28.2.23

Contratos de renda antigos ficam congelados de forma definitiva

Susana Madureira Martins (Renascença) e Rafaela Burd Relvas (Público), in RR

Ao fim de mais de uma década de suspensão temporária da transição dos contratos de arrendamento anteriores a 1990 para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), este congelamento vai tornar-se definitivo. A medida faz parte do pacote legislativo "Mais Habitação" e a ministra Marina Gonçalves explica que, como contrapartida, está prevista uma compensação a ser paga aos senhorios pela não atualização das rendas, cuja fórmula de cálculo ainda está a ser estudada.

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Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal "Público", a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, mantém como objetivo o cumprimento do Programa de Recuperação e Resiliência [PRR] para a Habitação até 2026, "é essa a responsabilidade que o Estado assume".

A ministra não fala em atrasos na execução, mas admite que "muitas vezes, a execução material, física, de reabilitação, não é condicente com a execução orçamental", o que considera "natural".

O Governo diz que quer garantir que os contratos de arrendamento antigos não transitam para o NRAU [Novo Regime do Arrendamento Urbano]. Vai haver uma nova suspensão do prazo de transição destes contratos? E durante quanto tempo?

Não vai haver uma nova suspensão. Temos estado a discutir com as várias entidades representativas dos proprietários e inquilinos, temos as entidades do Estado a fazer um estudo para definir quantos contratos é que temos nesta situação, isso vai permitir-nos afinar a compensação que está aqui prevista. Mas não vai haver nova suspensão porque o que vamos fazer nos contratos anteriores a 1990, que ainda estão protegidos pela norma travão dos artigos 35 e 36 do NRAU, vamos definir que eles não transitam para o NRAU. Isto implica que os contratos se mantêm. Mas temos de ter em conta uma preocupação dos senhorios que estão com rendas congeladas, que não têm nenhuma isenção fiscal por estarem com rendas congeladas e não podem aumentar a renda a não ser no modelo que está definido hoje nesse artigo.

Mas os contratos não transitam nunca?

Os contratos não vão transitar para o NRAU com os arrendatários que neste momento estão. O que vamos fazer e que é efectivamente a preocupação dos proprietários é garantir que são compensados pela não transição no que respeita à renda. Para além de duas medidas mais imediatas, que é a isenção em sede de IRS e a isenção em sede de IMI, há uma terceira componente que é o aumento da renda ser feito através de uma compensação do Estado ao senhorio.

Porque é que ainda não colocamos aqui a compensação? Porque precisamos do trabalho mais fino para perceber de que contratos estamos a falar, quantos contratos são de 20 euros, quantos contratos são de 200 euros, quantos contratos são de 400 euros. Perceber e, com isso, conseguir montar uma compensação que seja justa naquilo que é o equilíbrio que é preciso fazer entre a preocupação e a estabilidade do contrato de arrendamento, mas também um congelamento das rendas que não está equilibrado face às rendas medianas no mercado de arrendamento. Temos de olhar para esse lado da compensação. Houve duas medidas mais imediatas, mas é importante depois definir um complemento através dessa compensação.

E essa compensação é calculada como, de acordo com a tipologia, com a zona da casa?

Vamos ter de definir os critérios de acordo com o valor da renda, onde é que a renda ficou congelada, porque os valores diferem bastante. E, depois, em função da tipologia. Quando falava da mediana, vamos ter de enquadrar nos valores que temos tido como referência. Mas, para fazer esse trabalho, precisamos dos dados finos que estão neste momento a ser trabalhados e por isso é que não quisemos definir já o desenho da compensação. Teremos este relatório ainda durante o primeiro semestre, com base nesse relatório é que poderemos afinar a compensação e pô-la em prática. A transição foi suspensa, ainda estamos com a norma travão em vigor durante este ano, o que pretendemos é resolver definitivamente esta situação ainda durante este ano.

​HORA DA VERDADE
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Isto significa que se não for por iniciativa deles, cessar o contrato e sair da casa, estes inquilinos nunca terão o seu contrato cessado, continuarão sempre com a renda congelada?

Continuarão com o contrato de arrendamento. Isto é o que significa não transitar para o NRAU. Outra coisa é a renda praticada. Falava da compensação porque vamos inverter o modelo. Estamos a falar, na grande maioria das situações, de inquilinos com mais de 65 anos. A nossa preocupação é que a medida seja eficaz, e para podermos aumentar a renda de forma eficaz o que vamos fazer é compensar o senhorio. Em vez de ser um aumento da renda e depois compensamos num momento futuro o arrendatário, permitimos à partida, de uma forma mais eficaz, a compensação, no fundo, há um aumento da renda por via da compensação. Esse aumento vai haver, ou seja, a renda não vai ficar congelada e os valores ficam como estão para o senhorio. Porque essa é uma preocupação e uma legítima reivindicação do senhorios. Outra coisa é a questão da durabilidade do contrato. Essa sim, fica resolvida com a não transição para o NRAU.

Definitiva?

Definitiva.

Deixa de ser uma suspensão temporária e passa a ser uma não transição definitiva?

Exactamente.

Em relação aos vistos gold e à não concessão destes vistos, foi baseada em alguma avaliação deste programa e o que é que concluiu esta avaliação quanto ao impacto que teve sobre a economia?

Nós já vamos fazendo a avaliação dos vistos gold, foi há dois anos que fizemos já uma limitação na atribuição de vistos gold para a habitação. Fomos fazendo a avaliação especificamente sobre esta questão e depois alargámos para a necessidade de mantermos um regime especial, para todos os efeitos um regime de atribuição de vistos de residência para situações de investimento. E a avaliação que foi feita foi sobretudo pelo regime que foi aprovado no ano passado de atribuição de vistos, pela amplitude desse regime, pelo facto de estes vistos gold, na sua grande maioria, terem assentado no investimento imobiliário e terem tido uma influência na pressão do mercado imobiliário, sem prejuízo do investimento e da mais valia que teve no nosso país.

Mas a avaliação teve por base estas realidades para percebermos que não fazia sentido mantermos, aliás, como está a fazer quase toda a Europa. Nós já éramos dos poucos países que tinham este regime e, como nós, outros países estão também a rever e a eliminar este regime. Não tem a ver com uma vontade de que não haja investimento no mercado português. Não podemos perder de vista aquilo que é o visto gold, que é um visto de residência, ou seja, não tem a ver com o investimento em si, é um visto de residência, tendo nós uma política de vistos diferente aprovada em 2022, não faz sentido manter como visto de residência.

Ainda há pouco falávamos de uma lógica de investimento com os privados que queremos promover para o arrendamento acessível, tendo nós outros instrumentos, consideramos que não faz sentido que este instrumento se mantenha e aqui também pesa aquilo que tem vindo a ser feito na Europa.

E mesmo as excepções para o interior, isso também é para acabar?

Nós vamos acabar com o regime dos vistos gold no seu conjunto. A atribuição de vistos está hoje regulada numa legislação que foi aprovada no Parlamento no ano passado, que tem uma abrangência que permite a atribuição de um visto de residência, que é o que é o visto gold, mas não vamos ter este regime específico vocacionado para o investimento.

A intenção do Governo de aumentar o parque habitacional público de 2% para 5% mantém-se?

O objetivo mantém-se e deve manter-se. Comparamos muito mal com os outros países da Europa, para não dizer quase a totalidade dos países da Europa. Só temos 2% de parque habitacional público. Isso faz com que no momento de precisarmos de dar resposta, temos uma capacidade diminuta de dar respostas, de o Estado ser efectivamente um garante de parque público também. Não é de se fazer substituir, obviamente, ao privado. Mas é o Estado ser parte deste garante do direito à habitação, como fazemos com a educação, com a saúde. No fundo, é tratar a habitação da mesma forma.



E em que prazo é que é possível chegarmos a esse patamar?

Os 5% é uma meta de médio prazo que nos colocamos, colocámos na Nova Geração de Políticas de Habitação um prazo de legislatura dos 5% de parque público e com apoio público, mas queremos mesmo reforçar este parque a médio prazo, sem por um ano de definição de meta. Esta reabilitação toda do parque público que estamos a fazer concorre para este fim. As estratégias locais de habitação com as autarquias, que também fazem parte deste conceito de parque público, concorrem também para este fim.

Até ao final da legislatura, gostava de ter esse patamar alcançado?

Os nossos objectivos são sempre traçados com vontade de chegar ao máximo possível. Temos um objetivo de legislatura de 5% de parque público e com apoio público.

Mas o Governo já tem esse objetivo pelo menos desde 2017, estamos em 2023 e o parque público continuar a ser 2% do parque total. O que é que muda agora?

Não muda nada. O objetivo que temos continuar a ser o mesmo.

Mas o que é que garante que agora conseguem quando durante seis anos não conseguiram?

Temos de perceber que a reabilitação, a construção de parque pública demora o mesmo tempo que demora uma obra privada, se calhar demora um bocadinho mais do que uma promoção privada. Há todo um conjunto de passos que não são visíveis e parece que o Estado não está a fazer nada no seu património, mas que estão a ser feitos. Até termos a empreitada, que é o momento visível da concretização deste princípio e deste objectivo, até chegar aí, temos um conjunto de procedimentos, que começam antes mesmo do projecto. E eles foram feitos. O Estado, o IHRU ou os municípios não estiveram parados a ver o tempo a passar. Estes processos todos estão em curso. Mas como não são visíveis é muito difícil de entrender que eles estão efectivamente em curso. Este trabalho está a ser feito, mas também temos de perceber que de um dia para o outro não se aumenta o parque público de 2% para 5%, não se faz num ano ou em dois anos. E quem diz 5% diz aumentar essa fasquia. Temos de a longo prazo conseguir aumentar essa fasquia.

Tem essa ambição?

Certamente não será nesta legislatura. Mas acho que, enquanto Estado, devemos ter esta ambição de reforçar para lá dos 5%.

Para que percentagem?

Devemos comparar-nos com a Europa, devemos comparar bem com a Europa. E temos vários exemplos. Obviamente que temos exemplos de 40%, mas temos médias de 10% a 12%. Temos de ser ambiciosos na nossa expectativa mas também sermos corretos e realistas na forma de alcançar. Não será numa legislatura, certamente, que alcançaremos 10% de parque público. Mas devemos assumir essa responsabilidade coletiva, de tratando a habitação como tratamos a saúde ou a educação, e considerando que o parque público é fundamental, ter a expectativa de ir aumentando, não nos ficarmos por um objetivo que definimos a médio prazo.

Devemos também ter realismo na forma como definimos, mas, sobretudo, como concretizamos. E para ficar bem claro, o Estado não está agora a começar a mexer no seu parque devoluto. Temos muitos projetos em curso, muitos concursos em curso. Temos outros projetos numa fase preliminar, necessária muitas vezes, de alteração de usos de solo, de um conjunto de levantamentos arquitetónicos.

Todos estes passos são necessários. Pior seria dizermos: "isto demora, não vamos fazer, e isto substitui o que estávamos a fazer". Não, de todo. Temos noção da reforma estrutural, da resposta estrutural que temos de reforço do parque público habitacional, e temos a noção de que em paralelo temos de ter um conjunto de instrumentos que fomos criando e que hoje consideramos que são necessários, que é necessário reforçar para dar respostas mais céleres à população.

