23.2.18

Gisberta, 10 anos depois: a diva transexual que acabou no fundo do poço

Catarina Marques Rodrigues, in o Observador

Gisberta, a transexual que gostava de Marilyn Monroe, acabou morta num poço depois de dias de agressões de 14 menores. Dez anos depois, família e amigos não a esquecem. E os jovens?

Gisberto, o “menino mimado” que aos 14 anos disse que “ia ser mulher”
O que é que aconteceu aos rapazes?

Fernando conhecia Gisberta desde os seis anos. Porquê agredi-la?

Gisberta Salce Junior veio para Portugal com 20 anos para fugir a uma vaga de homicídios a transexuais em São Paulo. Gisberta, transexual, acabou morta num poço, no Porto, aos 45 anos. Foi o culminar de vários dias de agressões de rapazes entre os 12 e os 16 anos. O caso provocou o debate sobre transfobia, pôs a nu os abusos cometidos na Oficina de São José, instituição que acolhia os rapazes, e encheu páginas de jornais. Dez anos depois, o que é feito daqueles jovens? E da instituição? E do prédio abandonado onde Gisberta morreu? E da família da imigrante? Quem era, afinal, aquela mulher? E o que é que a sua morte deixou?
No final de 2005, Fernando, Ivo e Flávio começaram a reunir-se para fazer graffitis num edifício abandonado no Porto. Era precisamente nesse edifício que Gisberta, transexual, imigrante brasileira, prostituta e seropositiva tinha encontrado um sítio para viver — uma degradação que chegou depois de anos como mulher vistosa, que chegou a atuar em bares como transformista. Dentro do edifício construiu uma barraca, com as suas coisas. Foi Fernando que se apercebeu de que aquela sem-abrigo era Gisberta. Porque a conhecia desde os seis anos.

Os três rapazes conversaram com ela e, a partir daí, começaram a visitá-la regularmente. Entre uma conversa e outra, Gisberta “relatou-lhes os problemas de saúde de que padecia”, verbalizou a fraqueza, a sida, síndrome “de cujos sinais físicos exteriores todos aqueles menores bem se aperceberam”. Os corações amoleceram e, a partir daí, os três menores começaram a levar comida a Gisberta. Mais: chegaram “a confeccionar-lhe refeições no local”, consta no processo, a que o Observador teve acesso.
Foi aqui que a bomba relógio entrou em contagem decrescente. Fernando, Ivo e Flávio falaram da transexual aos colegas da Escola Augusto César Pires de Lima e da Oficina de São José, instituição tutelada pela Igreja Católica que acolhia 11 dos 14 rapazes, entretanto encerrada depois de vários escândalos com abusos sexuais e desvio de dinheiro à mistura, somado ao suicídio de um diretor na fase quente do julgamento. Descrição dos miúdos aos colegas sobre Gisberta: tratava-se de um homem que “tinha mamas” e “parecia mesmo uma mulher”. Como a curiosidade queima tão rapidamente como a pólvora, aos três jovens juntaram-se mais onze, ávidos de ver como era o tal “travesti”.
Aquele prédio tornou-se ponto de encontro, não para fazer uns grafittis, mas para agredir a imigrante brasileira. Nem todos a agrediram, nem todos o fizeram no mesmo dia. Mas, a partir de 15 de fevereiro de 2006, os 14 jovens dividiram-se em grupos e encontravam-se no Pão de Açúcar (nome dado àquele edifício, porque seria um projeto para um centro comercial) para “darem porrada na Gi”.
Num dos primeiros episódios, tudo se passou assim: “[Os menores] constataram que o ofendido [Gisberto] se encontrava no interior da tenda e o David ordenou-lhe que se levantasse e gritou-lhe: ‘Não te disse já que não te queria aqui?’. O ofendido saiu da barraca, ao mesmo tempo que respondia que não tinha para onde ir. Ato contínuo, o Flávio empunhou uma pedra de que se tinha munido e arremessou-a na direção do ofendido, atingindo-o na região frontal e na parte anterior da região parietal esquerda.”
Enquanto agrediam Gisberta com paus e pontapés, "Vítor Santos gritava para lhe baixarem as calças porque ‘queria ver se era homem ou mulher’”.
Acórdão do Tribunal
Gisberta (sempre Gisberto no processo, porque era esse o nome civil) caiu no chão, “a sangrar”. Alguns minutos depois, conseguiu levantar-se mas “David rasteirou-o, provocando-lhe nova queda”. Aí, “todos os elementos, (…) com exceção do Vítor Santos, se lançaram sobre o ofendido e em conjunto agrediram-no com paus e a pontapé. Enquanto decorriam as agressões, o Vítor Santos gritava para baixarem as calças ao ofendido porque ‘queria ver se era homem ou mulher’”. Com as dores, Gisberta começou a gritar e o grupo pôs-se em fuga “com receio de serem surpreendidos pelos seguranças do parque de estacionamento” que ficava perto do prédio.


O edifício fica na Avenida Fernão de Magalhães, no Campo 24 de agosto. Este é o estado do edifício, fotografado a 11 de fevereiro deste ano.
Catarina Marques Rodrigues

O mesmo grupo inicial de três, que chegou a cozinhar arroz naquele local para Gisberta, encontrou-se no dia seguinte, a 16 de fevereiro, para agora ali a agredirem. “Ao chegarem junto da cabana, aperceberam-se que o estado de enfermidade do ofendido se tinha agravado, devido às agressões da véspera, impedindo-o mesmo de se manter em pé. O Gisberto estava deitado em cima de um colchão, tremia, falava em tom quase inaudível e apresentava sangue já seco na cabeça. Os três menores perguntaram ao Gisberto se ele queria ajuda, tendo o mesmo respondido que apenas queria um cigarro e que o deixassem em paz”. Não deixaram.

Os três foram-se embora e dirigiram-se para as aulas, mas logo foram substituídos por seis do mesmo grupo. José António disse a José Alexandre para despir “a Gi” mas ele recusou porque a transexual “cheirava mal e tinha sida”. Assim, o primeiro aliou-se a Jorge Ismael e, juntos, ocuparam-se a arremessar pedras e a baterem com paus nos joelhos e nas pernas. Gisberta gritou e o grupo fugiu. Por uns momentos.

Voltaram para perto de Gisberta, voltaram a ordenar-lhe que se levantasse, ela voltou a responder que não conseguia, e eles voltaram a agredi-la com paus e ao pontapé, lê-se no processo. “Deitado no chão e impossibilitado de se defender devido à sua debilidade física e à superioridade numérica dos agressores, o Gisberto apenas se encolhia e cobria com o cobertor, gritando ‘não faz isso, cafajestes!’” Depois das agressões, os menores destruíram a barraca de abrigo de Gisberta.

18 de fevereiro, 14h30. Gisberta estava fora da tenda, deitada de lado, tapada com um cobertor e só com a cabeça descoberta. David, um dos seis que tinham combinado novamente deslocar-se ao “Pão de Açúcar” para “darem porrada na Gi”, ordenou a Gisberta que se levantasse. Ela respondeu que não conseguia “pois estava muito mal”. Mais pontapés. “Durante as agressões, a vítima chorava convulsivamente, devido às dores que sentia”. Ainda assim, “os menores continuaram a agredi-lo da mesma forma”. David chegou a agarrar num “barrote em madeira com cerca de 1,5 metros de comprimento por 20 centímetros de diâmetro e deixou-o cair sobre o corpo do ofendido, atingindo-o ao nível do abdómen. Tal pancada provocou ao ofendido um grande sofrimento”, concluiu a investigação do caso.

E foi a partir do dia 19 que as coisas se complicaram. Parte do grupo ia cumprir a rotina de agressões quando se deparou com uma Gisberta deitada no chão, vestida com uma camisola e nua da cintura para baixo. Completamente imóvel. Chamaram por ela mas Gisberta não conseguiu falar. Soltou apenas um gemido muito baixinho. “O Rodolfo tocou-lhe então nas pernas com uma espécie de vara mas o ofendido não se mexeu.”
Passou um dia e, a 21 de fevereiro, lá voltou outra parte do grupo. Gi estava fora da tenda, deitada sobre umas pedras, “com as pernas encolhidas”. Nas pernas viam-se “arranhões e esquimoses”. Gisberta continuava nua da cintura para baixo.

Está morta, pensaram. A prová-lo estava a ausência de resposta às perguntas dos menores, a palidez da cara e alguns “sinais de que não respirava, apesar de terem colocado junto à sua boca a chama de um isqueiro aceso”. Nesse dia, avisaram outros membros do grupo que Gisberta tinha morrido.

A reunião do dia seguinte era, agora, para se “desfazerem do corpo” — porque temiam ser responsabilizados e por “alguns deles acharem que a vítima tinha direito a ‘um funeral’”. Primeira hipótese: enterro. Foi descartada, porque não tinham utensílios para fazer um buraco. Segunda hipótese: incendiar o corpo. Desistiram da ideia, “com receio de que o fumo pudesse atrair a atenção de alguém, designadamente dos seguranças do parque de estacionamento”. Depois de mais ideias, optaram por lançá-la a um poço existente no edifício. Porque o local tinha água suficiente para ocultar a vítima. Depois, combinaram ainda recolher todos os paus que tinham servido para as agressões.

22 de fevereiro de 2006: dia de executar o plano final, dia que marcou a vida de Gisberta e daqueles rapazes para sempre. Eram 8h30. Ivo calçou uma luva de lã na mão direita, deu a outra a José Alexandre e Fernando envolveu as mãos num saco de plástico. Embrulharam Gisberta em mantas, ainda na cave, e transportaram-na até ao poço. Eram 100 metros de distância.

A linha de água estava a cerca de 10 metros da superfície. Os três empurraram-na para o interior e Gisberta ficou submersa na água. E foi esse ato que provocou a morte — a transexual ainda estava viva e morreu por afogamento, confirmou o relatório da autópsia ao corpo. Faltava agora os menores avisarem os outros.

Gisberta Salce Junior
Gisberto, o “menino mimado” que aos 14 anos disse que “ia ser mulher”
Angelina Muro Salce e Gisberto Salce tiveram oito filhos: três raparigas e cinco rapazes. Ao mais novo deram-lhe o nome do pai e acrescentaram o apelido “Júnior”. Mas o género masculino acabaria por cair à medida que a criança crescia.

Gisberta era a “caçula”. Tinha “uma pele mimosa, muito branquinha”, começa por recordar Janice Salce, irmã de Gisberta, em entrevista ao Observador. Aos 68 anos já se esquece muita coisa, as datas não estão bem certas, mas tem preservada na memória a história da irmã e a revolta pela morte.

Quando Gisberto nasceu, a irmã Janice tinha “uns 12 anos”, lembra a própria. Gisberto sempre gostou muito de dançar. “Vestia até roupas da minha irmã”, conta. E as irmãs divertiam-se com o lado moldável do mais novo. “Eu achava que ele era a minha bonequinha de brinquedo.” Divertiam-se as irmãs e divertia-se ele, porque se sentia uma delas: “Ele gostava de brincar com as meninas e a gente não ligou”.

A mãe Angelina chegou a sentir que algo estava errado com o membro mais recente da família. “Um dia, a minha mãe levou-o ao médico e o médico disse que ele era assim porque era muito mimado.” A criança cresceu e, aos 14 anos, avisou a mãe que “ia ser mulher”. Tudo depois de o pai morrer, porque o pai era “durão” e nem sabia que “o Gisberto era assim”.

Aos 14 anos, Gisberto avisou a mãe que "ia ser mulher". Só depois de o pai morrer, porque o pai era "durão" e "nem sabia que o Gisberto era assim".
Janice Salce, irmã de Gisberta
Gisberta vestia-se de mulher “na casa dos amigos”. Na presença da família optava por roupa mais ou menos neutra. Aos 18 anos, decidiu sair do país e partir para França. Motivo: as notícias de discriminação e mortes que estavam a arrasar Casa Verde, em São Paulo. Gisberta não queria acabar como eles. “Estavam a matar os homossexuais e ela pensou que ia ter uma vida melhor. Deve ter-se iludido”, lamenta a irmã.

