10.2.23

A pobreza energética não é irreversível

Basílio Simões, opinião, in Dinheiro Vivo

Provavelmente, está a ler este texto em casa, com algum tipo de aquecimento ligado, para estar confortável, nestes dias em que o sol se põe mais cedo e a temperatura começa a descer. No entanto, milhões de pessoas, em Portugal e na Europa, não têm a possibilidade de o fazer, porque continuam a viver numa situação de pobreza energética. E o futuro não nos permite grandes otimismos: o aumento dos custos da energia e a inflação vão agudizar o problema. Mas a pobreza energética não é irreversível.

A União Europeia renova, a cada ano, alertas sobre a pobreza energética. De acordo com dados do Eurostat, cerca de 35 milhões de pessoas - ou seja, aproximadamente 8% da população - não conseguiam manter as habitações adequadamente aquecidas. O impacto social, e na saúde da população, desta realidade é avassalador, com consequências sobre dezenas de milhões de europeus. Neste inverno, devido ao aumento da inflação e à crise do preço do gás e da eletricidade, muitos mais vão sentir frio e ter pela frente decisões complexas, como escolher entre aquecer a casa ou despesas igualmente básicas, da alimentação à compra de roupa.

Como fazer face a este problema? A qualidade de construção e o isolamento das habitações, em muitos casos, não ajuda. Por outro lado, ainda há muitos equipamentos pouco eficientes que continuam a ser utilizados, com muitos custos e poucos ou nenhuns resultados.

Seja no inverno ou no verão, urge combater a pobreza energética, através da promoção de boas práticas de consumo e conforto térmico em casa. A crescente eletrificação das nossas vidas, com veículos elétricos, sistemas de ar condicionado, sistemas de aquecimento e de arrefecimento de águas quentes sanitárias baseados em bombas de calor, termoacumuladores, e outros, são cada vez mais centrais na satisfação das nossas necessidades mais básicas, e ainda bem que assim é pois são escolhas efetivamente mais eficientes, com óbvios benefícios para a nossa carteira e para o planeta.

Mas como integrar tudo isto numa lógica ambiental, usando energia limpa e, sobretudo, produzida localmente para minimizar perdas? A resposta está na produção descentralizada, nomeadamente com a utilização sistemática dos telhados para produção fotovoltaica e nas Comunidades de Energia Renovável (CER), que possibilitam aos seus membros serem produtores e, ao mesmo tempo, consumidores e comercializadores de energia, sendo ressarcidos e remunerados pelo serviço providenciado ao partilharem os seus excedentes com os vizinhos que não disponham de telhados para satisfazer as suas necessidades de consumo.

Ainda há um longo caminho pela frente para democratizar esta que é já uma realidade, mas ainda apenas para alguns. Desde logo, necessitaremos de redes elétricas robustas e digitalizadas, de contadores (efetivamente) inteligentes, que forneçam dados de telecontagem (de produção e/ou consumo), em tempo real, e de sistemas interoperáveis, onde seja possível combinar as plataformas existentes no mercado com os sistemas dos operadores. No fundo, é preciso ter uma gestão otimizada dos recursos energéticos disponíveis.

Um interessante relatório da Associação ZERO, intitulado Economia de Bem-Estar - Uma Visão para Portugal em 2040, dedica uma parte às questões de energia, edifícios e mobilidade. A promoção das CER é central numa estratégia que tem por base quatro P: "propósito" para proporcionar bem-estar humano e ecológico, "prevenção" de falhas, "pré-distribuição" de uma economia focada em providenciar os resultados que as pessoas e o planeta precisam e "pessoas" empoderadas, que possam estar envolvidas nas decisões e na definição das agendas.

Também o sistema energético precisa de ser democratizado. A transição energética pressupõe a participação ativa de todos. As CER possibilitam esta participação e esta democratização, garantindo que cidadãos, empresas e instituições, públicas ou privadas, possam produzir, consumir, armazenar, vender e partilhar a energia produzida de base renovável.

As CER serão, assim, a par com as melhorias a nível do isolamento térmico das casas, uma das principais vias para o combate à pobreza energética, ao trazerem a produção de energia limpa e barata para junto de quem mais necessita dela e tem poucos meios para a adquirir.

Basílio Simões, vice-chairman e cofundador da Cleanwatts