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14.9.23

Máscaras não voltam a ser obrigatórias, mas subdiretor-geral da DGS apela a "bom senso"

Carolina Rico, in TSF


André Peralta Santos defende que uso de máscara "é uma medida muito simples para protegermos os outros".
Osubdiretor-geral de Saúde, André Peralta Santos, recomenda o uso de máscara para todas as pessoas que estejam doentes, especialmente com sintomas de doenças respiratórias.


Em declarações esta quinta-feira na CNN Portugal, o responsável interno pela Direção-Geral da Saúde (DGS), insiste que não vão ser dadas orientações sobre o uso de máscaras, mas apela ao "bom senso".


"Quem está doente, quem tem sintomas respiratórios, por uma questão de bom senso, de cuidado com os outros, usem uma máscara, que é uma medida muito simples para protegermos os outros", apela.

Continuar a desinfetar as mãos é outro dos conselhos do subdiretor-geral de Saúde, numa altura em que os hospitais têm registado uma subida dos casos de Covid-19.

Sobre a vacinação, André Peralta Santos garante que está em curso a formação dos farmacêuticos para administrar a vacina contra a Covid-19 pela primeira vez este ano, a partir de dia 29 de setembro.

"Todos os passos estão a ser dados para que a vacinação na farmácia decorra de uma forma simples e segura e para isso estão também a ser a treinados os farmacêuticos que tinham menos experiência na vacinação e outros profissionais, como também enfermeiros e que possam administrar as vacinas nas farmácias comunitárias."

A Direção-Geral da Saúde publicou esta quinta-feira a norma relativa à Campanha de Vacinação Sazonal contra a Covid-19 outono-inverno 2023-2024.

Estão abrangidos maiores de 60 anos, residentes em lares, profissionais de saúde, trabalhadores dos lares e doentes crónicos.

6.9.23

DGS diz que uso de máscara deve ser decidido por cada hospital

Por Lusa, in DN


A DGS considera a decisão do hospital Santa Maria sensata para que seja feita a proteção dos mais fracos.


A Direção Geral de Saúde (DGS) defendeu esta quarta-feira que o uso de máscaras de proteção deve ser decidido por cada hospital, perante a evolução dos casos de covid-19 em cada unidade e para proteger os mais frágeis.


O diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistências a Antimicrobianos (PPCIRA) da DGS, José Artur Paiva, falava à agência Lusa após o Centro Hospitalar Lisboa Norte, que engloba os hospitais Santa Maria e Pulido Valente, ter imposto o uso de máscara no internamento para profissionais e visitas.


O médico intensivista explicou que cada unidade de saúde tem a sua unidade local do PPCIRA e, como tal, a decisão do centro hospitalar "é perfeitamente normal", no âmbito de "uma medida com sensatez associada à situação específica do hospital em causa".

Para a DSG, o enfoque deve ser "em dois vetores essenciais": a proteção dos mais frágeis e a responsabilização dos cidadãos.

"O SARS-CoV-2 não foi embora" e caracteriza-se agora por "uma situação de endemia, com flutuações no grau de incidência, como os outros vírus respiratórios, vírus da constipação da gripe, etc".


Nesta altura, a doença está numa fase de transmissibilidade "um pouco maior" face à entrada de uma nova variante mais transmissível, mas sem aumento da gravidade dos casos, salientou.


José Artur Paiva explicou que se deve proteger "os mais frágeis" -- "e o doente hospitalar é um doente fragilizado numa grande parte dos casos" --, porque o vírus SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, tem um "grau mais moderado a grave de expressão nos mais idosos e naqueles que têm doenças que debilitam o sistema imunitário".

Por outro lado, os cidadãos devem ter a responsabilidade de usar máscara quando tem sintomas respiratórios, como espirros, tosse, dor de garganta, para evitar a transmissão de vírus respiratórios a outras pessoas.


"Dentro destes princípios, cada unidade local PPCIRA deve fazer a adaptação à evolução dos seus casos e, portanto, se o Santa Maria verificou um aumento do número de casos, parece-nos claramente sensato que, pela proteção dos mais fracos, tenha decidido que, junto aos doentes, os profissionais de saúde e as visitas estejam com máscaras", sublinhou.

Questionado se estes princípios também devem ser aplicados nos lares, José Artur Paiva afirmou que sim, perante situações locais de aumento da incidência da doença.

"Temos de perceber que estamos num ambiente de normalidade social, portanto, não há nenhuma situação de alarme. Não há nenhuma deteção de aumento do número de casos graves ou de hospitalizações devido à covid e, portanto, não há nenhuma razão para voltarmos ao uso generalizado da máscara", mas face a situações locais de aumento da incidência e de pessoas de especial fragilidade, o contacto ser feito com máscaras, defendeu.

O médico sustentou que, se há aumento de casos numa determinada região ou num lar, "é uma ideia de sensatez" adotar estas "duas filosofias de comportamentos" que são fundamentais e que permitem tomar decisões locais.

O último relatório da resposta sazonal em saúde - Vigilância e Monitorização da DGS indica um aumento de novos casos notificados a sete dias de infeção por SARS-CoV-2 casos por 100.000 habitantes na semana 33 (31/07/2023 a 20/08/2023), mais 35% em relação à semana anterior.

27.6.23

Saúde mental das raparigas de 15 anos foi a mais afectada pela covid-19

Patrícia Carvalho, in Público online

Raparigas dizem ter sentido mais impactos negativos na sua saúde mental e no bem-estar, durante a pandemia, do que os rapazes, segundo estudo da Organização Mundial da Saúde.

As raparigas com 15 anos e uma condição sócio-económica mais desfavorável sofreram mais impactos negativos na sua saúde mental e bem-estar, causados pela pandemia, do que os rapazes da mesma idade ou os adolescentes mais novos. É este o principal resultado do mais recente estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), Health Behavior in School-Aged Children (HBSC, que se traduz por Comportamento de Saúde em Crianças em Idade Escolar), que em Portugal foi coordenado pela psicóloga Tânia Gaspar. Por cá, ela quis perceber o que é que, afinal, faz as raparigas felizes.

Com base nas respostas de 22 países, o estudo HBSC, realizado de quatro em quatro anos, concluiu que, apesar de a maioria dos adolescentes não ter reportado impactos negativos relacionados com a covid-19 na sua saúde mental ou bem-estar, ainda existe uma percentagem entre 17% e 38% que o fez. E dentro desta percentagem “as raparigas reportam mais impactos negativos”, refere a OMS.