Pelo meio voltou ao Brasil, fez terapia hormonal, colocou silicone e deverá ter feito outras pequenas correções no rosto. Passou dois anos em França e seguiu para Portugal, onde acabaria por passar os últimos 20 anos da sua vida. Instalou-se no Porto e logo aí fez virar muitas caras na noite gay.

“Sempre que aparece uma cara nova chama a atenção. Nós vimos uma rapariga loira, muito espampanante, calças de ganga, texanas, brasileira. Começamos a conversar e ela diz-nos que é transexual”, conta Roberto Figueirinhas, 53 anos, transformista e amigo de Gisberta. A conversa decorre no Invictus, um “bar gay hetero-friendly”, o mesmo espaço onde há 30 anos se instalou o Kilt, um dos primeiros bares gay do Porto, nas galerias do Hotel Malaposta. Era ali que Roberto já fazia shows, foi ali que Gisberta começou a aparecer.

“Roberta Kinsky” é o nome artístico de Roberto Figueirinhas. Atua no Invictus Bar, no Porto. É transformista desde os 23 anos
Gisberta começou a fazer shows de transformismo “por brincadeira, fez um dia numa festa de aniversário” e daí passou para o palco dos bares Bustos e Syndicato. Se o transformismo é uma espécie de representação daquilo que se gostaria de ser, então Gisberta queria ser uma diva. Personagem de eleição: Marilyn Monroe. “Ela gostava muito de fazer o ‘Diamonds are a girl’s best friend’. Punha um vestido cor de rosa, com um laço atrás. Uma taça de champanhe. Não usava peruca, usava o cabelo dela para fazer o penteado. E ria-se muito”, recorda Roberto.

De dia, Gisberta “tomava café com as amigas” e passeava os seus dois grandes companheiros. “Ela tinha dois cãezinhos Yorkshire Terrier: um era o Leonardo, o outro não me lembro. Durante o dia ela passeava-os muito. Falava muito deles”, recorda o amigo. A perda que aí vinha foi arrasadora. “Um dia ela abriu a porta de casa e os cães fugiram e foram atropelados. Aquilo foi um grande trauma para ela, até se afastou um bocado das pessoas.”

Gisberta acompanhada por um dos seus dois cães

O que é que aconteceu aos rapazes?
Voltamos ao dia 22 de fevereiro de 2006. O grupo que tratou do corpo da transexual avisou os restantes membros de que o caso estava resolvido. A informação foi passada a Flávio e dali saltou para o mundo: quando regressou à escola, Flávio contou os factos à diretora de turma na aula de Formação Cívica porque “não aguentou mais”.

A professora confirmou, depois, ao tribunal, que tanto Flávio como Ivo estavam “muito pálidos” e que “o Fernando quando também confirmou o que se tinha passado chorou muito”. Foi Flávio a dar a localização exata do poço à PSP. Os agentes seguiram as indicações. O cadáver foi resgatado pelas 18h50.

Começavam assim os seis meses de investigação e julgamento que envolveram muito mais do que um grupo de miúdos e uma sem-abrigo. Entraram no processo os escândalos na Oficina de São José, envolveram-se associações LGBT, tudo aparecia em páginas e páginas de jornais.

A autópsia confirmou lesões na cabeça, pescoço, membros inferiores e superiores, laringe e traqueia, abdómen, intestinos e rins; múltiplas equimoses, infiltrações hemorrágicas, escoriações e infiltrações sanguíneas.
Vítor Santos era o mais velho do grupo e o único com 16 anos. Por já ser imputável, o processo seguiu para as Varas Criminais. Foi condenado a oito meses de prisão efetiva pela prática do crime de omissão de auxílio, já que todos asseguraram que Vítor não agrediu Gisberta. Tomava várias vezes, sim, a posição de observador dos acontecimentos.

Numa primeira fase, os outros 13 menores foram responsabilizados pela “prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada e a título de dolo eventual”. Mas a autópsia apurou o afogamento como causa de morte, não as agressões. Assim, a onze destes foi imputada a prática de um crime de ofensas corporais qualificadas e aos dois restantes foi indicado apenas o crime de omissão de auxílio. As medidas aplicadas também diferiram: àqueles onze foi decretado o internamento em Centro Educativo entre 11 e 13 meses e aos dois restantes foi imputada a medida tutelar de acompanhamento educativo por 12 meses. Entre julho e setembro de 2007 terão ficado livres. E depois disso?

Revista Sábado, Março de 2006. Uma das muitas páginas de revistas e jornais sobre o caso
A voz está debilitada, em alguns momentos impercetível. Mas na altura de recordar o caso que atirou o filho para a exposição pública, a mãe de José António apressa-se a culpar a Oficina de São José. “Um primo meu estudou lá, até casou com uma professora e correu tudo bem. Pedimos informações e estava tudo bem”, explica ao Observador. As nódoas negras foram descobertas depois.

Para ela, o envolvimento do nome de José António no escândalo é um equívoco. “O meu filho não teve nada a ver com isso”, “ele não fez nada”, “os outros é que fizeram”, “os outros é que conheciam o sítio”, há-de repetir várias vezes ao longo da conversa telefónica. “Os funcionários não souberam tomar conta das crianças. Os diretores só querem dinheiro”, defende, exaltada. Para mais informações: “Fale com as pessoas de lá, fale com os funcionários, o diretor até se matou e tudo”.

Na altura, Balbina tinha problemas por resolver: era alvo de “violência conjugal” e a situação levou-a à dependência de bebidas alcoólicas, apurou a investigação. Quando José tinha 11 anos, o casal separou-se. A mãe foi internada num hospital para tratar a dependência e os filhos ficaram, então, em instituições. A José António calhou-lhe a IPSS da rua Alexandre Herculano, nº 123.

No final da audiência em tribunal, José disse que quando acabasse de cumprir a medida queria "continuar a estudar para tirar um curso para ajudar a mãe”.

Acórdão do Tribunal
Ouvida pelo tribunal, descreveu o filho como “um jovem afável”, sempre de “bom comportamento”. Os peritos encontraram “falhas” na expressividade emocional e dificuldades do rapaz em lidar com as emoções. De José António, sabe-se que em breve terá uma nova responsabilidade “Ele está com uma namorada que vai ter um bebé”, revela a mãe.

Depois de cumprir pena no Centro Educativo, onde frequentou o Atelier Polivalente com as vertentes Alumínios, Cidadania, Carpintaria, Artes Visuais e Eletricidade, e com especial interesse pela área dos alumínios, José António voltou para casa da mãe, na margem sul do Tejo. Ainda lá está a viver. E está a trabalhar com o tio. “Faz umas horas como ajudante de obras”, conta Balbina. “Vai todos os dias de madrugada, gosta muito de lá andar, e aos fins de semana está com o primo dele que está na faculdade”, acrescenta. Sobre aquele episódio, nunca mais se conversou em casa.

José confessou em Tribunal “não conseguir dormir bem desde essa altura”, porque só lhe vinha à cabeça “a imagem (de Gisberta) em sofrimento”.

Acórdão do Tribunal
“Ele ainda agora aqui esteve”, atira Simão. Mas foi só um acaso. “Ele só veio cá porque eu o chamei porque precisava dele, de resto é raro ele vir aqui. Ou nunca, nunca ele aqui vem”, apressa-se a clarificar o avô de Rodolfo, um dos 14 menores envolvidos no processo de Gisberta, ao Observador. Quando se introduz o assunto, há que ir tratar do almoço, há mais que fazer, agora não dá para falar.

Os pais de Rodolfo separaram-se quando este tinha cerca de um ano. A criança ficou a viver com a mãe, mas as dificuldades económicas levaram a que o menor fosse confiado à guarda dos avós maternos. A subsistência foi assegurada pelas “baixas reformas auferidas pelos avós” e por mais uns trabalhos domésticos realizados pela avó, apurou a investigação.

Entre avós e neto existiam “fortes laços afetivos”, mas a dinâmica foi marcada por “conflituosidade interna” e pela “incapacidade dos avós em conter as transgressões e as atitudes de oposição levadas a cabo pelo neto”: mau comportamento em contexto escolar, o que levava à aplicação de “punições e castigos físicos como tentativa de conter os comportamentos desajustados”.

Rodolfo passava “a maior parte do dia a vaguear na zona de residência, acompanhado pelo grupo de pares e sem qualquer atividade estruturada”, consta na análise feita pelos peritos envolvidos na investigação. A isso somaram-se as dificuldades de integração e o absentismo e insucesso na escola. A situação culminou na decisão de acolhimento na Oficina de São José, decretada pelo Tribunal de Família e Menores de Setúbal.
Depois da semana fatídica e do julgamento que encerrou o caso, Rodolfo cumpriu a medida de internamento no centro educativo e foi mantendo contacto com a família. Numa fase inicial, o avô adotou uma postura “desculpabilizante” para com o neto e apresentava uma atitude crítica em relação às regras da instituição. Mas já passaram dez anos e dez anos chegam para esquecer muita coisa.

“Como é que o Rodolfo está?”, perguntou o Observador. “Anda a fazer a vida dele normal, como todos os outros.” Mais pormenores, não sabe. “Ele já não mora aqui comigo”, refere. “Não sei onde mora. Acho que mora lá para Lisboa.” Simão faz vários silêncios. “A vida dele eu acho que está boa.” Simão não sabe a profissão do neto, não tem o número de telemóvel dele, não sabe se o neto casou, não sabe se tem bisnetos. Mas numa coisa não tem dúvidas: “Aquilo já morreu. Ele não pensa nisso. Ele não fala sobre aquilo porque aquilo morreu.”

Jornal “24 Horas” e revista “Visão”. O caso encheu páginas e páginas em 2006.

Fernando conhecia Gisberta desde os seis anos. Porquê agredi-la?
Nesta história conhece-se o princípio e conhece-se o fim. Não se conhece o meio. Nenhum dos três jovens que começaram por auxiliar a transexual soube explicar a mudança radical de atitude. “Não se conseguiram apurar” as razões que levaram a que alguns dos menores começassem a agredir Gisberta, assume o coletivo de juízes no documento do Tribunal de Família e Menores do Porto.

Aos seis anos, o pequeno Fernando conheceu Gisberta. A mãe de Fernando dedicava-se à prostituição e a criança ficava com uma ama que acolhia crianças como ela — filhas de prostitutas. Essa casa era frequentada “por pessoas associadas à vida noturna do Porto” e foi precisamente aí que a progenitora de Fernando e o filho se começaram a relacionar com Gisberta.

O contacto perdeu-se durante algum tempo. Mais tarde, com 14 anos, foi Fernando quem identificou Gisberta no edifício abandonado onde, juntamente com Ivo e Flávio, se ocupava a pintar murais. Durante as audições, a mãe do menor confirmou a ligação e garantiu que Fernando “sempre lidou com a diferença de Gi sem qualquer problema”. Diz que o filho não lhe contou que a tinha voltado a encontrar, mas “notou que por vezes faltavam géneros alimentares em casa”. A mãe sublinhou que o filho “nunca lhe conseguiu dar qualquer explicação para o que se tinha passado”.

Alexandra Araújo Pinto foi a advogada responsável pela defesa de Fernando. Contactada pelo Observador, recorda-se que “ele e a mãe sempre foram muito chegados” e foi para casa dela que voltou, quando acabou de cumprir a pena. “Entretanto arranjaram uma casa melhor”, acrescenta. A mãe deixou a prostituição ainda antes de o crime acontecer.

Alexandra ainda manteve contacto com ele até há três anos mas depois, como sempre, “o tempo foi passando” e o contacto foi-se perdendo. Mas conta as novidades da altura: estava a frequentar um curso profissional de cozinha e tinha uma namorada. Fernando, a criança que um dia reconheceu Gisberta num canto de um prédio abandonado, tem hoje 23 anos.

O princípio do fim de Gisberta
A degradação terá sido muito rápida. Dois anos. Gisberta prostituía-se na Rua de Santa Catarina. Os shows de transformismo davam pouco dinheiro. “Os espetáculos eram muito pontuais, ela não conseguia viver só daquilo. Ela fazia serviço de acompanhante”, admite Roberto. A prostituição fazia parte da vida dela praticamente desde a chegada a Portugal. A verdadeira degradação começou com o consumo de drogas e o agravar do HIV. “Ficou muito magra e deixou de aparecer.”

