22.10.18

Trabalho digno

Ana Paula Laborinho, in JN

Em 2013 e 2014, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou vários estudos sobre os países europeus mais afetados pela crise internacional, centrando a atenção na queda drástica do número e qualidade de postos de trabalho. Passados cinco anos, a OIT analisou a resposta à crise em Portugal, destacando a recuperação do mercado de trabalho, a diminuição das taxas de desemprego e o retorno à negociação coletiva. O relatório apresentado esta semana destaca os múltiplos fatores que impulsionaram estes resultados: desde a política monetária do BCE e o forte crescimento das economias dos parceiros comerciais, a fatores internos como a dinâmica das empresas exportadoras, a reestruturação do setor público ou o rápido progresso dos níveis de escolaridade e formação.

Existe um impacto positivo do emprego nas contas públicas, com menos subsídios de desemprego e mais contribuições para a Segurança Social. Também o aumento do salário mínimo tem servido para contrariar a ideia de uma competitividade baseada em salários baixos, apostando-se na qualificação das pessoas.

Mas, como sublinha a OIT, Portugal não pode dormir à sombra dos louros conquistados: desempregados de longa duração e jovens mantêm a dificuldade em aceder ao mercado de trabalho e o número de trabalhadores precários é muito elevado. Além disso, continuamos a privilegiar o trabalho intensivo em vez de um desempenho por objetivos: é ainda bem visto passar muitas horas no local de trabalho mesmo com baixa produtividade. Basta o exemplo das empresas mais competitivas para confirmar que temos de investir em trabalho de qualidade, estruturado em resultados e capaz de conciliar vida profissional e pessoal.

Arrastamos uma pesada herança de estereótipos sobre trabalho e família. Nem há 50 anos, o livro da 1.a classe desenhava este quadro: "A única tristeza da nossa casa é que o meu pai não esteja sempre connosco, pois que trabalha todo o dia, longe de nós, para nos sustentar". A família pobre, humilde, esforçada, o pai chega cansado da longa jornada, a mãe prepara o jantar.

O modelo social mudou e cada vez mais as famílias partilham responsabilidades, mas falta muito caminho para um trabalho digno, com trabalhadores mais qualificados, menos precariedade e melhores salários. A trajetória de Portugal tem mostrado que existem alternativas para as crises, desde que as pessoas sejam colocadas em primeiro lugar.