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3.8.22

Sem tecto pela primeira vez ou de regresso às ruas: no Porto há cada vez mais sem-abrigo

André Borges Vieira (texto) e Paulo Pimenta (fotografia), in Público on-line

Sem documentos para regressar ao país de origem, violência doméstica, desemprego e adições serão algumas das causas para o aumento de pessoas em situação de sem-abrigo na cidade.

Dentro de um edifício abandonado do Porto, numa divisão improvisada, feita de paredes de plástico opaco, está Rui. Sentado no chão, com os olhos fixados no vazio da escuridão, conta os minutos que faltam até voltar a uma rotina da qual há muito se quer afastar. Todos os dias cumpre uma espécie de ritual circular: para acalmar os sintomas da ressaca, sai do abrigo temporário que encontrou até arranjar dinheiro suficiente para uma dose que o vai acalmar apenas durante um período de tempo. Passado esse momento de quase tranquilidade, de volta à realidade da ausência no corpo da substância que consome, reinicia mais uma vez o mesmo processo de sobrevivência.

A realidade do vício das drogas já conhece há muito tempo. Mas há outra realidade que só há pouco conheceu. Até há cerca de três meses tinha casa, estava casado e dinheiro suficiente para sustentar a sua dependência. Mas agora já não é assim. Desde que perdeu o emprego durante a pandemia, entrou numa espiral descendente que o arrastou até à circunstância em que se encontra – pela primeira vez está numa situação de sem-abrigo. Quase a completar 40 anos, juntou-se ao número crescente de pessoas a viver nas ruas ou em abrigos temporários do Porto. Entre 2020 e 2021 o número de pessoas em situação de sem-abrigo na cidade aumentou de 590 para 730.

Numa das rondas semanais da Associação Saber Compreender, que o PÚBLICO acompanhou, mais casos recentes de homens e mulheres que voltaram às ruas ou estão pela primeira vez sem tecto foram detectados. As causas são variadas e difíceis de enquadrar em apenas uma tendência.

Porém, Rui – nome fictício, assim como de todas as outras pessoas referidas no texto - consegue identificar os motivos para a situação em que se encontra: “Tudo mudou depois de ficar sem emprego”. Por sua vez, ficar desempregado foi o catalisador para o divórcio. A sua adição também contribuiu para que a situação escalasse.

A origem do problema está no vício. Mas num contexto de estabilidade laboral e financeira, o problema pode parecer menos evidente. Se não tivesse perdido a rede de segurança que tinha, talvez agora a sua situação fosse diferente. Nunca vai poder confirmar se assim seria porque, entretanto, a vida trocou-lhe as voltas: “Tinha trabalho. Era empregado de balcão. Mas por causa da covid começaram a despedir pessoal e como eu era o funcionário mais recente despediram-me.”

Para voltar a reerguer-se espera poder contar com o apoio do Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano (CATJU), por quem já é acompanhado. Falta-lhe que surja uma vaga para poder lá pernoitar. “Estou à espera”, diz.

Rui divide o espaço onde passa as noites com mais pessoas na mesma situação – algumas já há muito mais tempo. Foi uma das pessoas que já lá está há vários anos que lhe “estendeu a mão”, de forma a não ter de pernoitar na rua.

Naquela noite estariam no interior da construção abandonada, pelo menos, uma mão cheia de homens e mulheres. Noutros dias são “dezenas”. Mas é difícil de saber ao certo o número exacto. “Muitos estão escondidos atrás dos plásticos”, dizem.

Pedro, é um dos que aparece detrás de uma dessas divisões para se deslocar até à nova carrinha da associação, emprestada pela junta do Bonfim. Na mão leva um saco vazio para o encher de comida, que vai dividir com os que estão no interior do edifício.

Ao longo dos seus 32 anos de vida, passou, no total, em alturas diferentes, cerca de quatro anos na rua. Há oito meses tinha um tecto em um dos apartamentos solidários do Porto Sentido - Habitação, Capacitação, Reinserção, projecto que abrange 60 pessoas, coordenado pelo município e pelos SAOM - Serviços de Assistência Organizações de Maria, uma IPSS da cidade. Também já tinha passado pelo CATJU.

Voltou a ficar sem tecto, como Rui, porque perdeu o emprego e deixou de poder suportar algumas despesas associadas ao programa, que tem em vista voltar a incutir nos utentes algumas responsabilidades para facilitar o processo de reinserção. Contudo, admite: “Também infringi algumas regras”. Voltou a consumir. O processo de reabilitação ficou a meio e voltou a ficar sem casa. Mas, mais uma vez, a situação de desemprego, também em pandemia, contribuiu para o regresso à rua.
Novas zonas

A carrinha da Saber Compreender arranca para outra zona da cidade. Pelo caminho vai fazendo algumas paragens. Uma delas é feita num ponto onde habitualmente não param. Numa entrada lateral de uma igreja está um pedaço de cartão a servir de resguardo para alguém que ali se abrigará. Mais de perto percebe-se que, naquele momento, não está ali ninguém. Mas talvez seja por pouco tempo. Entre o cartão e a porta da entrada estão os pertences de alguém, que os organizou meticulosamente. Na ronda da semana anterior não havia sinais de aquele sítio estar ocupado.

A cerca de cinco minutos dali está Maria, que se aproxima da viatura da associação, já estacionada, para tomar um café. Também recentemente, no último ano, regressou às ruas, por onde já tinha passado noutras fases da sua vida. Desta vez, o motivo tem origem numa situação de violência doméstica. Naquela noite, tinha passado o tempo a “fugir” do namorado, que aponta como uma das causas por ter sido despejada do quarto onde vivia. A associação aconselha-a a procurar ajuda. Mas hesita em identificar a situação como matéria que configura violência doméstica: “Ele não me bate. Só me chama nomes”.
Documentos roubados a estrangeiros

Debaixo de uma pala de uma entrada de outro prédio abandonado está um grupo de homens, que formam uma espécie de Nações Unidas sem tecto. Encostados a uma parede há vários colchões empilhados. Ali, estão cinco pessoas originárias de diferentes países. Os ucranianos estão em maioria, mas há um moldavo que recentemente passou a pernoitar ali. Quer regressar a casa, mas não sabe como. Não fala português, mas Cristian Georgescu, presidente da associação, consegue comunicar com o homem em romeno. Para o ajudar no regresso, dá-lhe a morada do Serviço Local de Atendimento de Acção Social do Porto, da Segurança Social, na Rua da Alegria. Como tem documentos, poderá ser mais fácil resolver a situação.

Todas as semanas, a Associação Saber Compreender sai à rua para apoiar as pessoas em situação de sem-abrigo do Porto Paulo PimentaTodas as semanas, a Associação Saber Compreender sai à rua para apoiar as pessoas em situação de sem-abrigo do Porto

Sergej, nascido na Ucrânia, também por causa da guerra, não quer regressar ao país de origem que deixou em 2001. Mas precisa dos seus documentos para voltar a trabalhar. Está numa situação de sem-abrigo no Porto há pouco tempo. Antes disso esteve num abrigo noutra cidade portuguesa depois de ter saído da casa onde morava. Diz ser engenheiro de formação, mas, nas últimas décadas, trabalhou como soldador em Portugal e noutros países europeus.

“Há uns tempos”, encontrou emprego noutro país. Mas a experiência não correu bem. “Estava nas primeiras horas de trabalho e tive um acidente e isso foi antes de assinar o contrato”, conta. A empresa, diz, acabou por nunca oficializar o vínculo. Para agravar a situação, diz ter ficado sem os documentos nesse país.

Tem apenas as cópias, que mostra. O processo de recuperação dos documentos está a ser demorado, mas está a decorrer com ajuda de uma equipa que o acompanha. Até lá, não pode voltar a trabalhar. “Agora estou aqui”, afirma. Dorme numa cama improvisada que naquela noite vai partilhar pelo menos com mais quatro pessoas. “Às vezes somos mais. Todos estrangeiros”.


Sem documentos, porque “foram roubados”, também está Vanessa, nascida no Brasil. Até há uns meses também vivia numa casa. Agora, dorme na entrada de um edifício, onde está deitada. Não tem “vícios”, afirma, e diz ser a primeira vez que passa por uma situação de sem-abrigo. O motivo? “Estava numa relação que terminou. E não trabalhava”. Por “vergonha” saiu da cidade onde estava e veio para o Porto. Agora quer regressar ao Brasil, mas sem documentação não pode.

