31.10.18

Um documentário para falar da crise da habitação: a história de um “crime em curso”

Mariana Correia Pinto, in Publico on-line

Em que momento e por que razão as nossas casas se tornaram "produtos financeiros"? Num documentário-investigação, Fredrik Gertten mergulha num problema global que vai para lá da gentrificação. E muito para lá do capitalismo. Push estreia-se no próximo ano.

A conversa repetiu-se vezes sem conta. Em diferentes geografias, com distintos interlocutores. Ricos, classe média, pobres. Todos falavam a Fredrik Gertten da tristeza sentida por serem expulsos do local onde queriam viver. De cidades onde o mais importante já não eram as pessoas. De casas a preços incomportáveis. O realizador sueco, entusiasta de temas relacionados com cidades e qualidade de vida, começou a questionar-se: afinal, o que tinha tornado as nossas habitações tão caras? A gentrificação parecia-lhe parte ínfima da explicação: o problema, decreta em conversa telefónica com o P3, é “mais profundo do que isso”. As casas como produtos financeiros, locais de depósito de dinheiro, campos de um jogo financeiro sem espaço para a humanização. Em Push — o seu documentário-investigação com estreia prometida para o próximo ano e uma campanha de crowdfunding aberta até 28 de Novembro —, promete levantar o pano deste “crime em curso”. E deixar um estímulo à acção: “Este é um problema de todos.”

A dada altura, a sensação foi de um déjà-vu do seu último documentário, Bicicletas vs Carros. Se o trânsito — fenómeno que nos “rouba tempo” e deixa “toda a gente infeliz” — passou a ser encarado como “natural”, também a habitação (ou a falta dela) ganhou o mesmo estatuto. Mas este “é um problema criado por nós”, recorda Fredrik Gertten para logo colocar a voz em tom de apelo: “Temos de parar de falar disto como se fosse uma coisa natural.”

A falta de habitação em estado condigno e preço aceitável atingiu um “nível de loucura”. E essa conjuntura “está a deixar toda a gente doente”. Não é exagero, garante Gertten. “Obviamente há gente a ganhar com este modelo”, consente, mas se pensarmos bem, em algum momento a engrenagem atingirá também os privilegiados. “Mesmo que tenhas sorte, os teus amigos podem não ter. A loja da esquina, onde vais, pode não ter. O teu bar preferido pode não ter.” E se isto não chegar a alguns, o realizador recorda princípios básicos de convivência em sociedade: “Mesmo que estejas feliz, outros não estarão.”

Com Leilani Farha, relatora da Organização das Nações Unidas sobre a habitação, como guia e fio condutor, Push recusa narrativas construídas e tantas vezes reiteradas. Se ano após ano pagamos mais pelas nossas casas (e as nossas casas são cada vez mais pequenas), a culpa não é apenas da inflação, da gentrificação, da urbanização. E o documentário promete prová-lo.

A teia tem “muito tempo”. Mas a crise financeira de 2008, e a cratera aberta pela falência do Lehman Brothers, é um “momento histórico”. Milhões de pessoas, um pouco por todo, perderam as suas casas. E o fosso cresceu: “É um sentimento estranho: nós temos cada vez menos dinheiro e as pessoas com posses têm mais dinheiro do que nunca”, opina. Fredrik Gertten acredita que foi nesse momento que o paradigma mudou: “Precisavam de locais para pôr o dinheiro e, na ausência deles, investiram em casas”.


Poderia não passar do “modelo clássico do capitalismo: comprar algo barato e vender caro”. O que mudou, diagnostica, foi fazer das casas um abrigo desse “excesso de capital global”. Dessa forma, algo inédito aconteceu: “Significa que alguém em Lisboa, no Porto, em Estocolmo ou Vancouver pode ter o dono da sua casa em São Francisco ou na Coreia. Não sabemos. Os donos das casas são neste momento produtos financeiros. É um modelo muito complicado.” Por outras palavras: o imobiliário passou a ser tratado como um produto financeiro que é transacionado [securities] e pode ir parar às mãos de fundos com milhares de investidores, em busca de um lucro fácil.

Em Harlem, Nova Iorque, a equipa de Fredrik encontrou um homem que gasta 90% do salário no seu apartamento: um T2, comprado por um fundo privado de investimento, custará, em breve, 3600 dólares. Em Barcelona, conheceu a família Ahmed que, tal como Ana Barbosa no Porto, resiste num prédio onde todos os vizinhos já abdicaram de viver. Em Londres, ouviu chamar “caixas bancárias no céu” aos muitos apartamentos vendidos como produtos financeiros e agora vazios.

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A “desregulação”, com raízes “nos anos 80”, fez agora florescer “senhorios sem rosto”, nada preocupados com quem habita as suas casas. “Eles só compraram um produto financeiro”, aponta Fredrik: “A distância entre as pessoas que vivem na casa e os donos nunca foi tão grande na história da humanidade.”

A resposta ao “esquecimento” da habitação como direito humano parece estar agora a arquitectar-se. O realizador sueco não visitou Portugal durante o seu documentário, mas Leilani Farha sim. “Falou-me, por exemplo, da situação dos vistos Gold. O investimento que apenas compra casa não é produtivo para um país. Não cria empregos. Essa política só está a criar problemas no mundo.” Em 2016, depois de visitas a Lisboa, Porto e arredores das duas cidades, a relatora da ONU e advogada de direitos humanos descreveu situações “deploráveis”. Recomendações? Construir habitação social, combinando-a com o mercado privado nos casos onde seja necessário. Implementar regulamentação para travar os despejos e efeitos da turistificação.

“A resposta é política”, assevera Fredrik Gertten, como político é o seu trabalho como realizador. Por isso, quis entrevistar quem pudesse ir ao fundo da questão: além de Leilani Farha, falou com o prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz, com a socióloga Saskia Sassen, estudiosa dos impactos da globalização nos anos 40, com o jornalista italiano Roberto Saviano, que trouxe à narrativa a problemática do “dinheiro criminoso” aplicado na habitação. Em fase avançada de edição, Gertten continua a reunir relatos de moradores apanhados nesta teia. Quer contribuir para o “conhecimento” sobre o tema, que lhe parece ainda escasso. E já anseia os potenciais efeitos do seu documentário-investigação: “Continua a falar-se de gentrificação, mas talvez seja mais do que isso. A gentrificação é quase um desenvolvimento natural. Isto não é natural.” Era bom que falássemos sobre o assunto.

Três freguesias de Lisboa com custo superior a 3500 euros por metro quadrado

in Jornal de Noticias

Três das 24 freguesias de Lisboa registaram preços de casas superiores a 3500 euros por metro quadrado (Euro/m2) no segundo trimestre deste ano, enquanto no Porto o valor mais elevado foi de 2142 Euro/m2, revelou o INE.
No âmbito da análise de preços da habitação ao nível local, o Instituto Nacional de Estatística (INE) informou que a freguesia de Santo António, que inclui a Avenida da Liberdade e áreas adjacentes em Lisboa, manteve o preço mediano da habitação mais elevado entre as freguesias da capital, tal como no primeiro trimestre deste ano, fixando-se em 4105 Euro/m2.

Em Lisboa, além da freguesia de Santo António, os preços medianos de venda de alojamentos foram superiores a 3.500 Euro/m2 nas freguesias da Misericórdia (3.894 Euro/m2), que inclui a área do Bairro Alto e do Cais do Sodré, e de Santa Maria Maior (3.632 Euro/m2), que inclui a área do Castelo e Baixa/Chiado.

Neste âmbito, as freguesias lisboetas de Avenidas Novas, Estrela, Arroios, Campo de Ourique, São Vicente, Alvalade e Santo António, "registaram, simultaneamente, um preço mediano dos alojamentos vendidos acima do valor da cidade de Lisboa (2.753 Euro/m2) e taxas de variação, face ao período homólogo, mais expressivas que a verificada na cidade (+23,4%)", informou o INE, referindo que a maior taxa de variação homóloga (+37,2%) entre as freguesias da cidade de Lisboa foi registada nas Avenidas Novas.

Já os preços medianos e taxas de variação face ao período homólogo inferiores aos da cidade de Lisboa foram registados nas freguesias lisboetas de Marvila, Santa Clara, Benfica, Lumiar, Areeiro, São Domingos de Benfica e Carnide.

Segundo as estatísticas de preços da habitação ao nível local, Marvila foi a freguesia de Lisboa com o menor preço mediano (1.543 Euro/m2) e a única freguesia com uma evolução negativa do preço da habitação face ao mesmo período do ano anterior.

Em relação à cidade do Porto, a União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde foi a que registou o maior preço mediano de alojamentos vendidos (2.142 Euro/m2), avançou o INE.

Entre as sete freguesias do Porto, destacou-se ainda a União de freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória, "por apresentar, simultaneamente, um preço mediano de alojamentos vendidos (1.777 Euro/m2) acima do valor da cidade (1.460 Euro/m2) e uma taxa de variação face ao período homólogo (+43,7%) superior à verificada na cidade (+24,7%)".

De acordo com as estatísticas, a União de freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos e a União de freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde registaram preços medianos de alojamentos vendidos (1.733 Euro/m2 e 2.142 Euro/m2, respetivamente) superiores ao valor da cidade do Porto, contudo, estas duas freguesias apresentaram uma variação homóloga inferior à da cidade do Porto (+21,5% e +22,9%, respetivamente).

Os dados indicam, ainda, que "as freguesias de Ramalde, Paranhos, Bonfim e Campanhã registaram, simultaneamente, preços da habitação e taxas de variação homóloga inferiores ao registado na cidade do Porto".

No segundo trimestre deste ano, a freguesia da Campanhã foi a que registou o menor preço médio de alojamentos vendidos (897 Euro/m2) e a menor variação homóloga (+14,1%), entre as freguesias da cidade do Porto.

Produzido pelo INE, as estatísticas de preços da habitação ao nível local têm a periodicidade trimestral e o âmbito geográfico é o país, apresentando para as cidades com mais de 200 mil habitantes (Lisboa e Porto) valores por freguesia.

Aleixo: como é viver no bairro que condenaram à extinção

José Miguel Gaspar, in Jornal de Notícias

É um cúmulo de problemas, uma overdose de perguntas: quando saem os 270 moradores do bairro social do Aleixo, no Porto? E para onde vão? E as três torres que restam, vai haver demolição? E o Fundo Imobiliário, por que não entrega as dezenas de casas que tem de entregar? E os junkies sem-abrigo, para onde é que eles vão? A única pergunta a que todos sabem responder ali é esta: e no Aleixo, há droga?
São os últimos habitantes e ali são todos feitos da mesma substância, carne, osso e ansiedade. Manuel Duarte e a mulher Maria Cândida, ele tem 67, ela 63 e em 2005 atroou-se num AVC, sobem juntos para o 13.º andar da sua casa na Torre 3 e vão demorar 15 minutos a subir porque a Maria Cândida demora mais do que os demais. O elevador avariou. Outra vez. Isto é um dia normal.

Joaquim Ferreira, 70 anos, Torre 2, 12.º andar, mora com a mulher Fernanda e um terrier chamado Torrete. Há três meses a polícia deitou-lhe a porta abaixo, a polícia dos peitos de plástico, assim, subitamente um susto estampido muito alto na manhãzinha, a farejar sabe ele o quê. "Vieram à droga, pois, nada, não havia nada, claro, pediram muita desculpa, paraquedistas, brutos". E a porta ficou abananada da entrada e ele é que teve de a compor. E também foi um dia normal.

Julinho Silva, nome artístico Buster, 26 anos, um rapper a emergir no meio da Torre 1, conseguiu uma coisa praticamente impossível: durante uma tarde inteira de um dia de sol de junho eliminou completamente de ações e sinais de droga o pátio frontal e a entrada da torre da sua casa. Está tudo gravado em vídeo, está no Youtube, nada de droga, parecia outro bairro, todos vestidos de orgulho à frente da torre a cantar e a cabriolar gestos de hip-hop, música e motas de rodas no ar, o orgulho levantado, o Julinho estampado a sorrir. E esse dia foi tudo menos normal.