Começou a aparecer, sim, nas associações Migalha de Amor e Espaço Pessoa. Para comer, para tomar banho, para conversar com alguém. Nuno Câmara Lima é uma das peças fundamentais neste puzzle. O enfermeiro trabalhou num projeto do Espaço Pessoa que “apoiava pessoas que exerciam trabalho sexual”, algumas com consumo de drogas, outras com Doenças Sexualmente Transmissíveis. Gisberta estava nos dois grupos.

"Passou de uma mulher muito bonita, glamorosa e a viver bem, para uma mulher que acabou já com roupas rasgadas, sem maquilhagem, já nem usava tacões, cortou o cabelo quase à rapaz, vestida à homem."

Nuno Câmara Lima, enfermeiro que acompanhou Gisberta
“O trabalho sexual é comum a muitos transexuais homem-mulher. Mulher-homem já não é tanto assim”, explica o enfermeiro, alicerçado no conhecimento que lhe deram nove anos a trabalhar neste projeto. A função dos voluntários era levar essas pessoas da rua para o Espaço Pessoa, que tinha balneários, lavandaria, sala de convívio, gabinete de enfermagem e psicologia.

Mas o primeiro contacto de Nuno com Gisberta tinha acontecido anos antes, nos tempos áureos da imigrante brasileira. “Ela era uma transexual que se movia muito nas discotecas boas da moda no Porto, como o Swing. Era uma mulher muito bonita. Se a visse na rua, era uma mulher bem maquilhada, boa roupa, bons sapatos”, lembra.

Gisberta era seropositiva mas nunca quis receber tratamento, explica o enfermeiro. Foi uma opção e manteve-a até ao fim. Mas porquê? “Acho que ela tinha noção da sua decadência física, talvez houvesse ali já algum desapego, alguma tristeza. Nós próprios comentávamos que era chocante para quem tinha conhecido aquela pessoa exuberante e atraente vê-la naquele estado.”

Gisberta Salce Junior. (Fotografia cedida por Sérgio Vitorino)
Mas não era suposto os técnicos insistirem no tratamento? “Nós temos sempre que respeitar a vontade do utente. Temos que estar disponíveis para ouvir e reforçar os comportamentos que fazem bem à saúde, mas às vezes os utentes podem escolher não se tratar e só o tribunal é que pode obrigar uma pessoa a fazer um tratamento compulsivo. E é só se puser em perigo outros, o que não era o caso”, esclarece o enfermeiro. “Eu estou a falar disto e até me emociono, já passaram tantos anos. Se esta história toca ao comum cidadão que lê o jornal, imagine a quem a acompanhou…”

O “boletim clínico” de Gisberta incluía uma lista negra de doenças. Segundo o que foi apurado pela investigação, Gisberta era seropositiva pelo menos desde 1996. Além disso, foi-lhe diagnosticada tuberculose pulmonar, pneumonia e candidíase laríngea, uma mistura explosiva que, segundo os boletins clínicos, lhe causou astenia, anorexia, febre, anemia, dificuldades respiratórias e mialgia.

Gisberta chegou a receber tratamento no Hospital Joaquim Urbano durante 22 dias, apesar de estar sem documentos. Depois, esteve ainda numa comunidade terapêutica em Setúbal mas fugiu. “Esteve lá uma semana e foi-se embora. Tinha regras, tinha horários para levantar, tinha medicação para tomar, tinha de almoçar, tinha de jantar. A Gisberta não se adaptou. Foi uma opção”, lamenta o enfermeiro.

Veio o consumo de drogas “mais pesadas”, como a própria terá relatado ao enfermeiro, veio o abandono da prostituição, do sustento e da casa que tinha no centro do Porto, na Travessa do Poço das Patas. “Começou a ir para casas com rendas cada vez mais baixas, depois passou por vários bairros sociais, até cair naquele buraco”, aponta Nuno, referindo-se à barraca que montou no edifício na Avenida Fernão de Magalhães. A doença tirou-lhe o sustento: a prostituição.
Gisberta era “querida pelos técnicos todos” e “mostrava fotografias da família, mostrava fotos dela em jovem, uma menina mesmo”. Com 40 e poucos anos, chegava ao Espaço Pessoa, tomava café, comia qualquer coisa, via televisão, conversava um pouco, ficava umas horas. “Chegava à meia-noite e ia para o canto dela.”

Mas nunca chegaram a ver o sítio onde ela estava? “Não. Nós fazíamos trabalho de campo e queríamos conhecer as condições em que ela vivia, mas ela nunca nos deixou. Tinha uma personalidade muito forte. Provavelmente tinha vergonha.” Conheceram o espaço apenas depois da morte, em fotografias, parte do material para reportar os acontecimentos. “Aquilo era mesmo muito mau. Era uma caverna. Tinha o tal poço, não tinha luz nem água, faziam as necessidades para um balde, havia restos de comida.”

"Ela contou que havia uns rapazes que apareciam lá a insultá-la. Mas ela dizia que podia com eles. Respondia: 'Sou uma mulher mas ainda tenho força de homem'."
Nuno Câmara Lima, enfermeiro que acompanhou Gisberta

O caso de Gisberta foi um caso-limite. A discriminação para com os transexuais era habitual, mas não desta forma. “Nunca houve nada assim. Houve outros transexuais agredidos, mas coisas mais ligeiras: um soco, um pontapé; nem iam parar ao hospital“, assegura Nuno Câmara Lima.
A notícia da morte (e das agressões sucessivas) despertou nos técnicos um sentimento de responsabilidade pelo que havia sucedido. “Foi um choque. Imagine o que é uma equipa que trabalha anos nesta área e de repente não se conseguiu aperceber que havia ali um risco. Porque não havia histórico. Quando nos contou que havia uns miúdos que andavam lá a insultá-la, dissemos para ela sair de lá porque era perigoso. Mas ela dizia: ‘Eu sou mulher mas tenho força de homem’”.

Objetos apreendidos no abrigo de Gisberta
A Polícia Judiciária apreendeu vários objetos no local. Entre eles estavam:
Um cobertor amarelo
Uma camisola de malha azul
Pedaços de jornal
Pacotes de bebidas vazios
Um sapato preto
Vários preservativos
Comprimidos Parlodel 2,5 mg
Um pente
Um eye liner
Dois batons
Um cartão de utente da instituição “Coração da Cidade” com o nº 132
Uma receita médica do Hospital Joaquim Urbano

Gisberta era também apoiada pelo “Coração da Cidade”, o departamento social da “Migalha de Amor”. A associação fundada por La Salete Correia dos Santos, hoje com 64 anos, dava jantares a cerca de mil pessoas sem-abrigo. Gisberta era uma delas. “Ela entrava e nunca se sentava sem nos cumprimentar. Levava o prato e agradecia sempre. Era muito serena, tinha sempre um sorriso”, lembra La Salete ao Observador.
A mulher “não falava muito” mas ia partilhando algumas fragilidades. “Cada uma delas passeia um drama. Ela atravessava períodos um bocado difíceis em que procurava quarto, não tinha quarto, ou não tinha mais dinheirito para pagar os quartos.” A instabilidade fê-la continuar no local que achava ser seguro.

La Salete fundou a associação em 1995 e os anos de experiência deram-lhe frieza a traçar um padrão de vida de pessoas como Gisberta. Transexuais como Gisberta há muitas. “A história é sempre a mesma. Quase sempre recorrem à prostituição para poderem funcionar na vida como qualquer um de nós. Às vezes não é fácil, mas pronto, foi a escolha que eles fizeram e nós temos que respeitar.” Da documentação de Gisberta não guarda nada, porque todos os arquivos são destruídos quando a pessoa deixa de pertencer à associação. Era o utente nº 123, revela o cartão apreendido no canto do prédio onde vivia.



O Observador foi ao local, tocou à campainha e ouviu chamar. Uma fonte local confirmou depois que há espaços dentro da Oficina que estão alugados, daí a água e a eletricidade continuarem a funcionar.
Catarina Marques Rodrigues

Oficina de São José: “Um depositório de crianças”
Era o primeiro julgamento de Pedro Mendes Ferreira. Foi atribuído um advogado a cada um dos menores e Pedro, então com 25 anos, estava responsável por defender um menor de 13 anos, David. Hoje pode dizer que a estreia lhe saiu bem, já que a despenalização da pena dos menores só ocorreu por causa do recurso interposto por Pedro: o recurso foi pedido para David mas, como era um processo conjunto, beneficiaram todos. Tinham sido acusados de homicídio qualificado e acabaram condenados por ofensa à integridade física e omissão de auxílio.

O caso está ainda bem fresco na memória do advogado. Foi um marco na sua carreia e o aparato mediático não deixou que a memória esquecesse o assunto. “Antes de chegar lá, a ideia que eu tinha era que estaríamos a falar de um bando de delinquentes. Depois percebi que não era isso. Estávamos a falar de crianças que foram abandonadas pelos pais e depositadas numa instituição.”

Pedro tentou mostrar que “a realidade social complicadíssima” os levou a agarrarem-se “à única coisa que tinham: o sentimento de grupo“. E essa realidade veio do histórico familiar e, sobretudo, do que viviam na Oficina de São José. Pedro Mendes Ferreira endereçou um pedido ao tribunal para ir visitar a instituição. Numa hora, ficou feito o desenho principal do que iria argumentar em julgamento.

"Na instituição havia a 'Camarata dos Mijões': quando alguém fazia xixi na cama, ficava um mês naquela camarata a dormir em cima do xixi."

Pedro Mendes Ferreira, advogado de defesa
Os problemas começavam no topo: o padre, chefe da instituição. “Era uma pessoa muito difícil, muito austera, que criou ali uma série de hierarquias de forças. Começava nele, passava para os diretores e aquilo ia-se replicando até aos mais novos. A ideia era: se o que está acima de mim é austero comigo, eu vou ser austero com o que está em baixo. E isto era o dia a dia deles. Chegava a um certo ponto que era à base da pancada. E outras coisas”, aponta Pedro Mendes Ferreira.

As “outras coisas” têm um nome: “abusos sexuais”. O caso Gisberta foi o trampolim para a descoberta de agressões de monitores, maus tratos, atos sexuais com adolescentes, abusos sexuais entre alunos e até “menores vítimas de prostituição”, noticiava o Público. Em 2010, a Oficina de São José acabou por fechar.

Ainda com tudo a quente, Pedro lá foi perceber as dinâmicas. Higiene, nem vê-la: “Não tinham escova de dentes”, por exemplo. E como era a pedagogia incutida? Um exemplo: “Havia a ‘camarata dos mijões’: quando alguém fazia xixi na cama, em vez de se preocuparem em saber a razão, não. Ficavam um mês na camarata dos mijões a dormir em cima do xixi”, relata o advogado.

O advogado Pedro Mendes Ferreira recebeu o Observador no escritório na Avenida da Boavista, no Porto
O que havia era disputado até à última. “Uma coisa que nós aproveitámos para o processo foi a questão do sentimento de posse, que eles não tinham. Por exemplo, o David não tinha as sapatilhas dele. Havia um par de sapatilhas e quem acordasse primeiro apanhava aquelas sapatilhas e decidia ‘ok, hoje vou andar com estas’. Não tinham jogos, não tinham PlayStation, não tinham nada. Não havia o sentimento de posse de ‘eu tenho as minhas coisas’”.

Tinham apenas uma coisa, garante o advogado: o fenómeno de grupo. “Não havia vontade individual de bater, havia vontade de o grupo bater. Quem não alinhasse, ficava mal visto no grupo.” Gisberta terá sido um meio de preservar o “único bem” que tinham. “Aquelas crianças têm o preconceito de terem sido abandonadas pelos pais e depois a única coisa que lhes resta é o grupo. Se estivessem em casa com os pais, de certeza que nenhum deles tinha feito isto”, defende.

"A instituição recebia 306 euros do Estado por criança. Dava cerca de 32 mil euros por mês. Dava para terem ótimas condições. Mas soube-se que o padre, entretanto afastado, aplicava parte desse dinheiro em Bolsa."

