28.5.18

Como brincar com bonecas agrava o risco de pobreza na velhice

Natália Faria, in Público on-line

Mais escolarizadas do que os homens, as mulheres portuguesas estão em maioria na engenharia, na medicina, na magistratura. Mas, seja qual for a profissão, ganham sempre menos. A desigualdade de género, que chega a atingir os 600 euros, inculca-se no jardim-de-infância e redunda depois numa maior exposição à pobreza.

Como é que o facto de nos jardins-de-infância as meninas brincarem com cozinhas e os meninos com foguetões contribui para a persistência de desigualdades penalizadoras para as mulheres e ajuda a que estas cheguem à velhice com reformas mais baixas e mais expostas ao risco de pobreza? A resposta está no estudo Igualdade de Género ao longo da Vida, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que é apresentado esta segunda-feira e que conclui, por exemplo, que, logo à chegada ao mercado de trabalho, as mulheres entram a ganhar menos e são mais frequentemente contratadas em regimes precários, apesar de se apresentarem mais escolarizadas e com currículos mais completos.


“As diferenças salariais são brutais e absolutamente chocantes. Nas profissões menos qualificadas, chegam a ultrapassar os 200 euros, o que é muitíssimo porque estamos perante salários miseravelmente baixos”, adiantou Anália Torres, socióloga e coordenadora do estudo que aponta ainda disparidades salariais a rondar os 600 euros entre os representantes do poder legislativo e de órgãos executivos. À discriminação feminina no trabalho pago – as mulheres jovens têm um salário médio/hora de 5,8 euros, contra os 6,1 euros auferidos por eles – soma-se a sobrecarga nas tarefas do “cuidar”, da casa e dos filhos, às quais as mulheres dedicam o dobro do tempo.

A discriminação e a sobrecarga feminina nos cuidados com os filhos e com a casa não é novidade, num país que remunerou sempre mais a função produtiva do que a reprodutiva. O que este estudo faz é mostrar, quantificando, que as desigualdades se impõem logo no início da idade adulta, entre os 15 e os 29 anos de idade. Aliás, este estudo distingue-se dos restantes porque, ao longo de mais de 400 páginas, sete investigadores mediram as desigualdades no arco temporal 2000-2016, numa perspectiva comparada com outros países europeus, em três diferentes fases da vida: até aos 29 anos; entre os 30 e os 49 anos de idade, altura em que homens e mulheres (mas mais as mulheres) correm entre o trabalho pago e os cuidados da casa e dos filhos, por isso chamada “rush hour of life”; e, por último, na fase tardia da idade activa, entre os 50 e os 65 anos.
No momento da contratação a mulher é vista como potencialmente menos disponível para o trabalho. Mesmo que não haja filhos, a mulher será potencialmente mãe. É como se levasse uma marca na testa
Anália Torres

Apesar das gigantescas conquistas do século XX – em que, por via de inovações como a pílula contraceptiva, mas também de factores como a emigração masculina e até mesmo das guerras que empurraram as mulheres para fora do reduto doméstico e permitiram “a massificação dessa possibilidade de homens e mulheres terem vidas mais parecidas”, conforme sublinha Anália Torres –, as desigualdades de género persistem: “Quando comparamos os salários, as diferenças são brutais.” Na rush hour of life, as disparidades salariais agudizam-se: elas ganham em média 10,3 euros/hora e os homens 11,4 euros. E, a partir dos 60 anos de idade, ainda mais: elas ganham em média 8,93 euros/hora contra os 12,88/hora auferidos pelos homens. Logo, prossegue a investigadora, “é bom que reconheçamos que o problema existe e que não é só na Arábia Saudita”.

Engenheira, mas sem negligenciar a casa
A diferença é que as desigualdades se tornaram mais subtis, reproduzindo-se num pano de fundo onde subjaz uma “desvalorização simbólica e material daquilo que as mulheres fazem e produzem e das suas capacidades, especialmente na dimensão produtiva e no espaço público”. E, mais do que isso, tendem a agravar-se ao longo da vida. “Uma mulher começa [entra no mercado de trabalho] logo em desvantagem, chega à fase da ‘rush hour’, ganha menos e continua a ser duplamente penalizada com o dobro do trabalho não pago e depois, na fase tardia, abandona o mercado de trabalho, não porque ficou desempregada ou chegou ao fim da carreira contributiva, mas porque tem de tomar conta dos pais ou dos netos. Descontou menos, porque ganhou menos, e acaba por ter uma reforma muito baixa também porque teve uma carreira contributiva mais curta. Logo, a probabilidade de as mulheres caírem na pobreza – e mesmo que não caiam, de terem um ganho suficiente para terem uma vida com dignidade – é muito maior.”