O PÚBLICO contactou a Câmara do Porto, que recentemente divulgou números que revelam um aumento de 140 pessoas em situação de sem-abrigo na cidade, para saber quantos estrangeiros estão na mesma situação. Mas a autarquia não conhece esses dados e remeteu para o Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes do Norte, que não atendeu o número de telefone geral.

6.1.22

Porto vai recuperar ilhas para habitação

in Esquerda.net

A Câmara do Porto anunciou a compra de seis ilhas na Lomba, em Campanhã, com o objetivo de as reabilitar originando 41 habitações. Maria Manuel Rola lembra que o Bloco lutou pela reabilitação das ilhas pelo que “este programa é o reconhecimento do que sempre dissemos”.

A compra destas ilhas enquadra-se num projeto-piloto que depois deverá ser replicado para outras zonas da cidade. A operação vai custar 7,4 milhões de euros e contará com financiamento público no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que está a ser debatido com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).

Atualmente, estas seis ilhas contam com 59 casas, que irão ser transformadas em 41. Questionado por Sérgio Aires, vereador eleito pelo Bloco de Esquerda, o executivo camarário afirmou que os atuais moradores – 39 agregados familiares - irão regressar após as obras.

A deputada bloquista Maria Manuel Rola recorda que o Bloco se tem batido pela reabilitação das ilhas na cidade do Porto e tornou-o um assunto nacional: “em 2018, chamámos Rui Moreira precisamente para que se fizesse um plano para a reabilitação das ilhas, garantindo a manutenção dos moradores e o direito ao lugar”.

“O programa que agora é apresentado é o reconhecimento do que sempre dissemos: é essencial intervenção pública nas ilhas do Porto, a proteção dos moradores contra a especulação e fetichização e a aquisição e reabilitação para o património público” afirmou a deputada bloquista em declarações ao Esquerda.net.

A intervenção que agora irá avançar tem por base um estudo efetuado por uma equipa da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto.

O levantamento, na zona da Lomba, em Campanhã, incidiu em 19 ilhas, 261 fogos e 104 agregados familiares. Do total de agregados estudados, 24 habitam em casas em mau estado de conservação, 15 em casas numa tipologia inferior à adequada e 24 não têm cozinha nem casa de banho dentro da residência. No Porto existem 957 ilhas; apenas três pertencem à autarquia.

8.7.21

Porto terá sala de consumo de drogas em Setembro, na zona de Serralves

in Público on-line

Unidade móvel de consumo vigiado vai funcionar 10 horas por dia, sete dias por semana, na “Viela dos Mortos”.

A Câmara do Porto indicou esta quarta-feira que a sala de consumo vigiado de drogas, cujo protocolo foi assinado há quase um ano, vai ficar instalada na Viela dos Mortos, na zona de Serralves, devendo abrir portas em Setembro.

A informação, inicialmente avançada pelo Jornal de Notícias, foi confirmada à Lusa pela autarquia, que vota na reunião do executivo de segunda-feira a abertura de candidaturas para o Programa de Consumo Vigiado, que resultará na criação de um espaço para consumo vigiado amovível.

A proposta, a que a Lusa teve acesso, estabelece, cerca de um ano depois da assinatura do protocolo para a criação de Respostas de Consumo Vigiado no Porto, as condições de atribuição de financiamento do programa, ao qual poderão candidatar-se todas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, cuja finalidade estatutária inclua a luta contra a toxicodependência, e tenham intervenção geográfica na cidade do Porto.

A estrutura amovível do programa deverá funcionar dez horas por dia, sete dias por semana, em horário proposto e validado pela entidade gestora à Comissão de Implementação, Acompanhamento e Avaliação. De acordo com o anexo a que a Lusa teve acesso, a equipa deverá ser composta por profissionais em permanência, tais como enfermeiros (dois), técnicos psicossociais (um), educadores de pares (um), entre outros. A equipa será ainda reforçada com profissionais a tempo parcial nomeadamente por um psicólogo (sete horas por semana), um assistente social (sete horas por semana) e um médico (sete horas por semana).

A execução do programa terá a duração de um ano, a título experimental, a que se seguirá uma segunda fase, com a duração de dois anos, caso a avaliação da fase experimental seja favorável. De acordo com os documentos consultados pela Lusa, o limite máximo do financiamento público assegurado pela Câmara do Porto para a execução do programa pelo período de um ano, a título experimental, é de 270 mil euros.

O espaço, que se dirige a utilizadores de substâncias psicoactivas ilícitas, por via injectada e/ou fumada, contará, contudo, com o apoio da Câmara do Porto no montante global de 650 mil euros. O Programa de Consumo Vigiado do Município do Porto resulta da cooperação entre várias entidades, na sequência do protocolo assinado em 2020 para a criação de respostas deste tipo na cidade, assinala a Câmara do Porto na nota publicada esta quarta-feira.

Esse documento, subscrito pela Câmara do Porto, pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), pela Administração Regional de Saúde do Norte (ARS Norte) e pela Segurança Social, prevê numa primeira fase a implementação de um espaço de consumo vigiado amovível e numa segunda fase um espaço de consumo vigiado móvel.

A operacionalização do protocolo cabe a uma Comissão de Implementação, Acompanhamento e Avaliação, composta por elementos das entidades envolvidas.

No dia 14 de Junho, a Câmara do Porto já tinha avançado que ia trazer “em breve”, a reunião do executivo, o aviso de abertura de procedimento para seleccionar a entidade que vai operar a unidade móvel de consumo vigiado de droga no concelho.

O esclarecimento foi prestado pelo vereador da Habitação e Coesão Social, Fernando Paulo, em resposta ao pedido de esclarecimento da vereadora da CDU, Ilda Figueiredo, no período antes da ordem do dia da reunião do executivo desta manhã.

“Temos vindo a trabalhar desde o ano passado, esperamos muito brevemente trazer à câmara o aviso de abertura do procedimento para seleccionar a entidade que vai operar essa unidade móvel”, afirmou à data.

Em Julho de 2020, a Câmara do Porto aprovou, por maioria, com os votos a favor do grupo Rui Moreira: Porto, o Nosso Partido, do PS, da CDU e a abstenção do PSD, o Programa para Consumo Vigiado que pressupõe, numa primeira fase, como projecto-piloto, a disponibilização de uma unidade amovível, a ser complementado, numa segunda fase por um espaço móvel com um veículo adaptado.

O protocolo foi assinado pelas entidades envolvidas no final de Agosto de 2020.

25.3.21

Câmara do Porto quer tirar grupos de ajuda alimentar das ruas da Baixa e integrá-los na resposta municipal

Maria Monteiro, in Público on-line

O município notificou voluntários e associações para deixarem de distribuir comida na Baixa e, em alternativa, propôs que integrassem os três restaurantes solidários municipais ou se deslocassem para zonas sem respostas deste tipo. Mas a solução não reúne consenso.

Na quinta-feira, 11 de Março, o grupo de voluntários Amor Perfeito realizou a última distribuição semanal de comida, cobertores, produtos de higiene e outros bens essenciais a mais de cem pessoas carenciadas ou em situação de sem-abrigo do Porto no parque de estacionamento da Trindade. O grupo estava ali há seis anos, por decisão camarária, mas em Novembro de 2020 foi abordado para encontrar outras soluções. “Como foram criados três restaurantes solidários [municipais] e vai haver um quarto, a câmara do Porto acha que não será necessário ter esta ajuda de rua”, conta Ana Paula Paiva, uma de 27 voluntários.

Aquando do primeiro contacto, o Amor Perfeito pediu para ficar no local até Dezembro, uma vez que a crise sanitária e socioeconómica se agravava e se aproximava a quadra natalícia. “Achámos que não seria a melhor altura para tomar uma decisão dessas”, desabafa a voluntária. A 4 de Março foram novamente abordados pela autarquia para sair do espaço, embora os pedidos de ajuda viessem “progressivamente a aumentar nos últimos tempos”, e tiveram de o fazer na última semana.

Ana Paula Paiva considera que “a resposta que o grupo dá não tem nada a ver com a resposta que a câmara está a dar” e, por isso, não se conseguiu enquadrar nas alternativas propostas pelo município para albergar o projecto: ou os voluntários passariam a colaborar com os restaurantes solidários ou deslocar-se-iam para outras zonas da cidade onde ainda não há respostas sociais deste tipo.

Grupos querem permanecer em zonas “centrais"

Relativamente à primeira opção, a voluntária refere que as estruturas camarárias “têm algumas características em que o grupo não se consegue encaixar”, nomeadamente os horários de distribuição da comida, entre as 20h e as 22h30. “São horários apertados, porque seria preciso estar lá às 19h para servir às 20h, e muitos de nós têm horários de trabalho que se sobrepõem a esse”, elabora. Por outro lado, apenas “quatro, cinco pessoas” poderiam integrar os restaurantes solidários, diz, o que deixaria “muitas pessoas” de fora.