Pedro Mendes Ferreira, advogado de defesa
“Nós conseguimos demonstrar em tribunal que esse fenómeno de grupo foi preponderante na vontade de praticar aquele ato. A lógica era: quem atirasse mais pedras era o maior. Condena-se, claro, mas de alguma forma explica os factos”, sustenta ainda Pedro Mendes Ferreira.

“Quem tem o poder paternal tem o dever de vigiar o menor. Neste caso, a Oficina de São José não vigiou os menores até à escola. Eles iam para a escola sozinhos, iam por aí. Daí nós termos imputado parte da culpa a quem detinha o poder paternal, entregue pelo Estado. Nós entendemos que a Oficina de São José não cumpria com esse papel que lhe foi delegado. Recebia a prestação, mas a seguir não cumpria“, denuncia ainda o advogado.

Ao contrário do padre, o diretor Germano Costa decidiu colaborar na investigação. E isso significou acusar instituição que dirigia. Logo durante a visita que Pedro fez à Oficina de São José, Germano percebeu que o advogado queria atribuir culpas à instituição. “E ele quis dar-me a entender que também não pactuava com aquele tipo de gestão.” Em agosto, fase quente do processo, decisões finais a borbulhar, chega uma notícia: Germano suicidou-se. “Foi numa altura de grande pressão”, recorda Pedro. Deixou uma filha de sete anos e a mulher grávida de sete meses.

Pedro Mendes Ferreira admite que criou uma “ligação forte” com David: “Nós estivemos meio ano juntos, quase todos os dias”, justifica. O rapaz “ainda mandou lembranças nos dois ou três Natais a seguir, ia dizendo como é que estava, mas depois fomos perdendo o contacto”. Sabe que voltou para casa dos pais, no Seixal, e que a mãe foi buscar os outros dois filhos que tinha na instituição. “A confiança na instituição acabou”, diz o advogado.

Gisberta, um símbolo de transfobia
Gisberta foi apontada como símbolo de discriminação múltipla: imigrante, prostituta, sem-abrigo, seropositiva e transexual. O advogado Pedro Mendes Ferreira descarta a tese de crime transfóbico: “Não foi crime de ódio, foi crime de grupo”. Garante que não havia julgamento, havia sim “curiosidade”.

Aquela mulher foi adotada pelas associações LGBT como exemplo de preconceito. “Como mulher trans, na altura com 16 anos, a história marcou-me muito”, conta Júlia Pereira, ativista transgénero e membro da Ação Pela Identidade. “Estava a iniciar o meu processo e a atingir o meu espaço no mundo. Foi aterrador.” Isto pela associação básica e imediata do “se isto aconteceu a ela, pode acontecer-me a mim”. Mas era mais do que isso: era perceber que “não foi um crime que aconteceu lá longe”. “Eu estava a ver um crime que aconteceu muito próximo de mim, no meu país”. Júlia percebeu que “não havia abertura” para casos como o dela.

A Lei de Identidade de Género comemora agora cinco anos: desde 2011 que não é preciso recorrer a um tribunal para conseguir a alteração do nome e sexo. Agora, os cidadãos portugueses transgénero precisam apenas de ter 18 anos e de apresentar um diagnóstico de perturbação de identidade de género/ disforia de género.

Mas aqui não entram os imigrantes, as “Gisbertas”, e este é um dos problemas apontados por Júlia Pereira: “A Gisberta é um símbolo. Só ficamos satisfeitos quando a legislação incluir mulheres como a Gisberta”, ou seja, quando também imigrantes a viver em Portugal puderem fazer a transição e mudar o nome e o sexo.

É este o cartaz que está distribuído em várias ruas. (Ação Pela Identidade)
A Ação pela Identidade definiu 2016 como o #AnoGisberta, a propósito dos 10 anos da morte da transexual. Há cartazes espalhados por Lisboa com a imagem da mulher e haverá uma exposição de obras no Maus Hábitos, espaço do Porto, e um debate na Confraria Vermelha Livraria de Mulheres sobre invisibilidade e transfobia, também no Porto.

“A gente tinha vergonha de perguntar”
Gisberta ganhou a liberdade quando saiu do Brasil. Foi de lá para França, de França para Portugal, uma vida nova a fazer esquecer o passado. “Ela ficou uns dois anos sem dar notícias, o que suscitou a preocupação da mãe”, lembra a irmã Janice. “Uma vez, a mãe mandou traduzir uma carta para França a perguntar por ela e aí disseram que ela tinha ido para Portugal.”

Gisberta ficava algum tempo sem dar notícias mas, quando dava, dizia sempre que “estava tudo bem”. Quando questionada pela família sobre o que fazia em Portugal, Gisberta dizia “que dançava numa boate”, recorda a irmã. “Nós não conversávamos assim abertamente. A gente tinha vergonha de perguntar”, assume.

"O juiz disse que quem matou a minha irmã não foram os meninos, foi a água do poço. Não foram eles? Quem matou foi a água do poço porque eles jogaram a minha irmã lá, não é? Que justiça é essa aí?"

Janice Salce, irmã de Gisberta
Em mais de 20 anos, Gisberta voltou ao Brasil não mais do que quatro vezes, refere a irmã. A mãe chegou a visitá-la em Portugal e ficou instalada na então casa de Gisberta, na Travessa do Poço das Patas. Janice viu a irmã pela última vez “um ou dois anos antes de ela falecer”. Gisberta foi ao Brasil ver a família, estava bem, estava feliz. “Até fomos à praia”, recorda. “Ficou na casa da minha mãe uns dois meses. Não vimos nada de anormal.”
A última notícia que tiveram da “caçula” já não foi boa. “Em dezembro uma amiga dela ligou para a minha irmã Glória porque viu que a Gis estava numa situação de risco. Aí a minha irmã ligou para a Gisberta e falou para ela vir embora. E ela disse que não. Isto foi em dezembro e em fevereiro ela morreu.”

Não dá para você escolher como são os outros. Eu naquele tempo não aceitava, fiquei chocada, achava que era imoral. Mas depois tive que aceitar, não é? Até a minha mãe, que era uma pessoa idosa, preocupava-se muito.”
Janice Salce garante que só soube dos pormenores da notícia pela internet. Ela e a família receberam depois “um papel timbrado de Portugal” com as informações da autópsia e do veredicto final. “Achei isto o fim da picada. Ele disse que quem matou a minha irmã não foram os meninos, foi a água do poço. Isso me deixou muito irritada. Como é que não foram eles? Quem matou foi a água do poço porque eles jogaram a minha irmã lá, não é? Que justiça é essa aí? Me explica?” Sobre a possibilidade de reivindicar: “É muito difícil, outro país, como é que você vai lutar por uma causa que já está decretada?”

Não voaram para Portugal, o dinheiro não chegava. O corpo da “bonequinha de brinquedo” chegou às mãos da família no princípio de março, graças à ajuda de uma amiga de Gisberta. “Aquela amiga que ligou para a minha irmã Glória arrumou um dinheiro para mandar o corpo para cá”. Gisberta está enterrada em São Paulo. A terra que a viu nascer, não a terra que a viu viver. Nem morrer.

Cimeira de líderes: Começa a discussão difícil sobre o preço do Orçamento Europeu pós 2020

Susana Frexes, correspondente em Bruxelas, in Expresso

Os líderes têm três questões difíceis para responder. Sobre as prioridades a financiar após 2020, o tamanho do próximo Orçamento Europeu. E o prazo para chegarem a um entendimento.
A saída do Reino Unido, um dos contribuintes líquidos do Orçamento Comunitário, vai deixar um buraco de cerca de 10 mil milhões de euros por ano. Um corte nas receitas que coloca pressão nos líderes para um aumento das contribuições nacionais.

A discussão é inevitável, mas ninguém espera que do Conselho Informal de amanhã saia qualquer consenso. O encontro é, aliás, para que os países que são contra esse aumento oiçam os argumentos dos que estão disponíveis para abrir um pouco mais os cordões à bolsa. E vice-versa.

Cada país contribui atualmente com cerca de 1% do Produto Nacional Bruto para o Orçamento Comunitário. O Parlamento Europeu sugere que se passe para 1,3% e António Costa já veio mostrar abertura a um aumento para os 1,2%. Os números poderão até ser colocados em cima da mesa, mas o valor final está ainda longe de ficar decidido.

Decidir o tamanho do próximo Quadro Financeiro Plurianual vai depender da discussão sobre onde gastar o dinheiro. E do lado da despesa há novas prioridades a pedirem financiamento.

"Estancar a migração ilegal, melhorar a defesa e a segurança, bem como um maior investimento no Programa Erasmus", lembra o Presidente do Conselho Europeu, na carta que enviou esta semana aos chefes de Estado e de Governo. Donald Tusk sublinha que as novas prioridades, combinadas com o buraco orçamental deixado pelo Brexit, "mostram a gravidade dos desafios" que os Vinte e Sete têm pela frente.

Alguns países, seguindo as propostas da Comissão e do Parlamento, têm mostrado abertura para apoiar a criação de novos recursos próprios que permitam financiar o Orçamento Comunitário. Uma alternativa que poderia minimizar o aumento das contribuições nacionais diretas, e atenuar os cortes nas políticas existentes.

António Costa tem defendido algumas dessas opções, como a taxação da economia digital, das transações financeiras ou da economia do carbono. Há ainda outras possibilidades apontadas pelas instituições, como a canalização de parte dos lucros do Banco Central Europeu - recurso ligado à emissão de moeda - para o Orçamento Comunitário. Não seriam exatamente "impostos europeus", no sentido em que a recolha de impostos é competência dos países, mas novos recursos que permitiriam diversificar as fontes de receita da UE.

As possibilidades existem, sim. Mas só avançam por unanimidade e, de acordo com fonte do Conselho Europeu, ainda "não houve muitas reações" dos Estados-membros sobre esta questão, nem "há sinais" de que possa ser fácil chegar a um entendimento. A mesma fonte adianta ainda que "é mais difícil" que os líderes concordem com a criação de novos recursos próprios, do que com o aumento do Orçamento para 2021-27.

Sem um entendimento quanto ao aumento das contribuições e das receitas da UE, tornam-se praticamente certos os cortes na Política de Coesão e na Política Agrícola Comum, fundos que são importantes para Portugal. O próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, já admitiu que podem ser inevitáveis. No entanto, diz que está contra "cortes excessivos" para financiar outras prioridades.

Braço-de-ferro sobre a escolha do Presidente da Comissão
Outro dos temas que pode aquecer o debate desta sexta-feira diz respeito ao processo de eleição do sucessor de Jean-Claude Juncker. O Parlamento Europeu quer repetir a fórmula testada pela primeira vez em 2014, quando o candidato principal - Spitzenkandidaten - da família política europeia mais votada se tornou Presidente da Comissão Europeia, após o "ok" dos líderes europeus.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, é contra esta ideia - até porque não pertence a qualquer família política que lhe permita influenciar a escolha do cabeça-de-lista - e não está sozinho . É que o Tratado de Lisboa diz que o Presidente do executivo comunitário é escolhido pelos Chefes de Estado e de Governo, e eleito depois por maioria no Parlamento.

Mas o Tratado também diz que os líderes têm de ter em conta os resultados das eleições europeias. E é neste ponto que Parlamento e Conselho Europeu têm leituras diferentes. Vários países veem aqui margem de manobra para escolher um Presidente vindo da família política mais votada, mas não necessariamente o "cabeça-de-lista" proposto pelos partidos europeus.

Líderes deverão dar luz verde à redução de lugares no Parlamento Europeu
Os chefes de Estado e de Governo deverão concordar com a proposta do Parlamento Europeu, que reduz de 751 para 705 o número de cadeiras no Parlamento Europeu, após a saída do Reino Unido.

"Parece natural que menos Estados-membros signifique menos lugares", disse Donald Tusk na carta enviada aos líderes. O Presidente do Conselho Europeus vê "um amplo apoio" à proposta já aprovada pelos eurodeputados, a ser posta em prática nas eleições europeias do próximo ano.

