21.3.23
Governo vai lançar dois novos avisos do PRR para apoio domiciliário
António Costa disse que “só na poesia basta Deus querer, o homem sonhar e a obra aparecer”. “Na vida real é um bocado mais difícil", reconheceu.
Este semestre serão lançados dois novos avisos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para apoio domiciliário, anunciou esta terça-feira a ministra do Trabalho e da Segurança Social.
Numa vista às obras da Unidade Social integrada da Portela, um projeto financiado pelo PRR, mas também pela Cruz Vermelha Portuguesa e a autarquia de Loures, Ana Mendes Godinho anunciou que serão “lançados este semestre dois novos avisos para apoio domiciliário 4.0, qualificado e com acompanhamento tecnológico e teleassistência para que os idosos passem a estar ligados garantindo assim um acompanhamento personalizado”. E um outro para “permitir pequenas obras de adaptação das casas — uma banheira, um corrimão ou uma escada — para que as pessoas passam envelhecer nas suas casas de forma ativa, ainda que com acompanhamento domiciliário”, explicou a ministra.
A Unidade Social integrada da Portela, que representa um investimento de 7,6 milhões de euros, sendo que o PRR apenas financia 1,6 milhões, pretende promover dois tipos de resposta: residencial, para cerca de 160 utentes com cuidados continuados, e de apoio domiciliário para cerca de 300 idosos para promover assim um envelhecimento ativo. O objetivo é “aumentar respostas de qualidade que promovam a autonomia e a independência”, precisou a Ana Mendes Godinho.
O primeiro-ministro, que tem todas as semanas iniciativas para demonstrar a aplicação do PRR no terreno, explicou que este é “um bom exemplo” de com a bazuca europeia permite dar uma resposta mais significativa aos problemas estruturais do país, seja nas respostas sociais, seja na habitação.
“No programa PARES, financiado pelo orçamento da Segurança Social temos previstas 18 mil camas, mas temos mais 15 mil graças ao PRR”, sublinhou António Costa. “O PRR acrescenta ao que o país é capaz de fazer”, frisou. “Com o PRR aumentou 33% a capacidade do país em termos de respostas sociais”, acrescentou.
Mas num recado aos críticos da lenta execução do PRR, António Costa disse que “só na poesia basta Deus querer, o homem sonhar e a obra aparecer”. “Na vida real é um bocado mais difícil. É necessário que os arquitetos projetem, que as instituições contratem empreiteiros, que os empreiteiros montem estaleiro, comprem materiais e comecem a executar a obra”, frisou.
Sublinhando que esta obra tem “um prazo de execução”, António Costa justifica que o PRR apenas pagou ainda 20% do valor porque se trata do adiantamento. O restante será pago “à medida que a obra for avançando”. “Significa que o PRR está parado?”, questionou. “Não significa que o PRR está a andar”, respondeu.
De acordo com o mais recente relatório semanal de monitorização da aplicação do PRR, até 8 de março, foram pagos 1,55 mil milhões de euros aos beneficiários finais (9%). Um valor que pouco avançou face ao início do ano.
O Presidente da República aproveita todas as intervenções para alertar para a necessidade de acelerar a execução dos fundos europeus, lembrando que esta é uma oportunidade que Portugal não pode perder. António Costa também aproveita todas as intervenções para responder e esta terça-feira não foi exceção.
“O PRR está a ser executado a bom ritmo, para ser executado a tempo e horas”, concluiu.
Urge estratégia europeia de combate à pobreza
Os dados mais recentes apontam para uma redução da população naquela condição, para os 19,4%, mas foram apurados com os rendimentos de 2021. Contudo, há indicadores de privação material que se agravaram.
Tal como na casa de Cidália Barriga, 3% da população não consegue ter uma refeição de carne ou de peixe pelo menos de dois em dias. E 17,5% não consegue manter a casa aquecida. Dados que motivam uma das recomendações que sairá da conferência, que visa discutir o plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, antecipando a Cimeira Social do Porto, que decorrerá em maio. "Os compromissos assumidos no plano [anunciado em 2021] têm que ter em conta o contexto atual, o que exige que o plano seja reforçado", defende, ao JN, a coordenadora da EAPN.
Só um em cada quatro portugueses vai a pé ou de transportes para o trabalho: metas do Governo estão mais distantes
Só um em cada quatro portugueses vai a pé ou de transportes coletivos para o trabalho (24,9%), segundo os dados dos Censos de 2021 divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) esta quarta-feira. Há uma década a percentagem era de 29,1%. Portanto, ao contrário do desejável, a utilização desses modos de deslocação diminuiu e aumentou o uso do automóvel, tornando mais distantes as metas definidas pelo Governo para 2030.
Os dados sobre dinâmicas territoriais agora discutidos pelo INE focam-se nas deslocações para o trabalho, sem incluir a ida das crianças para a escola. E mostram que ir a pé para o trabalho tornou-se ainda menos frequente na última década: era a escolha de 13,5% dos portugueses em 2011 e passou para 12,7% em 2021.
O mesmo aconteceu com a utilização de transportes coletivos, como comboio, autocarro, Metro ou barco, a caminho do trabalho: passou de 15,6% em 2011 para 12,2% em 2021.
Pelo contrário, aumentou o uso do carro. Há uma década era o meio usado por 68,3% dos portugueses na ida para o trabalho, agora subiu para 72,6%.
Numa altura em que mais de um terço (34,1%) da população empregada trabalha num concelho diferente daquele onde reside, a rede de transportes e o tempo de deslocação são fatores importantes a ter em conta de hora de decidir que meio de transporte escolher.
E o que os Censos mostram é que a "população residente empregada que utilizava o automóvel ligeiro no trajeto casa-trabalho demorava em média 18,8 minutos [em 2021], enquanto a população empregada que recorria ao transporte coletivo despendia 43,5 min”. Ou seja, em média, a nível nacional, quem usa transportes ainda demora mais do dobro.do que quem vai de carro para o trabalho.
AS METAS
Para 2030, o Governo ambiciona a meta de ter 35% dos portugueses a ir a pé para o trabalho ou para a escola. É esse o objetivo que ficou fixado na Estratégia Nacional de Mobilidade Ativa Pedonal. Em 2021, apenas 15,7% da população ia para o trabalho ou para a escola a pé, segundo os Censos, sendo menos do que os 16,4% dez anos antes.
Apesar dos esforços dos últimos anos para aumentar a utilização de transportes coletivos, os Censos mostram que, em geral, também há agora menos pessoas a deslocarem-se diariamente de transportes para o trabalho ou escola (16,2%) do que em 2011 (20%).
Nenhum destes caminhos contribui para o objetivo de atingir a neutralidade carbónica em 2050, que requer necessariamente a alteração dos padrões de mobilidade para opções mais sustentáveis.
"Programa Mais Habitação". Apoio às rendas ao crédito aprovados hoje
Não faltam exemplos de asfixia financeira, para o pagamento de rendas. Não apenas de agregados familiares completos. Mas também de jovens universitários.
Inflação: os lucros de uns são a pobreza dos outros
Caem assim por terra vários mitos que têm condicionado a atuação dos poderes públicos: que não se podem aumentar os salários porque isso criaria uma espiral inflacionista; que não há lucros excessivos a tributar; que uma inflação com estas características se combate com políticas monetárias restritivas, aumentando as taxas de juro. Numa conjuntura como a atual, não seria seguramente o aumento dos salários que provocaria uma espiral inflacionista, uma vez que — como se vê agora de forma clara — é uma inflação induzida pela oferta, e não pela procura. O que se verifica, pelo contrário, é que os aumentos salariais tão abaixo da inflação conduziram a uma significativa perda real de rendimento e de poder de compra dos trabalhadores. Isto contrasta ostensivamente com o aumento das margens de lucro das empresas, sobretudo da área da distribuição: dados do INE mostram que no terceiro trimestre de 2022 os lucros aumentaram 7% face ao VAB — Valor Acrescentado Bruto gerado pelo país —, enquanto os salários cresceram apenas 0,5%. O aumento dos custos de produção está a ser mais do que compensado pelos aumentos dos preços, não se repercutindo negativamente — antes pelo contrário — nas margens de lucro das empresas.
Ou seja, aqueles que estão a lucrar com a inflação não redistribuem esses lucros através da valorização dos salários dos seus trabalhadores, aumentando o fosso entre os rendimentos do trabalho e do capital. O próprio Estado, que arrecadou muito mais receita em 2022, também não aumentou os salários dos trabalhadores da Administração Pública em linha com a inflação. E, sendo assim, os trabalhadores estão mais pobres.
As conclusões a que os peritos do BCE chegaram demonstram ainda que a tributação dos lucros excessivos é racional economicamente e justa socialmente.
Claro que, como invocam alguns analistas, se a procura descer significativamente, tanto as margens de lucro como a inflação diminuem. Esquecem, no entanto, que, apesar da recente descida na taxa de inflação, os preços dos alimentos continuam a aumentar, em média, 20,1% acima da taxa de inflação. E esquecem que são bens de primeira necessidade, de procura inelástica, cujo aumento dos preços onera em especial os mais pobres, quantas vezes dilacerados pela escolha entre pagar a alimentação ou pagar a habitação (seja a renda da casa ou a prestação ao banco, cada vez mais alta devido ao aumento das taxas de juro).
Soluções? Uma política monetária que não torne o dinheiro mais caro no momento em que ele menos vale na economia real; o rigoroso controlo de preços, medida que o Governo já começou a implementar, mas que tem de ter resultados rápidos e consequências efetivas; a reposição, pelo menos parcial, dos rendimentos reais. Em suma, mais justiça social.
As crises criam oportunidades de negócio para alguns, mas levam ao aumento da pobreza para outros. São momentos de concentração e não de redistribuição de riqueza. Ao Estado cabe contrariar isso.
Medidas anti-pobreza em Portugal fracassam porque os pobres não são ouvidos, defende rede europeia
As políticas públicas europeias contra a pobreza têm fracassado porque as pessoas nessa situação não são ouvidas, nem participam na sua elaboração, algo que é urgente inverter, disse esta sexta-feira o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal.
“É minha convicção que as políticas para as pessoas, [mas] sem elas, não podem ser efetivamente bem-sucedidas”, disse o padre Agostinho Jardim Moreira enquanto discursava na Cimeira das Pessoas, no Porto.
O padre Agostinho Jardim Moreira frisou que noutras situações sociais são ouvidos os sindicatos e as ordens.
“Já os pobres não têm forma de se expressar”, disse.