Quanto à deslocação para outras zonas da cidade, a organização entende que “o centro é o sítio mais fácil para dar respostas a quem as procura”. Depois de uma primeira fase a actuar ao ar livre, junto ao Hospital de Santo António e, depois, na Cordoaria junto à antiga Cadeia da Relação, o grupo formado em 2012 foi para a Trindade e “não foi por acaso”. “É uma zona com bons acessos a transportes públicos. Se não houver transportes, que tipo de ajuda poderemos prestar?”, problematiza.

Também o grupo Amigos Improváveis na Rua foi contactado “há cerca de três semanas” para abandonar o local de distribuição de comida onde está há um ano, junto à Igreja de Santo Ildefonso, na Praça da Batalha. “Disseram-nos que tínhamos de sair dali, porque o restaurante [solidário da Batalha] já serve as refeições. Mas e tudo o resto?”, questiona José Castilho. O trabalho na rua começou em 2020 entre um grupo de amigos junto ao Teatro Nacional São João e depois passou para a Praça da Batalha. “Antes de ir para a rua, percorremos algumas artérias da cidade e [esta] foi a zona onde vimos mais gente”, justifica. Embora, na altura, não soubessem que ali perto ficava o primeiro restaurante solidário da cidade, aberto em 2016, mantiveram-se naquele sítio pela sua “centralidade”. “Temos pessoas que vêm de Ermesinde porque sabem que estamos lá”, assinala.
Ajuda vai além da distribuição de alimentos e refeições

Nem todas as pessoas que procuram ajuda estão em situação de sem-abrigo. “Há muitas pessoas que ficaram sem emprego, nomeadamente da restauração”, nota José Castilho. Além da distribuição de alimentos, refeições quentes e roupa, os 31 voluntários também actuam noutras zonas da baixa. Normalmente, começam a partilha às 20h30, mas seguem noite dentro para pontos como o Jardim do Carregal ou a Avenida Marechal Gomes da Costa. “Alimentamos, mas também damos banho e levamos ao hospital, se for preciso”, reitera.

Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara Municipal do Porto (CMP) esclarece que o terceiro restaurante solidário a abrir, em Novembro de 2020, no Beco de Passos Manuel, “pretendeu dar resposta às pessoas em situação de sem-abrigo na zona da Baixa” e, por outro lado, “terminar com a distribuição de alimentos junto do Gabinete do Munícipe e no parque de estacionamento da Trindade”. Dessa forma, complementar-se-ia o trabalho prestado pelos outros dois restaurantes, situados em instalações do Hospital do Terço, na Batalha, e do antigo Hospital Joaquim Urbano, que “pretendem substituir a distribuição da comida no espaço público” e dar essa resposta “com mais dignidade, salvaguardando-se as questões da segurança alimentar”.
Câmara quer dar “resposta digna” em rede

Antes de notificar os grupos de rua para a saída, “reuniu a Câmara e a coordenação do NPISA [Núcleo Planeamento Intervenção Pessoas em Situação de Sem-Abrigo] Porto em Novembro com as diversas organizações de voluntários, incluindo o Amor Perfeito, no sentido de as implicar neste processo e solicitar que passassem a exercer voluntariado no restaurante, que tem uma resposta digna, sete dias por semana”. Às organizações que pretenderam continuar a trabalhar na rua, a câmara sugeriu “uma articulação com os serviços da Coesão Social e com o Eixo 6 do NPISA Porto, para enquadrar e ajudar a definir rotas e zonas alternativas e a descoberta, o que tem vindo a acontecer”.

A CMP lembra que, “nos termos legais em vigor, compete ao NPISA Porto fazer o diagnóstico, planeamento e activar as redes de resposta no âmbito dos sem-abrigo a nível municipal” e que “todas as decisões são tomadas, como não podia deixar de ser, pelo núcleo executivo do NPISA Porto, que integra as diversas instituições públicas e privadas”. A associação Coração na Rua, que integra o Eixo 6, fez saber em publicação no Facebook que foi igualmente convidada a “reestruturar e relocalizar algumas equipas”, o que fez para “não sobrepôr ou duplicar ajudas” e, assim, “chegar a todos os cantos, cobertores e camas de cartão”.

Em 2020, os três restaurantes solidários municipais serviram por volta de 150 mil refeições, com um investimento a rondar os 300 mil euros anuais. Actualmente, distribuem uma média de 525 refeições por dia “às cerca de 190 pessoas que vivem no Porto em situação de sem-abrigo sem tecto”. Estes espaços estão abertos todos os dias do ano e, ainda em 2021, irá abrir o quarto na zona ocidental.

15.3.21

Porto: “Tivemos uma diminuição de pessoas a dormir na rua”

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Coordenador do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo do Porto diz que, pelo menos para já, tudo indica que há menos pessoas na rua do que havia em 2019 e que isso tem muito que ver com o aumento de respostas sociais.

Pelo menos para já, não estará a aumentar o número de pessoas a pernoitar em carros abandonados, vãos de escada, entradas de prédios, fábricas devolutas e outras estruturas precárias do Porto, como em Lisboa. Fernando Paulo, coordenador do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA), diz que diminuiu o número de pessoas nessa situação.

O vereador da Habitação e da Coesão Social começa por recordar a contagem feita em 2019: 592 pessoas – 188 sem tecto e 404 sem casa, isto é, em centros de acolhimento ou outro alojamento temporário. Em Maio de 2020, já depois da primeira vaga de covid-19, eram 610, 213 dos quais sem tecto e 397 sem casa.

Atribui o aumento de sem-tecto na primeira vaga à libertação de reclusos, então decidida pelo Governo para conter a propagação do coronavírus dentro das prisões. E acredita que desta vez tal não se verificou. “Ainda não temos dados oficiais, mas temos um indicador de diminuição do número, mesmo em relação a 2019”, afiança, aludindo à vaga de frio que se abateu sobre a cidade em Janeiro.

Para informar, sensibilizar e transportar quem quisesse sair da rua, nos últimos dias do ano duas equipas multidisciplinares percorreram insistentemente as grandes rotas de sem-abrigo. Naquela altura, 20 pessoas aceitaram ir para o Centro de Acolhimento de Emergência Covid-19 da câmara e cinco para os Albergues Nocturnos do Porto. Entre 1 e 17 de Janeiro, manteve-se toda a noite aberta a estação de metro dos Aliados, com uma equipa técnica, comida e 45 camas de campanha. E, naqueles dias, passaram por ali 101 pessoas em situação de sem abrigo.

Ao que se pode ler no relatório da operação, nem todas voltaram à rua: das 20 acolhidas no Centro de Acolhimento de Emergência Covid-19, duas desistiram, tendo recorrido à estação dos Aliados, mas “oito foram integradas no Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano, sete nos Albergues Nocturnos do Porto, duas em Centro de Alojamento Social disponibilizado pelo Centro Distrital do Porto da Segurança Social e um na Casa de Vila Nova da Norte Vida”.

“Tivemos uma diminuição de pessoas a dormir na rua”, afirma Fernando Paulo. “Estamos com situação de crise social mais grave, mas houve um aumento muito significativo de respostas sociais”, prossegue. “Entre Junho e Dezembro, criamos 52 vagas em apartamentos partilhados”, precisa, numa alusão ao Porto Sentido, projecto financiado pelo Fundo Social Europeu que disponibiliza 32 quartos, e ao Home4Homeless, projecto financiado pela Segurança Social que disponibiliza outros 20.

O Centro de Acolhimento de Emergência Covid-19 nunca fechou as portas. Vão surgindo vagas nas estruturas de acolhimento temporário e nem todas têm espaço para quarentenas. Ali, nas antigas instalações do Hospital Joaquim Urbano, essa possibilidade mantém-se. “A semana passada acabámos uma quarentena com 12 pessoas”, refere. Uma desistiu, mas as outras onze foram para os albergues, o Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano, a Casa da Rua da Santa Casa da Misericórdia do Porto, a Casa da Vila Nova da Norte Vida, os apartamentos partilhados. “Estamos a prepararmo-nos para voltar a ter mais 10 ou 15 pessoas a fazer a quarentena e o trabalho de integração nas respostas socais que existem.”