Habitação. As principais medidas do novo pacote anunciado pelo Governo


As metas do PRR para a habitação também são muito ambiciosas. São 2.700 milhões de euros dedicados exclusivamente a este setor. Acha que vai conseguir até 2026 a meta de executar estes valores, ou é preciso entrar no discurso que na Europa já está a acontecer de o calendário ser prolongado?

Temos uma meta para 2026. Sejam as 26 mil habitações no 1º Direito, sejam as 6.800 no arrendamento acessível, sejam os 2.000 alojamentos de emergência no âmbito da bolsa nacional de alojamento urgente e temporário. Essa meta continua em cima da mesa e é nessa meta que estamos a trabalhar. A nossa convicção e o trabalho que fazemos diariamente com todas as entidades envolvidas, é para ter em conta 2026 e para termos tudo concretizado até 2026.

Esse trabalho está no terreno. Olhamos para o número e é insignificante tendo em conta o objetivo. Para mim nunca é insignificante cada habitação que conseguimos reabilitar e colocar ao serviço das famílias. Mas já temos hoje cerca de 1.200 habitações concluídas. Mais de 7.000 que já estão numa fase final de projeto e entrarão em obra, muitas delas já em obra. Muitas outras estão mensalmente a ser colocadas em obra.

Estou só a falar da questão das metas de calendário.

Neste momento, a nossa meta é 2026, portanto, estamos a trabalhar para, em 2026, termos estas metas cumpridas. É essa a nossa responsabilidade colectiva e é essa a responsabilidade que o Estado assume.

Mas a execução dos fundos não está atrasada?

O que disse há pouco sobre as várias fases da obra é o espelho também da execução financeira de que falávamos. Muitas vezes, a execução material, física, de reabilitação, não é condicente com a execução orçamental. Estes passos todos de que falamos, que é execução de obra, são necessários, fazem parte do processo para o processo não atrasar, não têm esta repercussão orçamental tão forte.

É natural que ela não acompanhe, não esteja a par a execução financeira e a execução física. Mas é também importante que vejamos o que está a ser feito, que está no terreno. Os números de que falava agora são do 1º Direito, mas aproveito e dou os números do arrendamento acessível, o IHRU e os municípios já estão a avançar com um projeto para mais de 3.000 habitações, já tem algumas em obra, outras em concurso de empreitada.

E quantas estão prontas no arrendamento acessível?

No arrendamento acessível, temos de perceber que a maior parte da obra que está em curso é construção e, portanto, demora mais tempo. Tivemos pequenas reabilitações que foram feitas em fogos dispersos, identificados no inventário inicial que fizemos do Estado, que já estão concluídas. Estão dispersas pelo território, mas já estão concluídas. O grosso da operação é construção, ou reabilitação profunda, esses processos demoram o seu tempo.

Sem prejuízo da urgência da resposta, mais do que percebermos quando as obras estão concluídas, é percebermos efetivamente se o Estado está a assumir essa responsabilidade, e está. Temos esse trabalho a ser feito pelos municípios, esse trabalho a ser pelo IHRU, e nada do que está neste programa visa impedir ou sequer substituir o que está a ser feito, pelo contrário, até visa acelerar ou simplificar, obviamente sempre garantindo a qualidade, que também é fundamental nestas intervenções.

Um ano em Portugal. “Queremos ir para casa, para a nossa Ucrânia”

Ana Catarina André (texto) , Maria Costa Lopes (vídeo), in RR

Olexy e Natalya Sadokha fugiram da cidade de Lviv, poucos dias depois da invasão russa. Viajaram com a filha, o genro e os dois netos e instalaram-se na área metropolitana de Lisboa. Elogiam o modo como têm sido acolhidos por cá, mas não escondem que o que querem mesmo é voltar para casa.
Um ano em Portugal. “Queremos ir para casa, para a nossa Ucrânia”

A Ucrânia, sempre a Ucrânia. Todas as manhãs, assim que acorda, Natalya Sadokha, de 82 anos, senta-se ao computador para ler as notícias do seu país. Quer saber que cidades foram ocupadas pelos russos, se houve bombardeamentos massivos e se a região de Lviv, onde morava, foi afetada. Ao seu lado, o marido, Olexy Sadokha, de 86 anos, vai seguindo os relatos. Sente permanentemente saudades da Ucrânia. Em alguns dias, chega a dizer à família que vai regressar a casa, a pé.
Não deixa, contudo, de reconhecer o acolhimento que tem tido desde que, em março de 2022, poucos dias após o início da guerra, fugiu com a mulher, a filha Kateryna Ostrovka, de 56 anos, o genro, e os dois netos e procuraram abrigo em Portugal, onde vivia um dos filhos. “Sentimos a simpatia [dos portugueses], quando saímos de casa, ou entramos num supermercado, a compaixão que têm por nós nesta grande aflição”, diz, emocionado. “Mas queremos ir para casa, para a nossa Ucrânia, para a nossa Lviv.”

Desde que a guerra começou, há um ano, mais de 58 mil cidadãos pediram proteção temporária a Portugal. Como Olexy e a família, muitos acreditaram, na altura, que ficariam por cá apenas umas semanas. “Pensámos que não demoraríamos muito a voltar”, diz o ucraniano. “O mundo uniu-se, mas a agressão é tão grande que os países democráticos não querem entrar no conflito e começar a Terceira Guerra Mundial. Milhões de pessoas poderiam morrer.”

Um novo país depois dos 80 anos
Aos 86 anos, e depois de uma vida na Ucrânia, teve de se habituar a um novo país e a uma língua que continua a ter um som estranho. Valem-lhe, nos momentos mais difíceis, os passeios de fim de tarde com a mulher – vivem perto da praia, na Margem Sul, e o mar é, para eles, um bálsamo. Há poucas semanas, Natalya sofreu um enfarte, mas foi rapidamente socorrida. “Quando me levaram para o hospital, o médico disse-me: ‘Slava Ukraini’ [Glória à Ucrânia]. Fui muito bem atendida”, diz a ucraniana, contando que, aos poucos, foi recuperando.

A casa de duas assoalhadas, onde agora vive com o marido, foi cedida gratuitamente por um familiar, mas é pequena para esta família de seis. Além de Natalya e Olexy, moram ali Kateryna Ostrovka, a filha de ambos, e o marido Ilhor Ostrovski, juntamente com os dois filhos.

Um deles, Pavlo, de 36 anos, é portador de deficiência e, por isso, precisa de cuidados constantes por parte da família. “Graças a Deus, tomou sempre os medicamentos. Ainda não voltou a fazer reabilitação, mas entendemos perfeitamente que seja preciso tempo para que isso aconteça, e para que seja feito o diagnóstico em Portugal”, diz Kateryna Ostrovka, que é psicóloga e professora universitária.
Mais do que serem muitos numa casa exígua – Kateryna, o marido e o filho dormem na sala, é difícil contornar as condições de acessibilidade do espaço. O prédio não tem elevador, o que é um obstáculo para a cadeira de rodas de Pavlo. “O meu filho é muito grande. É muito difícil encontrar um apartamento que atenda às necessidades dele”, diz Kateryna Ostrovka. “Se houvesse algum programa de habitação social, poderíamos concorrer, mas não temos informação sobre o assunto.”


REPORTAGEM
Da Ucrânia para Portugal. Mudar de vida num par de horas


Kateryna e Ihor eram professores universitários. R(...)

As dificuldades de adaptação dos adolescentes
Maria, a filha mais nova de Kateryna Ostrovka e de Ilhor Ostrovski, tem tido dificuldade a adaptar-se a Portugal. Sente falta dos amigos e, apesar de ter sido matriculada numa escola, pouco depois de ter chegado, nem sempre é fácil convencê-la a ir às aulas.

Era uma excelente estudante na Ucrânia. A mãe, que enquanto psicóloga tem acompanhado, nos últimos meses, refugiados vindos do país, explica: “A faixa etária que mais tem sofrido com esta saída forçada é a dos adolescentes. Tiveram muita dificuldade em quebrar relações”.

Quem também tem sofrido com a adaptação são os idosos. “É-lhes complicado aprender o idioma, sair da terra onde sempre viveram e adaptar-se a um novo país. É uma grande tensão”, acrescenta, contando que esteve envolvida num projeto de apoio psicossocial dinamizado pela Associação de Ucranianos em Portugal.

Kateryna Ostrovka e o marido continuam a trabalhar à distância na universidade onde davam aulas, na cidade de Lviv. “Trabalho muito no computador, o que é bom para mim. Posso dedicar-me também à família”, afirma.

Enquanto responsável pelo departamento de educação especial, na instituição onde leciona, está, tal como o marido, a preparar-se para regressar ao país, assim que a guerra terminar. “Já estamos a pensar na Ucrânia depois da vitória. Sabemos que vamos ganhar e, enquanto cientistas, estamos a pensar em alguns passos, medidas, maneiras de desenvolver o sistema e o país.”

Dia Mundial das Doenças Raras. "É preciso grande investimento" na investigação de cancros raros

João Malheiro, in RR

O presidente do IPO do Porto indica que grande parte destas doenças "têm menos oportunidades de tratamento, dado a dificuldade de desenvolver ensaios clínicos".

O presidente do IPO do Porto diz que é preciso "grande investimento e trabalho em rede" na investigação e diagnóstico de doenças oncológicas raras.

Esta terça-feira assinala-se o Dia Mundial das Doenças Raras, das quais 20% são do foro oncológico. Em Portugal, cerca de 24% das neoplasias são da tipologia rara.

À Renascença, Júlio Oliveira refere que, por terem uma menor incidência, são "mais difíceis de estudar".

"A população elegível para participar nestes estudos é menor e isso leva a que haja menor atratividade da próprioa indústria farmacêutica", indica.

As doenças oncológicas raras são um grupo "heterogéneo", em que algumas têm uma boa perspetiva de cura, sendo diagnosticadas numa fase precoce.

"Aqui incluem-se todos os tumores pediátricos e alguns tumores hematológicos", exemplifica.

No entanto, grande parte destas doenças "têm menos oportunidades de tratamento, dado a dificuldade de desenvolver ensaios clínicos".

Existe também uma maior dificuldade em diagnosticar este tipo de condições oncológicas, devido a uma "menor experiência das equipas clínicas".

Já numa perspetiva mais global em relação a doenças oncológicas em Portugal, o presidente do IPO aponta que tem havido um aumento "da incidência, relacionado com a evolução demográfica, ou seja, do envelhecimento da população".

"Há que salientar, no entanto, que Portugal tem taxas de sobrevivência maiores que a média da União Europeia", acrescenta.

Acordo de rendimentos foi incorporado em duas dezenas de contratos colectivos

Raquel Martins, in Público online

Confederações patronais pediram esclarecimentos ao Governo sobre os apoios previstos no acordo de rendimentos. A ausência de resposta está a deixar processos negociais suspensos.

Cerca de duas dezenas de contratos colectivos de trabalho e de acordos de empresa assinados ou publicados desde Outubro do ano passado já incorporam – e em alguns casos superam – os aumentos de 5,1% previstos no Acordo de Médio Prazo para a Melhoria dos Rendimentos, Salários e Competitividade para 2023.

A UGT diz que são “resultados interessantes”, apesar de a adesão estar a ser limitada pelas dúvidas das empresas relativamente aos apoios e de haver processos negociais suspensos à espera dos esclarecimentos do Governo.