Tânia Gaspar quis perceber por que é que isto acontece, olhando para o caso português, e contou com a ajuda das respostas a um questionário online de alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos de 40 agrupamentos escolares, correspondendo, no geral, a jovens de 11, 13 e 15 anos. “Estamos sempre a falar nas questões de igualdade de género noutras questões que são fundamentais, mas neste campo, a diferença entre géneros é gritante. As raparigas têm uma forma de perceber e sentir as coisas que afecta mais a sua saúde mental”, afirma a psicóloga.

Em Portugal, a conclusão do estudo da HBSC, que já apontava para mais problemas nas raparigas, também se verifica, e a razão parece estar relacionada com o facto de estas serem afectadas por um conjunto mais vasto de factores quando está em causa a felicidade ou a falta dela.

“Procuramos responder à pergunta: Quem são as raparigas felizes? Que competências têm? Percebemos que é um factor muito complexo. O que influencia a felicidade dos rapazes são menos coisas. Se estiverem bem com a família, tiverem alguns recursos financeiros e gostarem do seu corpo, estão bem. Nas raparigas há muitos mais factores a influenciar, questões da gestão de stress, o facto de a mãe delas ter trabalho, por exemplo”.

E por que é que isto acontece? “Elas sentem muitas vezes que a vida lhes traz desafios a que não estão a conseguir responder. Os rapazes podem sentir o mesmo, mas não se apercebem tanto e agem na mesma. Elas bloqueiam. São características que têm que ver com as expectativas sociais. Espera-se que elas sejam mais bem comportadas, que tenham letra bonita, cadernos arranjadinhos”, diz Tânia Gaspar.

De forma esquemática, o trabalho desenvolvido pela psicóloga conclui que os adolescentes "infelizes" são influenciados por uma baixa qualidade de vida ou uma percepção negativa do corpo, e nos rapazes pesa também o facto de o pai não ter emprego ou se existir uma má relação com a família. Já no caso exclusivo das raparigas, aos factores comuns a ambos os sexos juntam-se não só a dificuldade na gestão de stress ou o facto de a mãe não ter emprego, mas também uma baixa condição sócio-económica, uma fraca literacia em saúde, a insatisfação com a vida, uma má relação com os professores ou dificuldades de comunicação com o pai.

A situação melhora no caso das raparigas mais novas, a quem factores como gostarem da escola ou não sofrerem de bullying contribui para que sejam felizes.

“No caso das raparigas estamos perante uma situação mais complexa e onde é mais difícil de intervir. São muitos factores e a intervenção é mais complexa”, refere a psicóloga. Mas há respostas possíveis e Tânia Gaspar avança algumas.
Três níveis de resposta

Uma das questões que também ressalta do estudo da OMS é que o apoio da família (com grande destaque), dos professores, dos colegas e dos amigos foi essencial para ultrapassar o impacto negativo causado pela pandemia. “Se a família e a escola foram factores protectores e capazes de mitigar o impacto da pandemia - e os efeitos que ela causou não desapareceram -, então temos de continuar a desenvolver trabalho nesse campo, até para preparar os adolescentes para o futuro”, defende a psicóloga.

A responsável pelo HBSC em Portugal considera que é urgente investir em respostas para todos os adolescentes, mas com preponderância nas raparigas e, em concreto, naquelas que têm mais factores de risco associados, como uma baixa situação socio-económica ou mais problemas psicológicos.

A actuação deve, por isso, ser feita a três níveis: universal, destinada a todos e que pode passar, por exemplo, por um dia aberto em cada trimestre que envolva a escola, os estudantes e as famílias, para que de modo informal se possam discutir diversas questões, como a saúde mental; uma intervenção mais selectiva, para grupos de maior risco, com a realização de programas estruturados sócio-emocionais, capazes de lhes dar competências para lidar com o stress e outros factores de risco; e uma intervenção mais individual, prestada por um psicólogo e dirigida a toda a comunidade escolar e às famílias visadas. “Tem de ser um trabalho conjunto e precisamos cada vez mais de trabalhar de forma preventiva. Todos nós podemos descompensar com uma perturbação psicológica e quantos mais recursos tivermos, melhor respondemos aos desafios”, defende.

No que está directamente relacionado com a escola, cerca de metade dos adolescentes inquiridos no HBSC disseram sentir alguma pressão durante a pandemia e cerca de um quarto (sobretudo raparigas e adolescentes mais velhos) afirmam que esta teve um impacto negativo no seu desempenho académico. A percentagem de adolescentes que disse ter gostado muito da escola durante o período pandémico foi de apenas 20%.

Na resposta ao inquérito de Tânia Gaspar, entre as raparigas descritas como "felizes", 80% diz gostar da escola, contra cerca de 54% das “infelizes”. Estas descrevem ainda uma maior pressão (83% diz mesmo sentir muita pressão) e reportam mais casos de bullying: mais de 27% das inquiridas que foram colocadas do lado das “infelizes” diz ter sido vítima deste tipo de violência, uma percentagem que desce para menos de 14% no caso das adolescentes “felizes”.

Tânia Gaspar alerta ainda para os riscos associados aos problemas psicológicos e de falta de bem-estar nos adolescentes. “Se não respondem às expectativas sociais da menina bem comportada, as raparigas podem ter comportamentos opostos, de rebeldia extrema. Alguns comportamentos de risco estão a agravar-se para as raparigas. Esbateu-se a diferença de género no consumo de tabaco e álcool, e ela ainda existe nas drogas, mas qualquer dia muda. E já são elas que tomam mais medicamentos com um efeito ligado à droga, para se acalmarem ou para regular as emoções”, diz a psicóloga.

Olhando para os resultados do inquérito que dirigiu por cá, são mais as raparigas “infelizes” que fumam (quase 17%, contra 6,5% das “felizes”), que consomem álcool (47,4%, percentagem que desce para 28,4% nas “felizes”) e que se embriagam: 17% das “infelizes” dizem já o ter feito, mais do dobro (7,4%) das “felizes”. No caso das que tomam medicamentos como droga, a percentagem é muito pequena em ambos os casos, mas ainda assim maior (3,4%) nas meninas classificadas como “infelizes” do que nas “felizes” (1%).

8.5.23

Covid-19: Portugal deitou ao lixo 3,5 milhões de vacinas. UE renegoceia contratos

Alexandra Campos, in Público


No início, foi a corrida às vacinas contra a covid-19. Agora, há milhões de doses de sobra e muitas foram já para o lixo. Comissão Europeia está a tentar renegociar contratos com as farmacêuticas.