Ao que diz, a nova aposta do NPISA do Porto é a intervenção técnica. Uma candidatura já foi entregue à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte para fortalecer os gestores de caso e aumentar a presença de educadores de pares, isto é, pessoas que já estiverem em situação de sem abrigo e que agora funcionam como pontes entre quem permanece na rua e as equipas técnicas. “Pela experiência que vamos tendo, quando maior a capacidade de intervenção técnica, mais integrada é a intervenção”, diz.

O vereador sublinha a necessidade de bem conhecer o perfil de cada sem-abrigo. “Alguns têm problemas de saúde mental, outros de consumos [de drogas ilícitas ou bebidas alcoólicas]”, exemplifica. “As respostas têm de ser diversificadas. Acho que o segredo tem sido diversificar as respostas.”Aquele responsável enfatiza a importância do trabalho em rede. Reconhece um esforço dos parceiros para dar oportunidade a alguns dos que vão cumprindo percursos de inclusão, através de projectos como a Plataforma + Emprego.

Nas filas para o apoio alimentar, há um aumento considerável de pessoas. Um indicador da crescente privação material.

11.1.21

Ricardinho era um jovem “nem-nem” e viu no hip hop uma alavanca

Ana Cristina Pereira (Texto), Adriano Miranda (Fotos) e Teresa Pacheco Miranda (Vídeo), in Público on-line

Abandonara a escola e só arranjava trabalhos pontuais, o projecto OUPA! serviu-lhe de abanão. Foi acabar o secundário e pôs-se a fazer trabalho na comunidade. Tem sido uma luta, mas sente que o seu esforço começa a ser reconhecido. Trabalha como “dinamizador cultural”. Terceiro capítulo de uma série sobre inclusão laboral, em dose dupla.

O cheiro a mofo está entranhado na cave. Pouco se aproveita dos móveis que foram sendo oferecidos aos artistas hip hop do Bairro do Cerco do Porto que ali se sentaram tantas vezes. Três inundações num ano. Fama e dinheiro, nada. Mas o esforço está a trazer alguns frutos. Ricardinho Lopes tornou-se “dinamizador cultural”.

Conhece todos os cantos do bairro. Viveu os seus 29 anos naquele território acossado pelo tráfico de drogas. A experiência mostra-lhe que a aglomeração de pobreza e exclusão, como acontece ali, na freguesia de Campanhã, afecta tudo, mas também que em qualquer lugar se pode coleccionar instantes de felicidade. “Foi aqui que fiz as minhas maiores amizades, é aqui que eu tenho o meu sangue e suor deixado. Viver no Cerco acaba por ser a melhor coisa do mundo.”


Quando era pequeno, “tinha vontade de ser jogador de futebol”. Jogava no clube do bairro. Não era o seu único interesse. Gostava de teatro, música, dança. Se pudesse voltar atrás, tirava um curso profissional de animação cultural, não de dinamização desportiva. Teria agora mais ferramentas de trabalho.

Abandonou a escola em 2012, sem fazer uma disciplina do curso. Andou desanimado. O país mergulhara numa crise. O pai, transportador e vendedor de peças de automóvel, ficou desempregado. A mãe, doméstica, andava consumida de preocupação. “Foi um momento bastante difícil. A gente agarrava-se ao que podia. Lembro-me de fazer trabalhos pontuais. Estavam completamente fechadas as portas para os jovens nessa altura.”

Naquela intermitência, engrossava a lista de jovens entre os 15 e os 29 anos que não estudavam, não trabalhavam, nem estavam em formação. Em 2015, aconteceu o OUPA!, uma residência artística com oficinas de escrita, produção musical, vídeo e concepção de espectáculos dinamizadas pela rapper Capicua, pelo músico André Tentúgal, pelo videasta Vasco Mendes. Aquele projecto do programa municipal “Cultura em Expansão” foi determinante. “Deu-me o naipe para me fazer à vida.”

Durante meses, Ricardinho e outros sete rapazes viveram uma aventura que os levou ao palco do Teatro Municipal do Porto – Rivoli. Os artistas quiseram deixar-lhes um estúdio comunitário. Tinham de fundar uma associação e de continuar a trabalhar. A Câmara do Porto cedeu-lhes aquela cave. O Presidente da República foi ao bairro assistir a um showcase do OUPA. Em 2016, o projecto foi replicado no Bairro de Ramalde e em 2017 no do Lagarteiro. Em 2018 formou uma dream team com elementos dos três bairros e fechou um disco, o Cidade Líquida. Um sonho para Ricardinho.

Quem lê as notícias vê os holofotes, mas há uma parte mirrada. “Somos jovens de um bairro que participaram num projecto e, de repente, têm de gerir uma associação.” Como? Com que fundos? Com que estratégia? “Estamos a fazer trabalho na área. Somos convidados para apadrinhar eventos. Somos entrevistados para teses. Ajudamos associações. Mas ainda estamos a tentar arranjar dinheiro para comprar um software para conseguir fazer actividades com os miúdos.”

Queriam “quebrar o estigma, derrubar os muros, os preconceitos” que existem sobre o bairro, ser uma inspiração para os miúdos dali. “Estamos a soro.” A cave inundada é a imagem do desastre. “Estamos todos a tentar sobreviver. Quase não temos tempo de sonhar. E, quando sonhamos, os sonhos desmoronam. Já demos prova que conseguimos fazer. Não dão mais condições para as pessoas fazerem mais.”

Inegável, mesmo assim, que o projecto lhe deu o abanão de que precisava. A crise estava a abrandar. Trabalhou num supermercado. “Era operador de caixa, repositor de stock, fazia um pouco de tudo.” Adorou ter um salário certo e ajudar a família. Naquela fase, terminou o ensino secundário. Quando se viu desempregado, voltou a fazer formação, desta vez na Cidade das Profissões. Marketing digital, marketing pessoal, comunicação em público, dar uma entrevista... Não deixou de “fazer pela associação, de fazer pela freguesia”. Os OUPA participaram em vários eventos. Organizaram o I Festival Oupa ACampanh´Arte em 2019. E acha que o seu esforço foi reconhecido.

Desde o ano passado, presta serviço ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra no âmbito do URBiNAT, um projecto europeu empenhado na regeneração urbana. “Estou a ter um trabalho de dinamização no sentido do mapeamento cultural de Campanhã.” A meta é criar um Corredor Saudável, um percurso pedonal e ciclável, passando pelos bairros do Cerco, do Lagarteiro e do Falcão, articulando espaços verdes (Parque Oriental, Praça da Corujeira, Quinta da Bonjóia, Horto municipal), serviços públicos (escolas, indústria, centros de saúde, associações locais) e projectos futuros (expansão do Parque Oriental, Novo Matadouro, Monte da Bela).

“É um projecto muito participativo”, diz Ricardinho. “Dá oportunidade a cada um de se expor, de mostrar a sua dificuldade, de propor os seus caminhos. E o meu trabalho é fazer de ponte, para se criar não apenas um corredor saudável material mas também imaterial, que são as sinergias, as ligações uns com os outros.” Ali, a crise é um contínuo. “É preciso nascer algo que nos faça parar, olhar para Campanhã, pensar em formas de reabilitá-la, de potenciá-la, de vivê-la.” A freguesia já está a transformar-se e ele, embora precário e a morar com os pais, faz parte disso. “Também é preciso preparar a comunidade.”

O programa Incorpora, da Fundação “la Caixa”, em colaboração com o BPI e o IEFP, tem como objectivo fomentar o emprego para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Nesta série de seis reportagens, o PÚBLICO apresenta um conjunto de retratos representativos dos diversos grupos-alvo da iniciativa. As reportagens são guiadas por critérios editoriais, sem qualquer relação directa com os apoios atribuídos pelo programa.

6.12.19

Marcelo diz que o Governo já tomou medidas para desbloquear respostas para os sem-abrigo

Margarida Gomes, Mariana Correia Pinto e Paulo Pimenta (Fotografia), in Público on-line

Menos de um mês depois de ter criticado “paragem” na concretização da estratégia nacional de integração dos sem-abrigo, o Presidente reconhece que alguns passos foram dados para “desbloquear pontos sensíveis”.

Desta vez não houve ralhete ao Governo. O Presidente da República afirmou esta quinta-feira que o executivo já avançou com algumas medidas no âmbito da estratégia nacional para a integração de pessoas em situação de sem-abrigo. Marcelo Rebelo de Sousa falava no final de uma reunião, no Porto, em que participou a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, menos de um mês depois de o chefe de Estado ter afirmado que em 2019 tinha havido uma “paragem” na concretização do plano para a erradicação do problema dos cidadãos sem tecto, até 2023, que impôs ao Governo logo no início do mandato. Segundo o Presidente, a reunião com os parceiros de intervenção no Porto “permitiu ouvir as experiências, as propostas e as sugestões às questões actuais que se colocam às várias instituições”.

