aqui?

“Há novos empreendimentos em fase de projeto que já têm varandas com a mesma área da sala, em que a varanda é quase como uma extensão da área interior da sala.”

Nuno Sampaio, arquitecto e diretor executivo da Casa da Arquitectura, em Matosinhos, inclina-se, sem hesitar, para a primeira hipótese, até porque as alterações já são visíveis. “Há novos empreendimentos em fase de projeto que já têm varandas com a mesma área da sala, em que a varanda é quase como uma extensão da área interior da sala.” Foi a necessidade de estar quase permanentemente em casa que fez com que as pessoas se apercebessem da importância de ter um espaço exterior na habitação, mas não foi só nisso que repararam. “Os quartos, sendo utilizados sobretudo para dormir, costumam ter dimensões pequenas, sendo privilegiadas as salas maiores para o encontro da família, mas hoje estamos a ver que é ao contrário.” Agora, diz, querem-se quartos “com uma zona para dormir e outra onde possa ser colocada uma mesa para a criança estudar”, no caso das famílias ou pessoas com filhos. “Não dá para ter duas ou três crianças a estudar no escritório com os pais ao lado a trabalhar, como se percebeu durante a pandemia. Cada um precisa do seu espaço privado de trabalho.”

Outra transformação “grande” são as tais varandas, que “devem, efetivamente, ser áreas de permanência” — algo que, de resto, irá exigir alterações na legislação, sublinha o arquitecto. “É necessário que áreas exteriores da habitação, como são as varandas, não contem para o índice de construção.” Isto é, que não sejam consideradas áreas construídas em termos imobiliários, como acontece na maioria dos municípios. As coberturas dos edifícios “devem ser utilizadas não só para a instalação de painéis fotovoltaicos, como já acontece em alguns sítios, mas também como espaços de lazer por parte de todos os residentes da habitação”, e o mesmo ao nível do piso zero, igualmente projetado como um espaço comum. Segundo Nuno Sampaio, há outra “exigência” que será feita pelos habitantes, sobretudo os que residem nas grandes cidades: ter espaços verdes próximos de casa. “As pessoas vão querer passear o seu cão no jardim ao pé de casa, não no parque a quilómetros de distância. Querem essa proximidade, querem poder sentar-se lá fora, junto ao prédio, a fumar, a conversar. Querem que a rua funcione como um espaço de receção das próprias casas.”

Divisões maiores, varandas, terraços e outros espaços exteriores na habitação exigem mais área de construção, o que não é coisa que abunde em cidades como Lisboa e Porto, como já se sabe. É difícil não ver isto como um problema, mas Nuno Sampaio explica que começam a surgir soluções. “Hoje em dia, é mais fácil aceitar que podemos ter uma torre, isto é, construir em altura para libertar mais espaço de superfície e, simultaneamente, permitir que cada apartamento tenha uma área privada exterior. Isto está a acontecer.”

“DE REPENTE, OS CLIENTES COMEÇARAM A QUESTIONAR SE NÃO SERIA MELHOR TER DIVISÕES SEPARADAS”

No geral, todas estas mudanças estão já a acontecer, garante Filipa Namora, arquitecta e designer de interiores. “Vemos que os clientes olham para a casa de forma completamente diferente do que olhariam provavelmente há dois anos. Têm um olhar muito mais atento.” A preocupação com os espaços verdes e os espaços exteriores é “muito maior”, e a sala já não é utilizada como escritório ou como espaço para trabalhar, por exemplo. “Já não há tanto aquela coisa de ter um escritório que é muito bonito mas pode não ser útil. As pessoas olham para este espaço e já sabem de quantas gavetas e secretárias vão precisar. Pensam o ambiente em função da utilidade.”