Quando as vacinas contra a covid-19 surgiram, em Dezembro de 2020, chegavam aos países a conta-gotas, foram racionadas e muito disputadas, numa autêntica “corrida” a nível internacional. Com a normalização da situação epidemiológica e o crescente desinteresse na vacinação de reforço, os países confrontam-se hoje com o problema inverso: não sabem o que fazer aos milhões de doses de vacinas que encomendaram no pico da crise pandémica e às que vão sobrando e têm prazos de validade curtos. Muitas doses já foram para o lixo e a Comissão Europeia está agora a tentar renegociar contratos com as farmacêuticas.

Portugal não é excepção. Até ao final do ano passado, teve de destruir "aproximadamente 3,5 milhões de doses" de vacinas e que foram adquiridas através do processo de compra centralizada conduzido pela Comissão Europeia, revela o Ministério da Saúde. É “uma taxa de inutilização de 8,5%”, contabiliza, sublinhando que representa, mesmo assim, uma das “menores taxas de inutilização a nível europeu”, graças à "conjugação da grande adesão dos portugueses à vacinação" e "uma eficaz e responsável gestão do aprovisionamento".

Os contratos com as farmacêuticas são confidenciais e os valores não são revelados, mas são muitos os milhões de euros que estão a ser desperdiçados e muitos mais os que podem vir a ser desperdiçados no futuro. Num breve balanço feito a pedido do PÚBLICO, o Ministério da Saúde não contabiliza a despesa com a aquisição de vacinas até ao momento. Adianta apenas que, entre 2020 e este ano, Portugal celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas e que foram entregues cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas para o período até 2023.



Deste total, especifica, foram já utilizadas cerca de 28,5 milhões de doses, enquanto aproximadamente 8,1 milhões foram doadas e mais de 2,6 milhões foram revendidas a outros países.

Em teoria, portanto, Portugal deveria receber este ano mais de 20 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Mas espera-se que seja possível reduzir a quantidade e alargar os prazos de entrega das vacinas. Lembrando que há “um processo em curso” de renegociação na União Europeia, o ministério diz que “não é possível adiantar o número de entregas para 2023”.

“A Comissão Europeia, em representação dos Estados-membros da União Europeia, está a conduzir o processo de renegociação de um contrato assinado em 2021, no sentido de o ajustar às actuais circunstâncias epidemiológicas e estratégias de vacinação de cada Estado-membro, flexibilizando-se as quantidades e compromissos de entrega”, explica, em resposta escrita.

À semelhança do que está a acontecer em todo o mundo, desde que a campanha de vacinação arrancou, a adesão — que em Portugal é uma das mais elevadas do mundo — foi esfriando à medida que a situação se ia normalizando.

A campanha do segundo reforço (a quarta dose para a maior parte das pessoas) a nível nacional ficou longe das médias das anteriores. Até 23 de Abril (últimos dados da monitorização divulgada pela Direcção-Geral da Saúde), estavam vacinados 79% dos idosos a partir dos 80 anos (contra 97% no primeiro reforço). Mas na faixa etária entre os 50 e os 59 anos, a diferença era bem maior (45% de vacinados, contra 87% no primeiro reforço). Actualmente, vacinam-se muito poucas pessoas — na semana entre 17 e 23 de Abril, foram administradas apenas 1310 doses de reforço, um ritmo de 187 por dia.
Reduzir entregas e alargar prazos

Portugal aguarda, assim, o desfecho do processo de renegociação dos contratos com as farmacêuticas que a Comissão Europeia está a conduzir desde há algum tempo para atenuar o problema das doses em excesso, agora que o pior já passou e a Organização Mundial da Saúde já declarou o fim da covid-19 como uma emergência sanitária global.

Em Março passado, numa resposta ao Parlamento Europeu, a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, assegurava, citada pelo El País, que a Comissão estava a trabalhar com os Estados-membros e a indústria farmacêutica para encontrar “uma solução para o desequilíbrio entre a procura e a oferta” de vacinas. “Já se aprovaram várias alterações ao acordo de compra com a BioNTech-Pfizer para podermos cobrir parcialmente as necessidades dos Estados-membros. Não obstante, a Equipa Conjunta de Negociação continua a negociar uma redução das doses a entregar em 2023.”

Segundo o jornal Financial Times, que cita fontes ligadas a este processo, o acordo passa por alargar até 2026 as entregas que estavam encomendadas e se previa chegassem até ao final deste ano. Mas isso não chega para resolver o problema de todas as doses que já foram adquiridas e que correm agora o risco de ultrapassar o prazo de validade.

Enquanto as negociações decorrem, milhões de doses das vacinas vão ultrapassando os prazos de validade. Em Janeiro, a Alemanha contabilizava que seriam 36,6 milhões de doses cujos prazos estavam a expirar, e a Áustria revelou que quase 18 milhões de doses da vacina chegaram ao fim da validade e não foram usadas


Vários países têm estado a fazer pressão para que estas negociações acelerem. Com a Polónia na liderança, um grupo de países — que inclui a Bulgária, a Hungria e a Lituânia — reclama maior transparência neste processo e defende que a Pfizer e outras farmacêuticas devem aceitar renegociar as condições dos contratos e facilitar o cancelamento de encomendas, lembrando que as circunstâncias são hoje completamente diferentes. O maior contrato da UE é o que foi assinado com a Pfizer/BioNTech. Firmado no pico da pandemia, o acordo determina que a UE compre 500 milhões de doses este ano, numa altura em que as taxas de vacinação diminuíram substancialmente e a pandemia entrou numa fase endémica.

Enquanto as negociações decorrem, milhões de doses das vacinas vão ultrapassando os prazos de validade. Em Janeiro, a Alemanha contabilizava que seriam 36,6 milhões de doses cujos prazos estavam a expirar, e a Áustria revelou que quase 18 milhões de doses da vacina chegaram ao fim da validade e não foram usadas.

“Apesar de a situação epidémica estar estabilizada em toda a Europa, a Pfizer continua a planear entregar centenas de milhões de vacinas à Europa. Isto carece totalmente de sentido do ponto de vista da saúde pública, já que a maior parte destas será destruída devido ao limitado prazo de validade e à reduzida procura”, argumenta o ministro polaco da Saúde, Adam Niedzielski, numa carta aberta aos accionistas da Pfizer e que foi divulgada na última semana.

Na carta, o ministro sublinha que a Polónia recusa liminarmente a possibilidade — também adiantada pelo Financial Times — de que Bruxelas acorde com a Pfizer a entrega de 70 milhões de doses anuais até 2026, com a condição de os países pagarem metade do preço da vacina por cada dose cancelada.


