14.2.23

Ainda não abriram candidaturas a programa de bolsas para ciganos no ensino superior

Ana Cristina Pereira, in Público

Gabinete da ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares diz que “o programa será lançado ainda este mês”. Há estudantes que se afligem para pagar as contas.

Ainda não estão abertas as candidaturas para o Programa Operacional Para a Promoção da Educação (Opre), destinado a ciganos que pretendam frequentar ou já frequentem o ensino superior. O gabinete da ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares limita-se a dizer que o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) “está a tratar dos procedimentos habituais” e que “o programa será lançado ainda este mês”.

Osvaldo Russo, 32 anos, no terceiro ano de Direito na Universidade de Coimbra, está numa aflição. “O Opre fomentou em mim aquela vontade de voltar a estudar.” Tornou à escola. Terminou o secundário e apresentou-se no concurso especial de acesso ao ensino superior Maiores de 23.

Estava convencido de que encontraria todo o apoio necessário. O programa prevê a atribuição de 40 bolsas. Há uma prestação pecuniária que pode ir até 1500 euros para cobrir despesas como a matrícula, a propina, o material escolar, o transporte. Excepcionalmente, pode cobrir alojamento.

Cada bolseiro conta com um mediador, que deve acompanhar o seu percurso escolar, promover iniciativas dirigidas às respectivas famílias e acções de sensibilização junto das comunidades ciganas e não ciganas. Todos têm acesso a um Programa de Capacitação, com “soft skills”.

Em 2020, no ano em que Osvaldo Russo entrou na Faculdade de Direito, as candidaturas abriram logo em Outubro. No ano passado, só no dia 17 de Janeiro. Este ano, o segundo semestre está já a começar e nada. Osvaldo teve de se endividar. Não entende a razão pela qual o concurso não abre no início do ano lectivo. “Será que depois de voltar a sonhar, uma pessoa tem de desistir?”

O programa começou, em 2015, por ser uma iniciativa da sociedade civil. Chamava-se Opré Chavalé – ergam-se jovens ciganos!, e aliava a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e a Letras Nómadas. Foi, em 2016, transformado numa política pública de acção afirmativa. É promovida pelo ACM, em parceria com a Letras Nómadas.

O projecto-piloto, desenvolvido no ano lectivo 2015/2016, só envolveu oito estudantes. Sendo um programa, o número de bolsas atribuídas tem subido de ano para ano: 24 em 2016/17, 28 em 2017/18, 33 em 2018/19, 37 em 2019/20, 41 em 2020/21 e 39 em 2021/22.

No ano passado, eram 22 homens e 17 mulheres a frequentar o ensino superior – de Bragança, Vila Real, Porto, Viseu, Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa, Portalegre, Faro. Um em Medicina, uma em História e Património, uma em Antropologia, um em Psicologia, uma em Relações Internacionais, uma em Ciência Política, um em Turismo, vários em Educação, Serviço Social, Direito, Solicitadoria. No fim do ano, segundo o gabinete da secretária de Estado da Igualdade e Migrações, estavam 12 bolseiros em fim de ciclo. Nove terminaram as suas licenciaturas (quatro mulheres e cinco homens) e outros três os seus mestrados (uma mulher e dois homens).

Só temos acesso a bolsa no segundo semestre. Isso implica um grande esforço para a família. Para quem tem uma grande dependência da bolsa, isto pode levar à desistência

João Brunho, 22 anos, estudante de Direito

Osvaldo Russo, casado, com cinco filhos, segurança a meio-tempo, não é o único que se aflige para pagar as contas. O seu colega de curso João Brunho, de 22 anos, no primeiro ano, também está a ver a vida malparada. “Estou dependente dos meus pais, daí a bolsa ser fundamental.” O pai é segurança e a mãe empregada de limpeza.

“Temos mais despesas no primeiro semestre”, sublinha João Brunho. “Temos de adquirir livros que vamos usar o ano todo. Só temos acesso a bolsa no segundo semestre. Isso implica um grande esforço para a família. Para quem tem uma grande dependência da bolsa, isto pode levar à desistência.”

Não é a única política pública de acção afirmativa na educação: o Programa Roma Educa, destinado a estudantes do terceiro ciclo do ensino básico e do ensino secundário. Esse passou de 49 bolseiros na primeira edição (2019) para 120 na segunda (2020). No ano passado, mantiveram-se os 120.

No levantamento feito no ano lectivo de 1997/98, não havia dados sobre pré-escolar. Estavam 5420 crianças ciganas matriculadas no 1.º ciclo, 374 no 2.º ciclo, 102 no 3.º ciclo e 16 no secundário. No ano lectivo 2018/2019, 2570 no pré-escolar, 11.138 frequentavam o 1.º ciclo, 6097 o 2.º, 4684 o 3.º ciclo e 651 o secundário.