A confirmar-se a luz verde no encontro desta sexta-feira, fica aberto o caminho para que a decisão formal seja tomada em junho.

Fora da mesa fica a criação das chamadas listas transnacionais - de partidos ou movimentos europeus que juntem candidatos de vários países. A ideia defendida por Emmanuel Macron foi chumbada pelos eurodeputados no início deste mês, o que inviabiliza que seja posta em prática no próximo ano.

Os líderes deverão confirmar que, de facto, este tipo de lista não é exequível nas eleições do próximo ano. Mas poderão deixar aberta uma janela para que o tema volte à mesa mais tarde, de forma a ser posto em prática nas eleições de 2024.

Turismo cresce mas paga mal aos trabalhadores

in Antena 1


Na edição desta segunda-feira do Diário de Notícias, como já constatou a jornalista Rosa Azevedo, o salário médio no setor subiu 41 euros nos últimos quatro anos.

No ano passado o salário médio não passou dos 632 euros.

[clique para ouvir a reportagem]

Comissão Europeia e FMI continuam a pedir mais facilidade para despedir em Portugal

in Expresso

Já no verão de 2017, Bruxelas salientava que os trabalhadores mais novos são "afetados desproporcionalmente" por vínculos temporários e têm maiores taxas de desemprego, o que afeta as suas perspetivas de carreira.

O FMI e a Comissão Europeia continuam a defender mais flexibilidade nos contratos permanentes, considerando que é a dificuldade em despedir que motiva as empresas a contratarem a prazo e que, por isso, a diferenciação da TSU não chega.

Durante o período do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) foram introduzidas mais de uma dezena de alterações legislativas em matéria laboral, com principal incidência na facilitação do despedimento dos trabalhadores com contratos permanentes e na diminuição das indemnizações associadas.

Ainda assim, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) têm afirmado, em praticamente todos os relatórios desde que Portugal concluiu o PAEF em 2014, que a legislação laboral continua a ser demasiado restritiva e que é preciso ir mais longe.

Este mês, a Comissão Europeia reiterou que Portugal ainda tem espaço "para ir mais longe em reformas que reduzam a proteção laboral excessiva nos contratos permanentes", uma posição que, não sendo nova, acabou por motivar críticas do Governo e dos parceiros que o apoiam no parlamento, por ter sido vista como uma forma de pressão numa altura em que estão em cima da mesa alterações à lei laboral.

O último alerta de Bruxelas tinha chegado em janeiro, depois da missão pós-programa do outono de 2017. A Comissão Europeia avisou que uma estratégia para reduzir a segmentação do mercado de trabalho dependente sobretudo de alterações nas regras dos contratos teria "eficácia limitada", lembrando que alguns empregos são, "por inerência, de natureza temporária".

Embora tenha admitido que alterações nos contratos temporários possam ser úteis, a Comissão afirmou que "não providenciam incentivos suficientes para contratar mais sem termo", defendendo que essas alterações "não atacam o problema subjacente da rigidez que permanece em torno dos despedimentos individuais dos trabalhadores permanentes".

Em causa está a incerteza dos custos do despedimento, a falta de clareza sobre as condições que permitam o despedimento individual por razões económicas e requerimentos processuais ainda complexos, segundo a Comissão.
No verão de 2017, Bruxelas salientava que os trabalhadores mais novos são "afetados desproporcionalmente" por vínculos temporários e têm maiores taxas de desemprego, o que afeta as suas perspetivas de carreira.
Um ano antes, a Comissão Europeia lembrou as "reformas significativas" feitas por Portugal durante o PAEF, insistindo que a legislação continuava a estar "entre as mais restritas na Europa".

Bruxelas sugeriu uma avaliação anterior a alterações na TSU, para garantir que uma diferenciação na contribuição paga pelas empresas "ajuda efetivamente a aumentar a proporção dos contratos permanentes e que não desencoraja a contratação no geral".

No relatório da primeira missão pós-programa, divulgado em dezembro de 2014, Bruxelas defendia uma "avaliação da eficácia das reformas do Código de Trabalho na redução da segmentação" do mercado de trabalho, uma vez que a proporção de trabalhadores com contratos temporários "continua elevada" e a aumentar em linha com o crescimento do emprego.

Estas têm sido das principais preocupações de Bruxelas em matéria laboral, que tem também criticado a falta de flexibilidade da negociação coletiva e alertado para o impacto do fim do banco de horas individual.
Por sua vez, o FMI reiterou, na última missão de acompanhamento pós-programa, que decorreu no final de 2017, que "um mercado de trabalho flexível é um elemento chave para a capacidade da economia em absorver choques negativos", uma posição que também vem sendo repetida nos últimos três anos.

Anteriormente, num relatório de setembro, o Fundo defendeu que a segmentação no mercado de trabalho devia ser resolvida através da flexibilização dos contratos permanentes, em vez de "apenas restringir os contratos temporários".

Além disso, a instituição considerou que as alterações feitas durante o PAEF "devem ser salvaguardadas", porque serviram para tornar a contratação e a negociação coletiva "mais flexíveis".

Um ano antes, a instituição advertiu que uma reversão das reformas do mercado de trabalho durante o período da 'troika' poderia "diminuir as perspetivas de crescimento, emprego e rendimento no médio prazo".

Esta preocupação surgia logo no relatório da primeira missão de acompanhamento, divulgado em janeiro de 2015, onde o FMI citou 'rankings' de competitividade internacionais para afirmar que Portugal tinha um "grande potencial", mas que a "regulação restritiva sobre o emprego e a falta de competição nos mercados locais impediam a contratação".

Outra das preocupações do Fundo é o salário mínimo. Embora na declaração de conclusão da última missão de monitorização a Portugal (ainda não foi divulgado o relatório completo) o Fundo não se refira ao salário mínimo nacional, há um ano avisava que "um novo aumento […] pode penalizar a competitividade do mercado de trabalho".

Dívida pública recua para valor mais baixo desde 2012

Lucília Tiago, in Dinheiro Vivo

A dívida pública chegou a dezembro de 2017 num valor mais alto do que um ano antes, mas o seu peso no PIB recuou para níveis de 2012.

O ano de 2017 fechou com o peso do endividamento público no Produto Interno Bruto a situar-se em 126,2%. São menos 4,1 pontos percentuais do que no final de 2016, segundo mostram os dados publicados esta quinta-feira pelo Banco de Portugal. Trata-se de uma das maiores quedas dos últimos anos e é necessário recuar a 2012 para encontrar um ano em que o peso do endividamento do Estado na economia era inferior aos 126,2% agora divulgados.

Este valor fica em linha do que tinha sido estimado pelo governo – que apontava exatamente para 126,2%. Os reembolsos antecipados ao Fundo Monetário Internacional (um dos organismos que emprestou dinheiro a Portugal quando o país avançou para um resgate), cujo valor compensou as novas emissões de dívida, e o crescimento da economia registado em 2017 (2,7%) foram determinantes para este recuo do rácio da dívida quando medido em percentagem do PIB. Em valor, a dívida pública chegou a dezembro de 2017 nos 242 598 milhões de euros – acima dos 240 958 milhões registados um ano antes. A informação divulgada mostra que o peso da dívida na economia atingiu o valor mais elevado de sempre no final em março de 2014 altura em que se situou em 133,0% do PIB. Ao longo do ano passado, o ponto mais alto foi observado no final do segundo trimestre, com o rácio a ascender a 132,1%.

Uma livraria pode ser um livro aberto

Sara Melo, in TSF

Esta sexta-feira inaugura em Carnide uma livraria solidária.

A Livraria Solidária de Carnide estará aberta todos os dias ao público, com livros novos ou já lidos a preços simpáticos - entre 1 e 5 euros. Todas as receitas vão reverter para causas e projetos culturais, sociais e comunitários.

A partir desta sexta-feira, é possível compor a biblioteca com livros de vários autores. São mais de 7 mil obras à espera de um novo dono.

A repórter Sara de Melo Rocha acompanhou os preparativos para a abertura da Livraria Solidária.

A Livraria Solidária de Carnide prepara várias iniciativas fora do espaço. Um livro aberto para a Cultura em Carnide.

A nova Livraria Solidária de Carnide situa-se na Rua General Henriques Carvalho, n.º 3, em frente ao edifício-sede da Junta de Freguesia de Carnide.

Portugal é o terceiro país da União Europeia com mais contratos a prazo

in Jornal Económico com Lusa

Apenas Espanha e a Polónia recorrem mais a contratos temporários do que Portugal.

Portugal é o terceiro país da União Europeia onde as empresas mais recorrem a contratos a prazo, sendo que mais de um quinto de todos os trabalhadores têm vínculos precários.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), os trabalhadores com contrato a termo e com outros vínculos atípicos representavam 22,2% do total de empregados por conta de outrem no final de 2017.

Este valor, que é semelhante ao registado em 2016, mantém Portugal no topo dos países da União Europeia onde a percentagem dos trabalhadores com estes contratos temporários está mais presente.

Apenas Espanha e a Polónia recorrem mais a contratos temporários do que Portugal, onde 26,1% e 27,5%, respetivamente, do total dos trabalhadores têm contratos a prazo ou outros vínculos atípicos, segundo dados do gabinete europeu de estatística, Eurostat.

Portugal fica também bastante acima não só da média dos países da zona euro (15,6%) e da média dos países da União Europeia (14,2%).

Para o professor da Universidade do Minho João Cerejeira, este “é um dos principais problemas” do mercado de trabalho português, explicando que “há uma componente estrutural”, comum a Espanha, que justifica esta percentagem alta: o peso “muito elevado” das atividades sazonais (turismo e construção), onde existe uma “prevalência maior” de contratos temporários.

O economista acrescenta que nos dois países “há muita facilidade na contratação a termo e uma penalização grande, do ponto de vista do empregador, das condições de despedimento e do ajustamento que as empresas podem ter de fazer da contratação a termo.

De acordo com os dados do INE, referentes ao último trimestre de 2017, quase 890 mil trabalhadores dos mais de quatro milhões tinham um contrato a prazo ou outro vínculo atípico.

Dos quase 175 mil novos trabalhadores por conta de outrem contabilizados no final de 2017, a grande maioria (77,6%) tem contratos sem termo, sendo que apenas 39 mil novos postos de trabalho ofereceram um contrato a prazo ou outro tipo de vínculo.

Os dados do INE mostram também que os trabalhadores com contrato com termo cresceram mais do que os contratos sem termo em 2017, 5,4% contra 4,5% em termos homólogos.

Acresce ainda que, segundo a mais recente atualização ao Livro Verde das Relações Laborais, os trabalhadores com contratos permanentes estão “muito menos expostos ao risco de pobreza”, sendo que o risco de pobreza entre os trabalhadores sem vínculos permanentes “é mais do dobro” em 2016, 13,5% contra 6,6%.

“Esta discrepância na exposição ao risco de pobreza associa-se a um diferencial salarial substantivo entre os trabalhadores com contratos permanentes e os trabalhadores com contratos não permanentes”, lê-se no documento, que destaca que a remuneração média mensal base dos trabalhadores por conta de outrem com contrato a termo certo “corresponde a cerca de 72% da remuneração dos seus pares” com contratos sem termo.

Outra questão destacada no documento é a incidência “particularmente elevada” dos contratos de trabalho não permanentes entre os jovens, “correspondendo atualmente a cerca de dois terços do emprego jovem”.

Segundo os dados do INE, referentes ao quatro trimestre de 2017, a população empregada aumentou 3,5% e a taxa de desemprego desceu para 8,1%.

O total dos jovens que não estudam nem trabalham desceu de 294,7 mil no quatro trimestre de 2016 para 233,9 mil no mesmo trimestre de 2017.

A população desempregada de longa duração desceu 32,4% em termos homólogos, de 337,4 mil para 228 mil no quatro trimestre de 2017, e a população desempregada à procura do primeiro emprego caiu 27,2%, de 107,2 mil para 78 mil.