“Nós desejamos que haja uma forma de as pessoas participarem naquilo que lhes diz respeito e se lhes diz respeito deviam ser ouvidas”, sublinhou, exemplificando que tal devia acontecer na construção das leis, na monitorização da sua aplicação e na avaliação porque, caso contrário, não se está a tratar estas pessoas de forma inclusiva.
Na sua opinião, não basta de boas intenções, sendo urgente inverter esta tendência e ouvir as pessoas em situação de pobreza não só de forma individual, mas em família para que as políticas tenham sucesso.
Por este motivo, o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal defendeu a criação de estruturas e espaços de participação e de diálogo permanente para um trabalho conjunto e integrado.
O responsável recordou que o novo paradigma de luta contra a pobreza é a luta pelo desenvolvimento integral de todo o ser humano.
“Lutar contra a pobreza é um desafio de caráter estrutural que exige uma visão global e uma ação integrada em detrimento de medidas pontuais ou setoriais que aliviam situações de emergência social e minimizam os efeitos da pobreza, mas que não atingem de forma permanente as suas causas”, frisou.
A dimensão social na estrutura europeia surge sempre como um “parente pobre” em prol do crescimento económico, da criação de emprego e consequente criação de riqueza, criticou o padre Agostinho Jardim Moreira.
Pobreza: Porto tem 647 sem-abrigos, menos 83 face a 2021. Câmara quer estratégia intermunicipal para combater problema
A cidade do Porto tem 647 pessoas em situação de sem-abrigo, depois de registar em 2022 uma diminuição de 83 pessoas nesta condição face a 2021, revelou esta quinta-feira a câmara municipal.
Esta diminuição representa menos 60 pessoas (26%) na condição de “sem teto” e menos 23 pessoas (4,6%) “sem casa”, explicou, em comunicado.
“Das pessoas em situação de sem-abrigo identificadas, apenas 40,5% são residentes na cidade do Porto, assistindo-se a um aumento de 11,4% de pessoas em situação de sem-abrigo face a 2021 provenientes de outros municípios”, afirmou o vereador do pelouro da Coesão Social da Câmara Municipal do Porto, Fernando Paulo, citado em comunicado.
Para o autarca “este dado reforça a necessidade premente da adoção de uma estratégia intermunicipal para fazer face a este desafio, ao qual não pode ser só o município do Porto a responder”.
Relativamente à caracterização das pessoas em condição de sem-abrigo, a maioria (82,1%) são homens, “mantendo-se a tendência registada em anos anteriores”, salientou.
A maioria destas pessoas situa-se entre os 45 e 64 anos (66,13%) e entre os 31 e 44 anos (21,9%), destacou.
À semelhança de 2021 e anos anteriores, a esmagadora maioria das pessoas em condição de sem-abrigo é de nacionalidade portuguesa (87%), sendo 13% de outros países.
“Relativamente às causas que levam à situação de sem-abrigo, continuam a prevalecer as dependências, nomeadamente o consumo de álcool e substâncias psicoativas“, frisou o município.
A par das competências do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo (NPISA), o município do Porto implementou a Estratégia Municipal do Porto para a Integração de pessoas em situação de sem-abrigo 2020-2023, da qual se destaca o Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano (CATJU) a funcionar nas instalações do antigo hospital, cuja gestão e total financiamento é da câmara.
Além disso, e ainda quanto ao trabalho desenvolvido, o município destacou a atribuição de gestor de caso a todas as pessoas em situação de sem-abrigo e uma equipa de rua multidisciplinar com cobertura municipal que integra valências na área da psicologia, enfermagem, psiquiatria e educador de pares.
ESTUDO DA ENR ABORDA POBREZA ENERGÉTICA NA EUROPA E PROCURA TRANSFORMAR DESAFIOS EM OPORTUNIDADES
Sónia Sul, in Edifícios e Energia
A Rede Europeia de Energia (EnR) divulgou, nesta terça-feira, um estudo sobre as principais barreiras ao combate à pobreza energética no contexto europeu, elaborando algumas recomendações sobre como mitigar este problema, aproveitando as comunidades de energia renovável (CER). A apresentação do documento decorreu num webinar dinamizado pela EnR que reuniu várias personalidades ligadas à política energética.O estudo Mitigação da Pobreza Energética na Europa e o Papel das Comunidades de Energia Renovável, disponível on-line gratuitamente, parte de uma análise do enquadramento da pobreza energética em 15 países europeus (14 da União Europeia), incluindo Portugal. Nele, são identificados os factores que influenciam a pobreza energética, as políticas e os programas que contribuem para o combate ao problema, o estado de implementação destas acções e os potenciais aliados neste desígnio.
Os resultados mostram que, entre 14 países, só seis têm uma definição de pobreza energética, dos quais quatro se situam na Europa do Sul, e que, embora 10 países tenham implementados programas ou actividades para mitigar a pobreza energética, nove países não têm uma estratégia ou um plano a nível nacional, sendo a dificuldade em identificar os agregados familiares em pobreza energética o principal obstáculo à sua implementação identificado. Além disso, em dez dos 14 países, não existe, dentro das agências de energia membros da EnR, um departamento ou uma área que se dedique à pobreza energética.
Os resultados indicam ainda que, para o estado de pobreza energética, os baixos rendimentos (mencionados em 14 países), seguidos dos preços da energia, são considerados os maiores problemas. Quanto às CER, metade dos 14 países têm projectos deste tipo directamente ligados à mitigação da pobreza energética e cinco em sete países apontam para os benefícios destas comunidades a nível de redução dos preços de energia.
O estudo foi liderado pela Direcção de Indústria e Transição Energética da ADENE e coordenado por mais seis agências de energia – ADEME (França), AEA (Áustria), CRES (Grécia), dena (Alemanha), Energy Saving Trust (Reino Unido), RVO (Países Baixos) –, contando com contributos de outras entidades europeias semelhantes. Nesse sentido, a ADENE sublinha, em comunicado, também o destaque dado ao “papel desempenhado pelas agências europeias de energia na implementação das políticas de combate à pobreza energética”.
A apresentação do documento decorreu, no dia 14 de Março, durante um webinar dedicado ao combate à pobreza energética. Neste evento, estiveram presentes mais de 150 participantes, entre os quais Nelson Lage, presidente da ADENE e da EnR, e Adela Tesarova, directora de uma unidade da Directoria-Geral da Energia da Comissão Europeia que lida com a transição justa. Outras figuras apresentaram, ainda, iniciativas como os projectos POCITYF e POWERPOOR e como o Pacto de Autarcas e o Energy Poverty Advisory Hub.
TRANSFORMAR BARREIRAS EM OPORTUNIDADES
Há vários desafios no combate à pobreza energética. O estudo da EnR olha para as barreiras no âmbito da renovação dos edifícios, da eficiência energética, das CER e de aspectos sociais como pontos de partida para se perceberem quais as soluções que é necessário implementar.
A nível da renovação dos edifícios, por exemplo, identificam-se os seguintes desafios: escassez de dados, falta de recursos humanos especializados que funcionem como intermediários, inacessibilidade de one-stop-shops digitais a algumas partes da população, incapacidade dos agregados em pobreza energética em cobrir investimentos iniciais, falta de apoios dirigidos particularmente à mitigação da pobreza energética, e dificuldades no desenvolvimento de mecanismos de apoio para renovações profundas que sejam adequados e específicos aos agregados em pobreza energética.
A partir destes desafios, o estudo aponta como oportunidades ou potenciais soluções a promoção de soluções de smart building, criando modelos de negócio que as tornem acessíveis, a atribuição de recursos aos intermediários (agentes públicos, especialistas de energia e assistentes sociais), a criação de acções de literacia digital, o desenvolvimento de mecanismos de apoio e incentivo (incluindo a fundo perdido) para ultrapassar a necessidade de investimentos iniciais, o acesso a dados, agentes locais e apoios para assegurar que as renovações optimizam benefícios e bem dirigidas, e a criação de um incentivo às auditorias e certificações energéticas em agregados em pobreza energética, designando os mecanismos de apoio mais indicados que promovam a renovação profunda.
Já no que diz respeito à eficiência energética, é referida, a título de exemplo, a necessidade de criar não só canais de acesso a pontos de informação e de promoção de literacia energética como sistemas de monitorização de indicadores e estratégias. A estes desafios, o documento propõe como resposta o desenvolvimento de programas educativos a aplicar aos diferentes graus de ensino, adoptando as melhores práticas, e promover o desenvolvimento de projectos que permitem a monitorização e gestão em tempo real e, assim, facilitam a sensibilização da população. De notar também que o estudo refere como oportunidade a criação de contractos ESCO.
No âmbito das CER, as barreiras mais relevantes são a dificuldade de tornar o modelo atractivo em termos de investimento em áreas mais remotas e em ilhas, a desadequação das grids à produção descentralizada de energia, a dificuldade em introduzir uma estratégia para a pobreza energética compreensiva que se alinhe com este tipo de comunidades, sobretudo quando o acesso às fontes de energia renovável não é tão acessível à população vulnerável e quando esta população apresenta menor possibilidade de aceder a serviços de apoio técnico em energia.
Como resolver? Para a EnR, caminhos a explorar para tornar as CER uma solução mais apetecível são apostar em projectos à escala local (como Bairros Sustentáveis, Aldeias Sustentáveis) para criar dinâmica entre os agentes a este nível, criar smart grids, implementar agregadores do mercado que possam conduzir excedentes de energia a agregados em pobreza energética, incentivar a criação de fontes de financiamento simplificadas e ainda promover a inclusão social nas CER, introduzindo uma figura de “energy doctor” na comunidade que sensibilize, em conjunto com as autoridades locais, a população.
A subida rompante de preços de energia, a dificuldade em identificar a população em pobreza energética e falta de confiança no que diz respeito a subsídios e às empresas de serviços são também desafios sociais identificados pelo estudo da EnR. Criar soluções comunitárias (actividades em divisões bem climatizadas) onde as pessoas podem ter conforto térmico, recorrer a agentes sociais, públicos e de saúde como primeiros contactos que estabelecem uma ponte com os auditores de energia são duas possibilidades de transformar barreiras em oportunidades.
Sem porta, sem janelas e sem higiene: três crianças retiradas aos pais por suspeitas de abandono
Francisco Alves Rito, in Público
PSP de Setúbal identificou pai, de 23 anos, e mãe, de 25. Menores, entre os dois e os seis anos, viviam em local sem condições, sem porta nem janelas.Três crianças, com idades entre os dois e os seis anos, foram retiradas, na semana passada, da guarda dos pais e levadas para um local de acolhimento depois de a PSP ter identificado os progenitores, que são suspeitos do crime de exposição ou abandono de menores. Segundo a polícia, a família vivia num local sem porta nem janelas e com “grave falta de higiene”.