Isso “não é justo”, defende o ministro da Saúde polaco, destacando que estão em causa vacinas que ainda nem sequer foram produzidas. Frontalmente contra esta “taxa de cancelamento” das encomendas, o ministro pede à Pfizer que apresente “propostas realistas que respondam à situação que [hoje é] completamente diferente na Europa”. “Em vez de mostrar solidariedade, a empresa quer obter ainda mais dinheiro de fundos alocados por Estados-membros da UE que tinham como objectivo a protecção da saúde pública”, critica.

5.5.23

OMS decretou o fim da pandemia de covid-19 como emergência sanitária global

Marta Leite Ferreira, in Público



Director-geral da OMS decretou em conferência de imprensa que a covid-19 deixou de ser considerada uma emergência sanitária global. Nível máximo de alerta estava activo desde 30 de Janeiro de 2020.



Mil, cento e cinquenta (1150) dias depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado a covid-19 uma pandemia, chega outro anúncio histórico: a doença provocada pelo SARS-CoV-2 deixou esta sexta-feira de ser considerada uma emergência sanitária global.



Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da OMS, confirmou que aceitou a recomendação do comité de emergência para baixar o nível de alarme: "É com grande esperança que declaro o fim da covid-19 como uma emergência de saúde global." E prosseguiu: "Ontem [quinta-feira], o comité de emergência reuniu-se pela 15.ª vez e recomendou-me que declarasse o fim da emergência global. Eu aceitei esse conselho."


Desde que o coronavírus foi detectado na cidade chinesa de Wuhan até agora, a covid-19 já foi responsável pela morte de cerca de sete milhões de pessoas em todo o mundo, quase 27 mil das quais em Portugal. O nível máximo de alarme em torno da covid-19 foi decretado pela primeira vez a 30 de Janeiro de 2020, há 1191 dias. A 11 de Março desse ano foi, então, considerada uma pandemia.


Nesse dia, as autoridades portuguesas registavam um total de 59 casos confirmados de infecção desde o dia 2 de Março. Agora, e de acordo com as informações mais recentes da Direcção-Geral da Saúde (DGS), são já perto de 5,6 milhões os casos diagnosticados com o SARS-CoV-2, que durante muito tempo era conhecido sobretudo como "novo coronavírus". A sua disseminação condenou a população portuguesa (e de milhões de pessoas por todo o mundo) ao confinamento domiciliário em vários períodos até 2022.


As escolas encerraram, as ruas ficaram desertas e os profissionais de saúde enfrentaram provações históricas para atenderem aos milhares de casos internados que acorriam aos hospitais em todo o mundo. Nos piores momentos da pandemia, o país assistiu à morte de centenas de pessoas por dia à conta da covid-19 enquanto se habituava às novas rotinas (muitas delas já abandonadas): era preciso usar máscaras, realizar testes rápidos antes de se aceder a restaurantes e manter o isolamento sempre que havia um contacto de risco.


Até agora, a covid-19 era considerada uma "emergência sanitária global" (o nível de alerta máximo emitido pela OMS) por tratar-se de um evento extraordinário, representar um risco à saúde pública para outros Estados por meio da disseminação internacional e requerer uma resposta internacional coordenada.


Mas o Comité de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional concluiu, numa sessão deliberativa esta quinta-feira, que a covid-19 já não pode ser considerada "um evento incomum ou inesperado", mesmo tendo em consideração que o vírus continua a evoluir e a circular. Por isso, já não obedece aos parâmetros para ser classificada como emergência sanitária global.


Na conferência de imprensa, Tedros Adhanom Ghebreyesus adiantou que a pandemia está "em tendência de queda, com a imunidade da população a aumentar devido à vacinação e infecção, a mortalidade a diminuir e a pressão sobre os sistemas de saúde a decrescer". Num comunicado publicado entretanto pela OMS, a organização considerou que "está na hora de fazer a transição para a gestão de longo prazo da pandemia" porque "a covid-19 é agora um problema de saúde estabelecido e contínuo".

31.3.23

Portugal falha meta da descentralização na saúde, mas evita, para já, suspensão do PRR

Victor Ferreira, in Público online

Renegociação do PRR em Bruxelas “congela” penalização até ao Verão. Governo ganha meses adicionais para transferir centros de saúde em 100 municípios. Reforma já leva três meses de atraso.

Portugal não concluiu a descentralização na saúde dentro do prazo imposto pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas vai evitar uma suspensão parcial do terceiro desembolso, que deveria ser pedido esta sexta-feira. O país tinha de transferir competências para 201 municípios até 31 de Dezembro de 2022, mas tinha até 31 de Março para fazer o pedido de pagamento, tendo, na prática, mais três meses para cumprir essa meta. No entanto, só 92 autarquias assinaram o auto de aceitação de transferência, como confirmou o Ministério da Saúde.

O valor unitário da medida para efeitos do PRR é de 43,2 milhões de euros, montante que tanto pode ser reduzido — já que parte do objectivo está conseguido — como pode ultrapassar os 200 milhões, caso Bruxelas aplique o coeficiente máximo e faça um ajustamento em alta, tal como o previsto pela metodologia que publicou a 21 de Fevereiro deste ano.

Até ao momento, a suspensão parcial foi usada em dois países. A Itália anunciou esta semana que tem um mês para apresentar o contraditório em Bruxelas, que pôs em causa o cumprimento de três objectivos. A Lituânia viu congelada parte do seu mais recente pagamento, por ter falhado dois marcos relativos a matéria fiscal.

Portugal escapa, para já, a este desfecho. Esperar pelo fim do prazo deste terceiro desembolso (2331 milhões de euros, em termos líquidos) teve esta vantagem: como vai negociar, em Maio/Junho, a reprogramação do PRR português, Bruxelas aceitou que o Governo só entregue esse pedido (o mais avultado de todos) no fim dessa negociação. Logo, como não precisa de comprovar que completou a transferência de competências na saúde, o país não será apanhado em falta.

Mas esta reforma não pode ser adiada. A Comissão Europeia só aceita renegociar investimentos, desde que justificados pela inflação ou pela guerra. Ainda assim, Portugal ganha aqui mais tempo, talvez até Julho, até ao fim da reprogramação. Nessa altura, terá inevitavelmente de comprovar que transferiu competências para 190 autarquias. O que implica chegar a acordo com pelo menos mais 100 municípios nos próximos 60/90 dias.