Acordar e sair de casa também se tornou “muito importante”, o que significa que, havendo um espaço exterior na habitação, será utilizado como escritório, “quase como um anexo em que a pessoa tem privacidade e não tem o barulho de casa.” Isto, claro, se não morar num prédio. Quartos com casa de banho privada e roupeiro também são mais procurados hoje em dia, e as cozinhas, outrora ligadas à sala de estar e de jantar, sem paredes a separar estas divisões, já não parecem tão interessantes ou práticas. “De repente, os clientes começaram a questionar se seria viável manter esses espaços abertos e se não seria melhor ter divisões separadas”, considerando a necessidade que surgiu durante a pandemia de ter membros da família em isolamento, por estarem infetados com o vírus ou terem estado em contacto com alguém infetado. Mesmo nas garagens, acrescenta Filipa Namora, houve clientes “a sugerir colocar zonas de duche, para facilitar o processo de higienização”. Clientes que não moravam em prédios, claro.

Pela mesma razão, isto é, o medo do contágio pelo vírus ou a memória desse medo, houve quem pedisse “duas zonas de sala na mesma casa, cada uma com uma cozinha”. Cozinhas que, no geral, também começaram a ser vistas de outra maneira, considerando o tempo passado em casa e o encerramento dos restaurantes nas fases mais complicadas da pandemia. “As pessoas começaram a querer cozinhar mais e tivemos muitos pedidos de remodelação de cozinhas.” Durante a pandemia, explica, a atenção dos clientes esteve focada nos espaços exteriores da habitação, enquanto no pós-pandemia os pedidos têm sido, sobretudo, para “melhorar e alterar os espaços interiores, quase como uma resposta ao que as pessoas não tiveram durante o confinamento”.

Na decoração das casas também se notam alterações, seja ao nível das cores, seja ao nível do mobiliário, objetos e materiais de construção usados, que se querem “cada vez mais naturais” — ou que o pareçam pelo menos. As escolhas refletem aquilo a que Filipa Namora se refere como uma tentativa de “aproximação à natureza”. “Há uma necessidade de sentir que se está no exterior, em conexão com a natureza, mesmo não estando.” Daí os terraços, as varandas e, já agora, também as hortas - mesmo para quem morar num prédio, sublinha Filipa Namora. “Se calhar há muitas pessoas que não têm oportunidade de criar, por exemplo, um escritório no apartamento, se este for pequeno. Mas podem adquirir mais plantas ou até mudar um tapete que estava estragado. São pormenores pequeninos mas podem fazer a diferença. E aí deixamos de ter uma coisa de nicho para ter uma coisa mais vasta.”

“O ESTACIONAMENTO À SUPERFÍCIE TENDERÁ A DESAPARECER DAS CIDADES NO FUTURO”

Para Nuno Sampaio, o que também tem de ser “naturalmente repensado” é a utilização do automóvel, até porque isso terá implicações ao nível da habitação, diz. “Não faz sentido pensarmos que podemos continuar a ter um modelo de cidade onde cada um utiliza um carro.” A média de utilização do automóvel é de “1,2 pessoas por automóvel, o que é baixíssimo”. “Se as pessoas não têm espaço para uma sala maior ou uma varanda maiores, como podem ter espaço para um lugar na garagem que está quase sempre desocupado porque só guardam o carro à noite? Isto é um desperdício que não podemos ter nas habitações.”

Além disso, diz, é uma “idiotice em termos energéticos pegar num automóvel que pesa 700 kg para transportar uma pessoa que pesa 60.” Também na rua e no espaço público tem de haver uma “oferta diferenciada”, porque “as pessoas querem muito mais cafés com esplanadas, como se viu durante a pandemia”. O que significa, acrescenta, que o estacionamento à superfície é algo que “tenderá igualmente a desaparecer das cidades no futuro”. “O espaço público é um recurso tão, tão escasso, que não é possível ser ocupado por carros. São necessários passeios mais largos e espaços mais amplos, mais abertos, porque as pessoas também já não querem estar tão próximas na rua.” E as vias de circulação devem estar reservadas aos transportes públicos e “novos meios como bicicletas elétricas e veículos de uma ou duas rodas”. De resto, Nuno Sampaio não acha que nada disto seja uma novidade. “A pandemia não veio criar coisas completamente novas nem acho que o fará no futuro. A transformação já estava a acontecer, simplesmente foi acelerada.”