Da educação ao trabalho, a desigualdade de género atravessa gerações
E onde é que tudo isto começa? No jardim-de-infância. “No pré-escolar, no recreio e na sala de aula, meninos e meninas vão ajustando o seu comportamento a uma visão normativa de género que também acentua diferenças e assimetrias entre géneros”, lê-se no estudo. “As pessoas tendem a achar que isso de haver brinquedos para meninas e brinquedos para meninos é uma questão menor, mas não: qualquer criança vai querer criar um sentido de pertença e adequar-se àquilo que acham que esperam dela, a assumir o seu papel em função do estereótipo. E se a mensagem que lhe passam vai no sentido de que o natural é que as meninas brinquem com cozinhas e com bonecas ela interioriza e incorpora, consciente ou inconscientemente, a ideia de que é natural serem elas a ocupar-se das tarefas domésticas, mesmo que aspirem a ser engenheiras ou físicas”, explica Anália Torres.
Não surpreenderá tanto assim a constatação de que, entre os 15 e os 29 anos, Portugal bata, juntamente com Espanha, o recorde da assimetria entre o tempo que eles e elas investem no trabalho do cuidar – da casa e dos filhos: elas dedicam em média 32 horas por semana à casa e à família e eles apenas 17 horas. E esta aculturação adquirida na infância revela-se igualmente no momento de contratação para um emprego.
“Em circunstâncias de igualdade de currículo, homens e mulheres contratam preferencialmente homens. Apesar de elas chegarem ao mercado de trabalho mais escolarizadas e mais preparadas do que eles, no momento da contratação a mulher é vista como potencialmente menos disponível para o trabalho. Mesmo que não haja filhos, a mulher será potencialmente mãe. É como se levasse uma marca na testa, enquanto o homem, mesmo tendo família, é encarado como alguém mais disponível porque tem um background de apoio, quase sempre uma parceira, para lhe fazer o trabalho doméstico.”

Mulheres correm mais no meio da vida
Isto ocorre apesar de a mobilidade educacional ascendente ser em Portugal “fantástica”. Sobretudo para elas. “Somos dos países da Europa que têm mais mulheres cientistas e em áreas como a informática e a matemática. E a maioria dos médicos não são médicos, são médicas. A maioria dos juízes não são homens, são mulheres. Ainda assim, vive-se essa contradição brutal entre o que é o desempenho objectivo das mulheres no mercado de trabalho e uma certa inércia acerca da imagem do que é uma mulher”, precisa a coordenadora da Unidade de Sociologia do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, para voltar ao tema da disparidade salarial: “É admissível que uma engenheira, por exemplo, ganhe menos 600 euros do que um engenheiro? Não é.”

No escalão etário seguinte, as portuguesas com filhos destacam-se por uma taxa de empregabilidade acima da média europeia: 80%, contra os 70% da União Europeia a 27. E, ainda assim, elas continuam a dedicar 18 horas por semana a cuidar da casa, contra as oito deles. Quanto ao cuidar da família, sobretudo filhos, a disparidade atenua-se ligeiramente nesta fase: eles passam 10 e elas 16 horas por semana. Na prática, “elas passam a vida a correr entre o trabalho e a casa”. “E como a mulher ganha efectivamente menos do que o homem, acaba também por achar normal assumir mais responsabilidades em relação à casa e aos filhos. Se o casal se dá bem, menos mal. Agora, se daí a alguns anos se separam, ela, que ficou agarrada e não foi promovida profissionalmente, fica prejudicada, enquanto ele está muito mais à vontade em termos de recursos.”
Esta divisão de papéis não é imperativo biológico nem algo a que o país esteja condenado. Como inverter o cenário? “Valorizando a dimensão do cuidar”, opina Anália Torres. “Mesmo em países como Portugal, que se destaca no contexto europeu pela ampla cobertura dos equipamentos de apoio à segunda infância, o aumento da participação masculina no cuidar, da casa e família, tem ainda investimento social e político a ser feito com o objectivo de promover a igualdade de género”, sugere o estudo. Na Suécia, por exemplo, a educação sexual chegou às escolas em 1958. “Isto ajuda a perceber por que é que os suecos têm indicadores de igualdade melhores do que os nossos”, reforça a socióloga.