Esse é o número mínimo para escapar a uma suspensão, tendo em conta que Bruxelas não penalizará desvios de até 5%, tal como consta na metodologia comunicada em Fevereiro ao Parlamento Europeu e ao Conselho.

Portanto, o Governo continua a ter uma missão espinhosa. Muitos autarcas dizem-se escaldados com a “má experiência” da transferência na Educação. As autarquias das duas maiores cidades, Lisboa e Porto, têm recusado a herança que agora lhes querem passar na saúde.

O actual ministro que tutela esta área, Manuel Pizarro, admitiu, em Janeiro, que é “justo” e que “faz sentido discutir os recursos que o Estado central vai transferir” com as competências para os municípios. Porém, as críticas de autarcas como Rui Moreira (presidente no Porto) ou Filipe Anacoreta Correia (“vice” em Lisboa) vão além do envelope financeiro.

Moreira aceita que a autarquia tenha um papel importante na saúde, mas recusa uma “mera transferência de tarefas”, em que a câmara se limite “a calafetar janelas dos centros de saúde, a assegurar o transporte de doentes ou a gerir o stock de consumíveis clínicos”. O “número dois” na Câmara de Lisboa, por seu lado, justificava a recusa da transferência da seguinte forma, numa entrevista ao Expresso: “Sentimos que o Estado central está a procurar transferir logística e gestão de património sem transferir nada de relevante na área da saúde.”

Tal como o PÚBLICO escreveu há um ano, a maioria absoluta conquistada pelo PS garantiu condições de aprovação sem sobressaltos das reformas do PRR que têm de passar pelo Parlamento (como as mudanças nas ordens profissionais, por exemplo), mas transferiu os riscos para a rua, para as empresas e para os municípios.

O controlo político em São Bento faria o PRR depender da colaboração dos que, no terreno, têm de executar, até ao fim de 2026, este plano de reformas e investimentos. E, no caso da descentralização na saúde, muitos outros autarcas têm recusado essa colaboração.

Há precisamente um ano, a 1 de Abril de 2022, só 70 autarquias tinham aceitado a transferência na saúde. De então para cá, juntaram-se mais 22, alargando o lote para as 92 actuais. Nos últimos 14 dias, juntaram-se as de Gondomar e mais três. O que demonstra como este processo avança a conta-gotas.

Na quarta-feira, a ministra que manda nos fundos europeus, Mariana Vieira da Silva, confirmou, na comissão parlamentar de Economia, que o terceiro pedido de desembolso só avançará após a reprogramação do PRR.

Portugal quer rever prazos e preços de alguns investimentos, e tem de chegar a acordo com a Comissão Europeia sobre o destino a dar a 1632 milhões de euros de subvenções, que virão como reforço, e também sobre a aplicação de 780 milhões de euros que virão do programa REPowerEU, que responde aos problemas energéticos da UE. Além disso, colocará em cima da mesa um pedido de reforço de empréstimos, que pode andar à volta de mais 2000 milhões de euros, por causa dos custos mais altos de alguns investimentos.

“Estando, neste momento, num momento de reprogramação, será depois dessa reprogramação que faremos o terceiro pedido de desembolso, sempre na perspectiva de melhorar as nossas capacidades de execução e de acertar o que há a acertar”, disse a ministra da Presidência, durante uma audição naquela comissão.

Acrescentou ainda que tenciona colocar esta revisão do PRR em discussão pública, para que haja “um debate alargado” sobre o uso daquelas verbas adicionais e sobre os investimentos que precisam de ser repensados.

O terceiro pedido de desembolso inclui 34 objectivos com apoio a fundo perdido e quatro com apoio por empréstimos. Ao todo, são 18 marcos e 20 metas, entre as quais há outras duas medidas que ficaram por cumprir, além da descentralização da saúde: um projecto relativo à economia do mar nos Açores; e outro relativo a habitação na Madeira.

Quanto custa uma suspensão parcial?

Apenas dois anos depois da entrada em vigor do mecanismo que financia os PRR dos 27 Estados-membros é que a Comissão Europeia definiu uma metodologia para apurar o custo unitário de cada marco e meta e quanto é que vale a suspensão por incumprimento de uma reforma ou investimento. Como tantas vezes acontece nas regras comunitárias, as contas são tudo menos simples e têm uma certa dose de discricionariedade.

No documento COM (2023) 99, o executivo europeu explica que primeiro há que calcular o valor unitário de cada marco ou meta. Essa é a parte fácil. Divide-se o montante total a receber por país pelo número de marcos e metas. Com uma nuance: no caso de países como Portugal, que receberão subvenções e empréstimos, é calculado um valor unitário distinto para marcos/metas associados a subvenções e a empréstimos, mas seguindo sempre a mesma lógica.

No caso português, isso implica dividir o montante de subvenções (13.907 milhões de euros) por 322 marcos/metas. Arredondando, o resultado é 43,2 milhões de euros. Este é o valor unitário de cada marco/meta de Portugal, mas para saber quanto é que será retido se o país falhar algum destes objectivos, é preciso continuar a fazer contas.

Para distinguir investimentos e reformas, e diferenciar os que são mais importantes e exigentes dos que são menos, a Comissão Europeia aplica então coeficientes àquele valor unitário. Nos investimentos, pode-se aplicar um coeficiente de 0,5 (investimentos pequenos) ou de 2 (investimentos maiores). Nas reformas, o coeficiente varia entre 0,5 e 5, dependendo se é um marco/meta intermédio ou final de uma reforma.

Usando o caso português da descentralização da saúde, o valor unitário (43,2 milhões) seria multiplicado por cinco (coeficiente de meta final numa reforma), o que daria 216 milhões de euros. Este seria o valor unitário corrigido. Mas as contas não terminam aqui.

A fórmula ainda inclui um factor de ajustamento e é a partir daqui que a metodologia comunicada pelo executivo comunitário deixa de ser tão claro e parece abrir espaço para decisões mais discricionárias.

O regulamento diz que podem ser feitos ajustamentos para cima ou para baixo em cada valor unitário corrigido.

Há ajustamento para cima (o que fará subir o valor a suspender) se for um investimento de importância maior que tenha servido de fundamento a uma avaliação positiva do PRR por parte da Comissão ou se for uma reforma de grande impacto que esteja ligada às recomendações periódicas que Bruxelas faz aos países para ultrapassar os seus desequilíbrios orçamentais ou económicos.

O ajustamento será feito em baixa se o investimento tiver sido parcialmente cumprido ou se a reforma for de menor importância ou tiver sido levada a cabo em parte. Nessas situações, a Comissão avalia e fará reduções proporcionais no valor unitário corrigido.