Sérgio Monte, dirigente da UGT responsável pela negociação colectiva, diz que ainda é cedo para fazer um balanço do acordo, mas os dados recolhidos pela central sindical, garante, mostram que “está a ter resultados interessantes”.

Essa percepção é apoiada pela lista de contratos colectivos de trabalho e de acordos de empresa publicados no Boletim do Trabalho e do Emprego depois de Outubro de 2022 ou cujas tabelas salariais se começaram a aplicar em Janeiro de 2023.

Nos acordos assinados pelos sindicatos da UGT, os aumentos das tabelas salariais oscilam entre 5% e 14%.

No sector segurador, os dois acordos de empresa assinados pelo Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora (STAS) com a Caravela e a Europ Assistance e que foram publicados apontam para aumentos entre 5% e 7,8%. Num dos casos, está também prevista uma subida do subsídio de refeição e a atribuição de um prémio aos trabalhadores em Janeiro de 2023.

Destaque também para o acordo de empresa assinado entre a Parmalat e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, Floresta, Pesca, Turismo, Indústria Alimentar, Bebidas e Afins (SETAAB), que reviu as tabelas em 7,8%.

Sérgio Monte destaca ainda os 11 contratos colectivos que, embora estejam já a produzir efeitos, ainda não foram publicados e que dizem respeito aos sectores de segurança privada, limpeza industrial ou turismo. Entre estes, destaca-se o contrato colectivo da hotelaria do Algarve, que aponta para subidas de 14% na tabela salarial.

Do lado da CGTP, que não assinou o acordo de rendimentos, a apreciação é bastante diferente, embora haja nota de negociações chegadas a bom porto, especialmente ao nível empresarial.

É o caso do acordo de empresa assinado entre a Federação dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (FEVICCOM) e a Secil, que fixou aumentos médios por tabela entre 110 e 180 euros, assim como actualizações dos subsídios de refeição, turno ou apoio escolar. A central sindical destaca ainda os resultados conseguidos na Gallovidro, na TK Elevadores e na Autoeuropa, evitando sempre falar em percentagens de aumento.

Ainda assim, a dirigente Ana Pires não poupa críticas ao acordo, garantindo que o referencial de 5,1% tem sido apresentado pelos patrões como um “tecto negocial” e como referência para o aumento da massa salarial e não dos salários em si.

“Não estamos a falar de um aumento de 5,1% no próprio salário, que, por si só, já seria baixo, porque nem sequer repõe o poder de compra. A massa salarial inclui progressões, outras matérias remuneratórias, a própria actualização do salário mínimo, tudo isto tem impacto na massa salarial”, lamenta.
Empresas pedem clarificações

A dirigente da CGTP chama também a atenção para outro problema que tem dificultado as negociações, relacionado com as dúvidas das empresas sobre a forma de beneficiar dos apoios previstos pelo Governo no quadro do acordo.

O problema é também identificado pela UGT e confirmado pelas próprias confederações patronais, que pediram esclarecimentos ao Governo sobre o modo como podem aceder à majoração no IRC das despesas com os aumentos dos salários.

O acordo de rendimentos, assinado a 9 de Outubro, prevê uma valorização nominal dos salários de 5,1% em 2023; 4,8% no seguinte; 4,7% em 2025; e finalmente, 4,6% no último ano da legislatura.

Para tentar convencer as empresas a assumirem este compromisso, o executivo mobilizou um conjunto de medidas, entre as quais a majoração, em sede de IRC, de 50% das despesas com o aumento dos salários. Para aceder, as empresas têm de aumentar os salários em pelo menos 5,1% de 2022 para 2023, reduzir as disparidades salariais e ser abrangidas por contratação colectiva dinâmica.

A operacionalização deste apoio e a forma como os critérios de aceso são aferidos têm levantado dúvidas às empresas, como confirmaram ao PÚBLICO os dirigentes das confederações da Indústria e do Comércio e Serviços.

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), assume que as empresas estão à espera que o Governo clarifique a forma como a medida funciona.

“Atendendo a que têm que se cumprir aqueles três critérios [para aceder ao benefício fiscal] e como isso ainda não está completamente clarificado por parte do Governo, as mesas negociais interromperam as reuniões para melhor clarificação dos efeitos da majoração [em sede de IRC]”, adiantou ao PÚBLICO.

“O Governo tem-se atrasado nessa formulação, o que tem prejudicado o normal funcionamento das partes”, acrescentou.

O presidente da CIP também não poupa nas críticas aos sindicatos, que, diz, têm apresentado propostas “irrealistas” para o aumento dos salários. No sector da metalurgia, sublinha, ao aumento de 5,1% proposto pela Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), os sindicatos apresentam como contraproposta 18%.

Do lado da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes também dá conta de dúvidas das empresas quanto à majoração do IRC.

“Foram pedidos esclarecimentos ao Ministério do Trabalho sobre como é que se aplica em termos fiscais a majoração e até agora não há nenhuma informação. Temos estado à espera para as associações e para as empresas terem noção do benefício”, relatou ao PÚBLICO.

Ainda assim, e embora o acordo tenha criado um “ambiente geral propício a haver aumentos”, o “principal motivo para o aumento dos salários é a inflação”.

“Se me perguntar se o referencial [de 5,1% previsto no acordo] está a ser um elemento estruturante da negociação colectiva, a ideia que temos é que cada empresa está a olhar para as suas possibilidades e para a situação do sector”, concluiu.

O PÚBLICO questionou o Ministério do Trabalho sobre as dúvidas levantadas pelas confederações patronais, sobre quando serão dados os esclarecimentos e sobre o impacto dessa incerteza na negociação colectiva. Fonte oficial respondeu que “os critérios estão definidos no artigo 251.º do Orçamento do Estado para 2023, com o aditamento do artigo 19.º-B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais”.

“O país tem ofertas de trabalho” e “as instituições estão preparadas” para aumento de imigração regular

Ana Cristina Pereira, in Público

O número está a subir há sete anos. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras contava mais de 757 mil estrangeiros residentes no final do ano. Só em 2022, deferiu 113 mil novas autorizações de residência, às quais terão de se acrescentar os 58 mil ucranianos a quem concedeu protecção temporária. Há ainda 300 mil imigrantes a aguardar pela regularização da sua situação, metade dos quais da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Com o novo regime de imigração, que entrou em vigor em Novembro, qualquer pessoa pode pedir um visto de 120 dias para vir procurar trabalho. Os cidadãos da CPLP vão ter direito a autorização de residência automática de um ano. O ministro da Administração Interna já disse que a plataforma digital que tornará isso possível deve estar pronta até final de Março. Falámos com a alta comissária das Migrações, Sónia Pereira, sobre alguns desafios que esta nova realidade põe.No início da guerra, o ACM criou canais de comunicação próprios para apoiar os refugiados da Ucrânia. Que tipo de situações continuam a chegar a esses canais?
O fluxo de perguntas não é tão intenso como nos primeiros meses, em que havia uma grande preocupação com a vinda. As questões mais recentes têm que ver com a permanência em Portugal – por exemplo, pessoas que aguardam resposta aos pedidos de protecção temporária e situações relacionadas com o acesso a serviços.

Falando com ucranianos, emerge a preocupação com quase dez mil crianças não matriculadas nas escolas portuguesas…
Isso está em grande medida relacionado com a manutenção nas escolas na Ucrânia. Foram feitos vários apelos para que as crianças ucranianas, mesmo tendo essas aulas online, pudessem frequentar escolas portuguesas. Houve flexibilidade por parte do Ministério da Educação para uma frequência de aulas de Língua Portuguesa combinadas com outras disciplinas menos exigentes do ponto de vista académico, como Educação Física. O ministério disponibilizou um folheto em ucraniano.

E o ACM?
Organizámos, com a Protecção de Crianças e Jovens, acções de sensibilização para a importância da frequência da escola. Pedimos às associações [de imigrantes] e aos centros locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM) para estarem atentos às famílias no sentido de identificar se as crianças estavam na escola ucraniana ou não e sinalizar situações de risco. [Nas acções realizadas foi sinalizado apenas um caso de uma criança que não estava em qualquer sistema de ensino.] É preciso acompanhar as famílias nesse processo de adaptação à escola portuguesa, mostrar que há alguma flexibilidade, apesar de a escolaridade ser obrigatória em Portugal. É este trabalho de sensibilização, de informação e de acompanhamento que temos vindo a fazer.

Ainda assim, a inscrição das crianças e jovens nas escolas portuguesas está abaixo do expectável.

Há quem reclame mais apoio nas escolas.
Para haver mais apoio é preciso que cheguem às escolas. E é esse trabalho que é necessário fazer. Sabemos que este ano foi difícil até para as famílias perceberem quais seriam as oportunidades reais de regresso à Ucrânia. Agora, com o prolongar da guerra, é provável que as famílias que estão em Portugal considerem a inscrição das crianças na escola. O Ministério da Educação está consciente da necessidade de reforçar equipas multidisciplinares que possam dar acompanhamento em várias áreas, incluindo psicológico.

Agora, com o prolongar da guerra, é provável que as famílias que estão em Portugal considerem a inscrição das crianças na escola. O Ministério da Educação está consciente da necessidade de reforçar equipas multidisciplinares que possam dar acompanhamento em várias áreas, incluindo psicológico.

Com 58 mil pessoas da Ucrânia a pedir protecção temporária, o que ficou por fazer com os refugiados oriundos de outros países?
São dois processos diferentes. As pessoas vindas da Ucrânia tiveram acesso ao mecanismo de protecção temporária, que não interferiu com os processos de protecção internacional que abrangem outras pessoas. Isso manteve-se a funcionar nos moldes habituais.

O que é que se aprendeu com a experiência ucraniana que possa ser replicado?
O procedimento de comunicação entre as várias áreas. Testou-se com os deslocados da Ucrânia o sistema de articulação entre a área do controlo e gestão de fronteiras e o acesso à Segurança Social, à Saúde, à Autoridade Tributária. Isso é interessante e útil como referência para facilitar outros processos de regularização administrativa.

Há migrantes que recorrem aos CLAIM, porque precisam de apoio jurídico, e são encaminhados para outro lado. Não devia o ACM assumir essa responsabilidade?
Os CLAIM são parcerias que o ACM estabelece com municípios, entidades da sociedade civil, etc. São mais generalistas. Muitas vezes, não têm um nível de especialização jurídica que lhes permita lidar com casos complexos.

Um dos trabalhos realizados ao longo do último ano, ano e meio, foi o reforço da ligação entre os CLAIM e os centros nacionais de Apoio à Integração de Migrantes, CNAIM, onde estão os gabinetes especializados do ACM. Entendemos que é importante haver esse apoio mais constante. Vamos reforçar ainda mais, através do investimento numa plataforma digital que vai permitir muito em breve a realização de vídeo-conferência entre os CLAIM e os nossos gabinetes especializados.

Portugal tem um novo regime de imigração. Há vistos de seis meses para quem quer vir procurar trabalho. E vai haver vistos automáticos de um ano para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Como é que o ACM se está a preparar para esta nova realidade?
Para além da formação interna aos nossos técnicos para estarem preparados para lidar com esta nova lei, o ACM já iniciou um conjunto de acções de formação/sensibilização destinadas às entidades parceiras, ao Conselho para as Migrações. No fundo, para dar a conhecer as alterações para que estas também possam ser apropriadas pelos diferentes actores que intervêm nesta matéria.