Empurradas para os netos
Voltando ao caso português, quando o olhar dos investigadores se foca no grupo dos 50 aos 65 anos de idade, o que sobressai é que as mulheres abandonam mais precocemente o mercado de trabalho. “Quase um quinto das mulheres está nesta fase da vida principalmente dedicada às responsabilidades familiares”, precisa o estudo. Quando se poderia esperar que, emancipados os filhos, as mulheres poderiam reinvestir nos seus projectos profissionais, a realidade puxa-as para cuidar dos ascendentes idosos ou dos netos, o que desemboca numa taxa de emprego entre os 50 e os 64 anos de idade que não vai além dos 53,2%, no caso das mulheres portuguesas (64,4%, no caso dos homens).
É certo que “a pressão para sair no mercado de trabalho por exigências familiares “não é sentida por todas as mulheres da mesma forma”. As que passaram pela universidade, por exemplo, tendem a manter-se nos seus empregos durante mais tempo. Porquê? “São situações que podem corresponder a salários mais elevados e à externalização da prestação de cuidados.” Em média, porém, numa geração bastante menos escolarizada do que a juventude, o que prepondera é uma disparidade salarial entre eles e elas que se traduz no facto de elas ganharem em média 9,85 euros por hora contra os 12,19 euros auferidos por eles.

Automatização e crescimento tecnológico agravam desigualdade entre géneros
Tudo conjugado, chega-se ao fim da idade activa com um marcado aumento do risco de pobreza que “é mais penalizador para elas”, apesar das melhorias dos últimos anos: em 2005 o risco de pobreza das mulheres portuguesas nesta fase da vida era de 30,5%, em 2015 esse valor baixou para os 26%. E, tal como no jardim-de-infância, são elas quem mais se dedica à cozinha e às tarefas do cuidar. Quando se trata da família, por exemplo, elas despendem nisso 22 horas por semana e eles apenas seis. São 16 horas de diferença. Um recorde europeu.

2,5 milhões para apoiar projectos destinados a crianças e jovens

Andreia Dias de Ferro, in DNotícias

Complementar o trabalho que é feito nas escolas e dotar as crianças e jovens das ferramentas necessárias para enfrentarem os desafios do futuro. Pedro Cunha, director adjunto do programa Academias Gulbenkian do Conhecimento, explicou ao DIÁRIO o projecto e a forma como este pretende ganhar forma, ao longo dos próximos cinco anos.

O que são as Academias Gulbenkian do Conhecimento? As Academias do Conhecimento constituem um apoio, que a Gulbenkian dará nos próximos cinco anos a organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e também a autarquias e escolas, que pretendam trabalhar com crianças e jovens, dos 0 aos 25 anos, promovendo um conjunto de competências, que nós já identificámos: pensamento criativo, resiliência, resolução de problemas, comunicação, auto-regulação e a adaptabilidade. Esta promoção de competências pode ocorrer em qualquer âmbito, desde escolar a programas dirigidos a crianças e jovens de natureza comunitária como a música, desporto, ciência e tecnologia, voluntariado... não circunscrevemos a qualquer área. Todas as áreas são elegíveis, desde que trabalhem regularmente com crianças e jovens e proponham desenvolver essas competências. Tem de haver um rigor no ponto de vista da avaliação para conseguirmos determinar se, de facto, provocou o impacto que esperávamos.

Serão 2,5 milhões de euros a serem distribuídos por estas organizações. De que forma estas se podem candidatar ao programa? As candidaturas estão abertas desde o dia 17 de Maio e até 11 de Junho. O processo divide-se em duas fases. A primeira fase está agora a decorrer pelo que as organizações só têm que ir ao nosso site e apresentar uma ideia muito genérica sobre como pretendem promover essas competências em jovens. Nós vamos aproveitar as melhores ideias, as mais inovadoras e diferenciadoras, que têm maior impacto junto da comunidade local. Essas melhores ideias serão apoiadas com consultoria, para uma segunda fase de candidatura, onde vão ter que preencher os formulários que são típicos nestes casos. Muitas vezes têm um grau de complexidade elevado e há muitas organizações que acabam por não se motivar tanto. Já contratualizamos com uma empresa de consultoria, que vai apoiar cada uma destas melhores ideias, no sentido de apresentarem uma muito boa proposta e que cumpra com os requisitos de exigência e rigor, que são próprios da Fundação Calouste Gulbenkian.
Quantas organizações é que deverão ser apoiadas por este projecto? Há um montante fixo de apoio a cada uma delas? Nós pretendemos apoiar, no decurso dos cinco anos em que dura o programa Gulbenkian conhecimento, 100 organizações e atingir 10 mil crianças e jovens desta faixa etária. Nós não estamos limitados a estes valores e se aparecerem muito boas candidaturas, podemos ir para além das cem e não vamos limitar o número de jovens. O nível de financiamento varia em função do mérito da proposta, em função do número de anos de intervenção e em função do número de jovens e crianças com que pretendam trabalhar. Estimamos, em média, financiar cerca de 60% dos custos totais de funcionamento destas intervenções, no valor aproximado de 30 mil euros.

