9.8.21

Patrícia Carvalho, in Público on-line

“O aquecimento global vai aumentar, mas depois disso ainda temos muita escolha e aí é que a descarbonização é essencial”

Suraje Dessai é especialista em adaptação às alterações climáticas e um dos autores líder do relatório do IPCC, entre os 234 elementos da comunidade científica que contribuíram para a sua realização.

De nacionalidade luso-britânica, Suraje Dessai nasceu em Lisboa, mas radicou-se em Inglaterra, onde vive. Trabalha na Universidade de Leeds, onde investiga o uso de modelos que permitam informar as decisões ao nível da adaptação.

As conclusões do actual relatório são em linha com o de 2013, mas mostram-nos um cenário mais grave. O que é que traz de novo?
Uma das diferenças é a urgência na necessidade de reduzirmos as emissões de gases com efeito de estufa. Temos mais evidência de que precisamos de as reduzir rápida e drasticamente, para termos algumas hipóteses de atingirmos [apenas] temperaturas globais na ordem dos 1,5 graus Celsius [acima de valores pré-industriais]. Isso é crucial e há mais provas que se não reduzirmos as emissões vamos atingir temperaturas médias globais muito mais elevadas. Outra área é a observações das mudanças: conseguem-se ver no planeta todo. Recentemente tivemos as inundações na Alemanha ou a onda de calor na costa ocidental dos EUA. Temos muito mais evidência em relação a observações de extremos de ondas de calor ou a fenómenos relacionados com precipitação extrema. E isso tem-se observado em efeitos secundários, seja através de impacto na agricultura ou em ecossistemas. Este relatório também tem um foco muito maior nas regiões. Comparando com 2013, temos muito mais evidência em termos de como poderá o clima mudar nas várias regiões, por exemplo no Mediterrâneo e na Europa, dependendo dos diferentes cenários. É essa informação que está acessível também através do Atlas online e de onde se pode extrair essa informação ao pormenor de vermos, por exemplo, o que vai acontecer na bacia do Tejo.

O que pode esperar Portugal, de acordo com os diferentes cenários de emissões traçados pelo IPCC?
O relatório foca-se no Mediterrâneo, que inclui Portugal. Sabemos que teremos temperaturas mais elevadas em todas as estações, mas principalmente no Verão, aumentando a probabilidade de haver ondas de calor e mudanças na precipitação. Se a temperatura média subir 1,5 ou 4 graus Celsius, por exemplo, os efeitos vão ser muito maiores em Portugal e no Mediterrâneo. Outra das áreas onde há confiança nos modelos é na redução de precipitação no Mediterrâneo, o que terá implicações em termos de gestão de recursos hídricos e da agricultura.

O relatório também nos diz que há mudança em curso, sobretudo ao nível do oceano, que não conseguiremos travar, mesmo no melhor dos cenários.
Exactamente e essa é a razão pela qual trabalho na adaptação às alterações climáticas. É crucial. Por causa das emissões dos nossos pais, dos nossos vós, das gerações passadas, já temos algumas alterações climáticas que são inevitáveis, a que chamamos “o compromisso das alterações climáticas”. Isto acontece essencialmente nos oceanos, porque há uma inércia que lhes está associada. Não há muita coisa que possamos fazer em relação às alterações climáticas que irão ocorrer nos próximos dez ou 20 anos. O aquecimento global vai aumentar, mas depois disso ainda temos muita escolha e aí é que a descarbonização é absolutamente essencial. Vamos ter de nos adaptar a esse mínimo de alterações climáticas com as quais já nos comprometemos, seja em termos de gestão dos recursos hídricos ou na agricultura. Em Portugal, um aspecto muito importante é a subida do nível médio do mar. Já estamos “comprometidos” com subidas de 10, 20 centímetros e não temos tempo suficiente para reduzir. Mas, no melhor cenário de redução de emissões, a temperatura poderá subir até aos 1,6 graus e depois começa a descer. E conseguirmos isto implica reduções drásticas de emissões. Há melhorias imediatas que se conseguem com a redução de emissões, como a qualidade do ar, mas em termos de temperatura global vai levar 20 anos [no melhor cenário] para começarmos a ver mudanças.

Quais são, então, se existem, as boas notícias do relatório?
A boa notícia é que ainda há a possibilidade de mantermos o aumento da temperatura global perto dos 1,5 graus Celsius. Fisicamente isso ainda é possível. Agora a grande questão é política, como é que os países vão reagir ao relatório, se vão reforçar as suas políticas em termos de redução de gases com efeito de estufa, se vamos ver isso na COP26, em Glasgow. Eu trabalho na área da adaptação e também aqui há algumas oportunidades. Haverá reduções de mortes em relação a ondas de frio, para quem vive no Norte da América ou na Rússia, mas infelizmente vai aumentar muito mais a mortalidade em relação a ondas de calor. Outra oportunidade positiva é em relação à agricultura, já que haverá algumas áreas onde poderá haver mais exploração agrícola, mas, por outro lado, teremos mais impactos nos trópicos. Ou seja, ganha-se um pouco nuns lados, mas perde-se noutros. O balanço dos riscos e das oportunidades, como já mostravam os relatórios anteriores, é negativo, daí ser imperativo que reduzamos as emissões o mais depressa possível.