Marcelo Rebelo de Sousa destacou a importância destas entidades, afirmando que “estão no terreno a trabalhar no dia-a-dia com uma experiência notável para enfrentar os sem-abrigo”
Nesta reunião “foi possível à senhora ministra vir aqui expor algumas das medidas já tomadas para desbloquear pontos sensíveis”, começou por dizer o Presidente, em conferência de imprensa, que se realizou depois da reunião que sentou à mesma mesa a Câmara do Porto e outras instituições da cidade.

Uma dessas medidas passa por um sem-abrigo poder ter apoio em qualquer ponto do território do país, independentemente da área em que se encontra registado. Ou a abertura aos sem-abrigo, ou àqueles que o foram até há pouco tempo, de oportunidades de emprego e formação profissional”. Uma outra medida tem a ver com a criação de uma plataforma informativa mais completa, mais rápida e menos burocrática”, para ligar as várias instituições da administração central, poder local e sociedade civil.

Na reunião, que decorreu à porta fechada, foram abordadas situações relacionadas com o “alojamento de emergência”. Segundo Marcelo, trata-se de “alojamentos de emergência” de “mais curta duração e com contornos e regras diferentes das do alojamento temporário”. Depois do “alojamento de emergência”, veio a habitação. “Falámos de habitação, da aposta municipal, da aposta da Santa Casa da Misericórdia e da administração central, de uma aposta global”, disse o chefe de Estado, revelando que a ministra “tomou boa nota de questões, umas mais específicas e outras mais genéricas. Há questões de resposta mais fácil no curto prazo e outras a envolver acções no quadro da estratégia que está em vigor”.

Fazendo um breve resumo do que foi debatido à porta fechada, o Presidente da República declarou que “estas reuniões são muito ricas, porque quem trabalha com pessoas de carne e osso apresenta “questões novas”. “Estas reuniões são muito ricas porque quem trabalha com pessoas de carne e osso oferece uma riqueza de pontos de vistas e levanta questões novas que merecem respostas novas”. E acrescentou: “E esse é o passo qualitativo importante que queremos dar neste final de 2019, apontando para 2020 e depois para o que virá a ser a estratégia no horizonte 2021, 2022 e 2023.

Câmara do Porto quer estratégia para os sem-abrigo incluída no Orçamento do Estado
Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou ainda que a reunião foi “muitíssimo útil”, porque “permitiu dar um passo muito importante no sentido de reforçar a solidariedade de todos os que estão na causa comum, mas também abrir novas pistas de solução”.

Fazer a diferença é possível
A prova de que a mudança pode acontecer cabe no Estádio do Mar. Marcelo Rebelo de Sousa deixou a reunião com as instituições da cidade, já a noite havia caído, para conhecer, em Matosinhos, os “heróis” Carlos Daniel e Joaquim Melo. Eles conhecem por dentro a vida dolorosa nas ruas, mas conjugam a história no pretérito, depois de o Leixões os ter acolhido na sua casa. O Presidente da República parecia levar a mensagem estudada: “Se é possível o Leixões receber esta gente, é possível outros fazerem o mesmo. O que custará abrir caminho a três ou quatro pessoas?”

Paulo Lopo, o presidente do clube, jura não custar nada. E ser um ganho para a “família” agora alargada. Bastou chutar “preconceitos” e não perder de vista o essencial: “Os sem-abrigo são pessoas como nós a quem a vida correu mal.” Carlos Daniel, 41 anos, dorme no lar dos atletas e tornou-se uma espécie de “zelador” dos mais novos. À noite, estuda para completar o 12.º ano. De dia, voltou a sonhar com uma outra vida, deixando para trás um carro que lhe servia de tecto. Joaquim Melo, casaco leixonense vestido, abraça o presidente e faz-se anfitrião no relvado para lhe mostrar o seu trabalho: as cadeiras do estádio estão a ser pintadas de vermelho vivo por ele. “Aqui estão a ajudar-me em tudo”, conta emocionado.
De volta ao Porto, nas traseiras do mercado do Bom Sucesso, junto à carrinha da CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo, José Alberto Reis cumpre o sonho da selfie com o Presidente da República. Depois da sopa e da massa com carne servida, há-de carregá-la na sua conta de Instagram onde tem já fotografias com outros “famosos”. Tem 29 anos, está desempregado, vive na rua desde que o quarto onde dormia, no coração do Porto, foi convertido em alojamento turístico.

Sem-abrigo: campanha de vacinação contra a gripe em Lisboa na próxima semana
“A gente não tem lugar no mundo”, diz entristecido. Ao lado, Daniel Cutelo e Marisa Costa ouvem e contam a sua história. Ele é do Porto, tem 30 anos, recebe o Rendimento Social de Inserção. Ela é de Famalicão, tem 31, não tem nenhum apoio. Moram juntos numa tenda em Leça da Palmeira. “Se as casas abandonadas fossem restauradas, não acontecia isto”, atira Daniel, para logo declarar a sua “enorme alegria” por ver ali o “senhor Presidente”.

Os termómetros já caíram aos sete graus e Marcelo Rebelo de Sousa vai servindo sopas e massa, já com uma camisola azul claro da CASA na mão. Um homem aproxima-se para lhe falar da instituição ali presente: “Há muitas que recebem e não dão nada. Esta nunca falhou”, declara, perante o aceno do presidente: “Eu sei, sei…” A poucos metros, já depois de Marcelo Rebelo de Sousa seguir com a SAOM - Serviços de Assistência Organizações de Maria para outro ponto da cidade, Henrique, “só Henrique”, abeira-se para apresentar a sua “reivindicação”. Sem estratégias nem planos, mas com o mesmo fim: “Estou muito feliz por esta sopa, mas o que eu queria mesmo era uma casa.”

28.2.19

“Como se começa uma vida nova sem tecto?”

Mariana Correia Pinto (texto) e Paulo Pimenta (fotografia), in Público on-line

Emoção, revolta e palavras de ordem. Mais de 60 pessoas receberam Paula no bairro do Lagarteiro e pediram reversão de despejo “cruel”. Advogado impugnou decisão da Câmara do Porto e falou de ilegalidade no processo

Quando Paula Gonçalves leu pela primeira vez o texto da peça de teatro O Filho Pródigo, em 2017, estava longe de imaginar que na parábola encenada por Luísa Pinto estaria um dia uma amostra da sua biografia. Na narrativa - agora a ser transformada em filme e mais uma vez com Paula como actriz - conta-se a história de um pai a estender a mão ao filho arrependido. Fala-se de redenção e perdão. De tristeza e amargura. Mas também de esperança e amor.

Em tudo isso se transformou a vida de Paula Gonçalves nas últimas semanas. Ela cumpre uma pena desde 2012 e é a inquilina despejada pela Câmara do Porto a poucos meses de sair em liberdade condicional, num processo polémico do qual o executivo de Rui Moreira procura declinar responsabilidades. Este sábado, numa saída precária de seis dias e 12 horas, foi recebida no bairro do Lagarteiro, onde habitava. Moradores, vereadores, deputados e artistas mostraram emoção e revolta. E pediram a reversão da “cruel” decisão camarária, com promessas de resistência em nome da justiça.

O relógio ainda não descolara o ponteiro dos minutos, marcavam-se as oito da manhã nas horas, quando Paula Gonçalves abriu a porta lateral da Prisão de Santa Cruz do Bispo. Trazia uma mala e sacos cheios de papelada, cartas que por estes dias lhe chegaram de várias geografias do país: mostras de solidariedade, promessas, palavras bonitas. Até uma notificação da Presidência da República, a acusar a recepção da carta onde Paula roga atenção ao presidente dos afectos, Marcelo Rebelo de Sousa. Dois dos três filhos aproximam-se, enganam saudades com abraços, abafam lágrimas. E depois entram no carro e fazem caminho para o bairro onde já não têm casa mas que ainda sentem como deles.

