26.8.21

Bruxelas espera que OCDE “dissipe relutância” de alguns países da UE sobre reforma fiscal

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Comissão justifica atraso na proposta do imposto digital com a última fase das negociações na OCDE sobre as novas regras de tributação das multinacionais.

A Comissão Europeia escreveu ao Parlamento Europeu a justificar-se pelo atraso na apresentação da proposta de criação do imposto digital no mercado único, essencial para a definição dos novos recursos próprios do Orçamento da União Europeia (UE), mostrando-se convicta de que, na segunda metade deste ano, haverá melhores condições para apresentar um plano capaz de gerar consenso entre todos os Estados-Membros.

A ideia é esperar pelas negociações da reforma fiscal na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), diz o comissário para a área do Orçamento e Administração, Johannes Hahn, numa carta dirigida a 10 de Agosto à comissão dos orçamentos do Parlamento Europeu, a que o PÚBLICO teve acesso.

Bruxelas tinha-se comprometido a apresentar uma proposta legislativa sobre a tributação dos serviços digitais até 15 de Junho. Depois atrasou o calendário, prometendo fazê-lo até 20 de Julho. Mas acabou por adiar os trabalhos por uns meses, preferindo esperar pelo desfecho das negociações na OCDE, onde se discute a reafectação dos direitos de tributação das grandes empresas globais (o que inclui os gigantes digitais) e a criação de uma taxa efectiva de IRC a nível mundial de pelo menos 15% para as multinacionais, medida que também deverá abarcar os grupos tecnológicos como a Google, a Apple, o Facebook, a Amazon e a Microsoft.

Uma parte da reforma fiscal cobre as empresas digitais, ao prever que os países onde os produtos são consumidos ou onde os serviços são vendidos pelas multinacionais mais rentáveis poderão, em determinadas condições, tributar uma parte dos lucros das empresas. E como, na União Europeia, a ideia de lançar um imposto digital no mercado único está enquadrada no pacote de novas fontes de financiamento dos recursos próprios do Orçamento da UE, a solução que sair das negociações da OCDE e for transposta para a proposta dos recursos próprios necessita da aprovação de todos os Estados-membros, porque a matéria que diz respeito ao orçamento europeu obriga à existência de unanimidade.

Só que, para já, há três Estados-membros — a Irlanda, a Estónia e a Hungria — que não subscreveram o acordo inicial alcançado na OCDE (das 139 jurisdições que estão a discutir as novas regras, sete ainda não aderiram, três das quais são estes parceiros europeus). A Irlanda continua nas negociações e já admitiu acrescentar o seu nome à lista de subscritores, mas, por ora, falta conhecer o resultado da negociação.

Johannes Hahn escreveu a 10 de Agosto aos eurodeputados José Manuel Fernandes (parlamentar português, do PSD), Valérie Hayer (francesa, dos liberais-centristas) e Johan Van Overtveldt (belga, dos conservadores), depois de os três eurodeputados da comissão dos orçamentos lhe terem dirigido uma carta em Julho a pedir explicações sobre o atraso da Comissão na apresentação da proposta sobre o imposto digital.

O comissário afirma que a expectativa de Bruxelas é a de que “na segunda metade de 2021, um pacote abrangente, diversificado e equilibrado” sobre as novas fontes de financiamento do orçamento europeu, onde se incluirá a parte da tributação dos serviços digitais, “terá mais hipóteses de alcançar a unanimidade necessária dos Estados-Membros e a aprovação do Parlamento Europeu”, permitindo que a mudança em curso na OCDE “dissipe a relutância de alguns” países. É uma mensagem com destinatários em capitais europeias: Dublin, Talin e Budapeste, os três governos europeus que, por ora, não aderiram à definição de um quadro de maior harmonização de regras de tributação das empresas à escala global.

Johannes Hahn diz que o atraso na apresentação das proposta não foi tomada “de ânimo leve” porque, acredita, com mais tempo de negociações haverá melhores perspectivas de o cabaz dos recursos próprios ser “equilibrado” e capaz não só de alargar “as fontes de receitas do orçamento da UE”, mas também de melhorar “a sua equidade entre os Estados-Membros”.
Fazer um “esforço final”

O comissário sublinha que a equipa da Comissão “tem trabalhado incansavelmente” para a reforma fiscal internacional.

Depois do acordo alcançado em Junho e Julho, “o Quadro Inclusivo OCDE/G20 deverá agora abordar as questões pendentes e finalizar os elementos de concepção, juntamente com um plano de implementação detalhado até Outubro de 2021. A conclusão bem-sucedida deste processo exigirá um esforço final de todas as partes e a Comissão está empenhada em concentrar-se nesse esforço. Por este motivo, foi decidido suspender o seu trabalho sobre uma proposta do imposto digital como novo recurso próprio, enquanto é concluído o trabalho da OCDE/G20”, justifica-se a Comissão.

Na missiva que motivou esta resposta do executivo comunitário, o Parlamento Europeu mostrava-se descontente pelo facto de o adiamento da apresentação da proposta sobre o imposto digital implicar um atraso na negociação do pacote das propostas dos recursos próprios, chegando a afirmar que o atraso se devia à “interferência” de “um importante parceiro internacional da UE” – uma referência aos Estados Unidos.

Ao PÚBLICO, o eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes explicou a razão pela qual o Parlamento preferia ter recebido a proposta antes das férias. “Corremos o risco de a Comissão violar um acordo vinculativo [celebrado entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho Europeu em 2020, onde se previa a apresentação sobre o imposto digital] e, desse ponto de vista, perder legitimidade, como guardiã dos tratados, para dizer aos Estados-membros que têm de cumprir os tratados, respeitar o Estado de direito, cumprir as normas”. Por outro lado, seria importante à UE não ir a “reboque” dos Estados Unidos, mas antes salvaguardar uma posição estratégica e angariar dinheiro novo para não comprometer “as próximas gerações”.