Na passada quarta-feira, a PSP identificou o pai, de 23 anos, e a mãe, de 25, destas crianças, anunciou nesta segunda-feira, em comunicado, o Comando Distrital de Setúbal daquela força policial. O casal é suspeito do crime de exposição ou abandono de três menores.
Antes disso, e “face à gravidade da situação e ao perigo a que estas crianças estavam expostas”, foi accionado o INEM, que prestou cuidados às três crianças ainda no local onde viviam e as conduziu depois às urgências pediátricas do Hospital de São Bernardo, em Setúbal. Por indicação médica, e apesar de terem tido alta clínica, as três crianças ficaram internadas durante dois dias, tendo tido alta na passada sexta-feira.
Cenário de miséria
O cenário que a PSP descreve é inteiramente confirmado por quem entre na casa onde vivia o casal com as três crianças. O PÚBLICO constatou, no local, que a pequena casa não tem as condições mínimas de higiene e salubridade.
Com as paredes e o chão a desfazerem-se, sem portas e janelas, a casa está cheia de lixo e móveis velhos.
Os vizinhos contam que o casal, que vivia naquele espaço há cerca de um ano, não tinha ocupação fixa conhecida. O homem e a mulher viviam de recolha de sucata e outros biscates. Os moradores do Bairro da Conceição, com quem falámos, que viam a família por ali, dizem que mesmo a criança mais velha, já com seis anos, não deveria andar na escola. “O menino estava sempre por aqui, nunca o vi de mala nem o ouvi falar em escola”, conta um dos vizinhos num grupo que encontrámos no café mais próximo, na mesma rua.
As crianças são uma menina, de dois anos, e dois meninos mais velhos, o maior dos quais com seis anos de idade. A casa está agora devoluta, uma vez que os dois adultos terão partido após a retirada das crianças.
"Passo importante". Costa referenda lei sobre estágios remunerados
Por Lusa, in Notícias ao Minuto
Primeiro-ministro destaca que "com esta lei os estágios passam a ser remunerados e veem a sua obrigatoriedade e duração limitada".O primeiro-ministro, António Costa, anunciou, no final de segunda-feira, que referendou um diploma que, entre outras coisas, visa facilitar e regular a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Com esta lei, os estágios passam a ser remunerados e a ter duração limitada.
"Referendei hoje o diploma que introduz um conjunto de alterações ao Regime Jurídico das Associações Públicas Profissionais. Uma importante reforma que vem nomeadamente facilitar e regular a inserção dos jovens no mercado de trabalho, em particular no que respeita aos estágios", disse o primeiro-ministro, na rede social Twitter.
António Costa acrescentou que "com esta lei os estágios passam a ser remunerados e veem a sua obrigatoriedade e duração limitada".
"Este é um passo importante que é também mais uma meta do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] que cumprimos", escreveu o primeiro-ministro.
Salário de entrada de jovens licenciados em 2020 era inferior ao de 2006
O salário médio real de entrada no mercado de trabalho de jovens com ensino superior era em 2020 inferior ao registado em 2006, segundo um estudo do Banco de Portugal (BdP) divulgado na segunda-feira.
Os resultados do estudo mostram "uma redução muito acentuada do salário médio de entrada" no mercado de trabalho dos jovens com ensino superior, com idade igual ou inferior a 30 anos, sobretudo entre 2010 e 2014, seguida de uma recuperação que, ainda assim, não permite chegar a níveis semelhantes em termos reais, a 2006.
Em 2020, o salário médio real de entrada no mercado de trabalho era de 1.050 euros para um jovem com licenciatura ou bacharelato e, em 2006, o valor era de 1.088 euros.
No caso de um jovem com mestrado, o salário médio real de entrada aumentou ligeiramente, de 1.150 euros em 2006 para 1.178 euros em 2020.
Porque é que os idosos abandonados são mulheres (e não homens)?
Vale a pena voltarmos àquela notícia que nos define, mas que não é tratada, não é destacada pelas narrativas, porque é um excesso de realidade difícil de arrumar: chegamos a ter 1000 velhos abandonados nos hospitais, sobretudo nos períodos de férias; estamos a falar de pessoas que não têm qualquer doença ou que já tiveram alta, mas que não têm para onde ir, a família desapareceu em definitivo ou temporariamente. Este abandono atinge o pico nos períodos de férias, verão e Natal, mas é uma constante ao longo do ano.
Quando começamos a peneirar estes dados, recolhemos mais informação, que, apesar de triste, não é surpreendente: a maioria das pessoas abandonadas são mulheres, e não homens. Porquê? Porque há mais viúvas do que viúvos. Talvez. Mas eu gostava de testar outra hipótese que está relacionada com outros indicadores. Porque é que elas - na velhice - são mais abandonadas do que eles nos hospitais? Será pela mesma razão que leva muitas mulheres com cancro a serem abandonadas pelos maridos? Será pela mesma razão que leva a maternidade a prejudicar a carreira delas enquanto a paternidade não prejudica a carreira deles?
A questão é que os homens continuam a ser uns meninos, continuam a fugir das responsabilidades enquanto cuidadores de crianças e de velhos, neste caso de mulheres idosas. São elas que não fogem desta dificuldade. Elas podem dizer com toda a autoridade que os homens são uns meninos.
Se muitos homens abandonam as mulheres em contexto oncológico (o inverso é raríssimo), então não surpreende vermos que a maioria dos idosos abandonados nos hospitais é do sexo feminino. Porque se é verossímil imaginarmos um homem a abandonar a mulher debaixo do pretexto que "não tem feitio" para cuidar, o inverso é altamente improvável. Para mim, como homem, isto é intolerável; revela que o meu sexo é mais cobarde na hora h. E esta cobardia está a provocar uma grave crise social e demográfica.
No passado, com as mulheres em casa, as coisas resolviam-se. Mas, hoje em dia, as coisas não se resolvem da mesma maneira e, não por acaso, a crise da natalidade e a crise da velhice estão relacionadas com este tema: as mulheres já não conseguem fazer tudo sozinhas, pois também saem de casa para trabalhar. O problema é que os homens não querem entrar em casa.
Bispo de Beja pede “perdão” e assume que “não há lugar para abusadores no sacerdócio”
Mais um bispo que pede desculpa por declarações prestadas sobre os abusadores de menores na Igreja Católica. Depois de o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, o ter feito na semana passada, foi agora a vez do bispo de Beja, D. João Marcos, que neste sábado pediu “perdão” por ter admitido que os padres abusadores possam ser perdoados.
Num comunicado enviado à agência Ecclesia, D. João Marcos retracta-se pelas declarações prestadas à SIC no passado dia 7: “Todos somos pecadores, todos somos limitados, todos temos falhas. Esta maneira de abordar não é muito católica. Na Igreja Católica, existe o perdão", disse então, numa entrevista que gerou uma acesa polémica e que, refere agora D. João Marcos, deu a entender que subestima “a enorme gravidade dos abusos sexuais de menores e que o perdão de Deus permite ao abusador retomar a sua vida normal”.
“De nenhum modo é esse o meu pensamento. Compreendo a decepção que provoquei dentro e fora da Igreja e a todos peço perdão”, assume no comunicado divulgado neste sábado. Onde assume também que “os abusos de menores são da máxima gravidade”.
Os seus efeitos são devastadores. Se praticados por homens dedicados a Deus, são ainda mais graves e são blasfémias”, acrescentou. D. João Marcos defendeu, a este respeito, que “não há lugar para os abusadores no sacerdócio” e que “as suspeitas verosímeis” obrigam a tomar medidas que evitem todo o perigo sobre menores, “incluindo o afastamento das tarefas pastorais”. “As pessoas que passaram por uma situação de abuso têm de ser uma prioridade. As suas necessidades de apoio e reparação devem nortear o nosso acompanhamento.”
Na lista que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja entregou à CEP, a 3 de Março, constarão “nove situações” envolvendo suspeitas de abusos em Beja. Na entrevista à SIC, D. João Marcos disse ainda não ter os nomes porque saiu mais cedo da reunião. Até este sábado, 16 das 20 dioceses existentes já divulgaram publicamente o número de nomes de padres suspeitos de abusos que lhes foram entregues: receberam os nomes de 90 sacerdotes e dois leigos. Destes, já morreram 35. Até agora, só cinco dos padres suspeitos foram afastados de funções.
Numa entrevista ao Expresso, publicada nesta sexta-feira, o presidente da CEP, D. José Ornelas, assumiu que a conferência de imprensa do passado dia 3, em que os bispos portugueses analisaram o relatório final da comissão independente que investigou os casos de abuso sexual de menores no seio da Igreja Católica nacional, “não correu bem”. “Não foi fácil, não foi adequado.” “E eu também não fui feliz”, acrescenta.
Na ocasião, a hierarquia da Igreja não anunciou nenhuma das medidas que eram exigidas por vários sectores católicos: nem afastamento imediato dos padres abusadores e dos bispos que os tenham encoberto nem predisposição para indemnizar financeiramente as vítimas.
Regras da creche gratuita alteradas para garantir prioridade de irmãos
Patrícia Carvalho, in Público
Formulação anterior não garantia que uma criança com um irmão a frequentar outra valência na mesma instituição tivesse prioridade na entrada.O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social avançou com uma alteração à portaria que regulamenta o acesso gratuito às creches das crianças nascidas após 1 de Setembro de 2021. Em causa estava a formulação sobre a prioridade dada a crianças que já tenham irmãos a frequentar a instituição escolhida e que, na versão anterior, não estaria garantida. Uma falha que foi alvo de uma petição por parte de um grupo de pais. Por mudar continua a medida geográfica, de concelho para freguesia, que garanta a gratuitidade em creche privadas mais próximas de casa das famílias e que tem sido razão de várias queixas.
Na definição dos critérios de prioridade que devem ser considerados pelas creches, a portaria incluía, as “crianças com irmãos que comprovadamente pertençam ao mesmo agregado familiar e que frequentam a resposta social”. Ora o problema estava precisamente neste termo: resposta social.
Um grupo de pais das Caldas da Rainha protestou, e avançou mesmo com uma petição que recolheu já mais de 1800 assinaturas, porque, na prática, aquela formulação iria impedir e não facilitar a entrada de crianças já com irmãos a frequentar a instituição escolhida. Isto porque, defendem no texto do abaixo-assinado: “No vocabulário e entendimento da Segurança Social e até do léxico utilizado na portaria, ‘creche’ é uma resposta social, ‘pré-escolar’ é outra resposta social distinta, ou seja, ‘resposta social’ não tem o mesmo significado ‘instituição social’.”