Uma boa parte das situações de exploração resulta da maior vulnerabilidade dos migrantes por não terem enquadramento institucional nos processos migratórios. Havendo um fluxo regular mais estável, é expectável que a actividade das redes que alimenta os fluxos irregulares diminua.

Também estamos a trabalhar de forma mais próxima com a Direcção-Geral de Serviços Consulares e Comunidades Portuguesas, para que possa haver mais transmissão de informação relevante às pessoas que se dirigem às embaixadas para obter vistos, para que saibam à chegada a Portugal que existe um serviço como o ACM, que serviços é que têm, que apoios podem ter em Portugal, para estarem mais informadas e enquadradas no seu processo migratório.

Espera um aumento do fluxo migratório?
Havendo um mecanismo facilitador da migração regular e necessidades no mercado de trabalho em Portugal, é muito expectável que as pessoas que estão nos países de origem com vontade de migrar aproveitem a oportunidade para desenvolver o seu processo migratório de uma forma regular, organizada.

Tem havido inúmeros casos de exploração laboral e habitacional. Como irá o país responder a esse aumento do fluxo migratório?
É um aumento do fluxo nos registos que acompanhamos. Há um conjunto de fluxos que não acompanhamos tanto, porque são menos registados. Uma boa parte das situações de exploração resulta da maior vulnerabilidade dos migrantes por não terem enquadramento institucional nos processos migratórios. Havendo um fluxo regular mais estável, é expectável que a actividade das redes que alimenta os fluxos irregulares diminua.

O país tem ofertas de trabalho e capacidade de acolhimento. As instituições estão preparadas. Têm experiência e robusteceram-se. A rede de apoio cresceu. O IEFP, com este enquadramento, também dá maior apoio na empregabilidade. O que ouvimos, quer dos municípios quer das empresas, é vontade de receber trabalhadores. Havendo esta informação e acompanhamento institucional, o que é expectável é que as pessoas sejam sujeitas a menos situações de exploração.

O acesso à habitação não parece simples…
A questão da habitação é crítica. Tem havido um investimento na identificação de soluções. Há medidas propostas para lidar com a situação. Apesar de essa questão ser transversal, a realidade de cada município é muito diferente. E muitos têm tido a capacidade de mobilizar recursos para reabilitar habitação, para investir em nova habitação, para criar nos seus territórios a habitação necessária ao dinamismo demográfico.

Há um dinamismo associado à criação de habitação, aliada às ofertas de emprego e à necessidade de captar e fixar população, que é diferente do que observamos nos grandes centros urbanos.

Como viu os casos de violência em Olhão?
Com preocupação, mas como casos isolados, que não reflectem nenhuma tendência, nenhum padrão, nada que seja estrutural, que não seja um crime pontual contra pessoas percepcionadas como estando em situação de maior vulnerabilidade, neste caso imigrantes. Não temos nenhum indício de que possa estar em causa algo mais abrangente do que isto. De qualquer modo, é importante estarmos atentos.

Como encara o futuro? Haverá risco de aumento de comportamentos xenófobos, na conjugação de baixos salários, crise da habitação, aumento de fluxo migratório?
Devemos encarar o futuro com base nas respostas que estamos a preparar no presente. Do lado do ACM, criámos mais um CNAIM, continuamos a expandir a rede de CLAIM, reforçámos a linha de atendimento telefónico. Estamos a investir na modernização e digitalização para melhorar os procedimentos de comunicação e de articulação entre as várias áreas. Temos uma dinâmica de trabalho com outras entidades que actuam também junto de migrantes, o que nos permite ter confiança.

No contexto da política migratória, esta nova regularização desde a origem também nos dá confiança neste processo. Temos um plano de combate ao racismo e à discriminação que faz com que as entidades do nosso ecossistema público estejam atentas, implementem medidas, desenvolvam acções, trabalhem connosco nesse âmbito. Portanto, o contexto tem muitos desafios, mas tem também um conjunto de medidas e de respostas que nos dão confiança no trabalho que podemos desenvolver.

Faltam pedopsiquiatras, camas de internamento e há esperas longas para consultas no SNS

Ana Maia, in Público online

Coordenação das Políticas de Saúde Mental diz que está a ser feito investimento no ambulatório e até ao final deste ano ou início do próximo irão abrir mais dez camas de internamento.

Leia mais aqui sobre este tema: Algarve continua na “Idade das Trevas” da saúde mental infantil

Faltam pedopsiquiatras e outros técnicos no SNS, há hospitais em que o tempo de espera para uma consulta ascende a 200 dias e são precisas mais camas de internamento. “Existe falta generalizada de tudo”, diz o presidente do colégio da especialidade da Ordem dos Médicos. A Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental (CNPSM) explica que está a ser feito investimento no ambulatório, para reforçar a resposta de proximidade, e até ao final de este ano ou início do próximo irão abrir mais dez camas de internamento para adolescentes.

No país existem quatro serviços de internamento – nos centros hospitalares e universitários de Coimbra e do Porto (CHUC e CHUP, respectivamente), um no Hospital Dona Estefânia, que pertence ao Centro Hospitalar Lisboa Central (CHLC) e uma unidade partilhada entre este último e o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL), direccionado para adolescentes e jovens adultos. Nem sempre a resposta é fácil, com diferenças regionais.

"Os serviços de pedopsiquiatria no SNS são insuficientes. Isto resulta de anos de não-investimento”Paulo Santos, presidente do colégio de pedopsiquiatria da Ordem dos Médicos

No D. Estefânia, que serve de referência às regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, o internamento tem 16 camas e a lotação está completa. “A lotação a 100% é a habitual, sendo excepcional haver vagas que perdurem mais do que 24 horas. Temos quase permanentemente uma lista de espera para internamentos programados e também são frequentes situações em espera no SO [Serviço de Observação] Pediátrico e na Unidade de Adolescentes (Pediatria)”, explica o CHLC.

A duração média dos internamentos “está entre os 30 e os 40 dias”. De 1 de Janeiro a 26 de Fevereiro foram tratados 33 doentes. Em 2022, foram tratados 174 doentes - a maioria tinha 14 anos. A taxa de ocupação foi de 96%, com uma demora média de 36 dias de internamento. O número de profissionais no internamento “está de acordo com o necessário”, no entanto, “seria uma mais-valia a presença de técnicos de outras áreas, nomeadamente, de terapia ocupacional e musicoterapia”.

Este serviço articula-se com a unidade partilhada que funciona no CHPL desde 2018, onde a resposta está direccionada aos jovens entre os 15 e os 25 anos. O internamento no CHPL tem 20 camas usadas conforme as necessidades – “ou seja, não há um número fixo de camas para psiquiatria pediátrica ou de adultos” – e a taxa de ocupação em Janeiro foi de 81%. No ano passado foi de 84%. Mas já houve taxas de 100%. O tempo médio de internamento ao longo dos cinco anos “variou entre os 13,7 e os 20 dias” e a média de idades dos utentes internados tem sido de 21 anos.

Sem contar com repetições, em 2022 foram internados 262 jovens e entre 1 de Janeiro e 24 de Fevereiro deste ano 67. Afectos a esta unidade estão “2 pedopsiquiatras, 3 psiquiatras, 3 psicólogos, uma assistente social, uma educadora e uma terapeuta ocupacional, todos em tempo parcial por terem também outras actividades”, entre outros. O hospital diz que “seria vantajoso contar com mais horas” de alguns profissionais para as actividades que têm e as que estão previstas desenvolver.

No final da semana passada, a taxa de ocupação do internamento – um total 8 camas - no CHUC estava nos 87,5%, mas o serviço tem registado “com alguma frequência situações de lotação a 100%”. Adianta que “após a pandemia houve um aumento da quantidade e gravidade dos quadros pedopsiquiátricos com tradução no aumento da taxa de lotação do internamento”. Em 2022, a duração média dos internamentos foi de 22,43 dias e estiveram internados 81 adolescentes (média de 14,9 anos). Desde Janeiro até ao final da semana passada, já estiveram/estão internados 11 adolescentes (média de 15,5 anos). O internamento conta com “4 pedopsiquiatras a tempo parcial e 12 enfermeiros”.

Já no CHUP, “só ocasionalmente” a taxa de lotação atinge os 100%. Nos primeiros 53 dias deste ano foi de 78%. A demora média de internamento “é muito variável e tem picos”, refere o hospital, adiantando que não considera ser necessário aumentar o número de camas, que são dez -, “assim como não é considerado que internar numa grande parte dos casos seja a melhor opção para os adolescentes”. “O trabalho é realizado no sentido de ter opções diferenciadas que não obriguem a internar”, diz. Em 2022 foram tratados no internamento 98 doentes.

Nas consultas, o tempo máximo de resposta garantido na prioridade normal não deve superar os 120 dias, mas em alguns hospitais a média de espera – dados de Outubro a Dezembro de 2022 disponíveis no Portal do SNS - é de 200 dias ou mais. Em Santarém era de 275 dias, em Leiria 200, em Aveiro 254, em Loures 225 e em Braga 357 dias. Quanto ao número de utentes a aguardar por consulta a 31 de Dezembro de 2022, em alguns casos também era extenso. Em Braga eram 419, Loures eram 117, Aveiro 65, Leiria 79 e em Santarém eram 78 utentes.
132 pedopsiquiatras no SNS

“Os serviços de pedopsiquiatria no SNS são insuficientes. Isto resulta de anos de não-investimento” na saúde mental, diz Paulo Santos, presidente do colégio de pedopsiquiatria da Ordem dos Médicos, referindo que “existe falta generalizada de tudo”. Se a situação já não era fácil, “após a pandemia entrou em estado caótico, com mais pedidos de consultas, urgências e necessidade de internamentos”, refere o responsável, que diz que a situação na pedopsiquiatria “é trágica”.

A começar pela falta de especialistas no quadro. “O número desejado para cobrir o país seria perto de 200”, refere Paulo Santos. “O irónico é que existem bastantes pedopsiquiatras a serem formados e se todos ficassem no SNS, as coisas não estariam tão más”, diz. Segundo dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), em Janeiro deste ano, o SNS tinha 132 pedopsiquiatras (em Agosto do ano passado eram 136) – número não inclui internos, nem parcerias público-privadas. A CNPSM contabilizou em 2022, por via de um inquérito feito aos serviços, 66 internos da especialidade em formação.

Paulo Santos aponta como razões que levam os profissionais a “sair para o privado” a falta de “condições de trabalho, de equipas, de estruturas”. “As equipas são multidisciplinares e o SNS tem um grande défice de outros técnicos que deviam existir. Queremos muito ter internos, mas depois não temos locais para estágios”, afirma, convicto que será possível aumentar as vagas formativas.

Questionado sobre o internamento, diz que o existente “não cobre as necessidades” e por vezes é preciso internar “e não temos sítio”. “As camas de internamento são insuficientes”, mesmo que os serviços fossem capazes de uma melhor resposta de proximidade, com mais consultas externas e consultas de crise que conduzissem às urgências apenas os casos que tivessem de ser vistos no imediato. São situações de perturbação do comportamento alimentar, de ideação suicida normalmente ligadas a perturbações depressivas e perturbações do foro psicótico que levam à necessidade de internamento.