O cerco imobiliário e a falta de capital
À meia-noite de um dia qualquer ou a qualquer hora do dia é perfeitamente possível e absolutamente seguro atravessar por qualquer uma das três entradas o Bairro do Aleixo, Porto ocidental, foz fluvial, vistas gloriosas de rio, mas quem o fizer deve saber que vai ser abordado pelos homens da oferta. Uma ou várias vezes. Eles são a paisagem oculta sempre lá, eles e os seus junkies consumidores, e nada nos prepara para a violência sensorial do que vamos ver: um parque recreativo de toxicomaníacos de andamento incessante que transfiguraram o bairro num condomínio de chuto a céu aberto, despudorado, sem semelhante na cidade e no país.
Há dez anos debaixo de um plano político especial de investimento público-privado de demolição das cinco torres, evacuação e realocação camarária dos moradores, o processo demora e deixa o bairro vexado num purgatório - um paraíso para quem quer comprar droga ou consumi-la logo ali; um inferno de teatro vivo e putrefação que persiste nos olhos de quem lá mora.
Passaram sete anos desde que Rui Rio, autarca maioritário de então, executou a ordem de demolição com explosivos da primeira torre de 65 casas e 13 andares e cinco anos quando foi arrasada a segunda. Houve alarme, protesto, manifestações, indignação, processos de tentativa de impedimento cautelar, mágoa, resignação e tristeza, foi assim sucessivamente até ao culminar numa memória terrível: o som retumbado de um prédio a partir-se ao meio, degolado por dentro, os olhos dos moradores gelados de horror.

Desde que tudo começou já foram realojadas 300 famílias, mas 270 pessoas permanecem suspensas nos três prédios restantes, cheios de pisos devolutos, de entradas entaipadas, de lares que já não o são, são agora lugar nenhum.

A demora é um problema de capital. O bairro está debaixo da regência especial do Fundo Imobiliário Invesurb, que quer no futuro erguer ali oito blocos de luxo para vender, mas a sociedade gestora, Gesfimo, da órbita do ex-BES, está paralisada e a nova gestão designada, Fund Box, entrada há dois anos com o novo acionista Mota Engil, só este mês obteve garantia bancária e aguarda ainda parecer da CMVM para seguir. Em dez anos, o Fundo falhou com clamor (os outros acionistas são António Oliveira e a própria Câmara, além do ex-BES, dividindo seis milhões de euros de capital) e só conseguiu entregar 23 casas de várias dezenas que tem de reabilitar ou edificar.

Se olharmos para trás vemos que o bairro, inaugurado há 42 anos para realojar habitantes das colmeias do Barredo, na Ribeira do Porto - foi no mesmo ano em que abriu o Brasília, o primeiro Shopping do Porto que exibiu escadas rolantes - é um erro arquitetónico de conflitualidade social em altura, sem varandas nem janelas grandes que virassem os habitantes para o exterior e para o cuidado coletivo do espaço comum. Como o bairro está com ordem de extinção, as torres degradam-se, os elevadores avariam, os moradores assistem há anos ao abandono progressivo do Estado: há muito fechou a escola e o centro de dia, fechou o café do Caetano, esboroam-se os jardins, cresce o lixo daninho por todo o lado, a recolha é disruptiva, os prédios apresentam-se na sua pior condição de sempre, com fachadas em notícia de perigo de ruir.

"O Aleixo é hoje uma tragédia que acontece a céu aberto", repetiu Rui Moreira, o autarca independente que sucedeu ao social-democrata Rui Rio há cinco anos, cinco meses após a última demolição. Moreira, que em tempo recente visitou o bairro sem Imprensa a ver, viu a degradação, a mancha perpétua na saúde dos consumidores e colocou em marcha a saída urgente de moradores até março de 2019. Mas passou já mês e meio e são escassos os contactos da Domus Social, os moradores não sabem se as regras de saída são as mesmas, não sabem se terão três locais à escolha como tiveram os realojados antes deles. Os 270 moradores sairão para casas camarárias que vagam na cidade à média de uma por dia, transpondo na urgência os outros munícipes do Porto cuja lista de espera é superior a mil.
Há duas mudanças recentes a reportar: no último mês o bairro levou uma ceifada nas ervas e no lixo que atapetava as ruas - um mar de corpúsculos de plástico e metal dos kits dos consumidores que largam tudo no chão: seringas, ampolas, tampinhas, toalhetes de desinfetar manchados de sangue que ficam espalhados abertos pelo bairro todo, parecem mapas do mundo disolutos ou mapas de tesouro perdidos que não levam a lado nenhum -, e ergueram-se cercas de arame em estacas de madeira para trajetos seguros à voltas das três torres, "são galinheiros", acusam os moradores, agora realmente cercados.

O problema da saúde pública foi identificado, mas não desaparece só assim, além de que o lixo daninho já está outra vez a medrar. O problema só se resolve quando for arrumado outro maior: o que fazer aos 60 a 80 velhos consumidores duros (cocaína, heroína e crack são as drogas do pódio; o crack, que é base de cocaína ou coca cozida e parece calcário ou açúcar sujo em cristal, é hoje a substância mais preocupante porque está em ascensão) que compram, consomem e ficam por ali no bairro dias inteiros a repetir?
Muitos são sem-abrigo, alguns pernoitam por lá, encolhidos nos cantinhos dos muros desmoronados, parecem desmaiados em cartões a desfazer, como o refluxo de uma maré que se recusa a vazar. O caso já foi superiormente anotado e tem motivado reuniões entre a Câmara e a Autoridade Regional de Saúde do Norte, que trabalham com as entidades no terreno que melhor dominam a situação. Além disso, reativou a discussão sobre a urgência das unidades de consumo assistido, vulgo salas de chuto, com o dossiê a aguardar agora deliberação e parecer da Assembleia Municipal do Porto.

A via-sacra de Maria Cândida é a subir
Mesmo que não queira, Manuel Duarte - que mora no Aleixo desde 1976 vindo da Viela do Buraco, na Ribeira, hoje são três, ele, a mulher Maria Cândida e a filha que mora com eles, mas já foram 11, com mais dois filhos, mais cunhados, mais os sogros e os netos - anda há cinco anos para trás e para a frente aos papéis com a Domus Social, a empresa de habitação municipal do Porto que coordena o processo de evacuação. "Vá descansado para casa que em breve vai ser chamado para sair", é esta a frase que mais vezes ouve do lado de lá do guiché. "Foram tantas que eu há muito que deixei de acreditar. Cinco anos?! Como é possível estar a pedir para sair de casa há cinco anos e ainda aqui estar, tendo eu a mulher como tenho nesta condição?", pergunta Manuel incrédulo a vacilar, a dizer que também já fez dois bypasses ao coração. "Como é que querem que a gente ande aqui para cima e para baixo com 13 andares de escadas cada vez que queremos ir à rua?".

Naquele dia, o elevador da Torre 3 tinha avariado outra vez. É um elevador novo e moderno, é um Schmitt, foi posto no verão, mas está parado no 1.º andar e por agora não se vai mexer. Manuel conta sem se rir o que é que aconteceu. "Às vezes chove aqui dentro", diz ele a ironizar sobre o episódio de terça à tarde quando uma vizinha resolveu lavar o pátio comum de um andar ou dois de cima de forma súbita e obstinadamente e pôs a mangueira a jorrar e a golfar. O Schmitt viu-se aguado, primeiro tremeu, depois tossiu e por fim parou. Chamou-se o técnico, o técnico veio, demorou, viu o chuveiro dentro do elevador, abanou a cabeça, decretou dois dias de repouso ao Schmitt e foi-se embora a dizer que não. "E nós que moramos lá em cima é que temos que alombar", queixa-se o Manuel da desconsideração. No dia a seguir, o Schmitt ainda inerte a secar, a mesma vizinha da aguada passa pelo elevador parado diz um palavrão e depois sai da torre a palavrear. "Parece que estão a gozar connosco. É sempre a mesma merda com estes elevadores", diz Manuel a reproduzir o comentário da vizinha sem uma única vez se rir.

É o meio da tarde, é uma tarde de sol do princípio de outubro e não está ninguém nos bancos de conversação que há nos pequenos pátios à entrada da rua do meio do bairro, um de cada lado de pedra debaixo das sombras estrelares das folhas dos plátanos altivos. Vão encher-se intermitentes de gente ao fim da tarde em conversas de vizinhas, mas são cada vez menos, dantes havia mais, é agora diferente o tom das conversas e Maria Cândida, que voltou da fisioterapia que faz todos os dias desde que teve o AVC, levanta-se lentamente do banco e prepara-se para continuar a ginástica, agora numa via-sacra de escadas sempre a subir.
São 208 degraus e pelo menos o dobro de passos até lá acima para ela e Manuel aflige-se confidencialmente de cara fechada a ver a mulher subir os lanços um passo de cada vez, dois pés em cada degrau, a mão do braço bom do lado do AVC sempre no corrimão, mas o outro braço e a outra perna do mesmo lado parecem esquecidos, o resto do corpo não os compreende, quer avançar, ela não tem culpa, demora-se a subir. E às vezes pára e sorri para a sua situação, mas só brevemente porque depois emudece para continuar a arfar e a escalar.

Manuel Duarte no teatro da degradação
Duarte, que fez sempre vida ali no bairro, trabalha desde os 12 anos, andou em tipografias, estojoarias, construção de expositores, agora é vigilante de sonos noturnos na segurança do Douro Villa, um condomínio vizinho com casas 20 vezes mais caras que a sua, vê todos os dias o teatro da degradação da droga à sua porta. Ele é como os demais, uma pessoa comum obrigada a fazer coisas extraordinárias: ver agulhas e espetados nas escadas logo pela manhã, que ele tem que enxotar; um ou outro junkie fugidiço que se meteu nos andares devolutos de cima do seu prédio para consumir e dormir, e que ele vai deportar dali em voz grossa; às vezes até limpa ele mesmo as pratas e os tarecos de metal e plástico que os viciados deixam no chão, não pode ser, ali há crianças.
Não é coisa que se queira ver, nem de manhã nem à tarde, nem se estiver sol e houver vento maravilhoso entre as árvores de folhas estrelares. Nem sequer à noite, porque os junkies estão sempre por ali, a garatujar, descampados, metidos nas suas tendinhas de cores precárias, obscurecidos, com luzinhas a tremer na cabeça, a vaguear no escuro mar preto interior da noite, e a noite, por acaso, ali nem é demasiado sombria, tem uma luz amável de candeeiros de amarelo sossegador.

Ele reage com perplexidade à pergunta. "Não, não acredito no plano especial que diz que nos tira a todos daqui até março". E depois a perplexidade dá lugar à ansiedade. "Já imaginou o que isto nos faz, estarmos a dias ou semanas de mudar de casa, eu sei lá, e não fazermos a menor ideia onde vamos viver? Imagine lá se puder", e depois a ansiedade dá lugar à melancolia e a cara de Manuel Duarte que é habitualmente muito branca obscurece.
Ali ninguém ignora o estigma e o ignóbil
O orgulho e o valor do orgulho em cada um é um sentimento palpável na postura das pessoas do Aleixo. É um sentimento comum mas exalta-se, não se disfarça, usa-se à mostra por fora do peito. Ninguém ignora o estigma da ignóbil droga, alguns fazem parte dele, muitos mais não, mas todos são levados nessa sombra, ceifados pela base no direito social da presunção da confiabilidade que devemos ter uns perante os outros.
Não é uma coisa de somenos, desconfiar de alguém só porque vem de um certo sítio de difamação, é isso o estigma e isso indigna. E magoa e inflama o orgulho e por isso o orgulho de pertencer ali às vezes é furioso, às vezes ressalta, crava-se na pele e persiste como uma tatuagem das torres enxertada nas costas de alguém. E salta para as paredes dos prédios, por fora e pelo interior recôndito, escadas acima até ao cimo dos 13 andares, todas as paredes estão escritas e rascunhadas com franqueza crua e espichada.