Traduzindo, a menos que estivéssemos perante dois irmãos que, por serem gémeos ou terem uma distância de idades muito curta, frequentassem a creche ao mesmo tempo, não havia qualquer garantia de prioridade para uma criança que, por exemplo, tivesse um irmão a frequentar o jardim infantil da mesma instituição. Porque aí seria já outra “resposta social”.
O ministério de Ana Mendes Godinho atendeu à chamada de atenção dos pais e alterou agora esse ponto em concreto da portaria. Esta sexta-feira foi publicada em Diário da República a nova formulação, que passa a referir como critério de prioridade as “crianças com irmãos, que comprovadamente pertençam ao mesmo agregado familiar, que frequentam uma resposta desenvolvida pela mesma entidade”.
De fora fica, contudo o outro pedido apresentado na petição, e que tinha que ver com a possibilidade de se ponderar dar prioridade também aos filhos de funcionários que trabalhem na instituição.
Para Sofia Amado Durão, uma médica de 34 anos, que tem dois filhos a frequentar uma instituição particular de solidariedade social - uma criança com quatro meses e outra no pré-escolar -, a mudança agora concretizada é recebida “com muito agrado”, mas lamenta que a questão dos trabalhadores destas instituições não tenha sido contemplada. “Desde o início que percebemos que a questão da prioridade tinha acolhimento junto dos vários partidos políticos, estávamos era preocupados com a brevidade com que a alteração seria feita. Recebemos com muito agrada a notícia desta mudança e, sobretudo, que tenha sido feita em tempo útil”, diz, ao telefone.
A especulação imobiliária está a pô-los a "marchar". Do Alto do Pina à Bica o associativismo perde espaço(s)
Inês Duarte Coelho, in TSF
A três meses de descer a Avenida da Liberdade, o Ginásio do Alto do Pina (GAP) mudou de morada. Deixou a sede na rua Barão de Sabrosa e agora está de portas abertas para o chafariz da Penha de França.O presidente do clube, Marco Campos, tem visto cair por terra as promessas dos sucessivos executivos e teve de "marchar sozinho".
"Com a lei do arrendamento (2012) tivemos de deixar a primeira sede. Não tínhamos condições para pagar mil euros por mês. Depois, a antiga vereadora da CML (Câmara Municipal de Lisboa), Paula Marques, empurrou-nos para loja onde estávamos antes. Pagávamos 750 euros e a vereadora prometeu-nos apoios que nunca chegaram. Tivemos lá quase quatro anos", conta o presidente do GAP.
Há cerca de um ano foi o presidente da CML quem abriu a porta da esperança ao Ginásio do Alto Pina. Carlos Moedas prometeu "resolver a situação" e Marco Campos mantém a "fé" de que seja o autarca a pôr um "travão" no fecho das coletividades.
O problema está diagnosticado há muito tempo: é a especulação imobiliária que está a roubar espaço ao associativismo.
"Eu tenho filhos que saíram da maternidade e vieram primeiro para o clube, e só depois para casa. As pessoas deviam olhar um bocadinho para o sentimento de quem vive no bairro, nós fomos criados aqui. É o bairrismo, e estão a matar isso", conclui.
Confrontada com estas acusações, a vereadora independente da Câmara de Lisboa Paula Marques garante que propôs ao GAP a cedência de instalações pela autarquia o mais próximo possível do bairro.
"O Alto Pina é uma coletividade e importantíssima na cidade, é uma marcha importantíssima na cidade, e muito embora o acompanhamento destas coletividades não fosse propriamente dentro daquilo que eram as minhas competências (...) reuni com o Ginásio do Alto Pina", afirma.
A proposta foi feita quando era vereadora da Habitação e do Desenvolvimento Local, na presidência de Fernando Medina, e Paula Marques assegura que foram os dirigentes que recusaram a proposta.
"Feita uma proposta ao GAP na zona do Beato, o mais próximo possível do espaço da Comunidade e não sei as razões pelas quais o Alto Pina decidiu não aceitar o espaço".
A disponibilidade de espaços municipais não abunda, lembra Paula Marques, mas os que existem podem ser usados para responder a estes apelos. Acontece que as coletividades nem sempre se mostrar disponíveis para mudar de bairro.
Vai Tu, na Bica
No grupo excursionista Vai Tu, na Bica, a história repete-se. Em 2014, o Vai Tu deixou o espaço camarário onde tinha a antiga sede, no número seis, da rua da Bica de Duarte belo, e desceu para o número um.
"A CML colocou o prédio em hasta pública e vendeu-o por 300 mil euros. Hoje é um alojamento local, mesmo aqui em frente", conta Águeda Polónio, a presidente do Vai Tu.
Águeda Polónio recorda que, enquanto o Vai Tu desceu as escadas da Bica, o valor da renda subiu: "Nas antigas instalações camarárias pagávamos 60 euros de renda. Passámos para aqui a pagar perto de 1400 euros. A renda mais alta foi 1800".
"Não tenho condições para pagar 1000 quanto mais 1800 euros de renda. Para não entrar em incumprimento com ninguém achamos que o mais correto é fechar", admite Águeda Polónio.
Na freguesia da Misericórdia, a especulação imobiliária já obrigou ao fecho de quase uma mão cheia de coletividades: o Santa Catarina, o grupo desportivo Zip Zip, e o Marítimo Lisboa Clube.
Carla Madeira, a presidente da junta, lembra o limite das suas competências: "A junta de freguesia não tem património próprio. A sede onde nós estamos é propriedade da CML. Aquilo que a junta de freguesia tem feito é alertar a CML para o problema e apelar a que, dentro do património municipal que a Câmara ainda vai tento na Misericórdia, o disponibilize a estas entidades".
Carla Madeira, autarca da Misericórdia, alerta para outro problema: "Se nós deixarmos de dar condições físicas para que as coletividades fiquem em Lisboa, as marchas vão acabar por desaparecer".
Bairro Alto
No Bairro alto, o Lisboa Clube Rio de Janeiro está agora seguro, mas há uma década também passou pela angústia do despejo. Cenário diferente para associações como a Re-food Misericórdia, a Associação Mais Cidadania ou a Dress for Sucess. Estão todas sediadas no mesmo prédio o senhorio, a ABFE, quer dar-lhe outro destino: "Devolver ao edifício da Rua do Teixeira, a sua função histórica de escola".
A ABFE, Associação de Beneficência da Freguesia da Encarnação, é uma IPPS que há 5 anos cedeu o espaço, a custo zero, para que estes projetos ganhassem pernas. Agora, Isabel Xara-Brasil, explica que vão ser úteis aos voluntários da Re-food Misericórdia.
"Se não conseguirmos outro espaço, vamos ter de nos juntar ao núcleo de Santa Maria Maior, que tem o seu centro de operações na Rua do Arsenal. Nós temos voluntários que moram no Príncipe Real, não sei se consigo garantir que eles aceitem fazer as recolhas e o embalamento lá em baixo. É mais longe", explica Isabel Xara-Brasil.
Sem um espaço, também Paula Mendes, da Associação Mais Cidadania pode ter de colocar um ponto final ao projeto "Mais Skillz".
"O Mais Skillz é um projeto financiado pelo programa Escolhas. O que vai acontecer é que, sem um espaço, nós não podemos apresentar uma candidatura, e aí o projeto para", admite Paula Mendes.
A Confederação Portuguesa das Colectividades diz estar "muito preocupada" com o aumento do número de associações que corre o risco de ficar sem sede e sem um espaço físico e defende que o Estado central e local têm que ajudar na procura de respostas.
No próximo sábado, a Confederação Portuguesa das Colectividades vai reunir o conselho nacional e esta é uma das questões em cima da mesa.
A TSF contactou a Câmara Municipal de Lisboa mas até ao momento não obteve resposta.
Consulados emitiram quase três mil dos novos vistos de procura de trabalho
Ana Cristina Pereira, in Público
Título criado recentemente ainda é desconhecido de empregadores, que continuam a pedir autorização de residência ou prova de pedido formalizado no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.Fábio Poffo sai nesta terça-feira do Brasil e aterra nesta quarta-feira em Portugal com um visto de procura de trabalho. Não houvesse esta possibilidade, talvez nunca tivesse dado tal passo, mas já perdeu ilusões. “Os meus colegas ainda encontraram dificuldades para conseguir trabalho com esse visto.” Por desconhecimento, empregadores exigem autorização de residência ou manifestação de interesse, isto é, pedido formalizado no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Desde 30 de Outubro, qualquer estrangeiro que queira trabalhar em Portugal pode pedir um visto de procura de trabalho. Tal documento é concedido por 120 dias, prorrogáveis por outros 60, e “autoriza o titular a exercer actividade laboral dependente até ao termo do visto ou até à concessão da autorização de residência”. A emissão já pressupõe um agendamento na autoridade competente para a concessão da autorização de residência.
Quatro meses e meio decorridos desde aquela alteração à lei, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, os serviços consulares tinham emitido 2865 visto de procura de trabalho. Destacavam-se os cidadãos do Brasil, de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe.
Cauã Santana, de 27 anos, e o companheiro, dez anos mais velho, obtiveram vistos desses. Aterraram em Portugal no dia 9 de Fevereiro. “Não queria vir como turista e ficar ilegal. Tem gente que fez isso e ficou esperando um ano e meio, dois anos.” Pensou que com aquele visto não teria problemas. “A gente vai chegar lá e as portas vão se abrir.”
Não tem sido essa a sua experiência em Aveiro. “A gente rodou toda a cidade, zona industrial, restauração.” Perante cada hipótese de emprego, emergia a mesma pergunta: “Tem autorização de residência ou manifestação de interesse?” Tem visto de procura de trabalho. “Eles não conhecem. Isso é desconfortável. Toda a vez que a gente vai numa entrevista, eles olham torto para a gente.”
Paulo Pessoa aterrou em Portugal no dia 1 de Março. Quer ele, que conta 37 anos, quer a esposa, que conta 31, têm enfrentado no Seixal o mesmo problema que Cauã e o companheiro em Aveiro. “As empresas não querem dar contrato sem residência.” Houve um empregador que até assumiu uma atitude agressiva com a mulher. “Não envie currículo se não tem residência!” E precisa de contrato para apresentar no SEF no dia agendado.