Quanto aos longos tempos de espera para consultas, “teoricamente é inadmissível em termos de saúde”. “O problema é que não se consegue dar resposta pela falta de equipas e estruturas”. A esperança para melhorar toda a situação é o Plano de Recuperação e Resiliência, com mais de 80 milhões de euros previstos, que prevê, por exemplo, a implementação de equipas comunitárias. Estas equipas “são fundamentais para melhorar o atendimento e para ser mais atempado”, diz.

“A pedopsiquiatra é essencialmente uma especialidade de ambulatório e idealmente o internamento é o último recurso”, diz Ana Matos Pires, membro da CNPSM. Reconhecendo que as camas “são poucas”, é a falta de pedopsiquiatras no SNS que “preocupa mais”. "Havendo mais resposta de ambulatório, o número de internamentos seria menor", afirma. No Algarve existe apenas um médico a tempo parcial em toda a região e no Alentejo são apenas dois. Em breve espera que este número aumente com mais um médico em Évora e outro em Portalegre.

É “instituindo um projecto terapêutico de continuidade e proximidade, que se conseguem atingir melhorias clínicas sustentadas, evitando quadros clínicos mais graves”, reforça Cristina Marques, também da CNPSM. Motivo pelo qual o investimento “está a ser feito na melhoria da resposta ao nível do ambulatório, aumentando os recursos humanos disponíveis, organizados em equipas comunitárias que têm o objectivo de melhorar a acessibilidade e diminuir o tempo de resposta para primeira consulta”.

“Desta forma, será possível diminuir o recurso ao serviço de urgência e a necessidade de internamentos mais prolongados”, afirma Cristina Marques, referindo que "já antes da pandemia a lotação dos internamentos atingia por vezes 100%". "Com o acréscimo de pedidos de consulta após a pandemia é provável que tenha aumentado a pressão sobre os serviços de internamento."

A Rede de Referenciação hospitalar, em vigor desde 2018, aponta a necessidade de 72 camas de internamento e recomenda a abertura de mais camas para adolescentes. A recomendação do número de camas mantém-se, “se incluirmos as necessidades para doentes de evolução prolongada e “está prevista uma unidade de internamento para adolescentes no CHULN [Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Norte] com aproximadamente 10 camas, com abertura prevista para final de 2023/ início de 2024”, diz.

Para se atribuir idoneidade formativa, um hospital tem de ter um serviço de pedopsiquiatria e no mínimo três especialistas a tempo inteiro, explica Paulo Santos, que refere que está a ser feita uma reavaliação dos critérios de idoneidade e do programa de formação. Segundo a CNPSM há nove serviços com idoneidade formativa, dos quais três tem idoneidade total. Mais oito estão em fase de avaliação ou a ultimar o pedido de idoneidade para 2024.

Cristina Marques explica que a CNPSM está a ultimar um pedido formal ao colégio da especialidade “para que, dada a escassez de recursos humanos na especialidade, se flexibilizem os critérios de idoneidade formativa dos serviços, durante um período transitório e em situações de excepção, desde que não se coloque em causa a qualidade da formação dos médicos internos”. Há também medidas que estão a ser avaliadas pela Direcção Executiva do SNS para tentar resolver a carência destes médicos.

27.2.23

Juventude Cruz Vermelha promove voluntariado social

José Paulo Silva, in Correio do Minho

O programa desta edição do ENJ conta também com actividades lúdicas e bancas das organizações-membro do Conselho Nacional de Juventude na que é designada ‘Feira de Oportunidades’.

A Comunidade Criativa de Inclusão Social de Guimarães (CCIDG), projecto desenvolvido pelo departamento de Juventude da delegação local da Cruz Vermelha Portuguesa, marca presença no ENJ numa acção de promoção do voluntariado social.

A coordenadora do projecto, Catarina Macedo, explicou ao Correio do Minho que a CCIDG visa o envolvimento dos jovens nas suas comunidades através do voluntariado social, ao mesmo tempo que se promove a inclusão digital de idosos, sem abrigo e refugiados.

Financiado pelo programa Portugal Inovação Social, com o apoio da Câmara Municipal de Guimarães como investidor social,este projecto piloto decorre desde Abril de 2021 e encerra no final de Junho deste ano.

A intenção da Juventude Cruz Vermelha de Guimarães é prolongar a experiência, cujos resultados têm sido, até agoa, muito satisfatórios.

“Já chegámos a cinco freguesias do concelho, mas o objectivo e chegar a todas as freguesias do concelho”, referiu Catarina Macedo.

A CCIDG é um projecto itinerante, que funciona com recurso a uma carrinha equipada com seis postos informáticos, os quais permitem a implementação de um programa de desenvolvimento de competências digitais junto de populações info- - excluídas. 

LEIRIA: DOCUMENTÁRIO SOBRE PROJECTO “HÁ PÃO PARA TOD@S” EXIBIDO NO SÁBADO


O documentário sobre o projecto “Há Pão para Tod@s” é exibido no sábado às 15:00, na sede da Filarmónica de S. Tiago de Marrazes, em Leiria.

“Proposta pela União das Freguesias de Marrazes e Barosa, a iniciativa ‘Há Pão Para Tod@s’, coordenada por Catarina Dias e Patrícia Grilo, foi realizada no âmbito da Semana Pelo Combate à Pobreza e Exclusão Social 2022, promovida pelo Núcleo Distrital de Leiria da EAPN Portugal/Rede Europeia Anti Pobreza”, informou a organização.

A iniciativa, “inspirada na ideia original do encenador, ator, performer e filósofo Tomé Simão Dionísio – fazer pão para famílias em carência socioeconómica da sua comunidade -, (…) desenvolveu-se nos concelhos de Alcobaça, Ansião, Leiria e Pombal”, tendo havido a associação de 29 entidades.

O documentário, com assinatura de Luís Melo | Musaiko, quer “mostrar à comunidade a força deste projeto”.

Junta do Imaculado recebeu reunião da Comissão social da freguesia

Luís Rocha, in Funchal Notícias 

A sede da Junta de Freguesia do Imaculado Coração de Maria foi palco, na noite desta quinta-feira, da reunião do grupo de trabalho da Comissão Social da freguesia para a “educação e valores”.

“Este é um dos seis grupos de trabalho deste órgão que visa dinamizar e articular os esforços das entidades públicas e privadas constituintes, procurando soluções adequadas para os problemas e desafios da freguesia”, explica uma informação.

Na ocasião, o presidente Pedro Araújo manifestou a preocupação da Junta em “educar para os valores”, destacando importantes áreas de intervenção como “a inclusão, a solidariedade, o respeito, a cidadania e a convivência entre diferentes gerações”.

O autarca considera que “o desporto, a expressão artística, os espaços de debate, e o voluntariado” são recursos didáticos fundamentais na estratégia a implementar, que podem ser complementados com palestras e outras ações de sensibilização.

O grupo de trabalho incluiu, para além de elementos do executivo da Junta de Freguesia, representantes da Escola Bartolomeu Perestrelo, Escola da APEL, EAPN – Rede Europeia Anti-Pobreza, Associação Aura e Associação DECO.

Na reunião foi discutida a criação de uma “oficina criativa” na freguesia, capaz de promover a convivência intergeracional, associada à reutilização de materiais e utensílios, promovendo também a transmissão de conhecimento na área do fabrico e restauro de peças e produtos.

Entre outras iniciativas, o Imaculado pretende também levar às escolas acções de sensibilização sobre solidariedade e consumo responsável, através da da EAPN e da DECO, bem como ateliers musicais, com o contributo da Associação Aura.

Publicado por Luís Rocha

Causa Maior leva debate sobre envelhecimento ao Cartaxo

 in Mirante

O projecto Causa Maior vai partilhar, esta quinta e sexta-feira, no Cartaxo, a sua experiência com pessoas e instituições que “são sensíveis ou se dedicam” às causas do envelhecimento

O projecto Causa Maior vai partilhar, esta quinta e sexta-feira, no Cartaxo, a sua experiência com pessoas e instituições que “são sensíveis ou se dedicam” às causas do envelhecimento e às políticas públicas para a saúde e bem-estar dos idosos. A partilha da experiência da Causa Maior, projeto da Companhia Maior financiado pelo programa Parti&Art for Change, da Fundação Calouste Gulbenkian, e pela Fundação La Caixa, é promovida pela associação Materiais Diversos (MD), com coordenação da A3S, afirma uma nota da MD.

O convite à população e instituições do Cartaxo para conhecerem o projeto Causa Maior arranca com a Oficina de Música e Dança orientada pela bailarina e ensaiadora Kimberley Ribeiro, das 11:00 às 13:00 de quinta-feira, na Biblioteca Municipal Marcelino Mesquita, destinada “a pessoas dos 8 aos 80 anos”.

Na parte da tarde, das 15:00 às 17:00, no mesmo espaço, o bailarino, coreógrafo, ator e músico Michel partilha com os participantes técnicas de sapateado, afirma a nota da Materiais Diversos.

Na sexta-feira, a partir das 10:00, também na Biblioteca Municipal, profissionais da área social, educadores, professores, animadores culturais, autarcas e dirigentes associativos são convidados a participar na ação “Já conhece a Companhia Maior? Laboratório sobre Idadismo” (preconceito em relação à idade), para “partilha e reflexão entre cidadãos e cidadãs e profissionais de diferentes áreas”.

À tarde, das 15:00 às 17:00, no pequeno auditório do Centro Cultural do Cartaxo, será projetado o documentário “Transatlântico – Criação artística e desconstrução do idadismo”, interpretado pela Companhia Maior sob a direção e encenação de Ricardo Neves Neves, a partir do texto de Christopher Durang, seguido de debate.

A Companhia Maior, criada em 2010, integra artistas maiores de 60 anos, de diversos quadrantes da atividade artística e cultural, estando empenhada, desde há dois anos, na partilha e afirmação do projeto Causa Maior.

O projeto “aposta em ser uma voz ativa na agenda do envelhecimento ativo na sociedade portuguesa e no contexto artístico nacional”, propondo-se “ir para lá do setor cultural e estabelecer novas pontes”, acrescenta a nota.

Fim de ciclo na descida do desemprego

Sónia M. Lourenço, in Expresso

Desemprego registado aumentou em janeiro pelo sexto mês consecutivo. Economistas antecipam novas subidas

Depois de ter resistido durante meses, o impacto da incerteza associada à guerra na Ucrânia, da escalada da inflação e da subida dos juros, levando a um abrandamento da atividade económica em Portugal, começa a notar-se no mercado de trabalho nacional. Sinal disso, os dados publicados esta semana pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) dão conta de um aumento do número de desempregados registados no país pelo sexto mês consecutivo. Uma evolução em linha com a subida da taxa de desemprego apurada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). 

Economistas ouvidos pelo Expresso falam em “fim de ciclo na descida do desemprego” e antecipam novos aumentos do desemprego este ano, ainda que afastem o cenário de incrementos expressivos.Em janeiro estavam inscritos nos centros de emprego em Portugal 322.086 desempregados, mais 15.081 do que no mês anterior, ou seja, face a dezembro de 2022, o que significa um aumento de 4,9%. Foi o sexto mês consecutivo de incremento do desemprego registado, indicam os dados do IEFP, numa tendência iniciada em agosto do ano passado. Se compararmos com julho de 2022, quando o número de desempregados inscritos nos centros de emprego atingiu mínimos históricos, com 277.466 pessoas, encontramos mais quase 45 mil desempregados.