Na Torre 3 há mais declarações de amor, desenhos infantis e paredes beges por grafar; na 2 há muitos tags eriçados sobre o amor postos de outra cor, há mais declarações emendadas a tinta diferente na parede ou riscadas a vermelho zangado; e na Torre 1 é tudo diferente porque as paredes dali estão endemicamente ocupadas por gente ou por vultos que saem ocultos das paredes de gente. São paredes vivas, é neorrealismo encardido, galhardia, prosápia, bazófia, insultos pretos a políticos, à bófia e aos cavicórneos, com choques frontais de cores, amores riscados e aquela exaltação do andamento indestrutível, "Aleixo Sempre", "Aleixo Zone", "Xangai Aleixo", "Cardinal".
Joaquim e o episódio do estrondo da polícia
O bairro já não tem partes bonitas, só memórias e fantasmas de coisas que já não são. Joaquim Ferreira está ali a entardecer a juventude, olha pela janela do seu 12.º andar e vê o mesmo rio em que mergulhava quando era novo. Está agora mais à frente, ele já foi jovem, já foi comando indómito em Angola, já foi mais alto, já foi mais audaz, já saiu de peito feito a escorrer do rio de mão dada com aquela que viria a ser a sua mulher. Ela também se lembra, a Fernanda, tem 67 anos, era quando mergulhava na Ribeira, está agora na sua sala onde entra o sol, ela tem o joelho inchado, dá passinhos pequeninos, senta-se e põe-se a ver desatentamente a novela da SIC "Mar salgado". Também ela está mais à frente na torrente do rio, do outro lado da sua vista é a igreja branca da Afurada, quando anoitecer a igreja vai acender, as luzes vão derreter no rio, rajadas, e depois vê a fileira do casario pitoresco de cores variegadas e azulejos nítidos das casas dos pescadores.

"Será que vai ser o nosso último Natal aqui?", interroga-se Joaquim a afagar as orelhas do Torrete, o seu cão cordeiro jack russell terrier, "não acredito que a gente saia já, então estamos há tantos anos para sair e não saímos e agora dizem de repente que há casas?". Descrente, Joaquim evoca São Tomé e diz "só acredito quando vir, e digo mais, acredito quando tiver a chave na mão". E depois diz da sua vontade: "Eu não estou à procura de casa, eles é que nos querem tirar daqui. Pois podem querer, mas se quiserem têm primeiro que tratar de nós. E depois", continua ele ligeiramente agitado, o cão escapule-se para o regaço da novela da mulher, "vamos poder escolher para onde queremos ir ou vamos obrigados para algum sítio sem ver? É que se for assim não tem jeito, não tem jeito nenhum".

A morar ali desde o início do bairro, em 1976, "a Torre 1 ainda nem estava completa, era só esqueleto, mas foi ocupada mesmo assim, tomada de assalto pela noite", já passaram por aquela casa quatro filhas e dez netos do casal. Estão agora ali todos na parede, risonhos e a cores, a casa superlotada de retratos dos netos e das mães deles, até num passe-partout digital que passa fotos num mix em permanente aparecer, desaparecer.
E Joaquim recorda aquele encontro vespertino em que acordou com estrondo e a casa estava cheia de polícias peitudos de capacete a querer espiolhar. Ele rediz as perguntas que lhe fez a polícia e repete as respostas que lhes deu: "Droga? Tenho, medicamentos da farmácia. Armas? É, facas da cozinha, estão ali. Dinheiro? Olhe, agora está mesmo a gozar comigo, é?". E Joaquim diz a rir que a coisa não teve piada nenhuma: "É assim a nossa polícia de investigação, uma coboiada, primeiro arrombam a porta, só depois é que fazem as perguntas. É por sermos pobres? Não devia ser assim, pois não?".

Renato, o técnico social, também não sabe o seu destino
Também não sabe para onde vai, Renato Sousa, 48 anos, técnico social há duas décadas ali. Ele tem um olhar que parece permanentemente perplexo ou assombrado, e gere o gabinete de ATL que ocupa ainda 40 crianças no sopé da Torre 3. O jardim de infância há muito que saiu de lá, foi deslocado para o Fluvial quando se abateu a Torre 4, ainda funciona lá. Ali, no ATL, ao todo são seis assistentes pagos pela Segurança Social com apoio logístico da Câmara e nenhum deles sabe também quando sai - nem sequer para onde vai, se é que vai.
"Quando o vereador da Habitação Social [Fernando Paulo] teve a deferência de nos ligar dois dias antes do anúncio da nova evacuação foi uma surpresa. Tinham acabado de meter elevadores novos, gastaram 130 mil euros, pelo que se diz, e nada nos fazia crer que iríamos sair em seis meses".

Resignados, melancólicos, atravessados pela incerteza triste do destino, Renato diz que os moradores duvidam, receiam, desconfiam e fazem-lhe perguntas a que ele não sabe responder. "Nem sequer sei o meu destino... O nosso trabalho deverá continuar a ser desenvolvido na freguesia, mas não sabemos...", e Renato deixa o ar cheio de reticências a ressoar.
Ele está à porta do ATL na Torre 3, aparece Joaquim numa camisola caveada, vem a mulher minutos depois saber dele a seguir, ele saiu de casa sem avisar. "Avisei", diz ele, "tem que avisar", diz ela, "eu sei, avisei", diz ele a insistir, saiu de casa porque precisava do Renato para ver uns papéis e o Renato não atendia o telefone. "Estava ocupado", diz o Renato a mostrar o ecrã do telefone e as chamadas rejeitadas, "eu ajudo com os papeis de todos, vamos lá, volto já, diz ele a sair do pátio da associação do ATL. "Vou e aproveito e colo os papeis nas torres, é a viagem do passeio sénior ao São Bento da Porta Aberta, se calhar ainda vale a pena pedir ao santo", e ele ri-se, "pedir-lhe para não sairmos daqui".

E depois Renato vai lembrar as duas providências cautelares quando tentaram parar o despejo e a demolição, a última metida fora do tempo mas que ainda assim custou aos moradores uns bons milhares de euros, um advogado artolas que se aproveitou da convulsão. Mais tarde concordará com aquilo que todos acham e que ali todos dizem, os moradores foram sendo esquecidos, ficaram para trás dos outros problemas urgentes, problemas policiais, prediais, saúde pública, todas as ondas estendidas no tempo de rusgas, vigilâncias, investigações, prisões e tentativas de cercar e exterminar o negócio que no fim falharam sempre porque o negócio continua lá. Os moradores podem queixar-se, é um facto, eles estão numa sombra de estigmatização e essa sombra nem sequer desaparecerá quando o bairro desaparecer, a primeira memória pública será também a última e a que fica é a de um bairro que viveu 40 anos numa tempestade perfeita de droga.

"O passeio é já no dia 14, é grátis, podem vir", diz o Renato a cortar com os dentes a fita cola grossa transparente para colar o panfleto A4 na parede à saída do elevador da Torre 3, quatro ou cinco tiradas até o impermeabilizar, às vezes chove aqui dentro, e também ele recorda o episódio da chuva dentro do Schmitt e que parou o elevador.

E Renato sorri outra vez porque muitas vezes continua a sorrir de perplexidade, é uma coisa que se nota nos olhos dele, parece que uma parte deles ficou incrédula de olhar para o Aleixo para sempre. "Podem vir todos, é um belo passeio, todos não, só os seniores, é grátis, é dia 14, temos é que levar o tacho para poupar".

Julinho, os políticos e a defraudação
Claro que na noite do dia do videoclipe do Julinho a vida real caiu ali como é normal e todos voltaram aos seus papéis sociais. São papéis de informalidade adestrada, da burocracia da rua que dá saídas e rendimentos reais, conquanto ilegais, a quem quiser ou precisar.
Ele mora no epicentro desse comércio, a Torre 1 que está sempre a chamejar de compradores a entrar, de capeadores, recetores, entregadores e vigias, vozes ocultas com pregões ditos em código no ar - "é branca", "é castanha", "é Holanda", "Maradona", "Bolicao" - e Julinho que é imune, pois não fuma, não bebe, não se droga, não tem vícios invisíveis, diz que nunca quererá sair dali. "Isto é o meu berço e o meu enterro, quem me dera que fosse assim."


É lírico, Julinho, "adoro palavras desde pequeno, são as minhas balas, gosto mesmo é de escrever e disparar", diz ele e essa é a sua forma de resistência e de glorificação. Mas aquilo que ele fez naquela tarde de junho foi glorioso, gravou ali o vídeo de "Aleixo II", o single da sua nova mixtape "Sangue azul", aquela torre vil pareceu um prédio normal, ou quase, a flamejar de juventude a cantar e a dançar, com imagens aéreas solares, fumos festivos no terraço do 13.º andar, cá em baixo coreografias de bboys e gestos da cultura hip-hop cumpridos com grandeza de ânimo, o Julinho a comandar tudo. É uma imagem potente para quem conhece o ambiente habitual daquela torre, a torre do andamento que nunca pára, cheia de gestos furtivos do entra-e-sai, madrugada fora até ao nascente, noite e dia banca aberta, nem no Natal pode fechar.
É esse o poder libertador da música e da cultura, parece querer dizer Julinho Buster - e agora ele aponta a ironia do nome Buster, de Blockbuster, um nome que está em extinção como os blocos da casa dele -, que mora no 7.º andar da Torre 1 desde que nasceu há 26 anos. "É também a minha forma de resistir num bairro, o meu bairro, que sofreu sempre estigmas sociais, sobretudo o estigma da droga", diz ele, como na canção do clipe de três minutos e meio em que faz o relato e louvor do Aleixo e descreve aquilo que está a viver: "A morte respira-me na cara/ enquanto me oferece uma chapada/ mas eu agarro-me à vida/ de cabeça levantada" ou mais à frente "mas eu falo do que eu vivo/ do que eu sinto/ eu não minto/ eu recito sem papas na língua/ sobre línguas depravadas".

É um caso muito singular, Julinho, o rapper, uma flor correta a nascer no cisco, e a sua autenticidade merece singrar; nas suas canções - procurar "Buster" no Youtube - ele relata-se muito para lá daquilo que vê e que vive, abre o peito, confessa-se, diz sem peias que não tem mãe, foi consumida, que o pai nunca lhe liga, que só o vê em videochamada e se por acaso for Natal.

"Não sou seguramente louco por querer transformar o Aleixo em música ou literatura", argumentará Julinho agora de pé à frente do microcafé dos balneários do ringue de futebol do bairro, o único equipamento ainda a funcionar, as mãos metidas nas redes bambas do campo de betão cracado que fica atrás da Torre 1, já não há ali competições organizadas, só espontaneidade, desejo e às vezes desatino. "Eu não manjo nada de política, tás a ver?", diz Julinho a falar como um rapper a argumentar com as mãos, "mas os políticos enganaram-nos, vieram cá com as suas campanhas, diziam que eram por nós, que isto não ia abaixo, mais isto, mais aquilo, eu lembro-me, eu era novo mas eu lembro-me, toda a gente aqui se lembra, e depois quando se apanharam no poleiro, o poleiro do nosso voto, viram-se contra nós e mandam demolir o bairro à traição", diz Julinho, a falar de Rui Rio. "Não sou seguramente louco, mas quero aqui ficar para sempre, cresci aqui, sou daqui, estes são os meus amigos, a minha família é isto aqui", diz Julinho a abrir os braços. Talvez não tenha outro remédio que não seja olhar de frente, sempre de frente, e efabular aquilo, mas dizendo sempre a verdade, talvez não tenha outro remédio que seja não ter medo de abrir os olhos mesmo que à volta dele esteja tudo escuro e a enegrecer.

ONG e investigadores pedem debate antes de estratégia para prostituição em Lisboa ser votada

Aline Flor, in Público on-line

Proposta do PCP deve ser levada a reunião de câmara nesta quarta-feira. Técnicos e investigadores dizem que não foram ouvidos e contestam a mudança. Uma das instituições citadas na proposta pelo seu trabalho de referência não foi consultada e discorda dos princípios.

Um flagelo que é preciso combater ou um fenómeno que é preciso compreender? O debate sobre a prostituição e o trabalho sexual deve regressar à agenda da Câmara Municipal de Lisboa nesta quarta-feira. A proposta n.º 705/2018, através da qual os vereadores do PCP propõem a criação de uma estratégia municipal de intervenção nesta área, chegou a ser agendada para discussão no dia 25 de Outubro, tendo sido adiada. O vereador comunista João Ferreira confirmou ao PÚBLICO que vai pedir que a discussão seja incluída na agenda da reunião de Câmara desta quarta-feira, onde a proposta não consta na ordem de trabalhos.
João Ferreira explica que a estratégia agora apresentada “tem vindo a ser construída há vários meses”, incorporando contributos das várias forças políticas na câmara — “incluindo do próprio presidente” —, com a excepção do Bloco de Esquerda. A fricção entre os dois partidos começou em Abril, aquando da criação da Plataforma Lisboa — Trabalho Sexual, um grupo de trabalho técnico reunido pelo pelouro da Educação e Direitos Sociais (atribuído ao vereador do BE) que agrega associações com contacto com esta realidade.