Uma outra hipótese se levanta para os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). No dia 1 de Março, passou a haver um modelo de título administrativo de residência específico. Esse inclui o “visto de estada temporária CPLP” (autorização administrativa até 12 meses), o “visto de residência CPLP” (autorização administrativa destinada a requerer autorização de residência CPLP) e a “autorização de residência CPLP”
Autorização de residência para cidadãos da CPLP
Como o SEF está a ser desmantelado e ainda há cerca de 300 mil processos pendentes, foi criada uma plataforma digital para agilizar procedimentos. O objectivo principal é despachar os cerca de 150 mil pedidos de autorização de residência de cidadãos da CPLP apresentados em 2021 ou 2022. Todavia, os cidadãos da CPLP que desde Novembro entraram em Portugal com o visto de procura de trabalho também podem recorrer a esta plataforma, uma vez que toda a sua documentação já foi verificada pelos serviços consulares.
Logo no primeiro dia, segunda-feira, 13 de Março, Paulo Pessoa e a mulher acederam à plataforma digital. “Li que vão regularizar o pessoal da língua portuguesa. A gente tinha de fazer o cadastro no site e pagar 15 euros. A gente fez o cadastro, imprimiu e está tentando pagar e não consegue.” O SEF recomenda que vá tentando, uma vez que há muita gente a aceder à plataforma. Nos primeiros três dias, deram entrada 42 mil pedidos. Entretanto, Paulo Pessoa começou a trabalhar à experiência, mas não lhe assinam o contrato enquanto não apresentar autorização de residência.
Fábio Poffo vai ouvindo estas histórias. “A gente sabe que não é o melhor salário mínimo da Europa. Não é um país onde se vai para acumular dinheiro, mas a qualidade de vida é melhor [do que no Brasil], o poder de compra é melhor. Tem também a questão cultural. Tem países próximos para visitar. A língua também favorece.”
Quarta-feira, o homem de 35 anos e a esposa de 25 desembarcarão em Lisboa e instalar-se-ão no distrito de Leiria. “Vamos em busca de um trabalho numa fábrica. Vamos ver como está a situação. A gente fez um planejamento a longo prazo. A gente está indo com uma reserva para se manter um tempo.”
Conforme o acordo de mobilidade, os cidadãos da CPLP ficam dispensados de apresentar seguro de viagem, comprovativo de meios de subsistência e cópia do bilhete de regresso. A sua entrada só pode ser barrada por “necessidade de salvaguarda da ordem, segurança ou saúde pública” ou “por fundadas suspeitas sobre a credibilidade e autenticidade dos documentos”. Têm de ter passaporte válido, certificado de registo criminal emitido no país de origem (e/ou onde tenha morado por mais de um ano), autorização para o SEF consultar o registo criminal português.
O Portal da Queixa deu esta segunda-feira conta de “um aumento significativo de reclamações dirigidas ao SEF”. Nos primeiros 20 dias de Março, somou 447. “Desde o início do ano, a plataforma recebeu 562, um aumento de 282% em relação ao período homólogo.” Principal reclamação? Constrangimentos relacionados com a emissão de título de residência através do novo portal do SEF para cidadãos da CPLP.
Reforço nos serviços consulares
O gabinete de João Gomes Cravinho dá conta de um aumento “significativo” da afluência aos postos consulares. “A recuperação pós-pandémica, o fim dos confinamentos e a retoma das viagens internacionais significaram um natural aumento dos actos consulares praticados.” Além dos pedidos de vários tipos de vistos, os de renovação de passaportes e de cartões do cidadão.
Perante tal cenário, afirma que tem “vindo a proceder a uma adequação de meios, tanto ao nível dos postos diplomáticos quanto dos prestadores de serviços externos que recepcionam os pedidos de visto”. E que “irá reforçar o quadro de pessoal, com especial incidência nos postos dos países membros da CPLP, face ao aumento de actos consulares e emissão de vistos”. “Neste contexto, para 2023, foi autorizada a abertura de procedimentos concursais para a contratação de 28 trabalhadores.”
Questionado sobre como o país está a prevenir a possibilidade de fraude, esclarece que “é assegurada a verificação documental, acautelando a detecção da fraude documental, tendo os funcionários formação para o efeito”. “Quando identificados documentos falsos ou adulterados no decurso da instrução de um pedido de visto, são imediatamente contactadas as autoridades locais a quem compete desencadear as investigações tidas por adequadas.” Para já, “verifica-se uma boa taxa de aceitação, havendo apenas uma pequena percentagem de pedidos recusados”.
Desporto Sénior 65+” promove o envelhecimento saudável em Arganil
Nesse seguimento, encontra-se este Município a preparar um programa gratuito de Atividade Física para maiores de 65 anos, ao qual deu o nome de “DESPORTO SÉNIOR 65+” e que vai ser constituído por várias sessões regulares de atividade física específicas para este público.
Os interessados podem fazer a sua inscrição até ao dia 20 de março, através do preenchimento de formulário disponível na Junta de Freguesia da sua área de residência e no Balcão Único da Câmara Municipal de Arganil, ou ainda através da submissão online, acessível aqui:
Desporto Sénior 65+
Problema da habitação exige "soluções mais avançadas"
O problema da habitação exige "soluções mais avançadas" do que aquelas que têm sido propostas pelo Governo, considerou esta sexta-feira a Associação de Inquilinos Lisbonenses, em audição na Assembleia da República.
"O mercado tem de ser regulado e, ao mesmo tempo, tem de ser fiscalizado", defendeu António Machado, da Associação de Inquilinos Lisbonenses, ouvida hoje pelo Grupo de Trabalho Habitação da Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação.
A habitação é "a única atividade económica no país que não tem regulação", acompanhou Luís Mendes, também pela Associação de Inquilinos Lisbonenses, exigindo "outra visão", que assegure a regulamentação da relação entre senhorio e inquilino e a regulação do mercado, que "são duas coisas diferentes".
Concedendo que "o Governo está interessado em concretizar o direito à habitação de uma forma efetiva" e saudando a criação de um Ministério da Habitação, António Machado notou que os instrumentos propostos para regular o mercado de arrendamento "já foram experimentados e não resultaram", daí que a associação estivesse à espera de medidas novas, por exemplo um mecanismo fiscal sobre as rendas "escalonado e progressivo".
"Fala-se de arrendamento acessível mas depois não se concretiza", criticam os dirigentes, adiantando que, no atual cenário, a Associação de Inquilinos Lisbonenses está a propor a descida da taxa de esforço (parte do salário gasta em renda ou crédito à habitação) para os 20% (atualmente nos 35%, segundo recomendações do Banco de Portugal).
Perante isto, frisa, o Plano Nacional de Habitação "vem tardio" e "é extemporâneo, já devia ter sido promulgado há muito mais tempo", seguindo o que consta da Lei de Bases da Habitação.
Sobre o património devoluto, Luís Mendes não tem dúvidas: "Primeiro os edifícios públicos, sejam do Estado, das autarquias ou de institutos. São nossos, nós, os contribuintes, é que os pagámos." E aumenta o tom: "Como se arrogam ao direito de não utilizar património nosso?"
António Machado referiu ainda que as 234 estratégicas locais de habitação já existentes provam "uma territorialização da política pública de habitação a ser feita sem estratégia nacional".
A audição foi curta, porque o plenário da Assembleia da República começava às 10:00, mas ainda houve tempo para os deputados questionarem o pouco tempo de consulta pública do articulado detalhado do Programa Mais Habitação, pacote de medidas proposto pelo Governo para responder à crise da habitação em cinco eixos: aumentar a oferta de imóveis utilizados para fins de habitação, simplificar os processos de licenciamento, aumentar o número de casas no mercado de arrendamento, combater a especulação e proteger as famílias.
O deputado socialista no grupo de trabalho recordou que o prazo foi estendido na quinta-feira até 24 de março, a pedido da Associação Nacional de Municípios Portugueses, para as três propostas de lei, que serão aprovadas apenas no Conselho de Ministros de 30 de março, seguindo depois para a Assembleia da República.
Os restantes dois decretos-lei, referentes aos apoios ao crédito à habitação e às rendas, terminam a consulta pública na segunda-feira, 13 de março, e serão aprovados no Conselho de Ministros de 16 de março.
O processo de consulta pública do Programa Mais Habitação, anunciado após o Conselho de Ministros de 16 de fevereiro, tem sido objeto de críticas por parte de autarquias e representantes do setor.
Isto porque, no dia 20 de fevereiro, o Governo colocou em consulta pública apenas o 'pdf' de apresentação que tinha divulgado no dia 16.
O articulado detalhado das medidas foi disponibilizado somente na passada sexta-feira, às 23:00, e, inicialmente, ficaria em consulta sete dias, tendo depois sido prolongado para dez.
Supermercados encostados à parede para baixar preços
Se os preços dos produtos alimentares essenciais não baixarem nas próximas semanas, o Governo vai atuar. Estão a ser estudadas alterações à lei para fixar um limite para as margens de lucro
As principais cadeias de supermercados em Portugal estão sob alta pressão. Depois de, na semana passada, ter sido lançada pela ASAE uma megaoperação nacional para detetar casos de especulação, esta quarta-feira à tarde o primeiro-ministro chamou a São Bento o diretor-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) para pedir explicações sobre o aumento do preço de vários produtos alimentares, sobretudo aqueles em que foram apuradas margens de lucro brutas acima dos 40%. António Costa quis saber a justificação, um a um, para o custo de alimentos como as cebolas, as cenouras, as laranjas, os ovos ou as febras de porco. E o Expresso sabe que o Governo vai mesmo atuar, se os supermercados não baixarem os preços nas próximas semanas.
O Executivo está neste momento a estudar várias medidas e não exclui, por exemplo, vir a fixar — mesmo que excecionalmente e com carácter temporário — um limite para as margens de lucro de produtores, industriais e distribuidores. Até 1984, a lei estipulava um teto máximo de 15%, mas desde então não há qualquer valor definido, o que dificulta o combate à especulação, reconhece o inspetor-geral da ASAE. “Para a ação inspetiva, seria mais linear se houvesse margens predefinidas”, diz ao Expresso Pedro Portugal Gaspar.
Numa altura em que milhares de famílias enfrentam cada vez mais dificuldades para assegurar a sua alimentação básica, o responsável admite que a fixação de uma margem de lucro neste sector pode ser feita como “medida de exceção”, tal como aconteceu durante a pandemia no caso das máscaras e do gel — em que a margem de lucro foi limitada a 15% —, embora ressalve que “essa avaliação é claramente do plano político”.