“AINDA É CEDO PARA PERCEBER A MAGNITUDE DAS ALTERAÇÕES NAS PREFERÊNCIAS HABITACIONAIS”

Alda Azevedo, demógrafa e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa que tem desenvolvido estudos sobre habitação e população, concorda que poderá ter havido uma alteração das “nossas preferências” relativamente à habitação, considerando o longo período em que estivemos confinados em casa, mas considera que ainda é cedo para saber se tudo isto é para ficar. “Neste momento, ainda não sabemos se estes efeitos vão perdurar no tempo ou se vão, pelo contrário, desvanecer-se.” Ainda é cedo, acrescenta, “para perceber a magnitude das alterações nas preferências habitacionais das pessoas, isto é, se vamos ter, efetivamente, tendências alteradas, ou se há aqui um padrão que é específico de um período de crise”. “As crises têm efeitos de curto prazo e efeitos de longo prazo. E os de curto prazo não se traduzem necessariamente em alterações a longo prazo.” Também neste aspecto, o “pós-pandemia é uma incógnita”, e quase tudo depende do futuro do teletrabalho, acrescenta. “Isso será determinante para a reavaliação que temos estado a fazer no último ano e meio sobre o que preferimos, por exemplo, em termos de espaços disponíveis na habitação e as funções e características desses espaços, e do próprio mobiliário e equipamentos.”


“Neste momento, ainda não sabemos se estes efeitos vão perdurar no tempo ou se vão, pelo contrário, desvanecer-se.”

Ainda assim, há coisas que sabemos. A função da habitação, que é “garantir um abrigo em condições de segurança, conforto e privacidade”, continuará a ser “exatamente a mesma”. “Essas necessidades são bastante consensuais. É consensual a forma como hierarquizamos a localização da casa, o número de quartos disponíveis dentro da casa, e a existência ou não de escritório e espaço exterior.” Tudo isso depende da “utilização que damos e prevemos dar à casa”, mas também depende dos custos e “de quanto custam as nossas preferências”.

Entre as alterações que podem ter criado raízes, diz a também professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, está a relação com as pessoas com o bairro e mesmo com os vizinhos. “Começámos a viver mais à escala do bairro. Adquirimos novos hábitos, como os passeios higiénicos, que levaram a uma aproximação ao bairro, até porque também havia restrições de circulação. Esta aproximação permitiu-nos conhecer espaços públicos que não conhecíamos e valorizar o comércio local.” Algumas destas rotinas que se criaram, diz, “poderão vir a tornar-se permanentes ou substituir as anteriores”. “Nesse sentido, dificilmente as coisas vão voltar a ser como eram.”

Mas nada é assim tão linear. “Esta perspetiva aplica-se a um determinado tipo de bairro, o bairro que tem espaços públicos de que se possa desfrutar, bem como serviços e o comércio local de que precisamos no dia a dia.” E, claro, nem todos os bairros são assim, “e nem todos oferecem a mesma qualidade de vida”. “É importante fazer essa distinção”. Quantos aos vizinhos, sim, passou a haver mais “solidariedade”, e no caso de pessoas mais velhas “até passou a existir uma maior corresponsabilização pelo seu bem-estar”. “Não sei se vamos transportar isto para o futuro. Mas, e creio que não será lírico dizê-lo, se houve relações de solidariedade e até amizade que se estreitaram no contexto da pandemia, essas relações estão criadas, e não vão desaparecer completamente, nem mesmo quando voltarmos à correria do nosso quotidiano.” Se passei a saber o nome da vizinha, exemplifica a investigadora, “vou continuar a saber o seu nome e já não digo só bom dia ou boa tarde quando me cruzo com ela no hall do prédio, mas também pergunto como está e como estão os seus filhos. Custa-me crer que isto se venha a perder.”