SEF desmantela rede que forçava mulheres a prostituírem-se

in Público on-line

Vítimas eram espancadas, violadas e obrigadas a prostituírem-se sem preservativo em 20 casas de norte a sul do país.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) realizou uma vasta operação nas localidades de Caldas da Rainha, Cadaval, Santarém, Leiria, Ourém, Nazaré, Évora, Quarteira e Faro patricia martins

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) desmantelou na quarta-feira uma rede criminosa, liderada por uma cidadã de nacionalidade estrangeira, que explorava duas dezenas de locais de prostituição de norte a sul do país, incluindo em Caldas da Rainha, Cadaval, Santarém, Leiria, Ourém, Nazaré, Évora, Quarteira e Faro.
PUB

A investigação, sob a direcção do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) do Ministério Público, partiu de uma denúncia telefónica. As vítimas eram obrigadas "a praticar a prostituição e a fazer sexo sem preservativo”. Eram mantidas em "cativeiro", "passavam fome" e eram "espancadas e violadas".

De acordo com o SEF, a operação resultou na reunião de um conjunto considerável de provas, bem como na apreensão de quantidades avultadas de ouro numa das casas, de centenas de milhares de euros em cheques, dois automóveis, material informático e outros materiais que relacionam os suspeitos com a actividade criminosa.

Na operação foram identificadas trinta e seis pessoas, trinta das quais de nacionalidade estrangeira. Foram ainda detidas três pessoas — duas de nacionalidade portuguesa e uma de nacionalidade estrangeira, com idades compreendidas entre os 30 e os 60 anos. Os suspeitos serão nesta quinta-feira presentes ao Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa para aplicação das medidas de coacção.

Protegem idosos dos perigos de Lisboa

Paulo Lourenço, in Jornal de Notícias

Programa Vassouras e Companhia, criado há seis anos pela Junta de Freguesia de Santo António, em Lisboa, já evitou algumas burlas e reverteu outras, limpou casas que eram antros de lixo e acompanhou centenas de idosos nas suas tarefas diárias como ir ao banco, ao médico ou aos correios.

Vendas fraudulentas, com contratos assinados quase à força, tentativas de furto das reformas ou mesmo burlas consumadas. Estes são alguns dos perigos à espreita numa grande cidade para os grupos mais vulneráveis, nomeadamente os idosos. A isto junta-se ainda a solidão e a perda de autonomia, que muitas vezes resultam na falta de capacidade para cuidar da higiene pessoal e da casa. Foi para proteger esta população sénior e reforçar os laços humanos no seu dia a dia que a Junta de Freguesia de Santo António, no coração de Lisboa, criou há seis anos o programa Vassouras e Companhia.

"Esta gente ajuda-me muito. Se não fossem eles eu já não prestava para nada", desabafa, entre lágrimas, Odete Mantas Peres, de 80 anos. "Esta gente" é a equipa do "Vassouras e Companhia", que foi buscá-la a casa para a acompanhar ao banco. A idosa diz ao JN que está "muito doente" e conta às técnicas de Ação Social o que a médica de família lhe disse nas últimas consultas. Recebe beijinhos e mensagens de ânimo. Amparada, entra na carrinha e repete o desabafo. "São boa gente, são boa gente".

Há uns tempos, Odete Peres foi uma das vítimas de uma tentativa de venda porta a porta pouco transparente. "Obrigaram-na a assinar um contrato de compra de um aparelho linfático", revela Inês Carrolo, coordenadora do projeto. Aqui valeu-lhe a intervenção direta da equipa do "Vassouras". "Fomos com ela e com a Polícia à empresa e conseguimos anular o contrato e reverter a situação", conta a responsável. João Pontes era livreiro e recorda que fez "muitas feiras do livro". Agora, aos 86 anos, já precisa de ajuda nas deslocações. "Vão buscar-me e acompanham-me ao médico e aos correios. São uma grande ajuda. Sem eles, uma vez caí nas escadas", diz.
Mas uma das histórias mais famosas aconteceu há tempos a uma idosa residente na Rua do Cardal a São José. Um homem bateu-lhe à porta e apresentou-se como o fornecedor de bacalhau do restaurante vizinho, cujo proprietário a mulher conhecia há anos. O burlão aproveitou este facto para garantir que o estabelecimento estava fechado e que o dono lhe havia pedido para deixar a encomenda com a senhora, que deveria fazer o pagamento, e depois seria reembolsada. "Na verdade, a D. Alzira deu-lhe 300 euros para pagar o bacalhau e enquanto foi buscar o dinheiro, o homem ainda lhe furtou o ouro e o dinheiro que ela tinha em casa", recorda Inês Carrolo, acrescentando que a única coisa que o indivíduo deixou em casa da mulher foram "caixas vazias".

Prevenir a burla é, aliás, uma das fortes apostas do "Vassouras e Companhia". Quando esta já aconteceu, a solução é correr atrás do prejuízo, tentando reverter a situação. Aconteceu, por exemplo, com uma idosa que foi atropelada e partiu uns brincos que valiam 350 euros. "Foi pô--los a arranjar numa ourivesaria, mas o que aconteceu é que quando os foi buscar deram-lhe uns parecidos, mas que eram uma imitação. Fomos lá com a PSP e formalizámos a queixa", conta a técnica de Ação Social.

Outro episódio que deu que falar diz respeito a uma mulher cega, de 89 anos, que foi encontrada pela equipa do "Vassouras" em casa, em condições infra-humanas, envolta em urina, desidratada e mal nutrida. Era um caso de abandono por parte do filho, que acabou por ser condenado a prisão efetiva devido a este crime denunciado pelo JN em primeira mão em março de 2012.

Ajudar nas tarefas de casa e organizar limpezas profundas quando o cenário encontrado assim o obriga é, aliás, outra das vertentes do projeto. Foi quase acidentalmente que a equipa descobriu o estado em que vivia David José, um homem de 83 anos, antigo ator de teatro e cantor, que contracenou com atrizes famosas como Amália Rodrigues e Laura Alves. Uma casa cheia de lixo, com ratos a deambularem por toda a parte, móveis apodrecidos e papéis amarelecidos. Depois de uma limpeza profunda, vive hoje em condições dignas, recebendo o apoio regular do "Vassouras". Mais dramático foi o caso da D. Aida, uma mulher com mais de 90 anos, que vivia com o filho, com cerca de 70 anos. "Fomos lá casa e estavam os dois no sofá. A senhora pediu-nos para falarmos baixinho que ele estava a dormir", lembra Inês Carrolo, revelando que, estranhando a ausência de movimento, os técnicos aproximaram-se do homem e acabaram por verificar que este estava, afinal, morto.

Mas a segurança dos idosos é, por vezes, também a segurança de todos. Inês Carrolo conta a história do senhor Carlos, que, aos 89 anos, bebia uma garrafa de whisky a que chamava "morangos da Escócia". "O problema é que tinha carro e ainda conduzia. Um dia pediu a um dos nossos colaboradores para ir com ele a Trancoso e na viagem acabou por entrar em contramão". Neste caso, a intervenção do programa acabou por levar à retirada da carta e consequente inibição de conduzir, devido ao perigo que representava.

Foi para responder a casos como estes que a Junta de Freguesia de Santo António apostou no programa. "A vulnerabilidade dos idosos não é um problema nosso, é geral. Mas nós fazemos o que é possível para proteger os que nos estão mais próximos", explica ao JN Vasco Morgado, presidente da Junta, frisando que este programa é "uma resposta local para um problema nacional".

Além de apoiar os idosos nas tarefas diárias, o "Vassouras e Companhia" é também um instrumento de combate à solidão e abandono. "Não queremos que fiquem fechados em casa. Pelo contrário, apostamos em que mantenham ao máximo as suas antigas rotinas. Para eles terem uma pessoa que os ajuda a descer as escadas já é muito importante", conclui Inês Carrolo.

Integração das comunidades ciganas não pode centrar-se apenas na habitação

in Público on-line

Secretária de Estado para a Cidadania reagiu ao relatório da Amnistia Internacional que denuncia as comunidades de ascendência africana e ciganas como as mais frágeis e vulneráveis em Portugal.

A secretária de Estado para a Cidadania afirmou nesta quinta-feira que a intervenção para a integração das comunidades ciganas não se pode "centrar exclusivamente" na questão da habitação e defendeu "planos mais integrados e amplos" em articulação com as autarquias.

Rosa Monteiro comentava desta forma à agência Lusa o relatório da Amnistia Internacional (AI), divulgado nesta quinta-feira, que identificou as comunidades de ascendência africana e ciganas como as mais frágeis em termos de habitação, resultado de serem comunidades vulneráveis que vivem em condições frágeis dentro da sociedade.

"O problema da habitação das comunidades ciganas é um problema que tem vindo a ser identificado e que tem séculos", disse a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, defendendo que "a intervenção para a integração das comunidades ciganas não se pode centrar única e exclusivamente na questão da habitação" e que é necessário "criar planos e modelos mais integrados e amplos".

Rosa Monteiro adiantou que tem estado a trabalhar com a secretária de Estado da Habitação para que as "respostas a implementar a nível habitacional sejam um contributo decisivo e efectivo para a integração e não discriminação destas populações mais carenciadas".

"Temos trabalhado de forma integrada e articulada" com o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) no sentido de "encontrar caminhos" para que o novo programa de apoio às carências habitacionais graves, 'Primeiro direito', seja "canalizado para as necessidades, atendendo às especificidades" de cada comunidade.

Para Rosa Monteiro, "é muito importante e decisivo" que os planos sejam desenvolvidos "numa articulação estreita" com os municípios. "Estamos a desenhar isso, temos um novo financiamento via ACM para apoiar a elaboração de planos em alguns municípios", avançou.

Este ano Portugal vai assumir o projecto ROMED do Conselho da Europa, que assenta numa lógica de intervenção junto de municípios para o desenvolvimento de actividades de mediação intercultural e a criação de grupos de acção locais com este enfoque. Segundo Rosa Monteiro, as queixas que chegam à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) no domínio da habitação "são poucas".

"Temos duas contra-ordenações em contexto habitacional", uma relacionada com dificuldades de acesso à habitação pela comunidade cigana e outra relativa a "um obstáculo" em "razão da cor da pele". "Não obstante, temos registado um aumento muito significativo de queixas, no seu global, que chegam à CICDR: 119 em 2016, 179 em 2017.

Um estudo realizado pelo IHRU revelou que existem 2461 famílias de comunidade ciganas residente em alojamentos não clássicos. A secretária de Estado congratulou-se ainda com "os aspectos muito positivos" destacados no relatório da Amnistia Internacional relacionados com o combate às discriminações e a promoção e protecção das pessoas LGBTI.

"O relatório destaca aspectos muito positivos que têm a ver até com evoluções legislativas dadas neste último ano, um aspecto com o qual temos que nos congratular", sublinhou. Rosa Monteiro destacou "o avanço paradigmático notável no combate às discriminações e o reforço" feito o nível da CICDR e os "grandes avanços em matérias da promoção e protecção das pessoas LGBTI".

22.2.18

Violência policial de novo em foco no relatório da Amnistia Internacional

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

A análise anual da situação dos direitos humanos no mundo é divulgada nesta quinta-feira. Portugal é mencionado por boas e más razões, como a nova lei contra a discriminação racial e o acórdão do Porto que desculpabilizou a violência doméstica.

Nos relatórios anuais da Amnistia Internacional sobre o estado dos direitos humanos no mundo tem sido frequente que o foco em Portugal esteja na violência policial. A edição deste ano não é excepção. A análise, que é divulgada nesta quinta-feira, dá destaque ao caso da Cova da Moura, no âmbito do qual 18 polícias da Esquadra de Alfragide foram acusados no ano passado pelo Ministério Público de maus tratos, tortura e outras ofensas agravadas por racismo

“Aguardamos o desenlace desta situação”, comenta ao PÚBLICO Pedro A. Neto, director da Amnistia Internacional Portugal. “Esperamos duas coisas: a reposição da justiça aos jovens que foram vítimas e que se limpe o nome da polícia porque nos parece importante não cair na generalização por causa de agentes que agem com motivações erradas. Há muito bons agentes e interessa separar o trigo do joio."