Na entrada 27, bloco oito do Lagarteiro, Emília Pinto Gonçalves repetia a rotina dos sábados, na espera pela carrinha que a conduziria a um centro de dia, quando avistou a surpresa.
- Oh Paulinha, o que te estão a fazer…
A vizinha, bengala na mão, desata num pranto. Viu Paula nascer, crescer, passar as passas do inferno, ser mãe exemplar, falhar. “Já esteve presa, agora não havia de pagar mais”, comenta em tom de lamento. Na porta do bloco, afixou-se uma folha A4, convocatória aos moradores para um momento de solidariedade, pelas 10 horas: “Lagarteiro unido contra os despejos imorais.”
Desde 2017, pelo comportamento avaliado pelo estabelecimento prisional como exemplar, Paula Gonçalves ganhou direito a saídas precárias. “De dois em dois meses estava aqui”, comenta, “há muito que a casa não está vazia”. Pela primeira vez - depois de uma ordem de despejo assinada pelo vereador Fernando Paulo a 22 de Dezembro de 2018, por despacho de 3 de Junho desse mesmo ano -, não tem casa onde ficar com os filhos, dois deles menores.

Paula sobe as escadas até ao segundo piso de chave na mão. Quer confirmar para crer. A mudança de fechadura, os bens que lhe relatam terem sido arrastados prédio abaixo, alguns deles, como detergentes de roupa, produtos de higiene e alimentos, atirados para o lixo – tudo lhe parece ainda um pesadelo. E Paula Gonçalves já viu o suficiente para não se deixar impressionar com dores menores.

Mora no Lagarteiro desde os oito anos, na zona oriental da cidade desde sempre. Aos 13, saiu de casa. A mãe havia sido presa. “Era uma menina e tive de me fazer mulher”, contou ao PÚBLICO há dias, durante uma sessão de filmagens de O Filho Pródigo. Foi mãe aos 15, vítima de violência doméstica. Casou-se segunda vez, repetiu-se o fado. Já esteve numa casa abrigo. Já virou os dias do avesso e vestiu sorrisos a sufocar lágrimas que recusava mostrar aos filhos. Trabalhou na Câmara do Porto a fazer limpezas, no hospital militar, num café junto ao Coliseu. Num pronto-a-vestir. “Nunca pedi nada a ninguém.”

Nas últimas precárias, tem aproveitado para ir preparando a saída. Foi ao centro de emprego, já tem trabalho apalavrado, faz “uns serviços de limpeza e passa a ferro” quando pode. Mesmo reclusa, Paula Gonçalves nunca se afastou dos filhos. Contribui para as despesas deles, com o seu trabalho no departamento das artes na cadeia. Pagou a carta de condução ao mais velho, um tratamento dos dentes à menina. “Posso não lhes dar na hora, mas faço tudo pelos meus filhos.”

É por eles que cada hora rodeada de arame farpado custa. “Dói muito estar aqui”, diz baixinho a controlar a emoção. Magoa nunca ter levado a filha mais nova à escola, perceber o choro da filha ao telefone, ouvir os rapazes falar das saudades da roupa lavada e arrumada ao jeitinho da mãe. Ainda hoje, seis anos e meio passados do início da pena, Paula sai das visitas semanais num pranto. “Só lhes peço por favor para não passarem pelo que eu passei. Arrependi-me muito.”

O bairro vai despertando, os vizinhos aparecendo. Cristina Pinto Gonçalves, “nascida e criada no Lagarteiro”, aparece com a irmã de Paula, Elisabete Gonçalves, e jura à amiga controlar a irritação para evitar problemas. Mas a revolta é impossível de conter: “Sai-se da cadeia e querem que a pessoa fique bem sem uma casa? Se fosse comigo ficava louca. Esta câmara parece a judiciária”.

Discute-se as razões do despejo. Paula explica aquilo que os documentos demonstram: recebeu uma primeira notificação do vereador da Habitação, Fernando Paulo, em Janeiro, uma segunda em Junho. A câmara alegava que a habitação estava vazia há mais de dois anos. Ela mostrou não ser verdade. Foi obrigada a expulsar de casa o pai, saído da cadeia, doente, três vezes operado e a fazer quimioterapia. Por não estar inscrito no agregado familiar, não podia ocupar a habitação. “Tive de pôr o meu pai na rua”, relata emocionada: “Isto é humano?”.

Junto ao bloco oito, já perto das 10 horas, juntam-se mais de 60 pessoas. Há uma faixa de resistência “contra os despejos”, moradores exaltados, artistas, deputados, vereadores. José António Pinto, assistente social de Campanhã e do bairro, é o primeiro a discursar. Fala de uma “decisão política cruel” do actual vereador e dirige-se a Rui Moreira para o lembrar que “ainda tem condições de anular esta ordem de despejo”. O técnico - que ajudou Paula Gonçalves neste processo e usou envelopes da junta de Campanhã para enviar algumas das dezenas de cartas enviadas pela reclusa, um facto apontado como suspeito pela câmara por aquela ser a única freguesia dominada pelo PS – procurou desmontar a argumentação repetida à exaustão pela autarquia. Para José António Pinto, o presidente e o seu vereador “mentiram” quando disseram que Paula tinha rendas em atraso, quando recusaram ter recebido cartas da inquilina, quando rebateram não saber que ela estava prestes a sair.

Factos é matéria apreciada pelo advogado Albano Loureiro, presente na manifestação para revelar novidades: no Tribunal Administrativo foi “impugnado” o despacho de 3 de Junho, originário do despejo. “A câmara municipal cometeu uma ilegalidade e isso é inquestionável. A Paula oficialmente só foi notificada deste despacho no dia 8 de Fevereiro.” O problema? No dia 31 de Janeiro, a porta da inquilina já tinha sido arrombado e o despejo concretizado. Tal acontecimento tem como consequência a “suspensão da ordem”, algo que, acredita, poderá acontecer com alguma rapidez.
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“A casa de Paula está vazia e a Paula está na rua.” A evidência foi notada pelo deputado José Soeiro - um dos subscritores de uma petição que pede clemência a Rui Moreira -, para quem este processo está envolto numa “crueldade absurda”. Recordando a não existência de “penas perpétuas” em Portugal, lamentou que o executivo camarário faça de tribunal para aplicar uma “pena” a Paula depois de ela já ter sido condenada por um juiz. “É de uma total falta de sensibilidade para a questão de ressocialização”, lamentou o bloquista. Ao protesto juntou-se também Manuel Pizarro, acusado pela autarquia de estar envolvido neste processo e que chegou, em 2016, a iniciar um projecto de despejo de Paula, por rendas em atraso, sem nunca o ter concluído. Para o socialista “não pode haver política social sem humanismo” e se Moreira e a sua equipa estavam “mal informados” e não sabiam do percurso positivo de Paula e da sua saída para breve, podem agora admitir o erro e voltar atrás. “Se fosse vereador, revertia [a decisão] na segunda-feira de manhã”, garantiu, sublinhando que “dessa atitude não sairia ninguém prejudicado, porque a casa está vazia". Questionada pelo PÚBLICO sobre essa possibilidade, a autarquia não quis comentar.

Albina de Jesus Pinheiro seca as lágrimas a Paula e promete-lhe solidariedade a todo o custo: “Se for preciso acampo contigo em frente à câmara, não chores.” Haverá muitos dispostos a isso. “Paulinha” - como a equipa que roda o filme O Filho Pródigo carinhosamente lhe chama - jura que resistirá. Mas não sabe mais como “provar” que mudou e aprendeu na prisão. Medo do futuro não tem. Da falta de um tecto sim. Afinal, pergunta ciente da réplica impossível, “como se começa uma vida nova sem casa?”


14.1.19

Viagem ao Porto onde “Cristo não passou”

Mariana Correia Pinto (texto) e Paulo Pimenta (fotografia), in Público on-line

No lugar de Azevedo, em Campanhã, parece ter estacionado a cidade do século passado. Pobreza, habitação precária, população envelhecida, falta de equipamentos e apoios, escassez de transportes. Câmara vai investir ali 2,6 milhões de euros. Será suficiente?

As palavras não lhe traduzem o saber do coração e José Teixeira pede desculpa por isso. Uma, duas, três vezes. Pede desculpa porque ele sabe e não consegue explicar. Surge entre as grades de uma porta metalizada, número três da sua ilha, e convida a entrar. “É casa de pobre, mas se quiser ver…” A sopa, com pedaços de pão amolecido, arrefece à mesa. Mas ele não se importa. Caminha até à casa de banho, aponta o tecto enegrecido e húmido. Abre a porta que dá para o quintal. “É isto”, encolhe os ombros, “a gente vive aqui”. José Teixeira sabe. A pobreza é não ter escolha: “Ia embora, se me saísse o Euromilhões”, pronuncia com voz tímida. “Mas estou aqui, vou ficar aqui.” Estivesse a mulher em casa, desculpa-se mais uma vez, e teria sabedoria para explicar melhor. Na verdade, sem o perceber, já tinha dito tudo.
Lugar de Azevedo, Campanhã. Das janelas da casa de José Teixeira, na Rua da Levada, avista-se roupa estendida em longas cordas. Um matagal imenso. O cenário emoldurado dificilmente convenceria alguém descontextualizado, mas estamos no Porto. No século XXI. As oito habitações daquela ilha têm casas de banho, embora as canalizações tenham sido improvisadas de forma amadora pelos moradores. As fossas permanecem a céu aberto, o cheiro é, por vezes, nauseabundo. “Vivemos aqui no terceiro mundo”, queixa-se a vizinha Adelina Bessa.