“TALVEZ SEJA INGÉNUO ACHAR QUE HÁ NOVAS DESIGUALDADES”

Alda Azevedo fala no custo das nossas preferências habitacionais, porque “há uma diferença entre aquilo que são as nossas preferências e a capacidade financeira que temos para as podermos concretizar.” E a maioria poderá não ter essa capacidade. “Não nos podemos esquecer que a experiência de confinamento foi diferente para aqueles que não têm casa ou vivem em habitações precárias, como barracas ou casas sobrelotadas, e o mesmo acontecerá no pós-confinamento.” Para a “maioria destas pessoas”, acrescenta, “a relação com a casa e os seus residentes é distinta”, uma vez que “não estão sequer garantidas as condições para que a casa possa cumprir as tais funções de abrigo e segurança, quanto mais as de conforto e privacidade”.

“Esse é, se calhar, o lado menos sexy da relação entre pandemia e habitação, mas não pode ser esquecido”, sublinha. Ou seja, os imigrantes que trabalham em terrenos agrícolas em Odemira e vivem em habitações com condições precárias, sem espaço, têm que ver os seus problemas mitigados. “Vivemos numa sociedade muito desigual e, portanto, as prioridades e a forma como foi vivida a pandemia é diferente consoante as condições habitacionais de cada família. Posso decidir ter um jardim ou transformar o meu ‘closet’, que até tem uma janela, num escritório, mas depois temos imigrantes que ocupam por turnos espaço no chão para dormir. É importante olhar para estes dois lados.” Nem todos podem ter preferências.

Se cada um irá alterar a sua casa ou escolher uma nova consoante o dinheiro que tem, isso significa que haverá ainda mais desigualdade na habitação? Alda Azevedo não vê a questão assim. “As desigualdades que podem vir a ser acentuadas com a pandemia já existem, e vão estar mais relacionadas com a crise económica. Talvez seja ingénuo achar que há novas desigualdades.” Quem tem menos rendimentos, diz, “vai continuar a precisar de mais um quarto ou de uma solução para a humidade que têm em casa”, e que tem mais “pode realmente pensar, por exemplo, em renovar o jardim para receber mais amigos em casa”. “As desigualdades na habitação são uma consequência das desigualdades de rendimento. E são os custos da habitação que determinam as condições em que vivemos, o que tem consequências, claro, ao nível da saúde física e mental.”

Nuno Sampaio também não compra a ideia da desigualdade, mas por outras razões. “É óbvio que quem tem mais liberdade e se adapta melhor às transformações são as pessoas com mais rendimentos, mas não acho que estas transformações possam introduzir mais discrepâncias. Acredito, sinceramente, que a iniciativa pública pode corrigir algumas distorções.” Algo que, acrescenta, já estava a acontecer antes da pandemia. “A iniciativa privada, a visão completamente neoliberal que prevaleceu até há alguns anos, não resolvem, por si só, a cidade. Temos de ter uma oferta pública de arrendamento que permita diminuir as assimetrias que existem.” E teremos, visto que, para já, tudo o que temos são sobretudo promessas? “Terá de acontecer. Vão ser feitas exigências nesse sentido. A nossa exigência sobre a habitação é cada vez maior em termos de construção, quer do ponto de vista energético, quer ao nível do isolamento térmico.” Claro que estas exigências têm um preço, encarecendo os custos da habitação, mas o arquitecto não vê isso como um impedimento. “Como é que consigo regular o não aumento do preço da habitação? Se gasto mais em varandas, tenho de gastar menos em garagens.” Nesse aspecto, Alda Azevedo concorda: “a mudança pode ser transversal, dependendo do apoio público que as pessoas tiveram”.