14.2.23

4815 crianças foram abusadas pela Igreja Católica em Portugal nos últimos 72 anos

 Natália Faria e Miguel Dantas, in Público

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa validou 512 testemunhos de abusos sexuais cometidos por clérigos.

"Não basta acompanhamento espiritual dos abusadores"

"É importante haver mais celeridade da Justiça", alertou o psiquiatra Daniel Sampaio, para quem não basta o acompanhamento espiritual dos abusadores. “As pessoas têm de ser tratadas do ponto de vista psiquiátrico e psicológico”, avisou.

Daniel Sampaio quer estudo a nível nacional

“A característica fundamental do abuso é o poder que o abusador tem em relação à criança”, disse o psiquiatra Daniel Sampaio, segundo o qual “é a partir desse poder que se vai realizar o abuso”.

“Nas instituições religiosas aparece uma vulnerabilidade da criança que é ampliada por uma crença espiritual, portanto a relação espiritual entre o abusador e a criança torna a criança mais vulnerável”, acrescentou, para reproduzir uma frase ouvida a muitas das vítimas: “O senhor padre é a voz de Deus.”

Daniel Sampaio defendeu que deve ser feito um levantamento sobre abusos sexuais a nível nacional, fora da Igreja. “Existe um problema na Igreja, mas existe também um abuso sexual na sociedade em geral”, disse, especificando que entre 85% a 95% dos abusadores são homens e em 75% dos casos as vítimas vão ter sintomas psicopatológicas ao longo da vida, que vão da depressão a problemas de auto-regulação emocional e perturbações de sono.

As vítimas de abuso sexual em criança também manifestam riscos acrescidos de mais tarde adoptarem comportamentos como o abuso de álcool e drogas e mesmo a desenvolverem esquizofrenia.

Idade média das vítimas no início dos abusos é de 11,2 anos
Miguel Dantas

Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria são os distritos com mais casos de abusos sexuais na Igreja católica nos últimos 72 anos. Esta é uma das conclusões da investigação aos casos de abusos na Igreja católica portuguesa. A comissão independente revela, esta segunda-feira, em conferência de imprensa, os dados sobre os testemunhos recolhidos e validados.

"Na amostra predominam pessoas com grau de literacia elevado, 32% tem licenciatura, mas há um grupo elevado – quase 18% - que só tem habilitações literárias até ao nono ano. A idade média do início dos abusos é de 11,2 anos.”, explica Pedro Stretch, que lidera a comissão independente que investigou os casos de abusos sexuais na Igreja católica.

"Não há reparação possível"

“Perdi toda a relação que tinha com a Igreja, acredito apenas no meu Deus, e, esse sim, é bom”, é uma das frases das vítimas de abuso sexual cometido por membros da Igreja, citada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, segundo o qual “a maior parte das vítimas não acha que haja reparação possível, mas aguarda um pedido de desculpa dos abusadores”

Pico de abusos entre os anos 60 e 90 do século passado

Rita Ferreira

Pedro Strecht revelou que o pico de abusos aconteceu entre 1960 e 1990, mas também há relatos de abusos já neste século.

Entrecortando os dados com testemunhos de grande violência dados pelas vítimas - com descrições de conversas dos abusadores para as vítimas, dos toques, dos sítios onde aconteceram - o pedopsiquiatra explica os locais onde predominantemente ocorreram os crimes.

Em seminários, colégios internos e instituições de acolhimento da Igreja católica, confessionários, sacristias e casa do pároco. Mais tarde estas situações passam também a acontecer ao ar livre, nomeadamente em agrupamentos de escuteiros.

Segundo a comissão, "96% dos abusadores são sexo masculino e 77% tinham a função de padre".

Foram validados 512 casos de abuso. O "número mínimo" de vítimas ultrapassa as 4800
Miguel Dantas

A comissão independente que investigou as suspeitas de casos de abuso sexual na Igreja católica portuguesa validou 512 testemunhos, identificando um "número mínimo" de 4815 vítimas.

O calendário do dia

Todo o dia vai ser preenchido com este assunto:

9h30 — apresentação do relatório da comissão independente na Fundação Calouste Gulbenkian e divulgação do sumário executivo

12h — publicação do relatório integral no site da comissão

16h — conferência de imprensa do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, para dar a conhecer a posição da Igreja sobre o relatório hoje divulgado

Começa às 9h30 a divulgação do relatório

Bom dia. O PÚBLICO vai acompanhar durante todo o dia a divulgação do relatório da comissão independente criada para estudar os abusos na Igreja católica portuguesa.

A conferência de imprensa está marcada para as 9h30.