Estados Unidos: e se Deus olhasse para baixo?
Há dias, funcionários das Águas do Porto analisaram a zona para preparar parte da intervenção anunciada há uma semana pela autarquia, uma promessa feita por sucessivos presidentes e agora cumprida por Rui Moreira. A câmara vai destinar àquela parte da cidade 2,6 milhões de euros, para obras em 14 arruamentos e destinados a uma intervenção especial nesta ilha. A cena, conta Adelina, deixou os homens boquiabertos. E a análise estava restrita ao saneamento. Vissem eles o interior das casas da ilha e o espanto talvez fosse outro.
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Neste território limite do Porto, na fronteira com Gondomar, encena-se uma tragédia sem final à vista. Adelina Bessa, 64 anos, não conheceu outra casa em toda a vida. Mora com o filho, a nora e uma neta. O marido morreu há coisa de meio ano e com ele sepultou-se a esperança de uma casa humanamente habitável. As melhorias no espaço foram obra sua. E agora Adelina anda a toda a hora com sprays a camuflar o odor da degradação crescente do lar, a humidade entranhada. A neta, de seis anos, pede-lhe para dormir com ela. Mas na parede onde a cama se encosta os pingos da água são visíveis. Adelina usa então uma almofada cilíndrica bem grande para afastar a menina do frio, embrulha-a em muita roupa, não a deixa saber quão desigual pode ser uma cidade.


Adelina Bessa, 64 anos, cresceu naquela ilha e vive ali com o filho, a nora e a neta
Fazer uma “praia no campo”

Na zona comum da ilha de morfologia atípica – com labirintos entre casas em vez do típico corredor estreito –, há traves de madeira carcomida a sustentar um tecto. Máquinas de lavar roupa, plantas impecavelmente tratadas, gatos a passearem-se satisfeitos com o prato generoso de comida à vista. Carina Vieira, nora de Adelina Bessa, foi para ali há oito anos e não olha para trás. Para quem deixou o Bairro do Cerco, o “sossego” de Azevedo não tem preço. No Verão, diz, costumam encher uma piscina e fazer do quintal uma “praia no campo”. Este ano, porém, já não terá o genro para limpar a mata. E essa mágoa do esquecimento tem-na arrumada numa gaveta pronta a abrir numa próxima eleição. Nas campanhas, queixa-se, todos aparecem de promessas na mão. Depois, tudo passa. Permanece igual.
Severina Rodrigues dá colo à neta Nicole. Oito meses, bochechas e sorriso cheio. A cozinha de casa da filha, Fabiana Rodrigues, ficou inutilizável de tanta água da chuva acumulada. Em algumas zonas da habitação de Severina também chove “como se estivesse na rua”. Mas, entre o mau e o péssimo, na impossibilidade da mudança, vão saltando entre um lugar e outro. Fabiana dorme com Nicole. A sua filha mais velha com a avó. O projecto da Câmara do Porto aqueceu esperanças. Mas, para elas, a forma dos sonhos já não se desenha agigantada. Mistérios da afeição aos lugares, talvez. Ou então desconhecimento da possibilidade de outro caminho. “Se ajeitassem as casas por fora e os telhados já ficávamos felizes”, aceita Fabiana Rodrigues.

Nas casas de Severina e Fabiana Rodrigues a chuva já inutilizou algumas zonas
Há uma espécie de peregrinação no passo ligeiro de Bininha, Albina de Jesus Pinheiro, 80 anos de vida e de moradora em Azevedo. Há muito se fez pronto-socorro naquela geografia, auxílio no bairro do Lagarteiro, guia para quem se atreve a conhecer a zona. Aconteceu um dia levar uns jornalistas brasileiros à procura do Porto marginal aos guias turísticos. Quando viraram à esquerda na Travessa da Levada e entraram na rua com o mesmo nome julgaram-se numa viagem no tempo e espaço. “Disseram-me 'Cristo não passou aqui’”, conta Bininha ao cruzar a mesma artéria. “E é mesmo verdade.”
A queda no poço fundo do esquecimento desenhou-se há muito. A CDU chegou a propor, em 1997, a passagem de Azevedo a freguesia autónoma, numa tentativa de forçar a ida de serviços para o lugar. Não aconteceu. E nos cerca de dois quilómetros quadrados de Azevedo, no lado de fora da Circunvalação, permanecem sinais preocupantes de exclusão. Uma população envelhecida, com escolaridade, rendimentos e pensões baixos, altas taxas de desemprego, habitação de precariedade extrema, números preocupantes de toxicodependência, equipamentos sociais quase inexistentes. Ali, passa apenas um autocarro da Resende e o 400. E, com as mudanças dos percursos, quem queira ir para o centro da cidade, para chegar à Avenida dos Aliados por exemplo, tem agora de fazer transbordo. Caixa multibanco, continua a não existir. A colectividade Iniciadores, onde muitos fizeram teatro, vai organizando uns bailaricos de longe a longe, o café aberto, um bilhar. Resistem, apesar das sucessivas ameaças, a esquadra de polícia, o centro de saúde e os CTT. Um minimercado, um pão quente, uma adega onde se jogam cartas, um café.

Campanhã: Câmara investe 2,6 milhões de euros em Azevedo
Um não-lugar, sem volta
Olinda Oliveira, 80 anos, está à porta da sede do extinto Vitória de Campanhã, outrora baptizado de Paz e Sossego. A associação, com clube de futebol e atletismo e de portas fechadas há pelo menos três anos, anda em busca de meios para tentar uma segunda vida. Isso, diz a moradora, seria uma excelente notícia. “Era preciso alguma coisa para a mocidade”, comenta: “Sentam-se ali nas escadas da igreja a falar sem nada para fazer.”
Avental azulado e pantufas da Serra da Estrela nos pés, vai descendo a rua a caminho da sua ilha, número 17 da Travessa de São Pedro, e tirando o pulso ao lugar onde chegou há 62 anos. Criou oito filhos, tem “para aí nove netos” e “uns cinco ou seis bisnetos”, atira de sorriso aberto: “Tinha de os contar”. Vai devagar na artéria em paralelo, a temer as quedas: “Era preciso umas obrinhas aqui”, pede, “isto é uma aldeola.”

Bininha é um pronto-socorro para muita população de Azevedo. Por ali, todos a conhecem
Bininha prossegue a visita. “Se até aqui é mau, nesta rua nem se fala, é um Deus me livre.” Pés na Travessa da Levada, o paralelo a desaparecer entre a erva, a plantação alta a crescer nos muros mais altos ainda. Canos de saneamento saídos do betão, a deixar cair dejectos directamente para a rua. Uns metros à frente, um carro de vidros partidos, abandonado. Atrás, um quadro a confundir: ainda estamos no Porto? Uma mulher sentada num tronco de árvore deitado no chão, cajado improvisado numa mão, sete ovelhas à volta. É Fátima Sousa, 62 anos, ex-trabalhadora do têxtil tombada no desemprego quando a sua fábrica fechou. O marido era homem da lavoura, de afeição forte aos animais, e, quando morreu, Fátima não quis deixar o legado ao abandono. Na Rua da Granja, onde mora sozinha, já foi assaltada duas vezes. Não gosta da solidão. Mas os três filhos cresceram e ela ali ficou. Com as ovelhas por companhia.

Bininha, o “socorro” de Campanhã, fez 80 anos e só vê futuro
“Isto aqui era tudo cultivado. Milho, videiras, o ribeiro ao fundo. Não era, Fátima?”, espicaça Bininha com o aceno nostálgico da pastora. Albina, olhos azuis vibrantes e generosidade infinita, põe-se a fitar o estado do terreno, a recordar pretéritos que não voltam. “Noutro dia o meu filho veio aqui e ficou banzado!”, comenta. Em menina, ia da sua casa, no Largo de São Pedro, até ao ribeiro agora tapado pelas silvas. Bacia com roupa na cabeça, sabão na mão. “Estávamos ali a esfregar a roupa, às vezes pegávamo-nos para ver quem ficava com a melhor pedra. Ficava a corar, apanhávamos sol. Era uma maravilha”, recorda.