Além da especulação, autoridades estão a investigar eventual concertação de preços entre os supermercados
Mais recentemente, em outubro de 2021, o Governo aprovou um decreto-lei que permite fixar as margens de lucro máximas na comercialização de combustíveis, impondo limites sempre que se verifiquem aumentos injustificados. O Executivo nunca chegou, no entanto, a usar esta “arma”, já que naquele sector os preços baixaram entretanto. Mas o mesmo não está a acontecer no caso dos alimentos.
Esta semana, o preço de um cabaz alimentar básico voltou a bater novo recorde, custando mais 26% do que há um ano, segundo a Deco/Proteste. A taxa de inflação dos produtos alimentares atingiu em janeiro 21,1% o valor mais elevado da Europa Ocidental e que representa mais do dobro do valor da inflação geral registada no país. “Queremos uma explicação cabal sobre porque é que isso acontece”, frisa o secretário de Estado do Comércio, Nuno Fazenda (ver entrevista).
Contudo, existe a expectativa de que a pressão pública colocada nas últimas semanas sobre os supermercados seja suficiente para levar o sector a baixar os preços, sem serem necessárias mais medidas. Ao Expresso, o diretor-geral da APED lamenta que o Governo e a ASAE estejam a fazer dos supermercados o seu alvo e considera “inaceitável que se esteja a lançar uma suspeição” sobre a distribuição, sem sequer estar concluída uma análise a toda a cadeia, incluindo a produção e a indústria alimentar, onde a inflação até é mais alta do que no retalho.
“Não somos nós que estamos a provocar este aumento dos preços”, frisa Gonçalo Lobo Xavier. “É toda a cadeia agroalimentar que está a ser impactada pela subida dos custos de produção”, como energia, combustíveis, fertilizantes ou rações. O diretor-geral da APED garante que a concorrência entre os supermercados é tão grande que “todos já fazem um esforço diário para conseguir os preços mais baixos”. “Não sei se é possível fazer um esforço ainda maior”, diz.
O EXEMPLO FRANCÊS
Lá fora, vários países já estão a tomar medidas para conter a inflação dos produtos alimentares. Na Grécia, o Governo obrigou os supermercados a ter pelo menos um produto de cada categoria.
O modelo francês, que passa pela negociação e não pela imposição de limites às margens de lucro, é visto em Portugal como um caminho possível, tendo sido discutido na reunião entre a APED e o primeiro-ministro. “É uma medida interessante. Estamos disponíveis para encontrar soluções”, diz Lobo Xavier.
Já a redução do IVA ou a fixação de preços estarão, à partida, postas de parte. No caso do IVA, a experiência feita com alguns produtos, como as conservas de peixe, que baixaram de 23% para 6%, não resultou em qualquer benefício para os consumidores, uma vez que o preço final não só não baixou como até aumentou 4%.
Para já, no entanto, o foco do Governo está apenas no reforço da fiscalização. Foram já instaurados 51 processos-crime por especulação, sobretudo devido a situações de desvio entre o preço cobrado nas caixas dos supermercados e o anunciado nas prateleiras, com diferenças que chegaram aos 70%, e pela desconformidade no peso de produtos embalados.
Além da especulação, estão também a ser investigadas situações de eventual concertação de preços pela Autoridade da Concorrência (AdC), que esta semana foi igualmente convocada pelo primeiro-ministro. Nos últimos anos, foram abertos 15 processos a cadeias de supermercados, tendo sido aplicadas multas que ascenderam a €676 milhões. “As práticas sancionadas foram essencialmente de alinhamento de preços entre distribuidores, através de um fornecedor comum, sendo que todos beneficiavam com este alinhamento, com exceção do consumidor”, especifica a AdC.
No caso dos produtos em que foram agora identificadas pela ASAE margens de lucro brutas médias acima de 40%, como as cebolas, as autoridades vão apurar se a margem é semelhante entre as três maiores cadeias de distribuição, o que, a confirmar-se, poderá indiciar uma eventual concertação de preços.
Ressalvando que existe uma forte concorrência neste sector e que o alinhamento de preços não é comparável ao das gasolineiras, o diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral do Ministério da Agricultura explica que a grande concentração que existe no retalho — os quatro maiores grupos detêm mais de 70% do mercado — dá aos supermercados um enorme poder negocial. “Esta concentração pode levar a situações de oligopólio”, diz Eduardo Diniz.
Muitos produtores acusam a distribuição de esmagar as suas margens de lucro, impondo-lhes preços de aquisição de produtos que praticamente não cobrem os custos de produção. Já os supermercados garantem que em muitos bens, como o leite, têm uma margem de lucro zero, porque o preço subiu exclusivamente devido ao aumento imposto pelos produtores.
Seja qual for a origem da escalada de preços, a verdade é que, de semana para semana, o cabaz básico tem estado a aumentar, tornando-se inacessível para cada vez mais famílias.
SALMÃO É o peixe que tem estado quase sempre entre os produtos com maiores subidas de preço. Segundo a Deco, o quilo custa agora mais €6 do que há um ano. Só desde janeiro subiu €3,10
CENOURA Como noutros produtos hortícolas, a subida do custo dos fertilizantes refletiu-se no preço de venda ao público, com um aumento de 59% (mais €0,47 do que há um ano). É um dos produtos onde a ASAE identificou uma margem de lucro bruta mais elevada, chegando aos 45%
LARANJA O produtor está a vender o quilo, em média, a €0,40. E o embalador cobra o dobro (€0,80 a €0,90) à distribuição. Nos supermercados é vendida, em média, a €1,49. É o segundo produto onde a ASAE identificou maior margem de lucro bruta (48%)
AZEITE Foi um dos bens alimentares cujo preço começou a subir logo depois do início da guerra e é um dos dez que mais aumentaram. Por garrafa, paga-se agora em média €6,91, mais €2,23. É uma subida de 48%. Só na última semana ficou €0,42 mais caro
LEITE Segundo a Deco, um pacote custa agora, em média, mais €0,30 do que há um ano. É uma subida de 43%. No caso do leite, os supermercados dizem ter margem de lucro zero, alegando que a subida sentida no consumidor se deveu apenas ao aumento definido pelos produtores
FEBRAS É um dos produtos do porco mais consumidos e tem margem de lucro bruta de 45% nos supermercados. Os produtores dizem ter aumentado em 60% o preço a que vendem os animais aos matadouros, mas estes dizem estar a pagar mais 107% do que há um ano. Contas feitas, os consumidores pagam agora quase mais um euro (22%) por quilo
AÇÚCAR Um quilo chega, em média, a custar €1,69, mais 56% do que em março do ano passado. Esse salto põe o açúcar na lista dos dez produtos que mais encareceram
OVOS O custo das rações e a escassez provocada pela gripe das aves (um surto nas duas maiores explorações nacionais obrigou ao abate de milhares de animais) fizeram disparar em 35% o preço (mais €0,42). A margem de lucro bruta nos supermercados é de 43%
BATATA Produto básico na mesa dos portugueses, subiu 40% no último ano, custando agora, em média, €1,28 por quilo, segundo as contas da Deco/Proteste. São mais €0,37
CEBOLA É o produto em que a ASAE identificou a maior margem de lucro bruta média (52%). O quilo custa agora mais €0,68 do que há um ano, o que representa uma subida de 64%. É um dos maiores aumentos
POLPA DE TOMATE É um dos produtos que mais aumentaram, tendo quase duplicado. Custava €0,79 há um ano e agora o preço médio é de €1,49. É uma subida de 87%
ALFACE O custo dos fertilizantes disparou, levando os produtores a aumentarem em 150% o preço de venda aos supermercados. Uma crise de produção no Reino Unido obrigou o país a ir ao mercado internacional, aumentando a procura e os preços. Segundo a Deco, o preço por quilo saltou de €1,96 para €3,22 (mais 64%)
FARINHA Há um ano, foi um dos primeiros produtos a ficarem mais caros, devido ao impacto da guerra na exportação de cereais. Um quilo já não está longe dos €2 (€1,83), o que se traduz num salto de 31%
ENTREVISTA
Nuno Fazenda
Secretário de Estado do Comércio
O que é que o Governo planeia fazer para travar a subida do preço dos alimentos?
O Governo está a promover uma fiscalização intensa em duas frentes: a especulação, que passa pelo desvio dos preços cobrados nas caixas dos supermercados em relação aos que estão indicados nas prateleiras, e a análise da composição dos preços, confrontando a fatura do preço a que o supermercado comprou [o produto] com o preço a que está a vender ao público, para analisar as margens de lucro brutas. E depois temos de ver o que são as margens de lucro líquidas. Estamos a alargar essa análise a toda a cadeia agroalimentar, até ao produtor, para podermos agir com mais eficácia.
Admitem tabelar o preço de alguns produtos essenciais ou fixar um teto máximo para as margens de lucro?
Depois da fiscalização o Governo tomará as medidas necessárias, e estão todas em aberto. Não há nenhuma que se exclua e podem passar por iniciativas de natureza legislativa.
Até 1984, a lei definia um limite de 15% para a margem de lucro líquida, mas desde então não existe nenhum limite.
Sim, mas quer o Governo quer a Assembleia da República podem desenvolver legislação para reforçar a defesa dos consumidores. É uma hipótese que não excluímos.
A partir de que margem de lucro é que vão agir por considerarem que é ilegítima?
Essa percentagem será definida em função dos dados que recolhermos e da análise que está a ser feita neste momento.
E admitem reduzir o IVA de alguns produtos alimentares?
Em Espanha, o que sabemos é que o [corte do] IVA foi absorvido pelos operadores. Os consumidores não tiveram qualquer benefício.
Como explica que a inflação dos bens alimentares em Portugal seja mais do dobro da inflação geral?
É isso que queremos saber e é por isso que estamos a investigar. Queremos uma explicação cabal por parte de todos os envolvidos na cadeia agroalimentar sobre por que é que isso acontece. Há produtos que aumentaram 40%, 50%, 60% e 70%. Este é um desafio que convoca todos: o Estado, no seu papel de regulador e fiscalizador, mas também os operadores, a nível da sua responsabilidade social.
A ASAE tem as ferramentas necessárias para atuar no caso das margens de lucro?
A ASAE dispõe de meios, mas o Estado tem também outras instituições que podem ser mobilizadas para esta temática. Não deixaremos de mobilizar todos os meios, instituições e recursos humanos para fazer face a este desafio do aumento do preço dos bens alimentares. O Governo está a agir e irá agir ainda com maior intensidade.
