22.9.23

Estes professores entraram nos quadros, mas sentem que “a precariedade continua”

Cristiana Faria Moreira, in Público

Delfim, César e Bruno entraram este ano para os quadros do Ministério da Educação. Agora, se as regras se mantiverem, terão um ano de “estágio” pela frente, apesar de terem já vários anos de carreira.


Delfim Ramos foi durante 17 anos professor de Educação Moral, até que decidiu “investir”, voltar a estudar e "especializar-se" na área da Educação Especial. “Era para virar de área, para ver se tinha mais facilidade [em tornar-se efectivo].” Este é o vigésimo ano de serviço deste professor de 42 anos, um dos cerca de 5600 docentes que entraram nos quadros este ano através do mecanismo de "vinculação dinâmica" — uma das novidades do novo regime de gestão e recrutamento de professores. Se as regras não mudarem, 20 anos depois de se ter estreado na profissão, terá pela frente um ano que será uma espécie de estágio, em que terá aulas assistidas e um relatório final para apresentar por se encontrar no primeiro ano como professor de carreira.


Tendo em conta as regras para a realização do período probatório dos últimos anos — para este ano ainda não foram comunicadas pela tutela —, há dois requisitos que têm de ser cumpridos em simultâneo para que os professores sejam dispensados deste regime: ter 730 dias de serviço efectivo, no mesmo grupo de recrutamento, nos últimos cinco anos imediatamente anteriores ao ano escolar em causa e, pelo menos, cinco anos de serviço docente efectivo com avaliação mínima de Bom.


Delfim, hoje professor na Maia, tem contabilizados 293 dias de serviço na área da Educação Especial. Ou seja, é como se todos os anos de serviço para trás não o dispensassem deste período probatório. "Para trás tenho 5282 dias. Não tenho o suficiente para ser dispensado disto? Os outros 18 anos contam para quê? Para nada.”

César Ribeiro teve um percurso semelhante ao de Delfim. Depois de ter sido professor de Educação Moral quase 20 anos, começou a dar aulas de Educação Especial, grupo no qual entrou para os quadros via vinculação dinâmica. Por isso, mantendo-se as regras dos anos anteriores, não terá os 730 dias de serviço para ser dispensado do período probatório, apesar de ter cinco avaliações com a classificação Bom. "Por poucos dias, em princípio, terei de fazer o período probatório", diz ao PÚBLICO o professor de 46 anos, que dá aulas na Damaia.


Outra das questões que têm sido levantadas pelos professores e pelas organizações sindicais é o facto de estes professores recém-vinculados ficarem parados no primeiro escalão da carreira. A situação causa-lhes particular sentimento de "injustiça", sobretudo quando vêem que professores contratados poderão agora subir até três escalões na sua remuneração — uma resposta do Governo a uma exigência da Comissão Europeia.


É o que sentem Delfim e César. “Vai haver contratados a entrar este ano que vão receber o mesmo que eu que já vou para o meu 20.º ano de serviço como professor”, diz o docente de Educação Especial da Maia. “Só depois de finalizar este ano probatório é que o Estado irá fazer uma actualização ao meu tempo de serviço e irá calcular depois quantos escalões é que posso subir. Isso ainda vai levar uns meses, por isso este ano sou efectivo, mas a receber como contratado”, continua Delfim, que ganha cerca de 1200 euros líquidos por mês. “O que concluo é que mesmo efectivando a precariedade continua.”


"Terei de repetir o período probatório"

Aos 39 anos, Bruno Bastos já passou por muitos lugares – Campo Maior, Santa Iria da Azóia, Sintra, Alenquer e Silves —, sempre longe da sua residência, na Maia. Apesar de ter terminado o curso em 2009, só dez anos depois fez o primeiro contrato como professor de Educação Física com o Ministério da Educação.


“Se tudo corresse como o previsto, eu efectivava no próximo ano pela norma-travão, porque ia fazer os três anos de horário completo e anual e consecutivos. Entretanto, este ano houve esta alteração para a vinculação dinâmica e quis antecipar [a entrada nos quadros]”, conta o professor, que pelas regras dos anos anteriores será também sujeito a este período probatório.


Dos requisitos para ficar dispensado, não cumpre um: “Tenho o tempo de serviço mínimo de 730 dias, mas tenho quatro avaliações Bom. Exigem-me cinco, por isso tenho de estar sujeito ao período probatório”, refere.

Este ano tem mais uma preocupação. Entrou com horário incompleto, a substituir um professor que está próximo da reforma e que está de baixa médica. “Vamos supor que tenho uma aula assistida numa escola e a meio do ano, quando tiver de fazer a segunda aula assistida, estou noutra escola. Quem é que decide a avaliação? Tenho de pôr projectos na escola em andamento. Saio de uma escola e vou para outra e como é que fica o projecto que eu lancei? Terei de repetir o período probatório e estou mais um ano para entrar no primeiro escalão?”, questiona.


“O facto de estarmos neste período probatório impede-nos de progredir na carreira.

Eu já tenho tempo de serviço para subir para o segundo escalão”, refere. Seriam mais cento e poucos euros em cima dos 1200 que ganha.

Sindicatos ameaçam ir para tribunal

O Ministério da Educação diz ter “conhecimento destas situações”, que está “consciente das suas implicações” e por isso irá apresentar uma “proposta de resolução” em breve às organizações sindicais, que têm também denunciado esta questão. O PÚBLICO insistiu, sem sucesso, junto da tutela para perceber quando será anunciada e que alterações trará essa proposta.


Por agora, os sindicatos dizem não ter ainda recebido qualquer informação por parte do ministério.

“É inconcebível que um professor com 15, 20 anos de carreira passe a ter uma remuneração inferior a um contratado”, sublinha o secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE), Pedro Barreiros, ao PÚBLICO.

De acordo com o dirigente sindical, a FNE já remeteu um ofício ao ministério, dando conta da necessidade de revisão do regime de dispensa do período probatório. “A proposta da FNE vai no sentido de que os docentes que nos cinco anos anteriores ao ingresso na carreira possuam 730 dias de tempo de serviço, independentemente do grupo de recrutamento em que foi prestado, sejam dispensados da sua realização”, refere.


A FNE reforça ainda que “nenhum docente obrigado a realizar período probatório poderá ser remunerado por índice remuneratório inferior ao de um docente contratado, que possua o mesmo tempo de serviço, sob pena de violação de lei e do princípio constitucional de que 'para trabalho igual salário igual'”.


O Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) diz também já ter alertado a tutela, à qual fará também chegar um abaixo-assinado, exigindo a alteração ao regime do período probatório. “É uma “situação extremamente injusta”, nota a dirigente Júlia Azevedo.


A Federação Nacional dos Professores​ (Fenprof) considera também que “o que está a acontecer é absurdo e inaceitável” e disse nada ter recebido, até agora, por parte do ministério. Se nada mudar e se se mantiverem as regras dos anos anteriores no que ao período probatório diz respeito, as organizações sindicais já fizeram saber que ponderam avançar para os tribunais.