A beleza do bucólico vencia, naqueles anos, a angústia do desamparo. Mas agora que a beleza se foi, o que sobra? “Para lá da Rotunda do Freixo isto é uma aldeia.” Na frase de Bininha, repetida à exaustão, está a tamanho da tristeza da menina que ali cresceu e foi feliz. Nas suas palavras de “revolucionária” soma-se sempre gente, os interesses dos outros. Subtraem-se desentendimentos para chegar a acordos. Se assim não fosse, talvez já tivesse abrandado o passo acelerado que faz muitos conhecerem-na ao longe. A luta por dias melhores tem para ela estacionamento proibido. Se a cidade partida se cimentar, acredita, talvez a mudança aconteça. Porque Azevedo para um não-lugar. Sem volta. Quem lá entra com olhos de ver, nunca mais regressa igual ao mapa do Porto.

22.2.18

Câmara passa a coordenar rede de apoio às pessoas em situação de sem-abrigo

in Porto.

A Câmara do Porto passou a integrar o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) da cidade do Porto e assumiu a sua coordenação, que deixou de ser do Instituto de Segurança Social. A proposta foi aprovada por unanimidade, hoje, na primeira reunião do Conselho Local de Ação Social do Porto (CLASP) deste mandado autárquico, que decorreu no auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett.

Na prática, o Município passou a ser a entidade coordenadora e elo de ligação entre as várias instituições parceiras deste núcleo e o Instituto de Segurança Social, no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo até 2023.

"A partir de agora, a Câmara vai trabalhar no regulamento, celebrar o acordo de parceria com as várias instituições da cidade e também criar um núcleo operativo para tratar e encaminhar toda a estratégia direcionada para pessoas em situação sem-abrigo", explicou ao Porto. Fernando Paulo, vereador com o pelouro da Coesão Social da Câmara do Porto e presidente do CLASP.

Cabe ao NPISA fazer o diagnóstico, planeamento e ativar as redes de resposta no âmbito dos sem-abrigo a nível municipal, potenciando o trabalho em rede e gerando complementaridade das várias instituições e entidades parceiras.

"A ideia é que a estratégia e todo o trabalho que a Câmara tem desenvolvido para as pessoas em situação de sem- abrigo possa também ser entrosada e enquadrada numa estratégia nacional e municipal", explicou o responsável.

Nesta 28.ª sessão plenária do CLASP, a primeira deste mandato autárquico e onde participaram 105 entidades, foi feita a adesão de 17 novos membros e aprovado, pela primeira vez também, um plano de ação anual.

Também é objetivo do CLASP dinamizar mais a rede social ao nível local e de proximidade, pelo que ficou expressa a necessidade de criar comissões sociais em todas as freguesias do concelho - atualmente, apenas existentes em Paranhos e no Bonfim - tendo sido aprovado um Modelo de Regulamento Interno das Comissões Sociais de Freguesia.

Refira-se que, no âmbito da política municipal nesta área social, é amanhã levada a reunião de Executivo uma proposta para criação de um plano de formação destinado aos cidadãos sem-abrigo

12.4.16

Câmara e universidade do Porto juntam-se pelo envelhecimento ativo

Simão Freitas, in "Porto24"

A Câmara do Porto e a Universidade do Porto (UP) vão candidatar a região à classificação de Sítio de Referência Europeu na Área do Envelhecimento Ativo e Saudável, atribuída pela Comissão Europeia.

A classificação é atribuída no âmbito da European Innovation Partnership on Active and Healthy Ageing. Em comunicado, a UP garante que está a ser criado “um Centro de Excelência em Envelhecimento Ativo e Saudável, o Porto4Ageing, que tem como objetivo ser um centro agregador e um espaço de discussão de questões relacionadas com o envelhecimento ativo e saudável na região metropolitana do Porto”.

A candidatura à classificação da Comissão Europeia foi apresentada esta segunda-feira de manhã, nos Paços do Concelho, e o Porto4Ageing conta já com mais de 70 parceiros institucionais, entre universidades e centros de investigação, decisores políticos, utilizadores e indústria.

Além das duas entidades promotoras, contam-se entre os parceiros o IPO do Porto, a Santa Casa da Misericórdia do Porto, a Área Metropolitana do Porto, a CCDR-N, o Centro Hospitalar São João ou o Centro Hospitalar do Porto, além de profissionais de várias áreas ligadas à medicina.

14.5.14

Idosos beneficiados pelo Projeto INCLUIR

in Câmara Municipal do Porto

O Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, presidiu, no Centro Social do Cerco - Infância, da Obra Diocesana de Promoção Social, à entrega de voucher que darão direito à implementação de próteses auditivas a dezenas de idosos. Esta ação insere-se no Projeto INCLUIR.

23.10.13

Rui Moreira. Porto na senda de Rio para ser "livre" e com mais poder

Por Liliana Valente, in iOnline

Rui Rio emocionou-se na despedida. António Costa elogiou coligação com PS: partidos não se afirmam "na mesquinhez dos aparelhos"

Rui Moreira tomou ontem posse como presidente da Câmara do Porto substituindo Rui Rio. Mas o legado de 12 anos do social-democrata vai ter continuidade nas políticas do novo presidente, que formou governo com o PS. Moreira quer um Porto "livre", mas não "portocêntrico", que una as cidades do Norte, mas que não quer ser "capital senão de si mesmo". O presidente independente promete contas rigorosas e, também por isso, quer mais poder e mais dinheiro para as câmaras.

No discurso da tomada de posse ontem, Moreira começou por deixar uma palavra de "gratidão" a Rui Rio, garantindo ao presidente cessante que vai manter "a linha de rumo" de "afronta a interesses" e de "exigência, rigor e transparência" das contas da câmara. Palavras que Rio ouviu, emocionado, na despedida de doze anos à frente da câmara. Rio nunca expressou directamente o apoio ao presidente eleito, mas ontem não escondeu a satisfação e os sorrisos ao ouvir as palavras de Moreira.

É que mais do que um discurso local, Moreira falou para fora e muitas vezes para o governo. O homem que foi eleito por uma lista de independentes, mas apoiado pelo CDS, quer mais poder para as câmaras que se deve traduzir em mais competências e em mais dinheiro. O presidente da Câmara do Porto quer aproveitar que se discute o próximo quadro de fundos europeus para reforçar o papel das câmaras: "É também necessário que essas vozes [do governo] nos esclareçam, sem inúteis ambiguidades, se estão disponíveis para transferir novas competências para as autarquias, para que estas possam valorizar os seus recursos". Mas deixa um recado: "Em tempos perturbados" em que se fala na necessidade de as câmaras contribuírem para a competitividade, Moreira lembra que "as que são bem geridas" não podem ver os seus "recursos capturados" para ajudar as que não o foram.

A ideia responde à criação do fundo de solidariedade municipal, que entretanto foi alterado pelo governo, em que eram sobretudo as câmaras a contribuir para o resgate de outras autarquias.

Nas palavras de Rui Moreira lê-se uma vontade de liderar, e para essa ideia contribuiu o desafio que lançou de as cidades do Norte criarem uma "liga", além de pedir um reforço dos poderes da Junta Metropolitana do Porto. Mas se nos actos quer assumir a dianteira, nas palavras preferiu passar a ideia de que esta intenção é mais modesta: "O Porto, o Porto livre, pode, e mais do que pode, deve, assumir um papel agregador, deixando claro que não tem a pretensão do domínio, e que não aspira senão a ser capital de si mesmo".

Mas para o ser, Rui Moreira traçou três objectivos para o seu executivo em coligação com o PS: coesão social, economia e cultura. Quer, "uma cidade livre", porque "a coesão faz-nos mais livres, a cultura faz de nós uma cidade de liberdade e o crescimento económico liberta a sociedade". Para isso, além do seu programa, vai integrar ideias do Partido Socialista, com quem assinou um acordo, a contragosto da distrital do PS. Rui Moreira não esqueceu uma palavra de incentivo a Manuel Pizarro, eleito vereador e que vai ver-lhe atribuídas competências, depois de este ter sido criticado pela estrutura partidária do PS/Porto.

O apoio à decisão de Pizarro foi também dado por António Costa. O presidente da Câmara de Lisboa, que assistiu à tomada de posse, elogiou o novo executivo do Porto e, ao passo que dizia não querer imiscuir-se nas questões do PS/Porto, lembrou que "os partidos não se afirmam na mesquinhez e na mediocridade do aparelho mas na forma como sabem assumir responsavelmente o seu papel na sociedade portuguesa".