O que está a mudar na política de imigração? Cidadãos da CPLP com regime mais simples
Ana Cristina Pereira, in Público
A três semanas de extinção do SEF, com cerca de 300 mil processos pendentes, Governo apresenta esta sexta-feira plataforma digital de autorização de residência para cidadãos da CPLP.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) chega ao fim com milhares de pendências. Um novo modelo de interacção entre os serviços competentes e os estrangeiros com processos de autorização de residência pendentes em Portugal é apresentado esta sexta-feira à tarde pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e pela ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, em Lisboa. Conforme o acordo de mobilidade assinado em Luanda no dia 17 de Julho de 2021, os cidadãos oriundos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) beneficiarão de um regime simplificado.
Quantos estrangeiros têm autorização de residência em Portugal?
O número tem subido de ano para ano: 388 mil em 2015, 397 mil em 2016, 421 mil em 2017, 480 mil em 2018, 590 mil em 2019, 662 mil em 2020, 698 mil em 2021. O SEF contava mais de 757 mil no final do ano. Só em 2022, deferiu 113 mil novas autorizações de residência, às quais terão de se acrescentar os 58 mil ucranianos a quem concedeu protecção temporária.
Quantos estrangeiros estão em situação irregular?
Não se sabe. A 31 de Dezembro de 2022, o SEF contava cerca de 300 mil processos de autorização de residência pendentes, isto é, pessoas que naquele ano ou no anterior tinham apresentado manifestações de interesse no Sistema Automático de Pré-Agendamento. Estima-se que metade seja oriunda do espaço da CPLP, vulgo, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, com preponderância do Brasil. Algumas dessas pessoas podem já ter saído do território nacional. Ao mesmo tempo, outras podem ter entrado.
O SEF será extinto mesmo assim?
A extinção do SEF está agendada para 31 de Março e até agora não foi adiada. A futura Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo herdará grande parte das suas funções administrativas, ficando as restantes a cargo do Instituto de Registos e Notariado. O controlo de fronteiras áreas será transferido para a Polícia de Segurança Pública, o controlo das fronteiras marítimas para a Guarda Nacional Republicana e a investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e conexos para a Polícia Judiciária. O Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF fala em "indefinição" no processo de extinção.
Então a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo herdará os cerca de 300 mil processos pendentes?
Não totalmente. O SEF tem estado a atender cidadãos estrangeiros nos postos existentes em todo o país. Para recuperar as pendências de 2021 e 2022, anunciou a criação de “um grande centro, na área de Lisboa, com horário alargado de atendimento e com a disponibilização de vários balcões”. O plano é notificar as pessoas para preencherem um formulário online e, “mediante agendamento pelo serviço”, se deslocarem lá. Os da CPLP nem terão de se deslocar aos serviços.
Que regime especial haverá para recuperar pendências de cidadãos da CPLP?
O SEF anunciou que ainda este mês deveria avançar um “procedimento mais célere e simplificado de concessão de autorização de residência para os cidadãos da CPLP com processos pendentes”. Desde o dia 1 de Março, há um modelo de título administrativo de residência específico para cidadãos da CPLP. Esta sexta-feira, dia 10, pelas 16h30, no Ministério da Administração Interna, em Lisboa, é apresentada a plataforma digital de autorização de residência CPLP. Se uma pessoa com manifestações de interesse pendente desde 2021 ou 2022 optar pelo visto CPLP, cai o velho processo. Em poucos dias, deve receber o novo documento.
Que tipo de modalidades prevê o Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da CPLP?
Há quatro hipóteses: a “estada de curta duração CPLP”, que dispensa autorização administrativa prévia; o “visto de estada temporária CPLP”, isto é, a autorização administrativa até 12 meses; o “visto de residência CPLP”, a autorização administrativa destinada a requerer e obter autorização de residência CPLP; e a “autorização de residência CPLP” propriamente dita, isto é, a autorização administrativa que permite estabelecer residência no território nacional. Esta última tem a duração inicial de um ano e é renovável por períodos sucessivos de dois anos.
O que significa a simplificação da atribuição de autorização de residência a cidadãos da CPLP?
Na instrução de pedidos de concessão e de renovação de autorização de residência, os cidadãos da CPLP ficam isentos de apresentar seguro de viagem válido, comprovativo de meios de subsistência, cópia do título de transporte de regresso. Também ficam dispensados de requerer visto presencialmente.
Não há qualquer restrição?
Há. Conforme o acordo de mobilidade, “é permitido às partes restringir a entrada ou permanência dos cidadãos da outra parte no seu território por razões ligadas à necessidade de salvaguarda da ordem, segurança ou saúde pública”. Também o podem fazer “por fundadas suspeitas sobre a credibilidade e autenticidade dos documentos que atestam a qualidade exigida para a mobilidade”.
Isto já está em vigor?
Já. Os cidadãos da CPLP que ainda se encontram no seu país de origem e querem vir para Portugal podem recorrer aos serviços consulares ou às secções consulares existentes nas embaixadas portuguesas para solicitar o visto adequado.
E os cidadãos de outros países que querem trabalhar em Portugal?
Com a última alteração da Lei de Estrangeiros, desse Novembro qualquer estrangeiro que queira trabalhar em Portugal pode pedir um visto de procura de trabalho. Tal documento é concedido por 120 dias, prorrogáveis por outros 60. A emissão pressupõe agendamento para a concessão da autorização de residência. Para o solicitar é preciso “declaração de condições de estada; comprovativo de apresentação de declaração de manifestação de interesse para inscrição no Instituto de Emprego e Formação Profissional; comprovativo da posse de meios de subsistência equivalente a três retribuições mínimas mensais”. Recorde-se que com essa revisão legal também foi criado o “visto de estada temporária e de autorização de residência para nómadas digitais”. Nesse caso, há que mostrar “documentos que atestem a residência fiscal e rendimentos médios mensais nos últimos três meses de valor mínimo equivalente a quatro remunerações mínimas mensais”.
“O número de desempregados com deficiência manteve-se, mesmo em pleno emprego”
Vanda Nunes é diretora da Valor T, uma agência de emprego da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que se dedica à empregabilidade de pessoas com deficiência. A agência já tem 150 empresas registadas na plataforma e mais de 1.200 candidatos disponíveis a trabalhar. Ao Expresso SER, Vanda Nunes afirma que este “não é um projeto de coitadinhos, de aleijadinhos e de outros inhos”
Foi há quase dois anos que a Valor T apareceu no mercado para funcionar como uma plataforma integrada de empregabilidade para pessoas com deficiência. Faz a ponte entre os trabalhadores, associações e empresas que, desde 1 de fevereiro, passaram a ser obrigadas a cumprir uma quota mínima de trabalhadores com deficiência (a lei considera para efeitos do cumprimento das quotas pessoas com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%).
O Expresso SER foi conversar com Vanda Nunes, diretora da Valor, que lançou este projeto quando foi desafiada pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho. A agência de emprego faz a intermediação sem custos para os trabalhadores e para as empresas e na plataforma da Valor T já estão registados mais de 1.200 candidatos e 150 empresas que querem contratar. A Microsoft, a Sonae, o El Corte Inglés e o grupo Pestana são alguns exemplos de empresas que já trabalham com a Valor T.
Quando é que surgiu a Valor T?
Nós lançámos o projeto publicamente no dia 1 maio de 2021, no Dia do Trabalhador.
A data de lançamento no 1º de maio não foi inocente?
Lançámos a 1 de maio porque este é um projeto focado na empregabilidade, focado no direito a que todos, mas mesmo todos, tenham uma oportunidade de trabalho. No 1º de maio ouvimos sempre falar do tema da luta pela igualdade, e achámos que devíamos trazer para a agenda desse dia a empregabilidade de pessoas com deficiência.
E como é que surgiu a ideia deste projeto?
A Santa Casa é uma casa que tem 524 anos e várias respostas na área da deficiência, todas elas mais ligadas à Saúde e à Ação Social. Entre elas o Centro de Reabilitação do Alcoitão e a Escola Superior de Saúde de Alcoitão: uma que forma as pessoas que vão trabalhar na reabilitação e a outra que faz reabilitação. Estou a falar só de dois exemplos. Depois temos ainda a Nossa Senhora dos Anjos que é um centro de reabilitação para cegos, que também é único no país. Ou seja, por aqui passam muitas pessoas que a vida trouxe a diferença.
Quando o provedor Edmundo Martinho [provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa] desafiou-me a construir este projeto, fui visitar todos os equipamentos da Santa Casa com respostas para esta área. Para além destas respostas, a Santa Casa também tem o Centro de Paralisia Cerebral, tem lares onde estão pessoas com deficiência e faltava, para o provedor, esta ideia da ponte.
Ou seja, ponte dessas pessoas com deficiência para o mercado de trabalho.
Sim, a passagem para a vida autónoma. E uma vida autónoma sem trabalho, sem emprego, sem rendimento próprio é muito difícil de se fazer e de se construir. As pessoas têm as suas pensões, mas têm o direito a ter uma oportunidade de trabalho quando a sua condição permite que assim seja. A Santa Casa entendeu poder dar um contributo também nesta frente.
Resumindo, já trabalhavam com pessoas com deficiência e em 2021 resolvem criar esta agência de emprego.
Exatamente. Nós começámos a trabalhar no projeto antes, em 2020. Fomos ouvir as empresas, as pessoas e as associações. Fomos ouvir pessoa com deficiência; nós temo-las na Santa Casa e fomos ouvi-las. Fomos para as empresas que já tinham boas práticas nesta área e perceber o que é que estava a correr bem e menos bem. Fomos ouvir as empresas que não tinham dado passo nenhum e tentar perceber o porquê? Ouvimos muitos parceiros do terceiro setor que trabalham há muito tempo nesta área.
Nós somos tutelados pelo Ministério do Trabalho, portanto há duas instituições que também importava ouvir: o IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] que é quem tem competências de implementação de políticas públicas nesta matéria, e o INR [Instituto Nacional para a Reabilitação]. Fomos também ouvir o ICF [nclusive Community Forum] que também já tinha ouvido muita gente e pensado sobre este assunto e o nosso objetivo era partir para a ação. Há muito estudo, há muito observatório, nós queríamos partir para a ação, ou seja, como é que nós podemos ajudar quem já o faz. A ideia de partida é que mesmo em situações de quase pleno emprego, o número de pessoas com deficiência em situação de desemprego mantinha-se.
E foi assim que criaram esta plataforma.
Sim, nós construímos internamente uma plataforma digital que pudesse ser a principal porta de entrada das pessoas com deficiência, das empresas, dos parceiros e de todos os que connosco quisessem contactar. Fizemos isto em boa hora, porque quando começámos a pensar na conceção do projeto não adivinhávamos que vinha a pandemia; mas mesmo com a Covid nós trabalhámos sempre, e pudemos lançar o projeto porque fizemos grande parte do nosso caminho até aqui remotamente.