Desemprego registado sobe pelo sexto mês consecutivo
Número de desempregados registados nos centros de emprego em Portugal
Ainda assim, o desemprego registado ficou em janeiro 9,5% abaixo do registado um ano antes, em janeiro de 2022. São menos 33.782 desempregados inscritos nos centros de emprego. Aliás, numa nota enviada à comunicação social, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social destaca que o número de desempregados inscritos no IEFP no primeiro mês deste ano “foi o segundo mês de janeiro mais baixo nos últimos 30 anos”

TAXA DE DESEMPREGO ESTÁ A SUBIR DESDE AGOSTO

Certo é que a subida do desemprego registado contabilizada pelo IEFP desde o verão passado está de acordo com os dados mensais apurados pelo INE a partir do inquérito ao emprego. E que indicam que, depois de vários meses estável nos 5,9%, a taxa de desemprego em Portugal — ajustada da sazonalidade — começou a subir em agosto do ano passado, para os 6%, chegando aos 6,7% em dezembro (último valor disponível).

O que significam estes números? “Sinalizam um fim de ciclo na descida do desemprego”, responde João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. E vai mais longe: “Provavelmente, vamos observar aumentos ligeiros do desemprego ao longo do ano, embora não seja nada de dramático.” Uma evolução “em linha com a moderação da atividade económica em 2023”, continua o economista.

E nota ainda que os dados do IEFP mostram “uma tendência de redução das ofertas de emprego desde maio do ano passado”, apesar de “ter havido um aumento no mês de janeiro”. O que “também aponta para uma estagnação do mercado de trabalho e mesmo um aumento ligeiro do desemprego”.

“A tendência parece ser claramente de aumento do desemprego, embora mantendo-se ainda em valores baixos em termos históricos”, alerta, por sua vez, Pedro Martins, professor da Nova SBE e antigo secretário de Estado do Emprego.
MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO LABORAL PODEM PENALIZAR EMPREGO
Nas vésperas da entrada em vigor no país das alterações à legislação laboral, aprovadas na Assembleia da República no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, Pedro Martins manifesta também “preocupação” com o impacto que podem ter na evolução do mercado de trabalho nacional. “Haverá mais restrições à atividade das empresas a nível laboral, podendo levar a maior relutância nas respetivas contratações, o que não ajuda nesta tendência de aumento do desemprego.”
Há outros fatores a criar incerteza adicional no mercado de trabalho. A começar pela continuação da guerra na Ucrânia e por uma inflação ainda elevada — embora a descer. São “entraves ao funcionamento das empresas, logo, à sua dinâmica em termos de contratações”, aponta Pedro Martins.

Acresce o “contexto de alguma imprevisibilidade em resultado das rápidas mudanças tecnológicas que estão a ocorrer”, salienta o economista, destacando a “evolução espetacular ao nível da inteligência artificial”. Ora, “não se sabe que impacto terá tudo isto, até a curto prazo, no mercado de trabalho”, alerta, falando num “conjunto de fatores muito alargado e complexo”.

Tudo somado, “vejo nuvens no horizonte. Receio que o desemprego possa continua a subir”, remata.

Vivem com desconhecidos, pais e ex-companheiros: assim é o retrato da crise habitacional em Portugal

 

A subida galopante dos preços e a queda do rendimento disponível motivada pela inflação têm agravado a crise habitacional. Ao PÚBLICO, 12 pessoas contam como é morar em casas que não escolheriam.

Vivem com amigos, às vezes com desconhecidos. Voltam para casa dos pais ou não conseguem sair da que partilham com ex-companheiros. Têm casa, mas vivem sob a ameaça constante de despejo. Ou deixam-se estar, resignados a casas de que não gostam em zonas que não escolheriam se tivessem opção. É este o retrato da crise habitacional em Portugal, uma realidade que dura há vários anos, mas que tem vindo a agravar-se de forma drástica e que já levou o Governo a reagir com um pacote legislativo que, entre outras medidas, prevê uma intervenção estatal no mercado privado. Enquanto as respostas não chegam ao terreno, são cada vez mais os casos como os das 12 pessoas que contam ao PÚBLICO como é não ter dinheiro suficiente para uma casa digna.
Partilha de casa triplicou numa década

"Todas as vezes que partilhei casa foram más experiências". O problema não estava nas casas, mas em quem as ocupava. "As pessoas têm diferentes hábitos e sempre foi frequente lidar com a sujidade e o barulho dos outros. A partir de certa idade, uma pessoa sente a necessidade de ter o seu espaço, a sua privacidade, o seu sossego." Para Marta Pinha, a idade foi 30 anos.


"Por uma questão de bem-estar mental", deixou de conseguir partilhar casa e, no ano passado, acabou por arrendar aquilo que o salário de 920 euros líquidos por mês lhe permitia. "Uma única divisão minúscula. O meu quarto é também a minha cozinha. A humidade é imensa, a minha roupa fica com bolor e já tive infecções respiratórias", conta sobre o seu T0 de 400 euros, mais 70 de despesas, no Porto.

Por conta dos problemas deste estúdio, Marta está novamente à procura de casa e, incapaz de comportar o aumento de preços que se fez sentir no espaço de apenas um ano, prepara-se para voltar a fazer parte da população que vive com amigos ou, muitas vezes, com desconhecidos. São, de acordo com os números mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), cada vez mais.

Ter de esperar para cozinhar se o fogão estiver ocupado; ter de lavar a roupa noutro dia; ter de informar se decido ter alguém comigo em casa e ter de aceitar se outros o fazem; ter de ter cuidado com a forma como vou ao frigorífico a meio da noite, não vá cruzar-me com alguém: nada disto me faz sentido e, ainda assim, não tenho outra opção senão fazê-lo Maria

Em 2021, segundo o Censos relativo a esse ano, existiam, em Portugal, 62.709 "agregados domésticos privados sem núcleos familiares" e com "pessoas não aparentadas", isto é, pessoas que vivem no mesmo alojamento, mas que não formam uma família. É um número proporcionalmente baixo, representando apenas 1,5% dos mais de 4,1 milhões de alojamentos familiares existentes em Portugal, mas que corresponde a um aumento de 192% (ou seja, quase o triplo) face a 2011, quando existiam apenas cerca de 21 mil destes agregados.

Maria Lopes, de 30 anos e natural de Tondela, não consegue deixar de pertencer a este grupo demográfico desde 2010, altura em que foi estudar para Coimbra. Daí, partiu para Lisboa em 2013 e nunca deixou de partilhar casa. "Durante cerca de sete anos, com amigos de Tondela, que também cá estudaram e acabaram por ficar a trabalhar (a maior parte já não o faz). Depois, vivi um ano com um ex-namorado. Actualmente, estou há dois anos a partilhar casa com cinco pessoas aleatórias, mais ou menos desconhecidas, tirando uma, de quem já era amiga e através da qual tive conhecimento deste espaço."

A trabalhar há sete anos numa empresa do sector do turismo, Maria paga 450 euros por mês para ocupar um quarto, com casa de banho incluída, de 14 metros quadrados. É o único espaço desta casa numa zona central de Lisboa que é exclusivamente seu; tudo o resto é partilhado com as outras cinco pessoas, duas das quais não falam português. "Ter de esperar para cozinhar se o fogão estiver ocupado; ter de lavar a roupa noutro dia se a máquina estiver ocupada, ou se não houver espaço para secar; ter de informar se decido ter alguém comigo em casa e ter de aceitar se outros o fazem; ter de ter cuidado com a forma como vou ao frigorífico a meio da noite, não vá cruzar-me com alguém: nada disto me faz sentido e, ainda assim, não tenho outra opção senão fazê-lo", resume.

Pediram-nos três rendas adiantadas e compra dos electrodomésticos com o NIF da senhoria ou tínhamos de ter fiador, o que não é fácil de obter Joana

A falta de opção é fácil de entender. Se, "até há cerca de cinco anos", conseguiu sempre encontrar quartos a preços que considerava razoáveis, "nunca mais de 350 euros, com contas incluídas", esses mesmos quartos "estão hoje a ser arrendados por valores muito mais insensatos". Os dados oficiais ilustram bem essa percepção: no espaço de cinco anos, entre 2017 e 2022, o valor mediano das rendas no concelho de Lisboa cresceu quase 40%, de acordo com o INE.

A isso, junta-se a dificuldade em aceder aos poucos apoios existentes. "Tentei concorrer ao Porta 65, mas a minha candidatura não foi aprovada, uma vez que o espaço que eu arrendo não é considerado, logicamente, uma casa, mas sim uma divisão pertencente a uma residência composta por mais divisões", diz. Explica que não consegue candidatar-se a este apoio para arrendar outra casa, já que o Porta 65 exige que, para se candidatarem, os beneficiários já tenham um contrato de arrendamento assinado previamente. "Sem garantias de que a candidatura venha, meses depois, a ser aceite."

É perante este cenário que um salário acima da média deixa de ser suficiente para encontrar a solução habitacional ideal. Isso mesmo acontece com Joana (nome fictício), que, aos 33 anos e a receber 1300 euros todos os meses, se prepara para mudar de casa pela quarta vez em oito anos, depois de ter passado os últimos dois anos e meio a partilhar, com uma amiga, um T2 em Lisboa por 750 euros, com problemas de canalização que levavam a inundações na cozinha, e com bolor, infiltrações na casa de banho, janelas e portas mal isoladas, estores estragados e água a cair dentro da sala, onde o tecto tinha rachas provocadas por obras no andar de cima.

Sem o contrato renovado, Joana e a actual colega de casa vão, agora, juntar-se a mais um amigo e arrendar um T3, também em Lisboa, por 1300 euros por mês. "Pediram-nos três rendas adiantadas e compra dos electrodomésticos com o NIF da senhoria ou tínhamos de ter fiador, o que não é fácil de obter. Esperamos conseguir uma casa com os nossos respectivos namorados, mas, a ter de mudar de casa assim com tanta frequência, fica difícil conseguir ter poupanças. E, mesmo com trabalhos relativamente estáveis e a receber melhores salários, os mesmos não acompanham a subida de preços das casas", lamenta. Joana, além do trabalho a tempo inteiro como médica veterinária, ainda trabalha esporadicamente durante a noite, para além de obter um rendimento extra de espectáculos artísticos que faz – "Nem assim consigo poupar", desabafa.

Entre desconhecidos ou os pais, os pais

O plano era que a solução fosse temporária. Depois de dois anos a viverem em casas arrendadas sem contrato, na periferia de Lisboa, a ganharem o salário mínimo e com um filho ainda bebé, Catarina (nome fictício) mudou-se com o companheiro, em 2015, para casa dos pais dele, para conseguirem poupar dinheiro e, depois, comprarem casa própria. A precariedade laboral e a evolução do mercado imobiliário transformaram o temporário em permanente e já passaram mais de sete anos desde que Catarina, agora com 34 anos e desempregada, se viu obrigada a viver com os sogros.

Tenho um tecto, tenho comida, roupa lavada, mas parece que estou sempre a andar em cima de um elástico, que, a qualquer momento, rebenta Catarina

"Trabalhava num call center, sempre com empresas de trabalho temporário. Estive sete anos a trabalhar no mesmo sítio, mas, de dois em dois anos, éramos obrigados a mudar de empresa de trabalho temporário. Portanto, nunca tive um contrato efectivo e não conseguíamos pedir crédito para comprar casa. No último trabalho em que estive, tinha tudo preparado para ficar efectiva e irmos logo ver que crédito conseguiríamos pedir, quando fui informada de que não iam tornar-me efectiva e fiquei desempregada", relata.