Questionada pelo PÚBLICO, a Comissão não esclareceu que factores de ajustamento aplicaria no caso português. Mas dado que já há 90 municípios que aderiram, poderia contar com uma redução proporcional do valor unitário a suspender. Victor Ferreira

A reforma das ordens profissionais ainda não entrou em vigor, mas está aprovada e Bruxelas não deverá levantar obstáculos, no espírito de tolerância dos desvios mínimos.

O PÚBLICO questionou a Comissão Europeia sobre que coeficientes e factores de correcção se aplicam aos valores unitários, mas a entidade recusou explicar esta questão.

28.3.23

No mundo fechado dos lares ilegais quem lucra não pode cuidar

 e 

Há centenas de residências clandestinas a operar, algumas com ordem de fecho de meses ou anos. “As pessoas preferem ser bem tratadas em lares ilegais do que maltratadas em lares legais.”

Do lado de fora, nada sugere a quem passa que a vivenda de telhado baixo, num bairro onde tantas outras casas de diferentes tamanhos se alinham por pacatos passeios, é na realidade uma residência para 12 pessoas vencidas pela idade, a imobilidade, a solidão, a demência.

A porta principal abre para um corredor estreito e escuro, que liga a um quarto pequeno com três camas, uma sala apertada na penumbra, onde, coladas umas às outras, estão nove pessoas sentadas no sofá e em três cadeiras com almofadas, umas a dormitar, de cabeça caída, outras acordadas, olhando sem interesse para a televisão.

Perderam a juventude e a independência e passam horas numa interminável espera: o levante, a higiene, o lanche da manhã ou da tarde, o almoço, e o jantar, para fecharem o dia, quase sempre, antes das 19h.

A cuidar das oito pessoas, com mais de 80 anos, neste piso de baixo, e de outras quatro enclausuradas no de cima, está uma auxiliar de avental, que não se abstém de abrir a casa a desconhecidos mesmo na ausência e sem autorização da patroa.

Quando, por lealdade, uma utente lhe assinala o dever de avisar a proprietária, a auxiliar de avental acede a pegar no telefone, e fá-lo com tranquilidade, como se no íntimo soubesse que este dia haveria de chegar, ao cabo de um mês em que as reportagens sobre lares licenciados ou clandestinos expuseram a falta de higiene e de cuidados mínimos. Um deles, na Lourinhã, recebeu ordem de fecho na sequência de uma peça na SIC. Outro, em Palmela, fechou com urgência depois de uma investigação da Polícia Judiciária, que recebeu uma denúncia presencial. Houve outros casos divulgados.

Minutos depois do telefonema, chega Vanda, a proprietária. Não quer dar o apelido nem dar entrevista. “Estamos só a conversar”, diz sem disfarçar o nervosismo. “Estou com o coração aos saltos”, desabafa sobre a inesperada visita.

Um lar legal tem de ser todo construído de raiz, assinala Vanda, que impõe como condição para conversar que nada identifique a casa que gere há "muitos anos". "Não há dinheiro para fazer essa obra de raiz, nem as pessoas têm dinheiro para pagar um local com outras instalações", continua. Aqui, uns pagam 550, outros 600 euros, garante.

Cai uma chuva miúda e as duas janelas pequenas têm os vidros fechados e as cortinas corridas na sala entranhada de um odor indefinido mas forte.

“Estamos muito bem aqui”, antecipa-se a mesma senhora que manifestou a sua lealdade à patroa. É a que está mais desperta e aparenta ser a mais esclarecida. Apoia-se, embora sentada, numa bengala, chegando-se à frente para melhor ser ouvida, como que assumindo esse papel de porta-voz das companheiras de residência.

Junto à cozinha, também exígua e de fraca luz, sobre um pequeno quadrado de mesa com uma toalha florida, a funcionária de avental barra manteiga em pão de forma e a que apressadamente junta uma bebida nuns copos de plástico, levando depois tudo num tabuleiro para a sala.

É hora do lanche, mas lá em cima, ao cimo de umas escadas de madeira escura, que contorna a pique a esquina da cozinha, estão dois homens e duas mulheres que nunca descem. Em cada um dos cerca de 15 degraus, íngremes, não cabem sequer duas pessoas.
No cimo sem poder descer

Nesse mundo dos quatro à parte, como que enclausurados, uma senhora acanha os braços no curto espaço de uma mesa pouco estável, e acompanha a imagem desfocada de uma pequena televisão cinzenta de outros tempos. Queria sair daqui? Responde que sim, mas pouco à vontade. A proprietária desvaloriza: “Essa senhora só quer ir à missa.”

A senhora de olhar triste e sem ponta de desmazelo já perdeu a conta aos dias que não vai à missa ou a qualquer outro lugar. A seu lado, está uma mulher como ela, mas mais velha, que parece não (querer) comunicar, e um senhor da mesma idade, agarrado a uma cama, limitado nos movimentos, mas que acena com a cabeça ao mesmo tempo que diz “boa tarde” com um sorriso. De costas para a porta em frente, junto à mesma escada, ergue-se a forma de um corpo posicionado de lado, envolto numa coberta branca.

Esta é apenas uma das muitas moradas que uma pessoa do bairro aponta como exemplo de casas onde habitam dez, 15 ou 20 velhos ao cuidado de não profissionais.

Os dias sucedem-se iguais, com ou sem visitas, agendadas quando alguns lares assim o definem, ou exigem, ou a qualquer hora, aqui na freguesia de Quinta do Conde, ou noutros visitados pelo PÚBLICO, e sem licença de funcionamento, nos distritos de Lisboa, Setúbal e Santarém. É comum procurar-se um sítio e serem indicados vários. Alguns fecharam por ordem do Instituto da Segurança Social, mas abriram numa morada próxima tendo como novo proprietário o registo de uma outra pessoa ou empresa.​

Na grande maioria, não está prevista fisioterapia de forma regular, mas antes uma ginástica a cargo das próprias auxiliares, nem actividades ou animação, e quando acontece é de forma informal e sem regularidade certa; não existe um contrato com enfermeiro, como dita a lei, e estes profissionais de saúde, como os médicos, são chamados pontualmente quando necessário.

O INEM e a Protecção Civil são contactados sempre que surge uma emergência, garantem os proprietários que aceitaram falar. Nos anos da pandemia, os lares recebiam visitas da Protecção Civil ou da Segurança Social, para operações de despiste de surtos de covid-19 ou (mais tarde) campanhas de vacinação. A regra era essa e nenhuma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) – legal e ilegal – ficava de fora. Mas essa atenção – que permitiu identificar muitos lares sem condições e determinar o seu encerramento – acabou no ano passado.

