27.9.23

A luta contra a inacção climática: palavras ou ovos?

Andreia Sanches, opinião, in Público


Processos como o que hoje se discute no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos são uma vitória da cidadania activa ao seu melhor nível.

Seis jovens portugueses, que têm entre 11 e 24 anos, acusam 32 Estados de não estarem a agir para travar as alterações climáticas. Hoje, são ouvidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). É um dia importante. Por várias razões.


O processo dos três irmãos Cláudia, Martim e Mariana Agostinho, bem como de outro par de irmãos, Sofia e André Oliveira, e ainda de Catarina Mota foi o primeiro “processo climático” do TEDH, que nunca antes tinha analisado alegadas violações de direitos humanos causadas por emissões de gases com efeito de estufa. Deu entrada em Setembro de 2020.


Não sabemos se os juízes concordarão que a Carta Europeia dos Direitos Humanos está a ser violada, como alegam estes jovens e outros, de outros países, responsáveis por outros processos semelhantes que, entretanto, foram chegando ao TEDH.


Mas processos como estes são já uma vitória da cidadania activa ao seu melhor nível. Mostram que os jovens, mesmo muito jovens, podem, devem, têm de exigir medidas que lhes permitam aspirar a ter um futuro respirável.

E que podem fazê-lo assim, com argumentos e debate e obrigando quem os governa a expor as contradições entre discurso e prática — contradições que explicam, em parte, porque vemos as alterações climáticas a mudarem dramaticamente a nossa vida, sem freio. Só alguns exemplos: a Grécia, que teve este Verão um inferno de chamas, alega, na sua resposta ao processo, que “os efeitos das alterações climáticas não parecem afectar directamente a vida e saúde” humanas. E o Reino Unido questiona que haja um “consenso” sobre limitar o aquecimento global a 1,5ºC, apesar do Acordo de Paris.

Este processo mostra também que numa democracia a palavra é uma arma poderosa. Este grupo de jovens, apoiado por uma associação sem fins lucrativos, não se tem poupado: tem dado entrevistas a media de todo o mundo (e, em 2022, Catarina foi directora por um dia no 32.º aniversário do PÚBLICO), expondo os seus argumentos. Nas suas escolas, nas suas comunidades, têm explicado isto: traçaram-se metas climáticas porque estamos, todos, em risco. Não estamos a cumpri-las. Têm passado a palavra.

Por fim, este processo mostra que precisamos de que muitas mais pessoas percebam que, de facto, no ponto em que estamos, “não há nada mais importante para a humanidade do que pôr fim à indústria dos combustíveis fósseis”, como aqui dizia há dias o cientista da NASA Peter Kalmus.


Mas, para fazer engrossar a fileira dos que estão dispostos, como estes jovens, a exigir acção e a penalizar quem se nega a agir, a palavra, o debate democrático, a informação são muito mais eficazes do que a violência do acto de atirar ovos com tinta verde a um ministro. Também por isso este processo é importante.

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