Constituída em 2011, a RTS agrega associações que estão “em contacto directo com o fenómeno do trabalho sexual”, como a Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), o Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT) e a Labuta, um grupo recentemente formado de trabalhadoras do sexo. Pedem a Fernando Medina mais tempo para ouvir “as diferentes entidades/organizações com trabalho na área de Lisboa, antes que seja discutida na Reunião da Câmara Municipal”.

Já o GIITS pede “um novo adiamento da discussão”, para “que a sociedade civil portuguesa e comunidade académica sejam ouvidas sobre esta matéria”. Os investigadores reconhecem as “diversas visões de mundo que disputam a verdade sobre esta matéria, algumas a partir de argumentos moralistas e outras a partir dos argumentos dos direitos humanos”, mas alertam que ignorar a produção académica sobre este tema é “desconsiderar o estado da arte da questão, o que pode levar a políticas públicas enviesadas e que não vão ao encontro ao bem comum”.

“Violência sobre as mulheres”
Desde a criação da Plataforma Lisboa — Trabalho Sexual, várias vozes manifestaram a sua indignação com a abordagem proposta pela câmara. O Movimento Democrático de Mulheres, a Plataforma Portuguesa para os direitos das Mulheres e a organização O Ninho promoveram uma petição para que o termo “trabalho sexual” deixasse de ser usado pela autarquia.

Também o PCP se manifestou contra a abordagem e a nomenclatura, que afirma que nunca tinha sido usada até então. É preciso, no entender de João Ferreira, “reposicionar a câmara onde ela sempre esteve”. Considera a prostituição “uma forma de violência exercida sobre as mulheres”, que deve ser combatida “de várias formas”.
A Estratégia Municipal de Intervenção na Área da Prostituição, proposta pelos comunistas, prevê a elaboração de um estudo sobre a prostituição em Lisboa, assim como a criação de uma “plataforma de intervenção na área da prostituição e de outras formas de exploração sexual e combate ao tráfico de pessoas”, vocacionada para o apoio às vítimas da prostituição.

Outro dos pontos da estratégia proposta pelos comunistas é o apoio a “instituições com intervenção activa na prevenção e mitigação de situações de carência associadas à realidade da prostituição”. Uma das três instituições mencionadas é a Obra Social das Irmãs Oblatas (OSIO) — que “desde há largos anos tem intervindo de forma continuada junto das mulheres prostituídas em profunda situação de carência” —, que não constava nos primeiros rascunhos da estratégia, a que o PÚBLICO teve acesso nos últimos meses.
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Prostituição é trabalho? “Não sei se vamos conseguir consensos, talvez tolerâncias”

PCP quer estratégia municipal para a prostituição
A OSIO, contudo, faz parte das organizações (muitas das quais fazem parte da estrutura criada pela câmara de Lisboa em Abril) que agora assinam a carta da Rede sobre Trabalho Sexual, pedindo para serem ouvidas antes da votação da proposta que ignora o trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos meses. Carla Fernandes, directora técnica da Obra das Irmãs Oblatas, confirma que a organização não foi consultada para a elaboração da estratégia. “Tendo em conta a existência desta plataforma, é natural que haja surpresa”, diz.

Questionado pelo PÚBLICO sobre a não auscultação das organizações que trabalham no terreno e que colaboram com a câmara através da Plataforma, João Ferreira justifica que outras ONG foram ouvidas, como o MDM e O Ninho, além das outras forças políticas do executivo camarário. O vereador afirma ainda que as Irmãs Oblatas, apesar de não terem sido ouvidas na elaboração da estratégia, são reconhecidas no documento porque “já trabalhavam com a Câmara Municipal antes da alteração de posicionamento [a criação da Plataforma sobre Trabalho Sexual]”.
tp.ocilbup@rolf.enila

Taxa de desemprego desce para valor mais baixo desde 2002

Sónia M. Lourenço, in Expresso

Depois de uma ligeira subida em agosto, para 6,9%, a taxa de desemprego voltou a descer em setembro, indicam os dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados esta terça-feira

A taxa de desemprego voltou a recuar em setembro, indicam os dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados esta terça-feira. Segundo a estimativa provisória do INE, o desemprego caiu para 6,6%, menos 0,3 pontos percentuais do que no mês anterior. Mais ainda, para encontrar um valor mais baixo na taxa mensal é preciso recuar 16 anos, a setembro de 2002, quando se encontrava nos 6,5%.

Este recuo em setembro acontece depois de agosto ter ficado marcado pelo primeiro aumento da taxa mensal de desemprego desde fevereiro de 2016. Nesse mês o desemprego subiu 0,1 pontos percentuais, para 6,9%, indica a estimativa definitiva do INE. Um valor que representa uma uma revisão em alta face aos 6,8% avançados na estimativa provisória, há um mês. Recorde-se que os dados mensais divulgados pelo INE são ajustados da sazonalidade.

Voltando a setembro, a estimativa provisória da população empregada ascendeu a 4,8143 milhões de pessoas, mais 0,2% (7,4 mil pessoas) do que no mês anterior. Em termos homólogos, isto é, em relação a setembro de 2017, a população empregada aumentou 2%, ou seja, em 96,3 mil pessoas.

Quanto à população desempregada, a cuja estimativa provisória aponta para 340,4 mil pessoas. Número que traduz uma diminuição de 5,1% (menos 18,2 mil) em relação a agosto. Em termos homólogos, a redução foi de 22,7%. Ou seja, há menos 100,1 mil pessoas desempregadas do que em setembro de 2017.

Quanto aos jovens (dos 15 anos aos 24 anos), a taxa de desemprego também recuou em setembro. Segundo a estimativa provisória ficou nos 19,6%, o que compara com 20,3% em agosto. Em setembro de 2017 estava nos 24,5%.

Entroncamento comemorou o Dia Municipal para a Igualdade

o Ribatejo on-line

O Município do Entroncamento comemorou a 24 de outubro, o Dia Municipal para a Igualdade, data que pretende sensibilizar para a questão da igualdade de género apelando para a importância de uma vida par, igualitária entre homens e mulheres, promovendo uma cultura na comunidade através da participação cívica dos cidadãos e das instituições.
No âmbito destas comemorações o Centro Cultural recebeu o debate “Igualdade, Inclusão e Participação – à conversa com jovens”, que teve como moderadoras a Dr.ª Ricardina Dias e a Dr.ª Maria José Vicente da EAPN – Portugal Rede Europeia Antipobreza.

O debate contou com a participação de representantes de instituições da cidade, nomeadamente da Escola Secundária do Entroncamento, Escola Profissional Gustave Eiffel, programa Crescer na Cidade, Lar Fernando Eiró, Lar da Santa Casa da Misericórdia do Entroncamento, CERE e o Centro de Convívio.

No decorrer desta atividade foram criados grupos de trabalho que debateram e refletiram através da partilha de ideias e experiências as temáticas da Igualdade, Inclusão e Participação.

Ainda no âmbito destas comemorações realizou-se no passado dia 26 de outubro, na Biblioteca Municipal a tertúlia Conversas com Café subordinada ao tema “Igualdade, Género e Cidadania”.

O painel de oradores desta edição foi constituído por Bruna Tapada, coordenadora de Projetos na Associação Igualdade.PT, e Arnaldo Anastácio, comandante da Esquadra de Policia de Segurança Pública do Entroncamento, que apresentaram os seus testemunhos em questões sobre Igualdade, com o objetivo de apelar para a importância de uma vida par, igualitária entre homens e mulheres e para a promoção de uma cultura na comunidade, através da participação cívica dos cidadãos e das instituições. Esta edição contou também com a participação de Elsa Ribeiro, jornalista, que trouxe a esta conversa o seu testemunho de como as crenças limitam o potencial feminino.
Estes eventos tiveram como objetivo promover a reflexão em torno da igualdade de género e de oportunidades.

Meio milhar assinalaram Dia Municipal para a Igualdade

in Rede Regional

Cerca de meio milhar de participantes, entre crianças e adultos, participaram, de 23 a 26 de outubro, nas comemorações do Dia Municipal para a Igualdade no Concelho de Salvaterra de Magos, uma parceria entre a autarquia e o Núcleo Distrital de Santarém da EAPN - European Anti Poverty Network (Rede Europeia Anti-Pobreza).

A iniciativa envolveu um conjunto de atividades desportivas intergeracionais que percorreram as freguesias do Concelho, envolvendo participantes de várias idades e proporcionando momentos de partilha, sensibilizando para a construção de uma consciência cívica e social e para a criação de uma sociedade mais integradora, inclusiva e igualitária.

A vereadora com o pelouro da ação social na Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, Helena Neves, considera que estas iniciativas "são momentos importantes de educação para a cidadania" e que "os encontros de mais novos com mais velhos, são sempre espaços de grandes aprendizagens e de fortalecimento das relações humanas".

"Estes são passos fundamentais no caminho de construção de uma sociedade mais inclusiva, mais igualitária, mais respeitadora dos direitos humanos", acrescentou.

Os participantes foram também convidados a deixar um registo escrito ou em desenho alusivo ao tema “Para mim Igualdade é …”, um mural que ficará agora exposto nas várias localidades.

Fotos no Paço de Tavarede falam de igualdade

in Diário de Coimbra

No Paço de Tavarede, integrada na “Semana da Igualdade” que a autarquia promoveu, está patente ao público a exposição “Singular no Plural”, da autoria de Sérgio Aires e Maria José Vicente, que retrata dez homens e dez mulheres de etnia cigana, que escolheram percursos académicos e profissões bem diferentes da venda ambulante. Iniciativa que visa «combater o preconceito e os estereótipos» e mostrar, com testemunhos e rostos reais, que a comunidade cigana é heterogénea. Mas além das imagens, a exposição (e uma publicação) dá a conhecer um pouco das suas vidas.

Maria José Vicente, da EAPN Portugal/Rede Europeia AntiPobreza, a promotora do projecto, enaltece o papel da autarquia ao acolher a iniciativa que «ajuda a desconstruir ideias pré-concebidas e mostra outras realidades que a sociedade não tem conhecimento», a de que a comunidade cigana «não é só venda ambulante, há muitos no ensino superior e noutras profissões. Espero que a exposição desconstrua a ideia que temos sobre eles,», disse.

Por seu lado, Alexandre Nunes, chefe de Divisão de Educação e Assuntos Sociais da autarquia, adianta que, no concelho, existem cerca de mil pessoas de etnia cigana e que a Figueira é o município no país «com mais elementos no ensino superior». E desde que a autarquia iniciou a “Semana da igualdade” e instituiu o 24 de Outubro como “Dia Municipal para a Igualdade”, diz que nota «mais empenhamento», por parte das entidades que lidam com esta questão. O município, acrescenta, «tenta dar exemplo com a contratação de elementos ciganos para diversos serviços», e, além disso, diz haver «uma maior receptividade das entidades empregadoras». Todavia, admite, «há ainda um longo caminho a percorrer».

A Câmara tem em curso a implementação de um Plano Municipal para a Igualdade, que mereceu o reconhecimento da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, que atribuiu a este concelho duas menções honrosas (2016 e 2018), do prémio “Viver em Igualdade”, que distingue municípios com políticas que visem mitigar as desigualdades.
| Fotos no Paço de Tavarede “falam” de igualdade Alexandre nunes, Maria Vicente, tânia oliveira e Bruno Gonçalves

Carolina quer contar ao Instagram as histórias das matriarcas do “Norte do Norte”

Nuno Rafael Gomes, in Público on-line

Uma ex-gestora de projectos no Reino Unido passeia-se de bicicleta pelas aldeias do Alto Minho e de Trás-os-Montes e Alto Douro. Procura falar com as mulheres que já muito viveram. O resultado é a conta de Instagram As Matriarcas, que ainda pode resultar num livro.

Foi voltar de Londres, dizer olá, dar o adeus e ir para o “Norte do Norte”. À sua espera estavam as portas abertas de quem queria falar, conversas com histórias dentro, rostos cujas rugas anunciavam capítulos narrados devagar e dez minutos que se transformavam em horas. Carolina Mesquita, de 28 anos, quis saber das memórias das “mulheres fortes a quem não se dá valor, com histórias de vida duríssimas que não aconteceram há muito tempo”. Hoje, são as protagonistas do “projecto-paixão” de Carolina: As Matriarcas, uma página no Instagram que é um livro, um arquivo e um diário de bordo ao mesmo tempo.

