15.2.23

Governo falha prazo para apresentar nova Estratégia Nacional de Integração das Comunidades Ciganas

Ana Cristina Pereira, in Público

Gabinete da Secretária de Estado da Igualdade diz que vai prorrogar prazo da estratégia cessante até final de Junho “de modo a assegurar uma transição suave entre quadros de financiamento”.

A primeira Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas 2013-2020 já tinha sido prorrogada até 2022. Agora, de acordo com o gabinete da secretária de Estado da Igualdade e Migrações, o seu prazo de validade vai ser prolongado até 30 de Junho.

Portugal partirá atrasado para uma nova geração de estratégias nacionais. Em Outubro de 2020, a Comissão Europeia lançou um novo plano para apoiar a população cigana. Nessa altura, instou os Estados-membros a apresentarem as suas estratégias até Setembro de 2021. Em Março, durante a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, foi aprovada uma recomendação que os exortava a aprofundar a aplicação das estratégias.

Só que 2022 terminou sem que Portugal tivesse sequer feito a avaliação da estratégia cessante. Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete da secretária de Estado Isabel Almeida Rodrigues diz que, “de modo a assegurar uma transição suave entre quadros de financiamento europeus, sem prejudicar os projectos e iniciativas em curso, o Governo irá prolongar a actual estratégia até Junho de 2023”. Muito do que lá se prevê ainda não está concluído.

A mesma fonte admite que está ainda “em preparação o procedimento para avaliação externa da Estratégia Nacional”. “O Governo tem vindo a reunir com um grupo bastante alargado de representantes de associações das comunidades ciganas, com vista à sua auscultação sobre eventuais medidas a integrar na nova estratégia, que será aprovada ainda este ano e que terá, naturalmente, em conta o contexto nacional e as prioridades do Quadro Estratégico da União Europeia para a Igualdade, Inclusão e Participação dos Ciganos.”

O plano da Comissão Europeia abrange sete domínios de intervenção: igualdade, inclusão, participação, educação, emprego, saúde e habitação. Há metas para cada um deles.

Até 2030 há que reduzir para, pelo menos, metade: “a percentagem de ciganos com experiências de discriminação, o fosso entre ciganos e população em geral no que respeita à pobreza e à esperança média de vida; as diferenças registadas no acesso à educação na primeira infância; a percentagem de crianças ciganas que frequentam escolas primárias segregadas; a desigualdade entre homens e mulheres no acesso ao emprego”. No mesmo prazo, há que diminuir “no mínimo de um terço” o diferencial no acesso à habitação condigna. E que “garantir que pelo menos 95% dos ciganos têm acesso à água canalizada”. E que “duplicar a percentagem dos que apresentam queixa formal em caso de experienciar alguma situação de discriminação”.

Para acelerar a mudança, a Comissão Europeia também fez uma série de recomendações aos Estados-membros. Sugeriu, por exemplo, que criem sistemas de apoio aos ciganos vítimas de discriminação, que façam campanhas de sensibilização nas escolas ou que promovam o emprego de ciganos nas instituições públicas.

Medir o impacto

“A nova estratégia tem de ser mais ambiciosa e de estabelecer metas específicas, exequíveis e mensuráveis, com impacto na vida das pessoas ciganas e na sociedade em geral”, diz Maria José Casa-Nova, coordenadora do Observatório das Comunidades Ciganas. “Os eixos estruturantes deverão manter-se, bem como os transversais."

Aquela professora da Universidade do Minho, que há 30 anos estuda esta população, dá como exemplo a Educação, cujas “taxas de retenção e desistência têm vindo a diminuir, mas continuam comparativamente altas em todos os níveis do ensino básico”. Veja-se o 3.º ciclo, no ano lectivo 2018/19, o último para o qual há dados: a diferença era de 17,7% entre crianças ciganas para 5,6% entre crianças em geral (incluindo ciganas). “É necessário estabelecer um percentual de diminuição significativo que no final da nova estratégia esteja cumprido.”

Outro exemplo é o da formação e do emprego. “É importante definir um número de pessoas adultas que vão obter qualificação académica e profissional, desenvolvendo competências e capacidades possibilitadoras da integração no mercado de trabalho global. E que as empresas estatais sirvam de exemplo, empregando jovens ciganos qualificados existentes, vários já com licenciatura.”

Outra área fulcral é a habitação. Um estudo desenvolvido pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana apontava para 32% de população cigana a viver em barracas, tendas ou carrinhas. “Até ao final da Estratégia, este tipo de habitação deveria deixar de existir.”

Bruno Gonçalves, membro do Conselho Consultivo para a Integração das Comunidades Ciganas, organismo que acompanha a aplicação da Estratégia Nacional junto do Alto Comissariado para as Migrações (​ACM), também faz a defesa de medidas concretas e estudos de impacto. “Esta estratégia não prevê isso. Há muita coisa que está a ser feita sem que se saiba que impacto tem. Foram colocados 'x' ciganos no mercado de trabalho através do contrato emprego inserção. Qual o impacto disso? Não sabemos.”

No entender daquele dirigente associativo e mediador cultural, também é preciso investir mais. “Tem de haver mais dinheiro. Tem de haver um envolvimento maior dos ministérios. Para sermos ambiciosos, temos todos de trabalhar, inclusive os ministérios.”

15 autarquias com planos para a integração

Ao fechar o ano, eram ainda 15 as autarquias com Planos Locais para a Integração das Comunidades Ciganas, uma política local de integração coordenada pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e financiado pelo Programa Direitos, Igualdade e Cidadania (2014-2020) da Comissão Europeia.

O gabinete da ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares nada diz sobre a sua eventual continuidade. Mas os Planos Locais para a Integração das Comunidades Ciganas estão referenciados na Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas 2013-2022, que deverá ser prorrogada até ao final de Junho. E pelo menos alguns municípios mostram vontade de continuar.

Não é área onde se esteja a avançar muito depressa. O projecto-piloto, que decorreu entre Junho de 2018 e Julho de 2019, envolveu 14 municípios e resultou na criação de dez planos municipais e dois intermunicipais e de um Guia para a Concepção de Planos Locais. Só oito decidiram dar continuidade ao trabalho. Na segunda fase do programa, que arrancou em 1 de Fevereiro de 2021 e terminou no dia 31 de Janeiro de 2023, foram incluídos mais sete municípios.

Desde Janeiro de 2022, o ACM coordena a Rede de Municípios para a Participação e Inclusão das Comunidades Ciganas. Essa rede tem como objectivo a partilha entre municípios de boas práticas e dificuldades relativamente a estas comunidades. Os 35 municípios que a constituem estão organizados em sete grupos, cada um deles coordenado por um representante de um dos municípios.