Estas Academias do Conhecimento são uma nova ideia da Gulbenkian? Como surge o projecto? Trata-se de uma nova intervenção. O programa Gulbenkian Conhecimento é novo, teve início em Janeiro de 2018 e é uma resposta da Fundação a um conjunto de necessidades, que são também elas novas. Nós sabemos que os problemas sociais são cada vez mais complexos e requerem abordagem integradas. Já não faria sentido manter programas exclusivamente dedicados à saúde, à educação ou a áreas temáticas. Este é um dos três novos programas lançados pela Gulbenkian este ano e que são, de alguma forma, multidisciplinares ou integrados, pois cruzam várias áreas do saber. No caso das Academias, elas traduzem uma resposta à evolução da nossa sociedade, que é cada vez mais complexa, mais automatizada, mais incerta... O que faz com que coloquemos uma pergunta: como podemos ajudar estes jovens e educá-los para o nosso futuro e não tanto para o nosso passado? Temos que os preparar para o futuro. Acontece que o futuro que aí vem, ninguém sabe exactamente como será, mas sabemos que há uma parte importante dos empregos que hoje existem que vão desaparecer. A própria OCDE estima em 50% os empregos que desapareceram, ao longo dos próximos 20 anos. Também serão criados outros tantos. Sabemos também que 4 em cada 5 das crianças que hoje entram na escolaridade obrigatória terão empregos que ainda não foram inventados. No caso português, de acordo com o Fórum para a Competitividade, cerca de 10 a 15% dos empregos na indústria vão desaparecer. Com a robotização, para que estas crianças e jovens possam integrar-se na nossa sociedade, não basta saber ler, escrever e contar muito bem. Isso é muito importante, é fundamental, mas não é suficiente. Cada vez será menos suficiente. Por isso, investimos na melhor das tecnologias, que é o ser humano.

Mulheres portuguesas ganham menos do que os homens: diferença chega aos 700 euros

in Diário de Notícias

O estudo sobre "Igualdade do género ao longo da vida" mostra que as mulheres, mesmo quando mais escolarizadas, chegam a auferir menos 600 a 700 euros do que um homem

Anália Torres, professora que assina o estudo sobre "Igualdade de género ao longo da vida: Portugal no contexto europeu", juntamente com sete investigadores do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, revela que as mulheres portuguesas, à semelhança das europeias, ganham menos do que os homens quando comparados os salários nas mesmas profissões.

"Falamos de um fosso salarial de 17 por cento, em todas as profissões, em Portugal e em todos os países da Europa. Em Portugal a diferença chega aos 600, 700 euros. É brutal", disse a investigadora em entrevista à TSF.
"As mulheres têm mais escolaridade média do que os homens e isso não se reflete no salário logo na juventude [quando iniciam a carreira]. Se as pessoas têm mais escolaridade deviam ter empregos mais qualificados, logo, deviam ganhar mais. Isso não acontece", disse, adiantando: "Comparamo-nos só com a Europa do Leste, porque realmente temos salários muito baixos."

O estudo tem mais de 400 páginas e compara Portugal com o resto da Europa, entre 2000-2016. É dividido em três fases da vida: até aos 29 anos; entre os 30 e os 49 anos de idade, altura em que homens e mulheres se dividem entre trabalho casa e filhos, por isso chamada "rush hour of life"; e, por último, entre os 50 e os 65 anos

É na "rush hour of life" que as desigualdades começam a sentir-se. Entre os 30 e os 49 anos, as mulheres ganham em média 10,3 euros/hora e os homens 11,4 euros. Chegados aos 60 anos, o problema agudiza-se: as trabalhadoras ganham em média 8,93 euros/hora contra 12,88/hora auferidos pelos homens.

Anália Torres explica que as mulheres vão sempre sofrer do estigma de serem "donas de casa" e "mães de família", enquanto os homens são vistos como "a mão-de-obra disponível".

Assim, não causa surpresa que no tempo dedicado às tarefas domésticas, as mulheres batam os homens: elas dedicam em média 32 horas por semana à casa e à família e eles apenas 17 horas.