A aventura de Carolina começou a 16 de Setembro, em Valença. A. Henrique Maia
Não é a primeira vez que a lisboeta procura descobrir relatos em primeira pessoa de desconhecidos. Fê-lo na capital britânica, para onde partiu em Janeiro de 2015. Lá, era gestora de projecto de uma startup. Para se aproximar de “cá”, foi conhecendo as pessoas que por ela passavam na rua e que falavam português. “Sempre gostei de escrever e fotografar, e em Londres retratei a comunidade portuguesa e falantes de língua portuguesa”, explica-nos. Onde? Em Little Portugal, uma região no Sul de Londres, casa dos primeiros emigrantes portugueses das décadas de 60 e 70, que partiram sem canudos nas mãos. Não foi o caso de Carolina, nem será o de muitos que por lá fazem a sua vida – e quebrar o estereótipo do “português sem formação” foi uma das missões do Little Portugal Project, para o qual a gestora também foi entrevistada antes de entrar na equipa.

Agora, com As Matriarcas, quer mostrar o que há para lá de uma imagem formatada. “Sinto que se desvaloriza o trabalho destas senhoras”, começa por dizer, expondo os motivos que a levaram a calcorrear os terrenos acidentados das aldeias nortenhas. “Muitas delas foram trabalhar para a lavoura, mas também trabalhavam em casa, e acha-se que, por isso, estas mulheres não têm histórias.” Portanto, fez-se à estrada: e de bicicleta (pelo menos nos primeiros tempos). O avô ia a Espanha e Carolina aproveitou a boleia. Saiu em Valença, tirou a bicicleta da mala e fez-se ao caminho. “Nas primeiras três semanas viajei sem pressas. Não fiz plano nenhum, não falei com organismos municipais, nada”, conta. “Foi tudo muito ao acaso, e viajar é isso.”
Continue connosco. Temos muitos outros artigos para si

Falar faz cair muros
Para além de pedalar durante horas no calor de Setembro, acampava “onde pudesse ou em parques de campismo”, e saía de manhã cedo para outra aldeia. “Nunca sabia como ia ser o dia seguinte, se conseguia pedalar durante três ou quatro horas, mas sentia-me segura.” Depois, passou a mover-se de carro, mas considera ambas experiências “bastante interessantes.”

Chegar a determinada aldeia nem sempre foi fácil – aliás, imprevistos (previstos por quem conhece a terra) como “um conjunto de vacas no meio da estrada” ou “a falta de rede em Sistelo” mudaram a rota, mas o desencontro trouxe outros achados. “São aldeias e aldeias por este país fora com pessoas que em breve não vão cá estar, e que têm muito para nos dizer.” Como a Dona Amélia Teixeira, proprietária da “Casa Grande” de Sonim, Vila Real, que não quis ver os filhos emigrar, como os vizinhos fizeram. Lá ainda viu “blocos de madeira para prensar as uvas à antiga.” Carolina também participou na vindima da Dona Deolinda, pisou as uvas e provou o vinho. Voltou com uma certeza: “Quanto mais pequena a aldeia for, mais acolhedoras as pessoas são.” E apesar do despovoamento, das terras votadas ao abandono e de, por vezes, pouco mais de um café e uma capela existirem para além de casas, “há um grande sentido de comunidade e de partilha”, mesmo não se sabendo o que ali vai haver “em 20 anos, se ninguém se preocupar.”

Uma concertina contra o esquecimento
“Ao início, quando me viam, deviam pensar que era uma maluca que por ali andava de bicicleta”, supõe. A verdade é que a conversa derrubava as barreiras e as desconfianças das mulheres que Carolina queria entrevistar. “As pessoas abrem-se. Acabam por desabafar, falavam de tudo: dos filhos, de como era dura, a vida. Quase todas elas choravam”, recorda. “Talvez lhes seja mais fácil para elas falar com um estranho sobre a vida.” E em todas as histórias vê interesse; por isso, diz que “sim” a qualquer matriarca que queira falar com ela.

Ao P3 disse “sim” numa pausa do projecto. “Estou a organizar as histórias todas, porque, para além do Instagram, gostava que isto resultasse num livro”, revela. Depois, partirá novamente para o Norte à caça de outras histórias noutros sítios (ainda) por ela desconhecidos. Carolina não tem família do Alto Minho nem de Trás-os-Montes e Alto Douro, mas tinha a obra de Miguel Torga a mostrar-lhe o caminho. Hoje, diz saber uma coisa: “Guerreiro é quem fica.”

30.10.18

Torres Vedras assinala a Semana da Igualdade e do Combate à Pobreza e Exclusão Social

in Torres Vedras Web

No dia 17 de outubro, pelas 17h30, será realizada a sessão de abertura da Semana e Inauguração da Exposição “Cubos | Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” com Ana Umbelino, Vereadora da Divisão de Desenvolvimento Social.

(DES)MURAR é o nome do programa para assinalar a Semana da Igualdade e do Combate à Pobreza e Exclusão Social, que decorre de 17 a 24 de outubro.
Concertando o Dia Municipal para a Igualdade com a iniciativa Pelo Combate à Pobreza e à Exclusão Social, a semana (DES)MURAR irá apresentar ferramentas informativas, artísticas e expositivas, tais como mostras, cinema, tertúlias e workshops.

No dia 17 de outubro, pelas 17h30, será realizada a sessão de abertura da Semana e Inauguração da Exposição “Cubos | Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” com Ana Umbelino, Vereadora da Divisão de Desenvolvimento Social, no Edifício Multisserviços da Câmara Municipal de Torres Vedras.

No mesmo dia, pelas 18h00 terá início a palestra “Economia Social e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” por Jorge de Sá, Professor Universitário, no Edifício Multisserviços da Câmara Municipal de Torres Vedras.
A Semana da Igualdade e do Combate à Pobreza e Exclusão Social surge no âmbito do Plano Municipal para a Igualdade e do trabalho desenvolvido pela Rede Social de Torres Vedras, procurando sensibilizar a comunidade para estas temáticas, contando com diversas ações, dirigidas a diferentes públicos-alvo.

O programa é organizado pela Câmara Municipal de Torres Vedras em parceria com ATV – Académico de Torres Vedras; Associação Incluir +; GIAV | Centro Social Paroquial de Torres Vedras; EAPN Portugal e Associação Animar; Organização Internacional do Trabalho; PSP.

Esta escola já não é só para ciganos

Ana Cristina Pereira (texto), Adriano Miranda (fotografia) e Ana Marques Maia (vídeo), in Público on-line

Escola do 1.º ciclo de Paradinha, em Viseu, só tinha crianças ciganas residentes num bairro de má fama. O jardim-de-infância, pelo contrário, era um modelo de inclusão. Um grupo de pais de crianças não ciganas do jardim-de-infância decidiu mantê-las em Paradinha, transformando a escola num lugar para todos e para cada um.

Há mais de dez anos que não se via crianças não ciganas na velha Escola de Paradinha, a três quilómetros do centro de Viseu. Havia-as no jardim-de-infância, a funcionar num edifício à parte, com entrada independente. Chegada a idade escolar, distribuíam-se por outras escolas do concelho.
Agora, no 1.º ano, há quatro crianças ciganas e oito crianças não ciganas, incluindo um menino com trissomia 21 e outro com paralisia cerebral. Agora, estudantes ciganos e não ciganos almoçam juntos no refeitório, correm atrás da bola, aprendem a desenhar letras “bonitas” e muitas outras coisas.

Pró-escolha, pró-bolos: atacar o sexismo pela barriga
O que aconteceu? Nas palavras do director do agrupamento Infante D. Henrique, João Caiado: “Aqui o fundamental foi os miúdos do grupo maioritário quererem dar seguimento na Escola de Paradinha. Os pais, em boa hora, decidiram mudar a escola. E tiveram apoio para fazer isso.”

Ainda não está tudo como os pais e as crianças imaginaram, mas Emília, uma menina cigana de seis anos, já acha que a escola está “muito fixe”. Luísa, uma menina não cigana de cinco, confessa que gostava de ver alguma cor no tecto. Maria, uma menina não cigana de seis, põe-se logo a imaginar um céu. Há-de ser “a melhor escola de Viseu”, acredita Tomás, um menino não cigano da mesma idade. Poderá inspirar outras comunidades escolares pelo país fora?

Escola-gueto versus escola inclusiva
Para perceber a história que aqui se vai contar convém, desde já, saber que o pré-escolar e o 1.º ciclo não funcionavam apenas em edifícios separados por um gradeamento, só interrompido por um portão quase sempre fechado. Um era uma espécie de gueto e o outro uma espécie de modelo de inclusão.

António e Alfredo frequentam o 4º ano. Ao fim do primeiro mês, Alfredo não tinha nenhuma falta. Havia outros sete alunos na mesma situação
Num lado, está um edifício do Plano dos Centenários, o megaprojecto de construção de escolas desenvolvido pelo Estado Novo. Lá dentro, arrumavam-se 20 alunos — os do 1.º e do 2.º ano numa sala e os do 3.º e do 4.º ano noutra, todos virados para o quadro de ardósia e para o quadro interactivo, sem livros que não os manuais escolares. Lá fora, um simples pátio de gravilha e terra batida.

No outro lado, está um edifício moderno. Lá dentro, 20 crianças circulavam por duas salas e um polivalente, com quadro de presenças, quadro com agenda semanal, quadro de tarefas, quadro de actividades, quadro interactivo, vídeos, livros, jogos, instrumentos musicais. Lá fora, uma casinha de madeira, um baloiço rústico, uma pista com pneus verdadeiros, projectos em curso.

O pré-escolar inspira-se no Movimento da Escola Moderna. Os alunos participam na planificação do dia-a-dia, trabalham (em pares ou pequenos grupos) numa lógica de entreajuda, integram a avaliação. A escola de 1.º ciclo seguia o método tradicional. O que ditava esta diferença? Uma pessoa: a educadora.

Uma educadora invulgar
Conceição Neto esteve colocada em Lisboa, na educação especial. Andou por Macau, antes de esse território transitar para a China. Regressou a Viseu em 1998. Não lhe pediram que desse apoio em várias escolas, como seria de esperar. Pediram-lhe que ficasse em Paradinha. Receberia crianças com paralisia cerebral e crianças ciganas residentes do bairro social situado a cerca de um quilómetro.

O bairro fora inaugurado no ano anterior. Os três blocos, dispostos em forma de “U”, incluíam 104 apartamentos, 99 dos quais propriedade da câmara. E esses acolhiam muitas famílias ciganas até então a viver nas barracas demolidas para dar lugar à construção dos acessos ao Hospital de São Teotónio. A escola, obrigatória, dizia-lhes pouco. O pré-escolar, não obrigatório, menos ainda.

“Estava de passagem, mas fui ficando”, recorda Conceição Neto, abrindo-se num sorriso. Pôs-se a fazer formação em educação de infância e em novas pedagogias, o que a aproximou da Escola Superior de Educação de Viseu. Atendendo à diversidade funcional e étnica, Paradinha tornou-se um local de estágio. Alguns professores começaram a inscrever as suas crianças ali. Entre eles, Mara Maravilha, que desenvolve trabalho artístico nas áreas de performance, teatro/cenografia e instalação.

Mara tem ali as duas filhas — Maria, de seis anos, e Carlota, de três — e nem sabe dizer quantas vezes ouviu: “Com tantas escolas em Viseu, foste pôr as tuas filhas em Paradinha!” Outros pais relatam experiências semelhantes. Joana Medeiros, por exemplo, fazia questão de dizer que o filho, Bernardo, de seis anos, frequentava o Jardim-de-Infância de Paradinha e amiúde perguntavam-lhe: “Tem muitos ciganos?” Respondia: “Tem, tem! Funciona limpidamente!”

Bernardo começou a ler antes dos quatro anos. “No ensino normal, era um bicho. Um dia, chegou a casa a dizer que não queria mais ir para a escola”, conta a mãe. Ali, recuperou a alegria de aprender. A turma funcionava como uma comunidade democrática e cooperante. Ele podia ler para os outros e os outros podiam ajudá-lo a fazer qualquer coisa que lhe custasse mais.

“Além das boas condições, existe a parte humana que faz a diferença”, corrobora Daniel Lourenço, pai de Diogo, o menino com paralisia cerebral, referindo-se à educadora e às auxiliares. “Os miúdos gostam de estar aqui. Eles adaptam-se. O meu filho evoluiu imenso. A questão da etnia não é factor de conflito — nem entre miúdos nem entre pais, que convivem nas festas.”