Nem em Salvaterra de Magos, Muge, Abrantes, Ereira, Loures, Fernão Ferro, Montijo, Palmela ou outros pontos de passagem no caminho aqui percorrido os lares têm visitas de acompanhamento regulares.

A lista que só até à semana passada estava disponível no site da Segurança Social e que assinalava “licenças e actos”, como licenças de utilização, com atribuição de alvará, aviso de caducidade de alvará, mas também as ordens de fecho, com ou sem aplicação de coimas, por incumprimento, de 20 mil euros (podendo ir até aos 40 mil euros), ocupava mais de 170 páginas no site. Eram mais de 850, com cada página a mostrar pelo menos cinco entradas. Nesta semana, essa informação deixou de estar disponível. Contactado, o Instituto da Segurança Social não responde se dispõe de uma estimativa do número de lares sem licença. Apenas informa que, de acordo com os dados mais recentes, "existem 2581 estruturas residenciais para pessoas idosas, das quais 894 são entidades de privados".

Lisboa e Porto foram, na lista dos 18 distritos, os dois onde mais lares foram encerrados com (respectivamente) 33% e 21% do total. Já em 2022, mais fechos (em proporção do total) aconteceram em Aveiro (19%) e Santarém (18%), passando Porto a representar 15% e Lisboa 12% do universo de estruturas residenciais sem condições. "A medida de encerramento sem carácter de urgência tem de ser acatada no máximo nos 30 dias úteis seguintes​", confirma o ISS, não revelando porém, apesar de questionado, quantos lares receberam ordem de fecho.

No pátio de mãos dadas

Num pequeno lar, na zona de Salvaterra de Magos, a cozinha com chão de pedra faz de sala onde sete homens e mulheres, que murmuram um imperceptível “bom dia”, fitam a parede ou a pequena televisão, presa no alto, nela abstraídos ou alheados dela. Nesta casa, onde o ar que se respira na zona dos quartos e da casa de banho indica que a única funcionária presente ainda se debate com as limpezas, há desordem de objectos deixados ao acaso num pequeno pátio, mas também há esperança aqui, onde um casal se senta de mãos dadas.

Por serem marido e mulher, beneficiam de um quarto só para eles com casa de banho privada. No resto, a casa está desmazelada mas limpa, e as paredes descascadas pela chuva circundam três ou quatro camas em quartos de pouco mais de 10 metros quadrados. As casas de banho, que servem mais de seis utentes, são apertadas e, embora tenham barras de ferro na sanita, não as têm no cubículo onde são dados os banhos não mais de uma ou duas vezes por semana.

“Gostamos de estar aqui. Está tudo a correr bem”, sorri Manuel, expondo desprevenido os dois únicos dentes. A fragilidade de Manuel na aparência e no discurso estende-se ao dono do espaço, que se curva e quase treme por não querer “nada disto nos jornais”.

Deixa fotografar os quartos, porque não tem “nada a esconder”, diz, mas exige que não seja revelado o seu nome ou a morada da residência. À porta, o aviso de encerramento que o Instituto da Segurança Social obriga a que fique visível por um período de 30 dias está tapado por uma folha branca colada com fitas adesivas pretas.

Nesta rua com casas mas sem gente – que apesar de estar a menos de 50 quilómetros de Lisboa poderia ser um quase fim de mundo –,​ serão ínfimas as probabilidades de uma fiscalização da Segurança Social para o cumprimento efectivo da ordem de fecho. Actualmente, e a nível nacional, existem 53 inspectores afectos às equipas responsáveis pela fiscalização de equipamentos sociais, responde o gabinete de imprensa do Instituto da Segurança Social.

E há 260 técnicos do Instituto da Segurança Social que também realizam as acções de acompanhamento.

Entrar só com autorização

Teria de haver denúncia e nem os bombeiros se dizem competentes para tal, agora que terminaram as visitas de despiste da covid a estas "casas particulares", onde só entram com autorização dos donos. Estas são pessoas que, por força das circunstâncias, abriram um lar: aprenderam da maneira mais dura quando, sem outras alternativas, se viram a cuidar dos próprios familiares doentes ou acamados; viram aqui uma oportunidade de negócio.

Pode haver vontade em ajudar o próximo, desempenhar um papel social, mas não está afastado o risco de eventuais falhas que possam advir do desconhecimento do rigor de cuidados exigidos em situações de grande fragilidade, como a ronda de água, com intervalos de tempo curtos, para prevenir a desidratação ou aliviar o peso do corpo, virando o acamado, várias vezes ao dia, para evitar escaras que podem infectar.

"Os lares ilegais são mal vistos, mas quando tive ordem de fecho, muitos familiares quiseram que eu continuasse a cuidar dos seus idosos"Maria do Carmo Rodrigues - proprietária de lares ilegais em Mouriscas e no Pego

“O importante é se eles comem, se tomam a medicação, se estão lavadinhos de manhã”, diz Maria do Carmo Rodrigues, que em Fevereiro fechou o seu lar em Mouriscas por ordem da Segurança Social, abrindo logo a seguir um no Pego, no mesmo concelho de Abrantes. Para ela, é tudo tão difícil que pondera, "em vez de um lar, abrir um alojamento local".

A residência do Pego, também em Abrantes, é uma alternativa temporária. À sua vivenda, agora fechada em Mouriscas, onde Maria do Carmo diz estar a fazer obras apesar de “ter tudo o que era necessário” para cuidar dos velhotes, primeiro veio a Guarda Nacional Republicana, a Segurança Social, depois a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Houve uma denúncia, conta enquanto vai pedindo imperiais no café da aldeia onde todos se conhecem. “Há seis anos que estava a funcionar quando recebi a ordem de encerramento. Eu não sabia que tinha de ter uma licença.”

Há uma certa revolta nas palavras de Maria do Carmo Rodrigues quando diz que “a Segurança Social foi um bocadinho arrogante” quando veio, depois de uma denúncia que atribui, embora sem certezas, a familiares de um utente do seu lar, um senhor que tinha anemia e morreu no hospital. "Eu tinha três ou quatro caminhas num quarto e mesmo assim elas implicaram. Tinha dois quartos interiores e um quarto exterior, este sem janelas, e de onde os utentes podiam usar uma casa de banho também no exterior."

