17.2.23

Do subsídio de renda aos incentivos fiscais: o que muda no arrendamento

Rafaela Burd Relvas, in Público 

Famílias com taxa de esforço superior a 35% poderão ter subsídio de renda, com um valor máximo de 200 euros. Esta é uma das medidas apresentadas pelo Governo para responder à crise habitacional.

O Governo apresentou, esta quinta-feira, um pacote de 900 milhões de euros para dar resposta à crise habitacional. Entre as medidas apresentadas, que vão desde o fim do programa de vistos "gold" até apoios às famílias com crédito à habitação, passando por uma simplificação dos licenciamentos e por uma restrição do alojamento local, há um foco no mercado de arrendamento, onde o desequilíbrio entre oferta e procura e o aumento drástico dos preços tem levado a uma dificuldade de acesso à habitação sem precedentes no passado recente.

Estas são as medidas direccionadas ao mercado de arrendamento.

Subsídio de renda

É criado um apoio extraordinário ao pagamento de rendas, dirigido aos agregados familiares que tenham uma taxa de esforço superior a 35% para pagar a renda, com rendimentos até ao sexto escalão da tabela de IRS e cuja renda esteja dentro dos valores máximos já previstos para o Programa de Arrendamento Acessível e o Porta 65. Considerando o município de Lisboa, por exemplo, isto significa que só poderá candidatar-se ao apoio quem tiver uma renda máxima de 900 euros, no caso de um T1, 1150 euros, no caso de um T2, ou 1375, no caso de um T3.

O apoio aplica-se apenas a contratos celebrados até 31 de Dezembro de 2022, é concedido por um prazo máximo de cinco anos e corresponde à diferença entre a taxa de esforço real e a taxa de esforço final de 35%, com um valor máximo de 200 euros por mês.

A título de exemplo: uma família com um rendimento de 1400 euros paga uma renda de 900 euros, um montante que corresponde a uma taxa de esforço de cerca de 64%. Para que a taxa de esforço baixasse para 35%, esta família só poderia suportar uma renda de 490 euros. Assim, o apoio teria de ser de 410 mensais. Contudo, este ultrapassa o valor máximo estabelecido. O valor do apoio para esta família é, então, de 200 euros, o que baixará a taxa de esforço para 50%.

Porta 65 alargado

O programa Porta 65, actualmente dirigido apenas aos jovens até aos 35 anos, vai ser alargado a famílias monoparentais e agregados familiares com quebras de rendimento superiores a 20%. Para este efeito, é criado o Porta 65+ (um programa autónomo do Porta 65 Jovem), cuja dotação orçamental não foi revelada.

Subarrendamento pelo Estado

O Governo propõe que o Estado arrende a proprietários privados imóveis que estejam disponíveis para ocupar, mas fora do mercado de arrendamento. Depois, vai subarrendar essas casas, por um prazo de cinco anos e definindo uma taxa de esforço máxima de 35% do agregado familiar. O objectivo é eliminar o risco de incumprimento de rendas, já que estas serão pagas pelo Estado ao proprietário, e, dessa forma, aumentar a confiança dos senhorios.

As casas são atribuídas por sorteio, cujas regras ainda não estão definidas. Também não é conhecido se haverá valores máximos das rendas praticadas.
Pagamento de dívidas pelo Estado

O Governo propõe, ainda, que o Estado assuma o pagamento de rendas em dívida, a partir do terceiro mês de incumprimento. Assim, paga a dívida ao senhorio e, depois, cobrará essa mesma dívida ao inquilino, ou por via de execução fiscal, ou por despejo. Serão consideradas excepções as situações em que se verifiquem "causas socialmente atendíveis" que justifiquem a falta de pagamento por parte do inquilino, mas não foi esclarecido que causas serão essas.
Limites às novas rendas

A partir deste ano, as rendas estabelecidas em novos contratos de arrendamento habitacional vão estar sujeitas a um tecto máximo, definido de acordo com os coeficientes de actualização automática dos cinco anos anteriores (apenas se os mesmos ainda não tiverem sido aplicados) e com o objectivo de inflação de médio prazo do Banco Central Europeu (BCE), que é de 2%. Para o ano de 2023, considera-se que o coeficiente de actualização é de 5,43%, o valor que seria implementado de acordo com a lei se o Governo não tivesse imposto um limite de 2% para as actualizações de rendas este ano.

Esta regra aplica-se apenas aos novos contratos que sucedam a contratos celebrados nos cinco anos anteriores. Para os novos contratos relativos a casas que nunca antes estiveram no mercado de arrendamento, não haverá qualquer limite de renda.

Dando um exemplo: uma casa é arrendada, actualmente, por 500 euros. O contrato, que vigorou nos últimos cinco anos, chega agora ao fim. Se o senhorio quiser celebrar um novo contrato, relativo à mesma casa, a nova renda terá de estar limitada ao seguinte cálculo: 500 euros, a que se soma o coeficiente de actualização automática de rendas nos últimos cinco anos (1,15% em 2019; 0,51% em 2020; nulo em 2021; 0,43% em 2022; e 5,43% em 2023) e outros 2% (que resultam do objectivo de médio prazo do BCE). A nova renda ficará limitada a um máximo de cerca de 550 euros.
Redução de impostos

Em termos gerais, a taxa de IRS sobre os rendimentos prediais vai reduzir-se de 28% para 25%. Esta taxa será sucessivamente mais baixa consoante o prazo dos contratos seja maior.

Actualmente, é imposta uma taxa de IRS de 26% para contratos com prazo entre dois e cinco anos; agora, a taxa baixa para 25% para todos os contratos até cinco anos. Para contratos entre cinco e dez anos, a taxa baixa de 23% para 15%; para prazos entre dez e 20 anos, a taxa é reduzida de 14% para 10%; para contratos com um prazo superior a 20 anos, a taxa é reduzida de 10% para 5%.
Arrendamento acessível

Ainda do lado fiscal, são criados incentivos para a promoção do Programa de Arrendamento Acessível. Hoje, este programa já prevê a isenção total de IRS sobre os rendimentos prediais dos proprietários que pratiquem rendas 20% abaixo da mediana do mercado. Agora, o Governo propõe acrescentar a isto a isenção de IMI, por três anos, para os proprietários que coloquem as casas no arrendamento acessível, bem como a isenção total de IMT na compra para reabilitação se, após a reabilitação, a casa for colocada no arrendamento acessível.
Rendas antigas congeladas

Ao contrário do que chegou a ser sugerido aquando da publicação do Orçamento do Estado para 2023, que não inclui uma nova prorrogação do prazo de suspensão da transição de contratos de arrendamento antigo para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), o Governo diz agora que quer "garantir a não transição dos contratos para o NRAU".

Em vez disso, vai compensar os proprietários com casas arrendadas sob estes contratos, por via de uma isenção de IMI e de IRS sobre os rendimentos prediais destes senhorios. Ao mesmo tempo, pretende "regulamentar a compensação a dar ao senhorio" pela não actualização destas rendas antigas.
Arrendamento compulsivo

Foi anunciada a criação de um "regime de arrendamento compulsivo" de casas devolutas. Foi apenas esclarecido que caberá ao Estado ou ao município pagar ao proprietário a renda devida pelo arrendamento dessa casa, que será subarrendada, pelo Estado, junto do mercado. Não são conhecidos mais detalhes, nomeadamente quais os critérios que têm de ser verificados para que uma casa possa ser requisitada pelo Estado, durante quanto tempo vai vigorar o programa ou quais os valores que serão pagos pelo arrendamento das casas.