Ao aproximar-se a idade de transição para o 1.º ciclo, os pais de seis crianças não ciganas e os pais de uma criança cigana começaram a pensar na mudança de escola. Não encaravam Paradinha como uma opção. Desde 2008 que a Escola de Paradinha só acolhia crianças ciganas residentes no bairro social homónimo. Muitas tinham dificuldade em concentrar-se, em cumprir regras, em respeitar colegas, professores e auxiliares. A indisciplina, o absentismo e o insucesso marcavam o quotidiano.

Em 19 anos duplicou o número de ciganos na escola obrigatória
Mara desanimou-se logo no início das “buscas”: “É tão triste chegar a uma escola e encontrar aquilo que vivi há 30 anos — o ensino em gavetas, as crianças sentadas o dia inteiro, de costas voltadas umas para as outras, em comboio, a absorver a matéria.” Não desejava sujeitar a filha àquilo. Procurava uma escola pequena, que melhor se ajustasse à menina, ainda “em estado de encantamento e de curiosidade pelo mundo”. E ia partilhando as suas angústias com outros pais.

No princípio de Março, Mara foi buscar as filhas ao mesmo tempo que Ângela Fernandes, mãe de um menino chamado Sebastião, de quatro anos. Enquanto as crianças saltitavam até ao portão, elas tratavam de pôr a conversa em dia. “Já sabes onde vais pôr a Maria?”, perguntou Ângela. “Ainda não”, respondeu Mara. “Ontem à noite, eu e o Sebastião estivemos a conversar. Ele disse que queria ficar na Escola de Paradinha, eu disse-lhe que não e ele ficou muito indignado.”

A primeira reacção de Mara foi: “Esquece! Não vamos colocar os nossos filhos nesta escola, conhecendo nós a realidade!” Ao entrar no carro, já ponderava: “O Sebastião tem razão… Por que não podem ele e as outras crianças continuar aqui, com a mesma qualidade que têm no jardim?”

Uma abertura inesperada
Naquela mesma noite, Mara mandou uma mensagem à educadora. Na manhã seguinte, Conceição barafustou: “Não! Nem pensar! Não vamos pôr uma criança [não cigana] sozinha numa escola 100% de etnia [cigana]!” “Sempre defendi que a inclusão se faz pela positiva, não pela negativa”, diz.

Isaque Pinto está no 4.º ano e ganhou agora um novo ânimo com a escola
Enquanto representante dos pais, Mara queria, pelo menos, questionar o director. Imaginou João Caiado a dizer que ela era livre de matricular a filha em Paradinha. Preparou-se para fazer a defesa da escola pública de qualidade, esgrimir argumentos capazes de o fazer entender que aquela escola era imprópria. E ele surpreendeu-a ao sugerir-lhe que se juntasse a outros pais e criasse um projecto educativo.

“Eu tinha ideia de que era com vontade e força que se mudavam as coisas, mas não tinha ideia de que podia ser recebida com uma proposta destas”, admite Mara. Finda a reunião, telefonou à educadora. Assim, de repente, parecia-lhe “uma óptima ideia a possibilidade de falar com outros pais”. No dia seguinte, já não sabia. “Acordei a pensar que, se calhar, não valia a pena.” Só que, entretanto, a educadora já falara com Daniel Lourenço e ele estava empolgado: “Vamos avançar!”

Num instante, outros pais se animaram. Nelson Martins e a mulher, Carla Nines, por exemplo, notavam a ansiedade no filho, David, de seis anos. “Eu gostava que ficássemos juntos”, repetia o menino. E desejavam que ele continuasse com os amigos e com o método de ensino, mas não viam como. “Há uma grande cumplicidade entre eles. Gostam muito de estar uns com os outros”, diz Nelson.

Aliaram-se seis famílias não ciganas. Puseram-se a ler, a discutir, a pensar em modos de quebrar a separação entre o pré-escolar e o 1.º ciclo, reduzir o absentismo e o insucesso, reforçar a capacidade pedagógica, promover “uma resposta de qualidade a todos e a cada um”. No dia 19 de Março, davam por terminada a primeira versão do Projecto Paradinha — Escola e Comunidade.

Convencidos de que a escola, tal como estava, era parte do problema, porque não dava oportunidade para pensar, desenvolver a criatividade, perceber a importância da educação para a vida, e pegando no Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Governo em 2017, delinearam o modo de dar continuidade ao pré-escolar.

A poucos dias das férias de Verão, as crianças soltavam a imaginação sobre o que seria a nova escola de 1.º ciclo. Isso mesmo se podia verificar ao juntá-las num banco corrido do jardim-de-infância.

“Nós queremos fazer um escorrega lá”, dizia Simão, um menino cigano, de seis anos, muito assíduo e pontual. “Tudo igual aqui”, anunciava Bernardo. Igual como? “Pneus. Uma pista. Uma casinha de madeira”, explicou. “Isso já temos aqui. Podem vir brincar aqui”, esclareceu a educadora. O portão passaria a estar sempre aberto. “Baloiços!”, tornou Simão. “Uma escalada”, propôs Maria, clara líder do grupo. “Três baloiços”, tornou Simão. “Uma escalada para crescidos”, continuou Maria. “Um buraco”, voltou Simão. “Se não quisermos ler mais, vamos para o buraco e saímos!”

Até nas escolas “há uma tendência para segregar” os ciganos
Simão estivera para não ser matriculado na Escola de Paradinha. “A mãe da Maria foi lá a casa falar com a minha mãe”, contou ele.
A mulher, de 26 anos, não tardaria a confirmar a versão do filho. “A Escola de Paradinha não tem condições”, enfatizou. “As professoras não se preocupam. Se as crianças souberem, sabem; se não souberam, não sabem. São ciganos, acabou! Não tem de saber ou deixar de saber! Nunca quis isso para os meus filhos.” Já por isso, matriculara a filha, agora com nove anos, na Escola de Jugueiros.

Nadja Soares não pode ir às reuniões de pais. Está em regime de obrigação de permanência na habitação. Está quase sempre confinada ao apartamento, ao qual se acede subindo por umas escadas atravancadas de tralha alheia. Quase só tem autorização para ir ao médico ou para levar as crianças a alguma consulta.

Mara Maravilha foi a casa dela. “Explicou-me que vai haver uma nova vida nesta escola, que vai ser uma melhor vida. Se vir que o meu filho não aprende, retiro logo e ponho onde está a minha filha e acabou”, avisou. “Quero que os meus filhos tenham estudos. Por sermos ciganos, não temos de ser marginais.”

Naquele dia, no jardim-de-infância, estavam a faltar Emília e Débora. No grupo que ia transitar para o 1.º ciclo, tirando Simão, só havia crianças não ciganas. “Há algum problema por Simão ser cigano?”, perguntou a educadora. “Não”, responderam os outros, em coro. “Há algum problema por irem para uma escola com mais meninos ciganos?”, tornou a perguntar. “Não!”

De que se faz o desencontro entre a escola e a população cigana?
Um ar de esperança soprava no Bairro de Paradinha. “Estamos contentes”, admitia Vanessa Torres. Tinha a filha, Iasmin, de sete anos, a frequentar o 1.º ano, e o filho mais velho, José, de nove, a frequentar o 2.º ano. “Gostava que tivessem contacto com outras crianças. É uma emoção que a gente sente ao saber que há pessoas que se importam com as nossas crianças e que não têm o preconceito que muita gente tem.”
A escola, assim, não lhe servia. Já ponderava transferir as suas crianças. Outras mães ameaçavam fazer o mesmo.

“O meu filho tem 11 anos. Andava no 3.º ano com os livros do 2.º”, queixava-se Carla Cabeças, mãe de um rapaz chamado Isaque, que gosta de usar uns óculos enormes e sem lentes, só pelo estilo. “Um dia mais tarde quer tirar uma carta de condução e não consegue.” Carina Pinto repetia a queixa, mostrando o caderno do filho, Isaías, também ele no 3.º ano com livros do 2.º: “Só faz desenhos!” Por ele, já não ia à escola. “Anteontem, quando acordei o meu filho para ir para a escola, ele disse: ‘Ó mãe, o que faço lá? Fico cansado. Não faço nada. Só brinco!’”

O único Estudo Nacional Sobre as Comunidades Ciganas — feito por Manuela Mendes, Olga Magano e Pedro Candeias, em 2014, a pedido do Alto-Comissariado para as Migrações — destapa percursos escolares curtíssimos. Os investigadores encontraram uma taxa de analfabetismo de 15,5%; cerca de 30% não tinham completado o 1.º ciclo; 39% tinham concluído apenas o ensino básico, maioritariamente o 1.º ciclo; só 6% terminaram o 3.º ciclo; 2,5%, o secundário.

O percurso daquelas três mães reflectia essa realidade. Vanessa saiu da escola aos 12 anos. Carina também saiu com essa idade. Carla saiu aos 13. E essa era a história da maior parte das ciganas portuguesas que têm hoje à volta de 30 anos. Já não é o percurso da maior parte das crianças da idade das suas.

"Os miúdos gostam de estar aqui. (...) A questão da etnia não é factor de conflito — nem entre miúdos, nem entre pais, que convivem nas festas"
Daniel Lourenço
Em 20 anos, mais do que duplicou o número de crianças ciganas a frequentar o ensino obrigatório. O Perfil Escolar da Comunidade Cigana, que caracteriza os alunos matriculados nas escolas públicas do continente no ano lectivo 2016/2017, mostra que o pré-escolar amedronta cada vez menos, que o 1.º ciclo está praticamente garantido, que há uma quebra do 1.º para o 2.º ciclo, outra do 2.º para o 3.º, que é nesta última etapa do ensino básico que há mais abandono, que poucos frequentam o secundário, embora haja cada vez mais gente a fazê-lo (alguns até tiram cursos superiores).
Nem Vanessa, nem Carla, nem Carina teorizaram sobre a história de exclusão e a defesa da cultura cigana. Não se puseram a falar na importância da virgindade das meninas, nas quais a tradição deposita a honra das famílias. Tão-pouco sobre a centralidade do casamento, que tende a celebrar-se em idade precoce. Focaram, sim, a fraca qualidade do ensino e o pouco que se espera de crianças como as suas.
As duas professoras, Célia Oliveira e Luísa Sousa, por sua vez, invocavam a desvalorização da escola, a fraca motivação para trabalhar, a dificuldade em ficar num espaço fechado, a relutância em cumprir regras, o fortíssimo absentismo. O interesse dos pais também lhes parecia, de um modo geral, reduzido. “Pede-se que venham buscar a avaliação e não vêm”, exemplificavam.

As mulheres ciganas estão a fazer a sua pequena revolução
Era extenso o registo de faltas (justificadas e injustificadas). O ano ainda não tinha terminado e na turma do 1.º ano já havia uma criança com 114 faltas, outra com 59, outra com 36, outra com 37. No 2.º ano, havia uma criança com 102 faltas, outra com 73, outra com 69, outra com 53. Os colegas tinham menos, mas não poucas: 43, 37, 31, 23, 11. Os cinco alunos do 3.º ano também somavam dezenas de faltas: 58, 54, 31, 27, 20. No 4.º ano, só um aluno tinha 44 faltas e o outro 22.

O exemplo de Maria Elisa, de 38 anos, seria paradigmático. Também se queixava do pouco que aprendera a neta que está a criar, Lucinda, de oito anos. “Ela está no 2.º ano e ainda não sabe as letras todas, só sabe algumas!” Só que não a obrigava a ir à escola. “Batiam-lhe e ela não queria ir!”

“O meu filho só não vai à escola se tiver alguma dor ou se for ao dentista”, apressava-se a afirmar Carla. “O meu também não falta”, assegurava Carina. O problema, para elas, era a escola e as professoras. “Elas não se esforçam porque é tudo cigano”, acusava Carina.

Estavam com fé naquilo a que chamavam “o projecto da Mara”. Ao fazer o projecto, Mara e os outros pais tinham ouvido os seus anseios. “Os miúdos vão querer ir à escola”, acreditava Daniel. “E vão levar para casa essa alegria. Porque é o que acontece com os nossos filhos aqui.”

Professoras escolhidas a dedo
O perfil da equipa educativa sempre pareceu fulcral aos pais que se juntaram para mudar a escola. Não queriam professores colocados por uma lista de ordenação. Isso não garantiria estabilidade, nem formação na pedagogia da Escola Moderna, nem motivação para trabalhar com turmas com diversidade cultural.