Embora não o tenha incluído no relatório, a Amnistia Internacional (AI) tem conhecimento de outros episódios em que terá havido o recurso inadequado à força por polícias, afirma ainda o director. “Em 2017 não recebemos queixas mas sabemos que a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) recebeu algumas e aguardamos o resultado das investigações”, diz.

Pedro Neto defende que a IGAI, a “polícia dos polícias”, se torne uma entidade independente do Ministério da Administração Interna pois preocupa-o este sistema em que “não deixa de ser um órgão do Estado a investigar outro órgão do Estado”.

Fonte de preocupação para esta organização que monitoriza os direitos humanos foram ainda os despejos forçados em bairros de construção informal, como o 6 de Maio, na Amadora, onde os residentes temem que as suas casas sejam demolidas e fiquem sem alternativa. A AI lembra a visita e consequente relatório da relatora especial para a habitação da Organização das Nações Unidas (ONU) ao sublinhar que muitas pessoas de origem africana e cigana vivem em condições indignas e são discriminadas no acesso à habitação condigna. Também o comissário europeu dos Direitos Humanos que visitou Portugal mostrou preocupação pela segregação das comunidades ciganas.
“Os desalojamentos forçados prejudicam ainda mais os grupos que já são alvos de discriminação racial e étnica, como descendentes de africanos e ciganos”, afirma Pedro Neto. Estas são situações de “persistência de pobreza extrema de comunidades que vivem em habitações que não são condignas”.

O juiz do Porto
Dos sete pontos abordados no relatório sobre Portugal, salienta-se ainda, no capítulo de “violência contra as mulheres”, o caso do juiz do Porto, Neto de Moura, que desculpabilizou as agressões a “mulheres adúlteras” dizendo: "O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.” O ponto positivo é que o Conselho Superior da Magistratura abriu um inquérito para averiguar o que aconteceu, sublinha o director da AI Portugal.

Amnistia entende que acórdão da Relação do Porto “viola” obrigações internacionais

Casos na Cova da Moura e na prisão da Carregueira foram os mais marcantes para Amnistia
Como aspecto negativo refere-se o facto de em Portugal faltarem preencher 1400 lugares do Programa de Recolocação de Refugiados da União Europeia, o que se explica com os problemas burocráticos que “foram impactando os procedimentos de acolhimento”, diz Pedro Neto, mas também com a lentidão dos serviços na resposta à sua regularização em Portugal. Isso dificulta a integração na comunidade e no mercado de trabalho e “até a libertação de fundos da União Europeia”, conclui.

Já a proposta de lei que prevê a possibilidade de autodeterminação no reconhecimento legal da identidade de género, assim como a aprovação, em Julho, da Lei Contra a Discriminação Racial merecem nota positiva no relatório sobre os direitos humanos. “A lei abrange agora mais motivações de conduta discriminatória e a multa prevista foi agravada, o que é positivo. Ela não prevê pena de prisão, o que consideramos que está também correcto, de acordo com os padrões internacionais da ONU que considera que a pena de prisão pressupõe o exercício de violência física.”

Câmara passa a coordenar rede de apoio às pessoas em situação de sem-abrigo

in Porto.

A Câmara do Porto passou a integrar o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) da cidade do Porto e assumiu a sua coordenação, que deixou de ser do Instituto de Segurança Social. A proposta foi aprovada por unanimidade, hoje, na primeira reunião do Conselho Local de Ação Social do Porto (CLASP) deste mandado autárquico, que decorreu no auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett.

Na prática, o Município passou a ser a entidade coordenadora e elo de ligação entre as várias instituições parceiras deste núcleo e o Instituto de Segurança Social, no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo até 2023.

"A partir de agora, a Câmara vai trabalhar no regulamento, celebrar o acordo de parceria com as várias instituições da cidade e também criar um núcleo operativo para tratar e encaminhar toda a estratégia direcionada para pessoas em situação sem-abrigo", explicou ao Porto. Fernando Paulo, vereador com o pelouro da Coesão Social da Câmara do Porto e presidente do CLASP.

Cabe ao NPISA fazer o diagnóstico, planeamento e ativar as redes de resposta no âmbito dos sem-abrigo a nível municipal, potenciando o trabalho em rede e gerando complementaridade das várias instituições e entidades parceiras.

"A ideia é que a estratégia e todo o trabalho que a Câmara tem desenvolvido para as pessoas em situação de sem- abrigo possa também ser entrosada e enquadrada numa estratégia nacional e municipal", explicou o responsável.

Nesta 28.ª sessão plenária do CLASP, a primeira deste mandato autárquico e onde participaram 105 entidades, foi feita a adesão de 17 novos membros e aprovado, pela primeira vez também, um plano de ação anual.

Também é objetivo do CLASP dinamizar mais a rede social ao nível local e de proximidade, pelo que ficou expressa a necessidade de criar comissões sociais em todas as freguesias do concelho - atualmente, apenas existentes em Paranhos e no Bonfim - tendo sido aprovado um Modelo de Regulamento Interno das Comissões Sociais de Freguesia.

Refira-se que, no âmbito da política municipal nesta área social, é amanhã levada a reunião de Executivo uma proposta para criação de um plano de formação destinado aos cidadãos sem-abrigo

Ciganos da Vidigueira queixam-se da GNR

in RTP

Duas famílias ciganas acusam a GNR de as ter agredido e expulsado do acampamento onde viviam na Vidigueira.

[clique para ver a reportagem na íntegra]

Desemprego registado cai 16% em janeiro face ao último ano

in TSF

No entanto, em relação ao último mês de dezembro, o desemprego subiu 2,9%, no mês de janeiro.

O número de desempregados inscritos nos centros de emprego baixou 16% em janeiro, face a igual mês de 2017, para 415.539 pessoas, subindo 2,9% (11.768) face ao mês anterior, segundo dados divulgados, esta quarta-feira, pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).

De acordo com os dados disponíveis na página do IEFP, para a diminuição do desemprego registado, face ao mês homólogo de 2017, contribuíram todos os grupos de desempregados, com destaque para os homens (menos 18,9%), os adultos com idades iguais ou superiores a 25 anos (menos 15,5%), os inscritos há mais de um ano (menos 17%), os que procuravam novo emprego (menos 16%) e os que possuem como habilitação escolar o 1.º ciclo do ensino básico (menos 19,5%).

Segundo o IEFP, o desemprego afetava em dezembro 46.843 jovens, o que representa uma redução homóloga de 19,7% e um aumento em termos mensais de 5,5%.

Já o número de desempregados de longa duração apurado no final de janeiro foi de 194.916, diminuindo 17% em relação ao mês homólogo e aumentando 1% em termos mensais.

A nível regional, comparando com o mês de janeiro de 2017, o desemprego registado diminuiu em todas as regiões do país, destacando-se o Alentejo com a descida percentual mais acentuada (-18,6%), seguindo-se Lisboa e Vale do Tejo (-17,3%).

No que respeita à atividade económica de origem do desemprego, dos 348.147 desempregados que, no final do mês em análise, estavam inscritos como candidatos a novo emprego, 70,2% tinham trabalhado em atividades do setor dos serviços.

O desemprego diminuiu em todos os setores de atividade, com a maior redução homóloga a registar-se novamente no setor da construção, onde o desemprego recuou 27,4% no correspondente a menos 12,2 mil desempregados (um contributo de 18% para a redução global do número de desempregados à procura de novo emprego).

Africanos e ciganos vivem em condições degradantes em Portugal, denuncia a Amnistia

Patrícia Fonseca, in Visão on-line

No seu relatório anual sobre o respeito pelos Direitos Humanos no mundo, divulgado esta quinta-feira, a Amnistia Internacional aponta ainda o dedo a Portugal no que diz respeito à integração de refugiados e à violência contra as mulheres

As demolições vão avançando no Bairro 6 de Maio, na Amadora, apesar dos protestos dos moradores, em luta contra a Câmara Municipal há dois anos. Das três mil pessoas que viviam no bairro, restam hoje poucas dezenas. Mas se antes viviam nas suas pequenas casas abarracadas, hoje resistem no meio de escombros, montes de lixo e rios de esgoto, com a água e a luz cortadas. Muitos têm dado o peito às retro-escavadoras, conseguindo adiar o inevitável - mas esta é uma guerra com um vencedor há muito anunciado.

O problema, queixam-se os moradores do bairro (na sua maioria de origem africana), é que o município não lhes apresenta alternativas. Apenas afixam um papel na porta dizendo que a casa vai ser demolida. "Estas pessoas não podem continuar a viver nestas condições nem podem ficar sem-abrigo", considera a Amnistia Internacional no seu relatório anual, divulgado esta quinta-feira, 22 de fevereiro, e a que a VISÃO teve acesso.

Nas três páginas dedicadas a Portugal - o relatório analisa a situação em 159 países - referem-se ainda as más condições de vida das comunidades ciganas, nomeadamente em Torres Vedras, apelando-se a novos programas governamentais que permitam o realojamento destes cidadãos.

É igualmente referido que Portugal recebeu menos refugiados da Grécia e Itália do que se tinha comprometido internacionalmente - em 2017 chegaram 1 518 pessoas, cerca de metade da quota prevista -, e é também digno de nota o facto de 720 destes refugiados já ter abandonado Portugal, entretanto.

O caso dos juizes do Porto que, em outubro passado, num julgamento de um homem que raptara e espancara a mulher consideraram "atenuante" o facto de ela o ter traído com outro homem, o que atingiria a honra e a dignidade do marido, não escapou também à análise da organização não-governamental, sempre atenta aos números da violência doméstica em Portugal. Esse é um problema que já era focado no relatório do ano passado, tal como a violência policial ou o racismo contra as comunidades ciganas.

Numa nota positiva, refere-se a acusação de 18 polícias da Amadora pelo abuso de poder e tortura de seis cidadãos de origem africana, a apresentação, por parte do governo, de uma proposta de lei que garantirá uma maior proteção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas transgénero e intersexuais (LGBTI), e a aprovação no Parlamento, em agosto, de nova legislação com penas mais duras para o incitamento ao ódio, à violência e outras condutas discriminatórias.

21.2.18

Bragança inaugura abrigo para vítimas

in Público on-line

O primeiro abrigo de emergência do Nordeste transmontano para acolher vítimas de violência doméstica abre na segunda-feira, passando a dar resposta a situações de perigo até agora encaminhadas para pensões.

Bragança abre o primeiro Centro de Acolhimento de Emergência para Vítimas de Violência Doméstica Paulo Pimenta

Trata-se do primeiro Centro de Acolhimento de Emergência para Vítimas de Violência Doméstica nesta região criado pela Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança (ASMAB) responsável pelo Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica de Bragança.

Este centro tem capacidade para receber nove pessoas por um período de 15 dias a um mês, depois do qual as vítimas podem seguir a sua vida se tiverem reunidas condições ou ser encaminhadas para casas abrigo, onde podem permanecer entre seis meses a um ano, como explicou à Lusa a técnica Teresa Fernandes.
O distrito de Bragança tem apenas uma casa-abrigo com cinco vagas, da Santa Casa da Misericórdia de Bragança, mas não tinha resposta para situações em que é necessário retirar de imediato as vítimas da situação de risco, avaliado pelas forças de segurança e tribunais. Nessas situações, até agora as vítimas eram encaminhadas para pensões, como explicou Teresa Fernandes, por falta da resposta que passa a ser dada a partir de segunda-feira depois de um investimento de 118 mil euros financiados por fundos comunitários do Portugal 2020.
De acordo com dados oficiais, nos últimos dois anos, em 2017 e 2016, o núcleo de Bragança de apoio à vítima recebeu 48 solicitações, 24 em cada ano, para resolver situações de emergência. Em todo o país, incluindo as ilhas, existem 20 centros de emergência e 44 casas abrigo.
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A nova resposta para acolhimento de emergência em Bragança vai garantir "maior segurança e acompanhamento técnico permanente" às vítimas, segundo ainda a técnica. Estas respostas sociais asseguram alojamento e as necessidades básicas às pessoas acolhidas, regra geral mulheres e crianças, e acompanhamento de uma rede parceiros, nomeadamente da Segurança Social.

