11.8.21

É normal sentirmo-nos felizes e tristes ao mesmo tempo. Quando é que nos devemos preocupar?

Galadriel Watson/The Washington Post, in Público on-line

O neurocientista António Damásio garante que a ambivalência pode ser positiva em termos de evolução e faz com que faz com “seja mais provável ter cuidado quando se toma uma decisão”.

Quando o meu filho foi para a universidade, senti-me, ao mesmo tempo, eufórica por ele e triste porque deixaria a nossa casa. Quando sou convidada para um jantar, fico feliz por terem pensado em mim, mas também preferiria ficar por casa, no sofá. Quando às vezes deixo a máscara na minha mala, aproveito a liberdade, mas preocupo-me com a minha saúde.

Lutar com dois sentimentos opostos, de uma só vez, é chamado de ambivalência. É um sentimento normal da condição humana, mas, por vezes, tais conflitos internos podem ser pouco saudáveis. Falei com três especialistas para perceber mais sobre este fenómeno.

Ambivalência significa “sentir-se tanto bem como mal”, disse-me o professor de psicologia da Universidade do Tennessee, em Knoxville, EUA, Jeff Larsen. Sentir-se agridoce ou nostálgico é comum nessa ambivalência. “Pense como se poderá sentir quando está no topo de uma montanha-russa: entusiasmada, mas também aterrorizada”, ilustra o docente.

Mas não é preciso estar num parque de diversões. Os acontecimentos do quotidiano podem despertar este estado, e Larsen descobriu que “finais importantes” também têm o mesmo efeito. Os estudantes universitários, por exemplo, provavelmente passarão o dia da sua formatura a reviver os bons tempos dos últimos anos. Num estudo levado a cabo pelo investigador, a publicar em breve, os finalistas revelaram que, naquele dia, sentiram felicidade, mas também tristeza. “Sentimo-nos tristes quando experienciamos uma perda irreversível”, explica o investigador.

A capacidade de experienciar dois sentimentos contraditórios, de uma vez, tem benefícios em termos de evolução, assegura o director do Instituto do Cérebro e da Criatividade da Universidade do Sul da Califórnia, o neurocientista português António Damásio. “Os animais que só têm sentimentos positivos ou negativos são muito limitados, porque as coisas são ou preto ou branco”, explica o autor de Sentir & Saber – A Caminho da Consciência, acrescentando que os humanos têm “a possibilidade de ver nuances”.

Estas nuances podem ajudar a tomar boas decisões. Se um animal se aproximar de um curso de água, sem considerar o resultado dessa acção, poderá ser comido por outro. Quanto aos humanos, imagine que conhece alguém com quem até simpatiza, mas que essa pessoa lhe passa vibrações estranhas e que esse indivíduo se propõe a tratar das suas finanças, a ambivalência faz com “seja mais provável ter cuidado quando vai tomar decisão e pensar duas vezes”, reconhece António Damásio.

Também ajuda a aprender com os erros do passado. David Newman ─ um estudante de doutoramento no departamento de psiquiatria e ciências do comportamento na Universidade de São Francisco, na Califórnia ─ dá o seguinte exemplo: “Se se sentir nostálgico sobre alguma relação do passado, talvez seja bom não olhar apenas pela positiva, mas também lembrar-se das coisas negativas, para não repetir os mesmos erros.”
Quando é que a ambivalência é um problema?

Nos séculos XVIII e XIX, a nostalgia era considerada uma patologia psiquiátrica. Ser demasiado agarrado ao passado era sinónimo de alguém que não se conseguia adaptar ao presente ─ o que, no limite, poderia levar à morte. Embora a nostalgia já não seja classificada de tal forma, António Damásio diz que as emoções negativas, de qualquer tipo, podem causar danos na nossa saúde física. À medida que evoluem, causam reacções químicas que, por exemplo, podem resultar no aumento da pressão arterial, estreitamento dos vasos sanguíneos e mudanças no ritmo cardíacos. Estes sintomas levam a doenças no sistema circulatório e no coração.

A saúde mental também sofre. A ambivalência prolongada tem sido associada ao stress pós-traumático, perturbações obsessivo-compulsivas, depressão e dependência. “As pessoas tendem a ficar muito tristes quando sentem nostalgia”, observa David Newman. Ao comparar o presente com um passado idealizado, explica, “estar-se-á sempre chateado e a sentir-se insatisfeito”.

O sentimento leva a que congelemos, seja a decidir comprar um carro ou a terminar uma relação. A “perspectiva de analisar os prós e contras pode tornar difícil a tomada de decisão”, assegura Jeff Larsen. “Nesses casos a ambivalência pode paralisar-nos”, lamenta o professor universitário.

Há pessoas que se sentem mais nostálgicas do que outras? O trabalho desenvolvido por David Newman concluiu que as pessoas neuróticas ou que tentam evitar sentimentos negativos têm mais probabilidade de sentir nostalgia: tendem a achar sempre o presente desagradável e passam mais tempo a idealizar o passado.

Quanto à ambivalência em geral ─ não só a nostalgia ─ as pessoas que estão mais abertas a novas experiências tendem a sentir mais emoções variadas. “Se está sempre à procura da mesma coisa, provavelmente estará a perder as coisas que o fazem feliz”, avisa Jeff Larsen. Se gosta de experimentar coisas novas, pode viver a diversão que está à espera, mas também poderá deparar-se com aspectos menos bons, que não eram esperados ─ levando a sentimentos contraditórios.

António Damásio acrescenta: “Há pessoas que são extremamente joviais e confiantes no futuro e estão numa espécie de estado de permanente felicidade; e as que são mais cautelosas tendem a estar sempre a encontrar algo de negativo nos acontecimentos do dia-a-dia”. Estas últimas são quem poderá experienciar mais ambivalência prejudicial à saúde.

Que soluções de cura existem?

Uma maneira simples para viver de uma forma equilibrada, com menos emoções confusas, é manter um diário de gratidão. Ter este hábito, sugere Newman, força a pessoa a focar-se no lado positivo das coisas, e aumenta o seu bem-estar.

A terapia também pode ajudar. Ao aprender várias ferramentas ─ para aumentar o mindfulness, por exemplo, ou aumentar a capacidade de suportar a angústia ─ quem faz terapia comportamental “encontra uma forma de tolerar e conviver, lado a lado, com experiências e realidades que parecem incongruentes”, destaca a psicóloga Sarah Mintz, do grupo Wake Kendall, em Washington. A terapia permite que se “afastem dos extremos e aceitem a confusão”, garante.

Mesmo sem o apoio de um terapeuta, as pessoas podem experimentar fazer exercícios de respiração, tal como “prolongar as pausas entre o inspirar e o expirar”, sugere a especialista. Outras vezes, a solução pode ser tão simples quanto aceitar os sentimentos contraditórios e deixá-los seguir o seu rumo. “Frequentemente, as emoções miscigenadas resolvem-se, e fica-se a sentir apenas uma ou outra”, concorda Jeff Larsen.

Além disso, é importante lembrar que sentirmo-nos triste ou assustados pode ajudar-nos. Tal como os animais junto ao curso de água que precisam analisar o que é seguro, os humanos também podem beneficiar dos sentimentos contraditórios causados pela ambivalência. Larsen conclui: “O mundo é um lugar complexo e nós podemos simplificá-lo com o perigo.”