A escola pode ser um lugar onde as crianças ciganas se sentem protegidas
Escreveram ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, e à secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, que teve uma criança no Jardim-de-Infância de Paradinha. “Entendam, por favor, este nosso apelo como um grito de esperança e mudança no que consideramos ser a última oportunidade para transformar este espaço novamente numa escola”, lê-se no documento, datado de 16 de Abril. “Vemos nesta escola um problema grave para resolver, sim, mas também uma oportunidade única, e com sentido, de fazer dela uma ESCOLA de qualidade para TODOS.”

“Dentro do agrupamento, não apareceu nem um professor interessado”, revelou João Caiado. Desconfia que não foi por não terem a formação necessária (ou hipótese de a fazer). “Acho que se assustam com a ideia de trabalhar em Paradinha. Há muito que esta escola é evitada.”

O bairro quase só é notícia por más razões. Há dois anos, fez manchete o julgamento de 55 pessoas acusadas de tráfico de droga. Até Janeiro de 2014, haveria três pessoas a vender. Depois, houve detenções do Bairro da Balsa. A partir daí, e até Março de 2015, terá passado a haver uma lista de famílias que se revezavam. O Tribunal de Viseu condenou 46 pessoas, 30 das quais com pena suspensa.

No ano passado, o presidente da câmara, Almeida Henriques, pediu ao Governo um reforço de segurança naquela zona. “Não desejamos nem aceitamos que se alastre o sentimento de insegurança que é típico do modo de vida de bairros problemáticos de grandes cidades, mesmo que tal se confine a focos pontuais”, declarou então, segundo o site da Emissora das Beiras.

O lixo amontoa-se nas ruas. Limpam-no moradores que, por receberem rendimento social de inserção, são forçados a fazer trabalho socialmente útil. Quase não há iluminação pública. As lâmpadas foram destruídas com espingardas de pressão de ar. O carteiro só lá vai duas vezes por semana e com escolta policial. A escolta começou há uma década na sequência de uma agressão.

Para haver qualidade de ensino e igualdade de oportunidades para as crianças em desvantagem — o diagnóstico aponta para défice de estímulo cognitivo, de domínio da língua, de conhecimentos gerais sobre o mundo, de apoio da família, de saber estar —, os pais queriam quatro professores e não dois. E identificaram quatro, que o Ministério da Educação só teria de colocar. Previram também quatro assistentes operacionais no 1.º ciclo. Outras duas ficariam no jardim-de-infância, com uma nova educadora — Conceição Neto assumiria a coordenação da escola, cargo que não existia. Impunha-se ainda recuperar e readaptar o espaço escolar, o que convocava a câmara.

Atrasos nas obras e boatos no bairro
Aproximava-se o final de Agosto, os pais estavam muito preocupados: as obras ainda não tinham começado. E havia muito que fazer. Não bastava intervir nas salas. Todo o espaço escolar seria de aprendizagem. Nas traseiras, por exemplo, nasceria uma oficina de artes e um espaço de brincadeira. Para aumentar a área disponível, as crianças passariam todas a almoçar no jardim-de-infância.

Os trâmites legais não explicavam o atraso por inteiro. “No Verão, há muita gente de férias”, justificou a vereadora da Educação, Cristina Brasete, de visita à obra. “Tiveram dificuldade em ter os materiais. Começaram as obras e ficaram meio parados.” Por dentro, ficaria tudo feito. Por fora, ainda não.

Fez o elogio do projecto-piloto que, funcionado, poderá ser replicado, com reajustes. “Este projecto não vai acontecer só porque se quer”, enfatizou. “Tem de haver muita paciência. Estas crianças estão aqui há muito tempo.” Estava confiante, ainda assim. “Acho que vai fazer com que isto funcione é a conjugação de vontades.”
Adiou-se o arranque das aulas para o dia 24 de Setembro. Entretanto, um boato difundiu-se pelo Bairro de Paradinha.

Mário Pinto, que já foi mediador cultural e que tem duas crianças no 1.º ciclo, o Mário, de oito anos, no 2.º ano, e a Jordana, de 11 anos, no 4.º, desconfiava do benefício do projecto. “Vou ver quais as condições que lá vão pôr.” Havia 1.º e 2.º numa sala, 3.º e 4.º noutra. “Agora querem pôr 1.º ano só numa sala e 2.º, 3.º e 4.º noutra sala. Se for esse o caso, tiro os meus filhos! O que adianta? O resto do pessoal que é todo cigano vai ficar todo na mesma sala! Estão a fazer alguma regalia?”

Na rua principal do bairro, exaltavam-se os ânimos. “Corre que até os recreios vão ser separados”, comentava Carla Cabeças. Carina Pinto também ouvira: “Acho mal. O recreio é para toda a criança!” Mário previa o pior: “Se já havia confusões, mais confusões vai haver!”

Os pais não ciganos estavam abismados. Tanta receptividade antes do Verão! Algumas mães ciganas até tinham ajudado a definir as necessidades mais urgentes. Agora, acreditavam que eles queriam pôr meninos ciganos num lado e não ciganos noutro? “Há um mal-entendido muito grande”, lamentava Mara. “Se tivéssemos preconceitos, os nossos filhos não andavam naquele jardim-de-infância.”

Para sossegar os ânimos, João Caiado convocou uma reunião. Sim, o projecto começaria com 12 crianças do 1.º ano numa sala e 19 dos outros anos noutra. Tinham-se matriculado mais duas crianças não ciganas, Tomás e Francisco, o menino que tem trissomia 21. E havia mais um menino cigano, Ariel, com nove anos e uma doença genética, própria de populações fechadas, que somara tantas faltas que ficara retido no 1.º ano. “O projecto tem de começar com uma turma de 1.º ano”, salientava Conceição Neto. “Embora estejam numa turma, vão trabalhar com meninos de outra turma.” Quantos alunos do 2.º ano saberiam mesmo ler, por exemplo? “A ideia é trabalhar em grupos por níveis de conhecimento para que todos aprendam.”


A alegria infantil
Uma semana depois do início das aulas, a alegria extravasava os muros da escola. E o mal-estar dissipara-se.
“Aquilo que falavam não era”, admitia Carla. “Estamos a gostar. Os miúdos estão mais acompanhados. Há mais professoras, mais auxiliares, mais regras. Os meninos estão mais motivados”, concordava Carina. “Antes, era sempre a mesma rotina. Agora, fazem mais coisas. Antes, chegavam a casa e diziam que não queriam ir para a escola. Agora, estão com vontade de voltar”, tornava Carla.

Naquele dia, as crianças do 1.º ciclo tinham ido todas ao Festival Outono Quente, no Parque Aquilino Ribeiro, ver o espectáculo Don Afonso Henriques 3 em 1, um herói que salta de um livro para um programa de rádio, dentro de uma peça de teatro. E Alfredo, um menino cigano de 11 anos que frequenta o 4.º ano, dera a mão ao Francisco, o menino com trissomia 21. Estivera atento a visita inteira.

Alfredo estava animado com a mudança. “A escola está mais melhor assim!” Parece-lhe que se porta melhor e tudo. “Eu antes tinha cá o meu irmão e ele fazia disparates, dizia asneiras e isso.” Agrada-lhe ter mais professoras e mais crianças para brincar à bola, à apanhada, ao escondidinho.

Está tudo diferente. As salas não têm cadeiras viradas para o quadro. O quadro é só um recurso para a professora ou para o aluno que queira apresentar alguma ideia. As crianças trabalham em grupo de frente umas para as outras. O dia começa com a turma sentada numa manta estendida num canto, a delinear o plano para o dia. E termina com a turma a discutir o que foi o dia.
Pediu-se à turma de 1.º ano que se sentasse na manta a avaliar tudo. “Gosto muito desta escola. É muito divertida. Tem muitos meninos”, dizia Maria. “Eu gosto desta escola porque tem mais jogos, mais livros, mais professoras, mais amigos”, dizia Bernardo. “Tenho quase tudo o que eu queria.”

Naquele tapete, faltava Simão. Os pais matricularam-no em Paradinha, mas mudaram de ideias quando souberam que Ariel se juntaria à turma. Queriam que fosse para Jugueiros, como a irmã. Só que nessa escola não havia vaga no 1.º ano. Simão haveria de vir para esta escola ao 10.º dia, quando o número de faltas injustificadas já pedisse queixa à Comissão de Protecção.

“Estes já vêm trabalhados do jardim-de-infância. Estes já encaram a etnia com normalidade”, afiançava a professora Sandra Tavares. “Não há essa questão de este é cigano, aquele é não é cigano. Aqui há crianças. A palavra ‘cigano’ não se usa. Eles às vezes é que dizem: ‘Eu sou cigano.’ E eu pergunto. E não tens orgulho? E eles dizem: ‘Sim’.” Os da outra turma iam precisar de mais atenção.

Acreditar no poder transformador da escola
Um mês depois de iniciadas as aulas, Conceição Neto fazia um balanço positivo. As crianças estão a faltar muitíssimo menos. Não havia registo de conflito entre crianças ciganas e não ciganas, apenas entre crianças ciganas de famílias desavindas. Incidentes e divergências passavam da escola para o bairro e do bairro para a escola. “Vamos ter muitos obstáculos — já estamos a ter”, reconhecia. “Temos de esclarecer as famílias, dizendo sempre a verdade, abrindo as portas, mostrando que estamos a dar o nosso melhor, mas principalmente criando nas crianças a vontade de vir à escola.”

As regras apertaram. Quem chega depois das 9h15 já não tem direito a almoçar e quem inicia uma actividade de enriquecimento curricular não pode sair antes do fim. Foi accionada uma vasta rede de parceiros. Um deles é a Caritas Diocesana, que gere um centro comunitário dentro do bairro. O sociólogo António Ramalho está nesse centro a gerir uma equipa que pode bater à porta de quem está a faltar.

Cristiano Ronaldo: Claro que essa história interfere na minha vida
Um dos maiores desafios é fazer acreditar no poder transformador da escola. Ajuda ter bons exemplos para apontar. Ali, no bairro, moram pessoas com diferentes níveis de escolaridade, umas a trabalhar na venda ambulante, outras a trabalhar por conta de outrem, no mercado formal, o que é muitíssimo mais raro. Não pesa só a baixa escolaridade, também o estigma. “Há um processo de exclusão e um processo de auto-exclusão”, nota Ramalho.
Até quando andará o filho de Carina na escola? “Até ele conseguir. Gostaria que tivesse uma vida que a gente não tem. As feiras que dão? Mal é que o cigano não tem trabalho por ser cigano!” E o de Carla? “Gostava que não andasse, como nós, nas feiras, que tivesse uma vida como os outros têm.” E os de Vanessa? “Quero que estudem, que façam aquilo que eu não fiz, que vão para a faculdade.”

Desempregados com subsídio sobem 9% no mês de setembro

Joaquim Martins Fernandes, Correio do Minho

Centro distrital de Braga da Segurança Social processou mais 1279 prestações do que no mês de agosto.

O número de desempregados do distrito de Braga com direito a prestação de desemprego disparou em setembro para máximos de um ano.

O aumento de 1279 beneficiários custou mais 561 mil euros aos cofres do Centro Distrital de Braga que os encargos assumidos em agosto, apesar de o valor médio das prestações ter registado uma descida ligeira.
A subida em flecha no espaço de um mês atirou os beneficiários do subsídio de desemprego para 15 mil 350, valor que fica muito próximo do total dos subsídios de desemprego que foram pagos pelo Centro Distrital de Braga da Segurança Social em setembro de 2017.

Medidas de emprego criticadas por servirem para estatísticas e mão-de-obra barata

in a Voz de Trás-os-Montes

As políticas públicas de emprego foram hoje criticadas, em Bragança, por serem entendidas como destinadas a servirem apenas as estatísticas de diminuição de desemprego e aproveitadas por empresas e instituições para mão-de-obra barata.

A crítica foi assumida por Ivone Florêncio, responsável pelo Núcleo Distrital de Bragança da Rede Europeia Anti-pobreza (EAPN) durante um debate promovido por esta organização para assinalar o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.

O tema do debate foi as "Fragilidades do Mercado de Trabalho Local - Desencontros entre a oferta e a procura” e, no entender daquela dirigente, a principal causa do desfasamento que existe é precisamente a forma como estão pensadas as políticas ativas de emprego.