O centro de emergência de Bragança irá funcionar durante 15 meses, o período de tempo em que a ASMAB espera ser possível construir uma nova casa abrigo ambicionada há anos, que já tem terreno e projecto e aguarda aprovação do Instituto da Segurança Social para avançar com o concurso público para obra.

As crianças estão a ser levadas pelo Al-Shabaab para combater e serem usadas como bombistas-suicidas

Cristina Pombo, in Expresso

Sem dó nem piedade, as milícias do Al-Shabaab expulsas da capital da Somália por forças governamentais há sete anos continuam a matar e a impor a sua lei islâmica sobre as populações rurais mais pobres. O “Guardian” investigou e contou as atrocidades terríveis que este grupo terrorista com ligações à Al-Qaeda continua a cometer naquele país do Corno de África

O grupo terrorista islâmico Al-Shabaab está a extorquir avultadas quantias de dinheiro a comunidades pobres nas zonas que controla na Somália. Das táticas criminosas desta milícia faz também parte o recrutamento forçado de milhares de crianças-soldado e bombistas suicidas, assim dá conta uma investigação levada a cabo por jornalistas do britânico “The Guardian”.

A informação foi conseguida a partir de documentos dos serviços secretos, transcrições de interrogatórios com desertores e entrevistas realizadas pelo jornal britânico a habitantes das áreas controladas pelo Al-Shabaab.
As populações queixam-se de ataques sistemáticos aos Direitos Humanos, o que passa ao lado das preocupações da maior parte dos analistas que não veem o grupo como uma ameaça à Europa, ao Reino Unido ou aos EUA, diz o “Guardian”.

O grupo é acusado de matar e maltratar homossexuais, de realizar casamentos forçados e usar civis como escudos humanos.

O “Guardian” descobriu vários exemplos do terror infligido a estas populações: em 2017, um homem foi apedrejado até à morte por adultério e outros cinco, entre os quais um jovem de 16 anos, foram fuzilados por alegadamente serem espiões ao serviço das autoridades somalis.

Noutro caso, ainda, um jovem de 20 anos e outro de 15 foram mortos em praça pública depois de serem considerados homossexuais por um tribunal religioso.

Sistema judicial próprio

No decurso de 2017, pelo menos mais cinco pessoas foram açoitadas por “comportamento imoral ou impróprio”. Representantes das Nações Unidas dizem ter sido alertados por várias vezes para apedrejamentos relacionados com adultério naquela região.

O Al-Shabaab chegou a controlar grande parte do centro e sul da Somália, incluindo a capital Mogadíscio, mas ataques das forças do governo obrigaram-no a retirar-se para as zonas rurais há sete anos.
Sanguinário e implacável, o Al-Shabaab tem-se debatido com constrangimentos financeiros, voltando-se agora para a extorsão de dinheiro às populações. Segundo vários relatos, “os muçulmanos são obrigados a pagar por quase tudo exceto pela entrada na mesquita”.

O grupo tem um sistema judicial próprio que muitas pessoas preferem “porque o juiz obedece à lei islâmica [sharia] e não existe nepotismo e corrupção”, disse ao “Guardian” o familiar de uma vítima de violação, cujo violador foi julgado e morto por apedrejamento. “Se tivéssemos recorrido a um tribunal do governo, não teria sido feita justiça porque o violador poderia ter pago algum dinheiro ao tribunal que o libertaria.”

Crianças-suicidas salvas do Al-Shabaab

Um membro arrependido do Al-Shabaab contou que as crianças são colocadas em internatos desde os oito anos, onde são treinadas para combater e integrar unidades de combate a meio da sua adolescência.

“Nessa altura já estão totalmente doutrinadas e fora da influência dos seus pais”, explicou Mohamed Mubarak, diretor de pesquisas do think tank Horn Institute for Security and Strategic Policy.

Segundo as autoridades do país, 32 crianças foram salvas das mãos do Al-Shabaab, em janeiro passado. Tinham sido recrutadas para serem usadas como bombistas suicidas. É também bastante comum usarem as populações como escudos humanos, relatou ao “Guardian” um membro do governo somali, responsável por fiscalizar a ajuda humanitária no centro-sul da Somália. Impedem-nas de se movimentarem porque temem os ataques aéreos se os civis saírem, mas também impõem restrições ao que podem ler ou escutar. A maior parte das pessoas só escutam as estações de rádio do Al-Shabaab e acedem a notícias através de palestras que duram várias horas, essencialmente sobre temas religiosos, nas quais todos são obrigados a participar.

“A vida é muito difícil nas áreas controladas pelo Al-Shabaab. Não há comida, não há ajuda e as crianças estão a ser levadas”, lamentou Mubarak, o diretor do Horn Institute for Security and Strategic Policy.

Banco Alimentar inicia hoje primeira campanha de angariação de bens em cafés e restaurantes

in Sapo24

O Banco Alimentar Contra a Fome iniciou hoje uma nova campanha de angariação de alimentos que conta com o apoio de mais de 1.200 cafés e restaurantes do continente e da Madeira, onde vai ser possível deixar donativos.

“Um café cheio de solidariedade” é o nome da primeira campanha no “canal Horeca” (hotéis, restaurantes e cafés), um projeto-piloto da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares que “é mais um caminho que se abre para ajudar as pessoas que mais precisam”, afirma em comunicado a presidente da instituição, Isabel Jonet.

“É com grande satisfação que damos início a esta campanha, agora em moldes um pouco diferentes do habitual. Vamos ter pontos de recolha” ao ‘virar de cada esquina’, “numa lógica de proximidade, nos cafés e restaurantes que as pessoas habitualmente frequentam”, afirma Isabel Jonet, explicando que “é uma forma de alargar” o âmbito da missão do Banco Alimentar, contando com “o apoio solidário de milhares de pessoas”.

Até 09 de março, os estabelecimentos aderentes vão estar identificados com a imagem da campanha e vão poder receber e guardar os bens alimentares que os seus clientes e eles próprios, queiram oferecer.

Financiamento da Segurança Social deve passar por mexidas na TSU

Joana Saramago, in o Observador

Um dos principais problemas do financiamento da Segurança Social é o facto de a TSU incidir apenas no salário. Um estudo sobre o setor dos serviços aponta quatro propostas alternativas.

A Segurança Social deve ter um modelo de financiamento alternativo que passa por mexidas na TSU e pelo alargamento da base de incidência contributiva ao Valor Acrescentado Líquido (VAL), revela um estudo da CCP que será apresentado esta quarta-feira.

O estudo “O Setor dos Serviços e os Desafios da Segurança Social”, elaborado pelo economista e antigo dirigente da direção-geral de Emprego da Comissão Europeia, Armindo Silva, será apresentado, em Lisboa, pela Confederação dos Serviços e Comércio de Portugal (CCP).

Segundo o documento, um dos principais problemas do financiamento da Segurança Social assenta no facto de a Taxa Social Única (TSU) incidir apenas na massa salarial, afetando a criação de emprego, e sobretudo setores de mão de obra intensiva, como é o caso dos serviços.

No documento são propostos quatro modelos alternativos de financiamento, três dos quais têm por base mexidas na TSU, numa altura em que os parceiros sociais discutem uma eventual diferenciação da taxa a pagar pelo empregador por tipo de contrato, no âmbito do combate à precariedade.

Segundo disse à Lusa o autor do estudo, todas as soluções apresentadas “implicam decisões difíceis”, mas a proposta que teria “efeitos mais profundos” seria a do alargamento da base de incidência da TSU ao VAL, embora seja também a que exige “mais estudos prévios e maior debate”.

Por exemplo, uma redução de dez pontos da TSU poderia ser compensada por uma taxa de 5,4% sobre o VAL, uma medida que iria favorecer as empresas com mão-de-obra intensiva, nomeadamente as pequenas e médias empresas, refere o estudo.

Uma das principais vantagens do alargamento da base contributiva seria a criação de emprego, uma vez que o custo do trabalho seria reduzido em cerca de 8% no curto prazo, prevendo o autor a criação líquida de 200 mil novos postos de trabalho.

Além disso, o financiamento da Segurança Social “evoluiria a um ritmo mais próximo do PIB [Produto Interno Bruto] e não estaria tão dependente da evolução da massa salarial”, defende.

“A manterem-se as tendências previsíveis de evolução da massa salarial, se nada for feito, as receitas da TSU cairão dos atuais 8,6% para 6,6% do PIB em 2060”, lê-se no documento.

Porém, esta solução tem um “risco real de desincentivo do investimento nos setores penalizados”, como a energia, as telecomunicações ou a agricultura, bem como “um risco de evasão fiscal mais pronunciado”. No estudo é ainda apontada uma solução alternativa à diferenciação da TSU por tipo de contrato, por forma a reduzir a precariedade e assegurar a proteção no desemprego.

O autor lembra que o atual Código Contributivo prevê a majoração da TSU em 3 pontos percentuais para as empresas com contratos a prazo e a redução de 1 ponto para os contratos sem termo, embora nunca tenha sido aplicada. Segundo o estudo, se fosse aplicada, haveria um aumento médio de 1,6% no montante global de contribuições para o setor dos serviços, mas no caso do alojamento e restauração o agravamento seria de 3%.

No sistema atual, “as empresas que recorrem frequentemente à contratação a prazo não são responsabilizadas pelos custos sociais que induzem sobre o sistema previdencial de proteção do desemprego”, lê-se no documento.
“Esta prática é responsável pela elevada rotatividade do emprego além de onerar os custos” com a proteção no desemprego, continua o autor.

Assim, a solução proposta pelo estudo da CCP vai no sentido de ser criada uma “modulação da TSU” em função da média de contratos a termo não renovados. Segundo Armindo Silva, a medida seria “mais justa porque diferencia as empresas que usam sistematicamente contratos a prazo das que transformam os contratos a prazo em contratos sem termo”.

A redução da TSU para salários mais baixos, próximos do salário mínimo nacional, é outra das sugestões que integram o estudo, mas o autor diz que a solução que “teria mais condições para avançar” nesta altura seria o reforço dos sistemas de pensões complementares, pois “as reformas futuras vão ser muito mais baixas do que as atuais”.

Centro de Excelência contra a Fome lança publicação sobre proteção social em países africanos

in ONUBR

O Centro de Excelência contra a Fome — fruto de uma parceria entre o governo brasileiro e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas — lançou na semana passada (16) uma nova publicação que reúne cinco artigos sobre proteção social em países africanos.

A partir de uma abordagem holística e sistêmica, os estudos de caso encontraram evidências de que programas de transferência de renda, de alimentação escolar vinculada à agricultura local, entre outros, melhoraram o acesso, a disponibilidade, a estabilidade e o consumo de alimentos nesses países.

Publicação analisa formas de as políticas de proteção social contribuírem para a ampliação da segurança alimentar e nutricional nos países africanos. Foto: PMA
O Centro de Excelência contra a Fome — fruto de uma parceria entre o governo brasileiro e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) — lançou na semana passada (16) uma nova publicação que reúne cinco artigos sobre proteção social em países africanos.

A publicação “Caso de estudo sobre proteção social e segurança alimentar e nutricional” tem como objetivo compartilhar e difundir conhecimentos sobre uma gama de políticas e experiências testadas que mostram como as iniciativas de proteção social podem contribuir para a ampliação da segurança alimentar e nutricional.

O Centro de Excelência contra a Fome encomendou o estudo ao Economic Policy Research Institute (EPRI) — com sede na África do Sul —, que analisou os casos de Etiópia, Gâmbia, Quênia, Moçambique e Zâmbia.
A partir de uma abordagem holística e sistêmica, os estudos de caso encontraram evidências de que programas de transferência de renda, de alimentação escolar vinculada à agricultura local, entre outros, melhoraram o acesso, a disponibilidade, a estabilidade e o consumo de alimentos nesses países.

Com base nessa análise, o Centro de Excelência contra a Fome espera identificar caminhos pelos quais as parcerias para o desenvolvimento possam promover o intercâmbio de conhecimentos e políticas entre países do Sul, além de apoiar esses cinco países no aprimoramento do desenho e implementação de programas de proteção social para a segurança alimentar e nutricional. A discussão apresentada nos cinco artigos culmina em uma série de recomendações.

Clique aqui para baixar a publicação (em inglês)