Construímos internamente essa plataforma, criámos uma metodologia de recrutamento, pensada com um sentido de descriminação positiva que entendemos que era necessária nesta altura. Porquê? Porque um processo de recrutamento de pessoas com deficiência, num país como o nosso em que há ainda um caminho a fazer, importa que seja um processo pensado para cada tipologia de deficiência, ou seja, que cada pessoa possa ver diminuída a diferença na oportunidade do acesso. Depois criámos uma metodologia de recrutamento, que vai desde o registo na plataforma, à admissão dos candidatos, à sua avaliação, e depois da avaliação passamos para uma fase seguinte que nós chamamos internamente de match com as empresas.
Neste momento já temos 1.200 candidatos submetidos na Valor T e todos os meses há novas pessoas a registarem-se.
Quantas empresas é que vocês têm registadas na plataforma?
Neste momento já temos cerca de 150 empresas registadas. Mas temos grupos como a Sonae registados, o que significa que estamos a trabalhar com empresas desde a Zu à Wells, são várias empresas do mesmo grupo. Nós lançámos este projeto em 2021, e a nossa preocupação era perceber se a plataforma era acessível a todas as tipologias de deficiência, ou seja, que ninguém deixasse de usar a plataforma por não ter meios para a usar. Avançámos com diferentes formas para nos contactarem: por email, por telefone, recebemos muitas e muitas chamadas.
Quantas pessoas é que trabalham atualmente na Valor T?
Na Valor T nós começámos com sete pessoas, entre psicólogos, administrativos e pessoal da área social. Neste momento somos mais ou menos o dobro. Continuamos a ser poucos, mas isso é só um tema interno [risos].
Eu tenho uma colega que está comigo desde o primeiro dia da conceção da Valor T, que tem paralisia cerebral, que é a Cátia, uma miúda que é licenciada em Serviços Sociais. Ela já estava na Santa Casa num outro projeto e veio trabalhar comigo. Porquê? Porque ela desta temática sabe muito mais do que eu. Sabe mais do que eu o que temos de fazer para que este projeto tenha resultados. Neste momento está a Cátia e o Pedro [que também tem paralisia cerebral] na área do design digital. E vamos contratar o Sebastião, que é surdo. Quanto mais pudermos enriquecer a nossa equipa com estas diferentes pessoas, melhor conseguiremos fazer o nosso trabalho.
Têm algum balanço feito do número de pessoas que vocês já conseguiram colocar nas empresas?
O nosso primeiro objetivo era que todo o tipo de pessoas, com diferentes tipos de deficiência, conseguisse entrar na plataforma e isso conseguimos. Depois, em plena pandemia, todos os meses inscreveram-se dezenas e dezenas de pessoas, e chegámos ao início de 2022 com cerca de 900 pessoas inscritas na Valor T.
E o que é que fomos fazer? Fomos conhecê-las a todas. E enquanto conhecíamos as pessoas, íamos chamando as empresas para este desafio, ou seja, para as empresas se registarem na Valor T. Das 150 empresas que estão inscritas na plataforma, há umas que nunca fizeram uma contratação, e são a grande maioria, e estão connosco precisamente por causa disso.
Nós entrevistámos mais de 900 pessoas em cerca de oito meses de trabalho, uma grande parte remotamente. Começámos a conhecer as pessoas, a trazer as empresas, e em julho de 2022 fizemos um ponto de situação: já tínhamos enviado para as empresas cerca de 327 nomes, para que elas puderem conhecer o perfil e depois decidir quem gostariam que fosse às entrevistas. Com algumas empresas ainda estamos a fazer um trabalho de consciencialização e das 150 empresas registadas, neste momento, estamos a falar de cerca de 30 empresas que já contrataram pessoas.
Das 327 pessoas que enviámos para as empresas, as empresas quiseram conhecer cerca de 170. E a boa notícia é que destas 170 pessoas que as empresas quiseram conhecer, estamos com mais de 100 contratadas. E estamos a acompanhar mais 80 pessoas além destas porque há pessoas que vieram para a Valor T e já estavam a trabalhar, mas que pretendiam outro tipo de trabalho mais condizente com as suas qualificações e desejos. Portanto, nós neste momento estamos a acompanhar cerca de 180 pessoas.
Depois de as colocar na empresa vocês mantêm o acompanhamento à pessoa?
Mantemos o acompanhamento cerca de 18 meses depois.
Vocês fazem este trabalho de colocação sem cobrar?
É isso mesmo, ou seja, este é um contributo completamente financiado pela Santa Casa, para estar ao lado das associações.
Nem às empresas, nem às pessoas?
Neste momento não. Nós quisemos iniciar o nosso trabalho como um contributo da Santa Casa, quer para as pessoas, quer para as empresas para, se me permite a expressão, fazer o caminho e destruir muros que são criados ou por receio, ou por desconhecimento, ou por falta de apoio.
“A lei das quotas para contratação de pessoas com deficiência idealmente não deveria existir, mas o facto de existir, ajuda”
O “T” de Valor T é de trabalho?
É também de trabalho. Mas começou a ser “T” de talento e “T” de transformação.
Estas 900 pessoas que identificaram são pessoas que vieram de outros serviços da Santa Casa ou são pessoas que simplesmente se inscreveram na vossa plataforma?
Acaba por ser as duas coisas. Há utentes da Santa Casa que se registaram na Valor T, mas a grande maioria são outras pessoas do norte ao sul do país que se registaram. Neste momento já temos 1.200 candidatos submetidos na Valor T e todos os meses há novas pessoas a registarem-se.
O “T” também é de tempo. É o tempo que cada pessoa e que cada empresa precisa para este processo. Nós costumamos dizer: “Isto não é um projeto de coitadinhos e de aleijadinhos e de outros inhos” desta natureza. É um projeto para apoiar e para contribuir para que cada pessoa se sinta verdadeiramente cidadão, na plenitude dos seus direitos e deveres.
A lei passou a impor quotas obrigatórias de trabalhadores com deficiência. De falar com algumas empresas, fiquei com a sensação que algumas estão com dificuldade em cumprir essa quota porque não há trabalhadores disponíveis. Esta ideia é verdadeira?
Nós aparecemos precisamente para tentar fazer melhor essa ponte, ou seja, nós ao falar com as empresas ouvimos exatamente o que o Pedro ouviu, mas depois vamos ao IEFP e eles têm mais de 15 mil pessoas com deficiência inscritas em situação de desemprego. Foi exatamente isso que nos fez dar este contributo.
Dou-lhe o exemplo de uma empresa que até recebeu uma distinção, pelo próprio IEFP, de excelência. Perguntámos ao El Corte Inglés como é que vocês fazem o recrutamento? Eles responderam que vão falar com a associação A, com a associação B, com a associação C. E o que nós procurámos com esta plataforma foi ser uma plataforma integradora. Por falar em Espanha, também somos parceiros da ONCE [Organización Nacional de Ciegos de España] que é uma fundação muito conhecida e tem um trabalho muito conhecido nesta área.
Mas há oportunidades de trabalho para as quais não existem assim tantas pessoas, mas isso deve-se a fatores a montante. Estou a falar, por exemplo, da área de programação: toda a gente procura muito por IT [Tecnologia de Informação]. Se olharmos para trás, percebermos que igualdade de oportunidades, desde logo na escola, de pessoas com deficiência, a chamada escola inclusiva, é um trabalho que se tem vindo a fazer com tempo.
É essa a explicação para esta discrepância entre os 15 mil que diz estarem registados no IEFP e a queixa das empresas que dizem não encontrar esses trabalhadores?
Por isso é que nós quisemos pensar num projeto de recrutamento específico que permitisse reduzir esse gap. Há pessoas que estão mais do que prontas para integrar o mercado de trabalho, mas existem outras que para integrar o mercado de trabalho, naquilo que pretendem, têm de ser capacitadas para isso. E o que estamos a desafiar as empresas é para estarem connosco não só como entidades empregadoras, mas também para nos ajudarem no sentido de capacitarem essas pessoas.
Com estágios, por exemplo?
Sim, com estágios, com formação, mas em contexto de trabalho. Aquela formação à porta fechada, longe do local de trabalho, em que as pessoas estão meses a ter uma formação sem terem uma experiência de trabalho é o que nós tentamos evitar e tentamos fazer de diferente.
Vou dar-lhe um exemplo prático. Quando eu falo com uma empresa, como por exemplo, uma Microsoft com quem estamos a trabalhar os primeiros passos de uma parceria, ou outra empresa de IT, quando falo com elas pergunto: “Estão disponíveis para receber dez candidatos nossos para os formar?” Mesmo que depois não consigam empregar todos, estão a ajudar essa pessoa na construção do seu currículo e depois é completamente diferente quando vão à procura de trabalho.
Vou dar-lhe outro exemplo, do grupo Pestana. A Valor T apresentou-se a mais de 150 pessoas, sobretudo diretores de hotéis presentes em Portugal e fora de Portugal. Trouxemos uma pessoa da ONCE de Espanha onde a fundação tem um grupo hoteleiro onde mais de 60% das pessoas empregadas têm deficiência. É um trabalho incrível que esta fundação tem, mas ela já existe há mais de 90 anos. Fizemos este trabalho com o grupo Pestana de apresentação, de sensibilização, e o grupo já empregou várias pessoas e é isso que queremos fazer com outras empresas.
Qual é sua opinião em relação ao tema das quotas obrigatórias?
As leis das quotas, quando as analisamos, temos de perceber sempre qual é o contexto da sua origem e é um bocadinho como a lei das quotas de género; acho que nenhuma mulher se sente bem com a existência da lei das quotas. Às vezes serve para dar aquele empurrão que eu chamaria de um mal necessário. A lei das quotas para contratação de pessoas com deficiência idealmente não deveria existir, mas o facto de existir – e nós percebemos isso pelo número de empresas que se regista na Valor T – ajuda. Costumamos dizer que não se mudam mentalidades por decreto, mas isso ajuda um bocadinho. Que ao menos a lei sirva para mostrar que uma pessoa com deficiência é uma pessoa como qualquer um de nós: tem o seu talento, tem a sua disponibilidade e dedicação para trabalhar.
O Pedro (na foto em baixo), que é um colega que trabalha connosco e que vive em Viseu, está a trabalhar com a Valor T a partir de lá, disse-me um dia: “Vanda, eu não quero ser pensionista, eu quero ser contribuinte. Eu quero pagar os meus impostos e para isso eu quero trabalhar, quero contribuir para a construção do país com o meu trabalho”. Isso que ele me disse marcou-me para sempre.