Com o companheiro ainda a ganhar o salário mínimo, um filho agora com oito anos, crédito do carro para pagar, rendas que ultrapassam em muito os rendimentos que têm disponíveis e sem outra rede de apoio familiar que não os sogros, com quem não tem uma boa relação, Catarina mantém-se presa a uma casa onde não quer viver, mas de onde não consegue sair.

"Tenho um tecto, tenho comida, roupa lavada, mas parece que estou sempre a andar em cima de um elástico, que, a qualquer momento, rebenta. Não temos para onde ir, as rendas estão muito acima do que podemos pagar. Pedem-nos sempre duas rendas, mais fiador e contrato de trabalho, que, neste momento, não estou a conseguir encontrar. Há dias desesperantes, em que só me apetecer desaparecer. Mas ia para onde?", questiona-se.

Não é a única que não sabe para onde ir. E, em muitos casos, a necessidade de voltar a casa dos pais depois de já terem conhecido a independência financeira surge ainda mais tarde na vida. Hoje com 41 anos, Tiago (nome fictício) voltou a viver com os pais, em Loures, em 2018, depois de ter dedicado 15 anos à vida religiosa, período durante o qual viveu na casa de formação da ordem a que pertenceu e numa comunidade religiosa.

Marcelo Caldas, de 43 anos, regressou a casa dos pais no ano passado, depois de terminar uma relação, com o objectivo de ficar por lá durante alguns meses, antes de conseguir nova casa para si. "Via uma casa e ligava de imediato. Perdi todos os apartamentos porque alguém oferecia um ano de renda, ou porque alguém propunha uma renda muito acima da anunciada", conta. Acabou por se deixar ficar com os pais.

Ambos trabalham e recebem salários em linha com a média nacional ou acima. Tiago, técnico de gestão financeira numa organização não governamental, leva mil euros no final do mês. Marcelo, professor de português para estrangeiros, chegou a suportar, sozinho, um T2 em Alvalade com uma renda de 800 euros, quando, em 2016, chegou a Portugal vindo do Brasil, de onde é natural. Mas ambos enfrentam, também, os mesmos obstáculos: não têm contratos de trabalho permanentes, o que exclui a hipótese de contraírem crédito para comprar casa, são solteiros e não têm vontade de partilhar casa com desconhecidos.

Perdi todos os apartamentos porque alguém oferecia um ano de renda, ou porque alguém propunha uma renda muito acima da anunciada Marcelo

Optam pelo que já é familiar. "Conheço muitas pessoas que tiveram de deixar de viver sós e passaram a partilhar casa com mais pessoas, às vezes com desconhecidos. Essa é uma escolha que eu não quis fazer. Se é para estar a viver com desconhecidos, prefiro viver com os meus pais. Pelo menos, são pessoas que eu conheço", conta Marcelo, que, apesar da "relação muito boa" com os pais, continua à procura de alternativa. A única que vê é o teletrabalho: construir uma rede de alunos que lhe permita dar aulas online e sair de Lisboa. Para Tiago, a partilha de casas com desconhecidos começa a ser "uma possibilidade" que coloca em cima da mesa, mas, com "quartos arrendados a 400 euros", também não consegue comprometer-se com essa alternativa.

Com o agravamento deste cenário, e sem sinais de uma descida dos preços para breve, também a contestação social está a crescer. Para além das várias manifestações – ainda este sábado, decorreu em Lisboa uma manifestação organizada pelo Movimento Vida Justa, contra a subida do custo de vida; para 1 de Abril, está marcada nova manifestação, organizada pelo movimento cívico Casa é Um Direito –, há ainda iniciativas políticas vindas de movimentos populares. É o caso da petição "Pela Protecção do Direito à Habitação", que está a poucas assinaturas de reunir as 7500 necessárias para que seja apreciada pela Assembleia da República.

Entre os promotores desta petição está Rafael Pinheiro, que também foi forçado a voltar para casa dos pais, uma decisão que tomou depois de um período em que suportou uma renda de 500 euros enquanto ganhava "muito ligeiramente" acima do salário mínimo, a trabalhar numa "consultora com uma grande reputação", onde fazia horas extraordinárias não pagas.

Sem perspectivas de ver o salário aumentado e sem "encontrar significado no trabalho", o investigador e doutorando em Ciências da Comunicação, hoje com 30 anos, entrou em burnout. "A dada altura, deixei de aguentar e tive de desistir de tudo". Voltou para casa dos pais, mas a "hecatombe" continuou, depois de o proprietário da casa arrendada pelos pais ter vendido esse imóvel a uma empresa de investimento imobiliário, violando o direito de preferência dos inquilinos previsto por lei.

Desde o início desse processo de venda que a ameaça de despejo tem sido uma constante. Primeiro, por parte do anterior proprietário, que tentava visitar a casa acompanhado por agentes imobiliários, sem autorização dos inquilinos que lá viviam. Depois, pelos novos donos da casa, que insistem que, com a mudança de propriedade, o contrato de arrendamento cessa (o que não é verdade), para além de voltarem a tentar fazer visitas à casa, com o objectivo de vendê-la novamente.

Foi a revolta pela situação em que os pais se viram que levou Rafael a tornar-se activo na luta pelo direito à habitação. A petição que lançou com "um pequeno grupo de jovens trabalhadores e estudantes precários" já conta com cerca de 6500 assinaturas e propõe uma série de medidas para garantir o acesso à habitação, incluindo a implementação de limites máximos aos valores de renda ou a conversão de imóveis desocupados há mais de cinco anos em habitação pública com rendas acessíveis.

Sabemos que a petição não vai resolver todos os problemas e que, provavelmente, não vai haver uma resposta apropriada por parte do sistema político. A não ser, claro está, que haja mobilização social Rafael

"Sabemos que a petição não vai resolver todos os problemas e que, provavelmente, não vai haver uma resposta apropriada por parte do sistema político. A não ser, claro está, que haja mobilização social. É isso que esta iniciativa pretende", resume.
Sem alternativas, vivem "no limbo" com os ex-companheiros

"Imagine uma fila de supermercado no pico da pandemia." Foi este o cenário com que Helena (nome fictício) se deparou numa das várias visitas a casas para arrendar que tem feito no último ano, desde que se separou do marido. Dessa vez, preparava-se para ver um T3 "muito bonito e bem conservado" na zona dos Anjos, em Lisboa, pelo qual os proprietários começaram por pedir uma renda de 1500 euros, que, semanas depois, aumentou para 2000 euros. Com Helena, estavam dezenas de outras pessoas que enchiam a rua, à espera de entrar.

Era um modelo de "casa aberta", prática que se tornou comum entre senhorios que procuram inquilinos em Lisboa, tal é a escassez de oferta na capital. "A cada 15 minutos, subia uma fornada de pessoas. À porta, havia uns papéis onde cada candidato escrevia a idade, nacionalidade, proposta de renda e o porquê de dever ser escolhido, como se fosse uma entrevista de emprego", conta a psicóloga de 35 anos, que continua a viver com o ex-marido, de quem se separou no ano passado, na casa que ambos compraram na zona de Cascais, há cerca de seis anos.

A cada 15 minutos, subia uma fornada de pessoas. À porta, havia uns papéis onde cada candidato escrevia a idade, nacionalidade, proposta de renda e o porquê de dever ser escolhido, como se fosse uma entrevista de emprego Helena

Foi a solução possível numa cidade onde suportar sozinha os custos de uma casa se tornou uma tarefa incomportável para muitos, sobretudo mais jovens, mesmo quando recebem acima da média. Os últimos dados oficiais, relativos aos Censos de 2021, evidenciam bem essa dificuldade: na Área Metropolitana de Lisboa, a população entre os 20 e os 40 anos que vive sozinha reduziu-se em 26% entre 2011 e 2021. Olhando só para a cidade de Lisboa, o número total de alojamentos onde vive apenas uma pessoa, independentemente do escalão etário, diminuiu em 0,3% nessa década, uma excepção à regra a nível nacional.
 
Quando, finalmente, conseguir sair da casa que ainda partilha com o ex-marido, Helena não se vai juntar a estes números. "Vou dividir casa com amigos, não é possível ter casa sozinha", resume. Mas, até lá, prepara-se para aguentar por mais tempo a situação "excruciante" que a obrigou a procurar ajuda psicológica, pela "ansiedade terrível" que causou. Porque, acredita, vive "no limbo", ou num "meio-luto", do qual procura fugir ao dormir em casas de amigos ou gastando o "dinheiro absolutamente todo" em psicoterapia e actividades como aulas de cerâmica. A "sorte", diz, é não ter tido filhos com o ex-marido, uma "angústia" que nem quer imaginar.

Clara (nome fictício) não teve essa sorte. Aos 32 anos e a trabalhar num call center há mais de uma década, altura em que foi viver para Lisboa, terminou a relação com o pai dos seus dois filhos menores no ano passado, ao fim de 13 anos de união de facto. Sem família por perto e a receber 650 euros ao fim do mês, nem sequer se dá ao trabalho de visitar casas, por não encontrar nenhuma que pudesse pagar ao mesmo tempo que sustenta os filhos.

Terminei a minha relação em Abril de 2022. Desde então, continuo a viver com a mesma pessoa, os dois em teletrabalho, ou seja, são 24 sobre 24 horas Clara

E, assim, continua a partilhar casa com uma pessoa que descreve como "temperamental" e que se recusa a procurar outra casa. "Terminei a minha relação em Abril de 2022. Desde então, continuo a viver com a mesma pessoa, os dois em teletrabalho, ou seja, são 24 sobre 24 horas. Ele insiste em viver aqui, eu que saia, já que fui eu a terminar a relação", conta, enquanto explica que a procura por apoios públicos também falha, não só porque é difícil de cumprir os critérios de acesso a estes apoios, mas porque as oportunidades são escassas.

A Câmara de Lisboa, por exemplo, promoveu 16 concursos para o programa municipal de renda acessível desde 2020; só no mais recente, terminado em Janeiro deste ano, foram submetidas 5297 candidaturas às 62 casas a concurso.
"Por esse preço, está quieta e cala-te"

Quando uma escalada de preços sem travão se conjuga com um parque habitacional insuficiente para dar resposta à procura e a uma inflação que faz encolher drasticamente os rendimentos disponíveis, casos como o regresso a casa dos pais ou a partilha de casa com desconhecidos deixam de ser os únicos a retratar uma crise habitacional. Para outros, que conseguiram até encontrar uma solução para viverem sozinhos, essa crise significa apenas a resignação a casas de que não gostam, em zonas que não escolheriam se tivessem alternativa. São independentes, mas com um custo. "Ter condições mínimas de habitação e independência leva-te tudo."

Se trabalhas em Lisboa, das duas, uma: ou arrendas uma casa que te permite ter folga para viver e levas três horas em deslocações diárias, ou arrendas uma casa perto do trabalho e comes arroz com salsichas o mês inteiro Sara

Para Sara (nome fictício), "tudo" significou abdicar de viver no concelho de Lisboa, onde trabalha, e encontrar casa em Setúbal, onde vive agora com o namorado. "Em casal, tudo fica mais suportável, excepto a distância. Se trabalhas em Lisboa, das duas, uma: ou arrendas uma casa que te permite ter folga para viver e levas três horas em deslocações diárias, ou arrendas uma casa perto do trabalho e comes arroz com salsichas o mês inteiro", diz a marketeer de 27 anos.