“As medidas dão prioridade a pessoas que estão a receber subsídios como o de desemprego e RSI (Rendimento Social de Inserção) e essas pessoas dificilmente aceitam ir trabalhar porque já têm uma prestação, é um direito que elas têm e ao irem trabalhar em nada lhe vai ser compensatório relativamente ao que auferem”, afirmou.
Colocar um desempregado que está a receber subsídio a trabalhar não lhe vai modificar, como considerou, a situação de pobreza em que se encontra, nem garantir que vai ficar a trabalhar”
“A única coisa que vão estar é a trabalhar durante algum tempo afetas a uma instituição, a receber pouco mais do que o que receberiam estando em casa, fazendo as contas se calhar ainda vão receber menos com os custos que implica”, acrescentou.

Acresce ainda, segundo Ivone Florêncio, que “a maior parte das instituições querem pessoas que estejam a receber esses apoios porque lhe fica mais barato, ao centro de Emprego interessa-lhe colocar essas pessoas porque ao irem trabalhar deixam de contar para as estatísticas (do desemprego)”.

“Mas no fundo nem estão a contribuir para a empregabilidade, porque acabando a medida a pessoa volta a ficar desempregada, a instituição volta a ir buscar outra na mesma situação e temos aqui um ciclo”, observou.
Para esta técnica, “quem nunca trabalhou nem por aí consegue estar no mercado de trabalho porque nunca lhe dão essa oportunidade” e “o mesmo acontece com os estágios profissionais para recém-licenciados”.
E os baixos salários, reduzidos ao Salário Mínimo Nacional, são apontados também como a causa do desfasamento entre as ofertas de emprego existentes e que ficam vagas na região e a procura de trabalho por parte de desempregados.

“O ordenado mínimo nacional, apesar dos aumentos que tem tido, não é suficiente para as pessoas conseguirem ter uma vida livre de pobreza e de exclusão social.
Por alguma razão é que nós (em Portugal) temos uma percentagem tão grande de trabalhadores a viver na pobreza, um em cada dez”, indicou.

Feitas as contas, “o rendimento auferido não é o suficiente para fazer face às despesas diárias que o trabalho implica”, além das despesas familiares agravadas em regiões com o clima de Bragança pelos gastos em aquecimento no inverno.

“Um dos problemas do nosso mercado de trabalho é, além de o trabalho ser precário e não garantir estabilidade é o fraco rendimento que proporciona”, reiterou.
De acordo com Ivone Florêncio, na região não há estatísticas nem estudos de análise sobre estas questões, embora as entidades locais entendam que “o panorama vai muito ao encontro ao nacional: há uma desadequação entre as exigências das empresas e as qualificações das pessoas que estão disponíveis para trabalhar”.

Se o mundo imitasse a pegada ecológica de Portugal precisávamos de 2,2 planetas

Margarida David Cardoso, in Público on-line

Um novo alerta sobre a débil saúde do planeta. E uma chamada de atenção para a necessidade de travar a sua degradação. Relatório da WWF mostra como continuamos a empurrar os ecossistemas para um limite.

Mesmo em anos de crise, com o recuo do consumo e da actividade económica portuguesa, seriam precisos 2,19 planetas para repôr os recursos naturais se todas as pessoas do mundo consumissem como os portugueses. Este é o preocupante saldo anunciado para Portugal no Relatório Planeta Vivo, divulgado esta terça-feira e que é publicado bianualmente pela organização não-governamental ambientalista WWF. Dado que desde 2014 (ano de referência destes dados), se deu um boom do turismo e a recuperação do poder de compra, o próximo balanço sobre a pegada ecológica pode não reflectir a mesma tendência de diminuição.

O relatório que mede o pulso ao estado do planeta volta a fazer um retrato alarmante: a actividade humana continua a empurrar os ecossistemas que sustentam a vida na Terra para um limite. Feitas as contas, para responder à pegada mundial era necessário termos 1,69 planetas.

Em relação a Portugal, o documento nota que a crise levou a um recuo da pegada ecológica do país. Esta é medida em hectares globais (gha) por pessoa, ou seja, a área que cada um precisa para produzir o que consome e absorver o lixo que produz. O país passou de uma pegada de 3,9 gha por pessoa em 2012, que o colocava na 59ª posição a nível mundial para 3,69 em 2018, baixando para o 66º lugar. No entanto, o consumo continua a estar bem longe de acompanhar a capacidade de regeneração dos ecossistemas. A chamada biocapacidade é, em Portugal, 1,27 gha por pessoa e tem-se mantido mais ou menos constante desde 1961, alheia à pressão que os padrões de consumo impõem ao planeta desde os anos 90.

Em primeiro lugar no ranking da pegada ecológica, enquanto país com pior desempenho ambiental, surge o Qatar e antes de Portugal aparecem países como os EUA, Austrália, Canadá, França, Itália, Reino Unido, Países Baixos, Bélgica, Espanha, Suíça e Alemanha. Portugal está, aliás, abaixo da média europeia, que era de 4,69 gha por pessoa em 2018 e acima da mundial que é de 2,84 gha por pessoa. O físico e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Filipe Duarte Santos, aponta aqui o facto de a população portuguesa exercer uma pressão muito menor nos ecossistemas quando comparado com países como a Holanda, onde a densidade populacional é muito superior.

A WWF também identifica boas notícias: o carbono, ainda que constitua 57% da pegada ecológica dos portugueses, foi a componente que mais decresceu. Em 2004, pesava 63% neste cálculo. “A isto está naturalmente associado o consumo, mas também a alteração das fontes de produção de energia nacional, fruto da aposta nas energias renováveis”, diz a WWF Portugal em comunicado.

“A emissão de gases com efeito de estufa diminuiu desde 2005, mas tem vindo a subir no período pós-crise. Também porque as secas se tornaram mais frequentes e nesses períodos temos que recorrer às centrais de carvão que emitem muito CO2 [dióxido de carbono] para a atmosfera”, afirma Filipe Duarte Santos.

Tal como no primeiro relatório, há 20 anos, a WWF continua a calcular o Índice do Planeta Vivo, um indicador que traça as tendências da abundância global de vida selvagem, calculado a partir de dados recolhidos em intervalos regulares de tempo em várias fontes (relatórios de governos, jornais, bases de dados). Para 2014, foram tidas em conta mais de 16 mil populações de 4005 espécies. E chegou-se à conclusão de que as populações mundiais de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis diminuíram 60% entre 1970 – ano a partir do qual há informação robusta para determinar o início de vários indicadores – e 2014.

Um planeta em exaustão
Uma análise mais fina permite perceber é que nos trópicos que extinção é especialmente pronunciada, sendo que a região da América do Sul e Central sofreu o declínio mais acentuado, de 89%. As populações de espécies de água doce também diminuíram drasticamente, com o índice que as mede a demonstrar uma diminuição de 83% desde 1970 até 2014. E isto é particularmente preocupante, nota a WWF, porque estes habitats (lagos, rios e zonas húmidas), ricos em biodiversidade, estão fortemente expostos a múltiplas ameaças: das espécies invasoras à pesca excessiva, da poluição às mudanças nos ecossistemas devido, por exemplo, ao aumento da temperatura da água.
E para a organização não-governamental não há dúvidas de que as principais ameaças a estas espécies são as actividades humanas (que, em última análise, dependem sempre de serviços prestados pela natureza). “Uma avaliação recente descobriu que apenas um quarto do solo está substancialmente livre dos impactos das actividades humanas. Prevê-se que diminua para apenas um décimo até 2050”, nota o relatório. A perda de floresta é preocupante: embora tenha abrandado globalmente, acelerou nas florestas tropicais, redutos com altos níveis de biodiversidade no planeta.

“A degradação em curso tem muitos impactos nas espécies, na qualidade dos habitats e no funcionamento dos ecossistemas. Dois estudos recentes mostraram reduções drásticas no número de abelhas e outros polinizadores e nos riscos para a biodiversidade do solo, fundamentais para sustentar a produção de alimentos e outros serviços dos ecossistemas”, detalha a WWF. E Filipe Duarte Santos não prevê melhorias nesta matéria com a eleição de um presidente brasileiro que "promete continuar explorar o valor económico" da Amazónia.

Mediterrâneo é um “ponto quente” das alterações climáticas
O que os cidadãos têm que perceber, diz o físico, é que o crescimento económico já está a ser prejudicado pelo consumo excessivo de recursos, a degradação dos ecossistemas e as alterações climáticas. As matérias-primas, quando escasseiam, tornam-se mais caras. As secas e ondas de calor cada vez mais frequentes têm elevados custos para os Estados. Assim como as acções de mitigação, como as operações de sustentação de arribas e as manobras de combate à erosão, a descontaminação de aquíferos, a limpeza de plásticos do fundo dos mares. “Imagina-se o custo que não terá a protecção da orla costeira no final do século quando o nível médio da água do mar tiver subido um metro”, aponta Filipe Duarte Santos.

Fica então clara a necessidade de uma mudança dramática que coloque consumidores e empresas a olhar para a natureza como algo mais que fonte de rendimento, diz a WWF. E, já havendo compromissos internacionais com metas como a descarbonização da economia, “existe actualmente uma janela de oportunidade única para reverter a tendência”. Por isso, a WWF repete um apelo já este ano feito pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas: que se faça “o mais ambicioso acordo global até agora”, para que “escolhas políticas, financeiras e de consumo” reflictam a ideia de que a humanidade e a natureza podem “prosperar em harmonia num único planeta”.

Desemprego sobe em agosto, mas vai tocar mínimo de 6,6% em setembro

Catarina Melo, in EcoOnline

A taxa de desemprego deverá tombar para 6,6%, em setembro, revelam dados provisórios do INE. Se este valor se confirmar, será a taxa mais baixa desde setembro de 2002.

A taxa de desemprego terá caído para 6,6%, em setembro, segundo dados provisórios revelados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Esta evolução, que colocará a taxa no nível mais baixo desde setembro de 2002, acontece depois de no mês anterior o desemprego ter sido revisto em alta de 6,8% para 6,9%.

“Em setembro de 2018, a estimativa provisória da taxa de desemprego foi de 6,6%, tendo diminuído 0,3 pontos percentuais em relação ao mês anterior, 0,2 pontos percentuais em relação a junho de 2018 e 1,9 pontos percentuais em comparação com setembro de 2017”, diz o gabinete público de estatísticas.

É preciso recuar a fevereiro de 2016 para se verificar um aumento mensal como aconteceu em agosto

Só no próximo mês o INE voltará a publicar as estimativas provisórias do desemprego, onde o registo de setembro passa de provisório a definitivo e lança um novo valor provisório para o mês de outubro.
Mas já é possível saber que a taxa de desemprego, em agosto, ficou acima do previsto inicialmente. O INE previa 6,8%, mas fechou os dados para aquele mês nos 6,9%. Segundo o INE, “é a primeira vez, desde fevereiro de 2016, que se observa um aumento mensal de desemprego“.

Relativamente a setembro, se os 6,6% forem confirmados, a taxa de desemprego assinalará assim um novo mínimo de 16 anos. Será necessário recuar até setembro de 2002 para assistir a um valor mais baixo, com a taxa de desemprego a fixar-se naquela ocasião em 6,5%.

Os números do desemprego são conhecidos são pouco depois de o Governo ter revisto em baixa a sua projeção para o desemprego neste ano. Na proposta de Orçamento do Estado, é antecipado que o desemprego se situe em 2018 nos 6,9%. A anterior previsão (abril deste ano) apontava para 7,6%.

Salários aceleram com redução do desemprego

Tal como destaca o INE, a melhoria do mercado de trabalho é bem visível quando comparada com o que aconteceu um ano antes. Em setembro de 2017, a taxa de desemprego estava em 8,5%.
Em setembro de 2018, “a população desempregada — cuja estimativa provisória foi de 340,4 mil pessoas — diminuiu 5,1% (18,2 mil) em relação ao mês anterior (agosto de 2018), 3,4% (11,8 mil) em relação a três meses antes (junho de 2018) e 22,7% (100,1 mil) em comparação com o mês homólogo“.
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Relativamente à estimativa provisória da população empregada, o INE dá conta que em setembro, ascendeu a 4.814,3 mil pessoas, tendo aumentado 0,2% (7,4 mil) em relação ao mês anterior (agosto de 2018), 0,1% (2,4 mil) em relação a três meses antes (junho de 2018) e 2,0% (96,3 mil) em comparação com o mesmo mês de 2017″.

Desagregado por faixas etárias, é percetível uma queda maior na taxa de desemprego dos jovens. “As taxas de desemprego dos jovens e dos adultos foram estimadas em 19,6% e 5,6%, respetivamente. Ambas diminuíram em relação ao mês precedente (0,7 pontos percentuais e 0,3 pontos percentuais, respetivamente)”, adianta o INE.