A opção pela primeira destas duas soluções foi feita ao fim de um ano de procura de casa em Lisboa, em que chegou a ver anunciado um duplex que era, na realidade, um T0 com "uma espécie de beliche por cima de um sofá". A sensação, admite, é a de que vive para trabalhar. "O tempo que demoramos na deslocação deixa-nos a pensar se vale a pena trabalhar em Lisboa, mas não há oportunidades perto de casa."

Para quem opta pela segunda daquelas soluções, o resultado também fica longe de ser satisfatório. Marta Rocha viveu por três anos na casa que, durante décadas, tinha sido arrendada pela avó, na zona de Alcântara, em Lisboa. Chegou a acordo com o senhorio para mudar o contrato de arrendamento para o seu nome, mantendo uma renda baixa, que seria actualizada anualmente, durante os três anos de contrato. Quando o contrato chegou ao fim, em 2020, a pandemia estava no pico e os despejos estavam suspensos graças ao travão imposto pelo Governo durante esse período. Mas a lei que impunha este travão estava a chegar ao fim da sua vigência e, antes de se saber que acabaria por ser prorrogada, o senhorio comunicou que não iria renovar o contrato e Marta viu-se obrigada a procurar nova casa.

Todos os dias, durante dois meses, passou a procurar nos portais imobiliários por casas com rendas até 500 euros. "Eram caves com janelas pequeninas ao nível do chão ou vãos de escada". Já estava "resignada" à ideia de que teria de voltar para casa dos pais quando encontrou o T1+1 onde vive agora, com uma renda de 525 euros, que teve o anúncio online por apenas quatro horas.

Mas, nesta altura, quando as coisas estão habitáveis, já batemos palmas. Toda a gente me diz o mesmo: por esse preço, está quieta e cala-te Marta

Conseguiu ficar onde queria, por um preço que consegue suportar, mas nem por isso a solução vem sem custos. "Todos os canos estão entupidos, não há isolamento, oiço tudo o que se passa no andar de baixo e a vizinha ouve tudo o que se passa em minha casa ", descreve. Mais recentemente, diz, tem pensado em sair e procurar outra casa. "Mas, nesta altura, quando as coisas estão habitáveis, já batemos palmas. Toda a gente me diz o mesmo: por esse preço, está quieta e cala-te."

E a dificuldade não está restringida aos grandes centros urbanos. Em zonas como o Algarve, por exemplo, o turismo de massas não só contribui para fazer aumentar os preços da habitação, como faz com que a já parca oferta se torne ainda mais escassa, já que muitos senhorios optam por colocar as casas a arrendar apenas durante a época baixa, para, durante o Verão, as arrendarem a turistas a preços mais elevados. Foi com este cenário que Teresa (nome fictício) se deparou durante "muitos meses", até conseguir encontrar aquela onde vive actualmente.

Em São Bartolomeu de Messines, a 20 quilómetros do sítio onde trabalha como administrativa, em Albufeira, o T1 renovado onde vive está "em bom estado", mas sobrelotado. "É uma casa mesmo muito pequena. Seria o ideal para uma pessoa, mas vivem três", conta Teresa, que, aos 32 anos, vive com a sua filha de cinco anos e com o namorado, com quem se juntou não porque queria, mas porque, a receber o salário mínimo, com uma renda de 400 euros e os custos com o combustível para chegar ao trabalho, não tinha alternativa.

"O dinheiro não me chegava e, muitas vezes, tinha de pedir ajuda aos meus pais. Fazia compras no supermercado com uma calculadora na mão. Se não fosse a situação precária em que estamos a viver, certamente, não dividia casa com ninguém", recorda.

Vai, assim, ficando resignada à situação em que se encontra, insatisfeita mas sabendo que, no contexto actual, aquilo que tem é raro. "Aqui no Algarve, há estúdios a mil euros, sem quaisquer condições, e ainda pedem caução de dois, três e quatro meses." Por isso, deixa-se estar. Ou, como resume Marta: "Vou vendo casas para arrendar, mas, normalmente, é mais para me rir."


Programa de combate à pobreza energética "muito aquém" das metas - Comissão

Por Lusa, in Notícias online

O programa Vale Eficiência, para combater a pobreza energética das habitações, apenas atribuiu 11% dos incentivos previstos até final de 2022, estando "muito aquém" das metas definidas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

O alerta consta do relatório de 2022 da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR (CNA-PRR) hoje divulgado e que recomenda a "adoção urgente das soluções" para aumentar a execução desse programa destinado a apoiar famílias economicamente vulneráveis até 2025.

"O incentivo Vale Eficiência tem ficado muito aquém da expectativa, colocando em dúvida a meta final de 100.000 vales em 2025. Em 2022 foram atribuídos quase 11.000 vales, tendo sido utilizados apenas 5.098", refere o documento.

Até ao final de 2022 foram submetidas 17.873 candidaturas de famílias e atribuídos 10.985 vales, ou seja, cerca de 11% da meta prevista, mas apenas foram utilizados na prática 5.080 vales.

"Existem 4.383 de candidaturas não elegíveis, ou seja, um quarto das candidaturas submetidas, interessando saber quais as causas da não-elegibilidade para identificar as mais frequentes e avaliar alterações que possam evitar casos futuros de não-elegibilidade", salienta a comissão.

Do total de vales atribuídos, a maioria foram para os distritos do Porto e Lisboa (37%), seguindo-se Braga (10,6%), Setúbal (8,4%) e Aveiro (7%), com os restantes distritos com uma adesão muito baixa, o que faz "antecipar um desconhecimento da medida e ou iliteracia na preparação da candidatura".

Perante estes números, a CNA-PRR recomenda, entre outras medidas, que o Governo avalie a possibilidade de alargar o Vale Eficiência a arrendatários, uma vez há uma elevada probabilidade de as pessoas que estão integradas em tarifa social estarem em casa arrendada

"Dada a baixa execução deste incentivo e o impacto potencial que pode desempenhar na redução da pobreza energética em Portugal, deve ser conferido caráter de urgência e dedicação permanente à sua resolução", sublinha também a comissão.

Quanto à medida Eficiência Energética em Edifícios Residenciais, também prevista no PRR, o relatório adianta que em 2022 estiveram abertos avisos que mereceram uma "elevada adesão por parte das famílias", o que determinou um reforço de dotação deste incentivo que agora totaliza 135 milhões de euros.

Até final de 2022, foram recebidas 106.131 candidaturas e pagas 70.261, num total de 122,5 milhões de euros, ou seja, 91% do valor disponível, "tendo as metas previstas para 2025 já sido largamente ultrapassadas", indica ainda a comissão.

O montante total do PRR (16.644 milhões de euros), gerido pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal, está dividido pelas suas três dimensões estruturantes -- resiliência (11.125 milhões de euros), transição climática (3.059 milhões de euros) e transição digital (2.460 milhões de euros).

Da dotação total, cerca de 13.900 milhões de euros correspondem a subvenções e 2.700 milhões de euros a empréstimos.

As três dimensões do plano apresentam uma taxa de contratação de 100%.

Este plano, que tem um período de execução até 2026, pretende implementar um conjunto de reformas e investimentos, tendo em vista a recuperação do crescimento económico.

Além de ter o objetivo de reparar os danos provocados pela covid-19, o PRR tem ainda o propósito de apoiar investimentos e gerar emprego.

Alto Comissariado para as Migrações deve mudar de nome para incluir comunidades ciganas

Ana Cristina Pereira, in Público

Alta comissária para as Migrações confirma que há conversa com as associações ciganas e que nome pode ser reajustado com nova lei orgânica.

Quando foi criado, em 1996, chamava-se Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas e era uma subsecretaria de Estado na dependência do primeiro-ministro. Em 2002, passou a Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, tornando-se em 2005 um serviço de coordenação. Desde 2014, é um instituto público e chama-se Alto Comissariado para as Migrações. As associações ciganas nunca se identificaram com este nome, já que a população cigana residente é de nacionalidade portuguesa, tirando uma pequeníssima parte oriunda da Roménia. Questionada pelo PÚBLICO, o gabinete da secretária de Estado da Igualdade disse que o Governo está disponível para encontrar uma solução. Agora, a alta comissária confirma que tal deverá acontecer com a mudança da lei orgânica.

Quando foi criado, em 1996, chamava-se Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas e era uma subsecretaria de Estado na dependência do primeiro-ministro. Em 2002, passou a Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, tornando-se em 2005 um serviço de coordenação. Desde 2014, é um instituto público e chama-se Alto Comissariado para as Migrações. As associações ciganas nunca se identificaram com este nome, já que a população cigana residente é de nacionalidade portuguesa, tirando uma pequeníssima parte oriunda da Roménia. Questionada pelo PÚBLICO, o gabinete da secretária de Estado da Igualdade disse que o Governo está disponível para encontrar uma solução. Agora, a alta comissária confirma que tal deverá acontecer com a mudança da lei orgânica.

Como está a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas 2013-2022? Continua à espera de avaliação?
A avaliação externa da implementação desta estratégia é fundamental para preparar a próxima. Houve atrasos nos procedimentos decorrentes da aprovação tardia do Orçamento [do Estado], que complicaram uma instituição pública como o é o ACM na implementação dos procedimentos da contratação para uma avaliação externa. É importante que ela seja externa e independente.

Quem a fará?
Estamos no processo de definição da entidade que vai fazer a avaliação externa. Foi uma estratégia longa, o que exige um trabalho de discussão com os diferentes actores. Portugal mudou muito ao longo deste período. É muito importante ter este conhecimento bem fundamentado para que a nova estratégia reflicta esta experiência, esta aprendizagem e o contexto actual.

Não é por essa estratégia ainda não ter dado lugar a uma nova que as medidas que implementamos deixaram de acontecer. Neste momento, estamos em continuidade. Agora, precisamos de dar um novo fôlego às medidas e para isso é muito importante passarmos por este processo de avaliação externa e construirmos uma nova, já não para a continuidade, mas para podermos dar um salto qualitativo na inclusão das comunidades ciganas.

Questionado pelo PÚBLICO, o Governo disse que a estratégia 2013-2022 seria prorrogada até ao final de Junho. Quer isto dizer que no segundo semestre haverá uma nova?
Sim. Neste momento, estamos a trabalhar para esse prazo, mas não sabemos o que pode acontecer. Desde que iniciei funções, já me habituei a ter tudo e mais alguma coisa a atravessar os planos. Em nenhum momento está em risco a execução das medidas. O que queremos é colocar em prática uma nova estratégia, com mais alcance, até com outro tipo de medidas e avaliação de impacto.

Está a haver uma conversa entre as associações ciganas e o ACM sobre a mudança de nome? Não se identificam com o nome actual.
Sim. Nós também consideramos que, no contexto daquilo que se prevê que será uma nova lei orgânica do ACM, podemos reajustar o nome deste instituto público para reflectir a sua missão de inclusão das comunidades ciganas. A lei do ACM é de 2014, não reflecte todo o papel que Portugal passou a ter na protecção internacional desde 2015. Há um conjunto de áreas que o ACM trabalha e que ainda não estão reflectidas na lei orgânica, na estrutura, na designação que tem. E aí o mais penalizador é para as comunidades ciganas.