"Nunca ninguém se queixou"

"Durante a covid, vinham cá todos: Protecção Civil, Autoridade para as Condições do Trabalho e Segurança Social e nunca me fecharam o lar. Agora estou nas limpezas, a tapar uma parede, a pôr uma porta num quarto, a pôr as barras de ferro nos banhos, nas sanitas”, enumera. “Mais do que as instalações, o importante é serem bem cuidados.” E enfermeira? E médico? “Se eu vir que eles estão mal, eu própria chamo. Tenho uma médica do Centro de Saúde de Abrantes que faz esse biscate. E tinha uma enfermeira para tratar as feridas. Vinha uma vez por semana ou quando era preciso. Eu pago sem recibo. Agora, para ter licença, também querem que eu arranje uma animadora”, diz.

“Quando tive de fechar, tinha muita gente debilitada. Quis entregar as pessoas às famílias, para os colocarem noutros sítios, nos lares das misericórdias, já que os lares ilegais são tão mal vistos. Mas muitos familiares quiseram que eu continuasse a cuidar dos seus idosos. Diziam que preferiam ter a mãe, o pai, a tia ou a avó num lar ilegal, mas onde fossem bem tratados, do que tê-los num lar licenciado onde se calhar seriam mal tratados”, diz. “Nunca os entreguei às famílias, nunca ninguém se queixou."

As denúncias surgem frequentemente de ex-funcionárias descontentes com as precárias condições de trabalho; ou de familiares, quando estes se deparam com alguma situação preocupante envolvendo o idoso.

Nunca aconteceu a Ana Costa ser alvo de uma inspecção, visita da Segurança Social ou denúncia, diz a própria proprietária da empresa Prosas de Outono, que dá nome a dois lares dos quais é directora técnica. Um é misto; o outro só de senhoras acolhe 14 pessoas na localidade de Vale de Milhaços na freguesia de Corroios. Os quartos não cumprem a área determinada por lei para terem três ou quatro camas, nem a entidade tem uma avença com enfermeiro ou animador.

Para Ana Costa, essas são falsas questões. “As pessoas preferem ser bem tratadas em lares ilegais do que maltratadas em lares legais", diz. "Sempre que é preciso, vem o enfermeiro. E as auxiliares têm formação ou ganham experiência com os anos. Para ter um lar de qualidade, o principal é ter uma equipa profissional", continua.

Uma equipa que limpa quando está sujo, que trata quando vê que um idoso não está bem, que sabe monitorizar os sinais vitais, como a tensão arterial, a temperatura, a saturação do oxigénio ou a glicemia, enumera. "Para mim, o principal era que o Estado interviesse nas famílias. Este é um problema da sociedade, porque as famílias nem sempre visitam, nem sempre são vigilantes", considera.

O espaço é limpo, a sala espaçosa e os quartos arrumados e luminosos. A mensalidade oscila entre os 900 e os 1200 euros e ter uma licença custa muito dinheiro, queixa-se. "É preciso um projecto de arquitectura, e projectos para tudo o resto: para as telecomunicações, para a água e os esgotos, para a electricidade. E cada um destes pode custar 5000 euros."
“Estive três anos a viver sozinha desde que o meu marido morreu, e nunca me aconteceu nada. Se tenho que morrer, tanto morro em casa como aqui”Luísa (nome fictício) - utente do Lar Prosas de Outono

Elisabete (nome fictício) é a primeira a falar. Sente-se bem aqui, embora gostasse "muito de voltar para casa". Para isso, não tem remédio. “A minha casa está fechada, em Vale de Figueira” no distrito de Santarém, conta, antes de parar para ouvir nova pergunta. Repete-a, em forma de pergunta à auxiliar: “Que idade tenho?” Tem 86 anos, mas a aparência de uma mulher mais nova e um sorriso de quem leva os dias a pensar como era no passado. “Os meus filhos estão agora a viver no estrangeiro.”

Sentada à sua frente, Luísa, que também não dá o nome verdadeiro, sorri sem convicção. “Não estou bem nem mal. Podia não me doer os pés, não me doer os joelhos, não me doer o corpo. Há três semanas vim do hospital.” Tem 91 anos, e recebe a visita frequente dos filhos. “Eu queria voltar para casa, mas as minhas filhas não me querem sozinha. Eu vivia lá bem, com a bengala, andava, agarrava-me encostada à cómoda, chegava à cozinha e abria a luz”, diz confiante.

"Desde que o meu marido morreu, estive três anos assim e nunca me aconteceu nada. Ele era a minha companhia. Vivíamos felizes. Era só eu e ele. A saudade não tem cura.” Em minutos as lágrimas enchem-lhe os olhos. “Se tenho de morrer, tanto morro em casa como aqui.”

Em Mouriscas, distrito de Santarém, a dona de um lar que todos conhecem grita da janela que há muito tempo a sua casa não tem idosos e recusa abrir a porta. “São só familiares”, diz. “Ela diz sempre isso, que são familiares. Mas estão muitos idosos”, contrapõem pessoas na mercearia em frente que se interrogam sobre os motivos de este lar ainda não ter sido encerrado, apesar de uma ordem de encerramento de vários anos.

A dona, Celestina, diz já ter pago os 20 mil euros da contra-ordenação que herdou do tempo da sua mãe, quando a Segurança Social identificou em 2017 a falta de condições. A intimação na lista dos documentos da Segurança Social fala de “estabelecimento lucrativo”, mas não dá pistas sobre o ponto em que está o processo.

Contactadas pelo PÚBLICO, nem a Segurança Social nem a Procuradoria-Geral da República dizem dispor de dados sobre os proprietários que ficaram impedidos de exercer a actividade desde 2020. A PGR também não tem sistematizada a informação sobre os processos judiciais abertos nos últimos anos por maus-tratos ou negligência em lares. O mesmo acontece com proprietários de lares visados pelo crime de desobediência (por não acatarem a ordem de fecho).

A parte de trás da casa de Celestina, conhecida na aldeia por Titina, dá para um logradouro, umas escadas e uma varanda, onde as ombreiras das janelas estão partidas e o telhado descaído, adivinhando-se a passagem de fortes correntes de ar em dias de maior frio ou vento. Antes de alguém fechar as cortinas por se aperceber de olhares indesejados, da rua é possível ver um velho com a barba por fazer, de pantufas e roupão, que olha pela janela, mas nada diz, sentado numa cama baixa, com pés de madeira, mantas enrodilhadas, no escuro. Desorientado, acabou de acordar ou prepara-se agora para se perder no torpor da sesta e do esquecimento.

20.2.23

Psicólogos nos cuidados de saúde primários deveriam “ser o dobro”

Patrícia Carvalho, in Público online

Estudo da Entidade Reguladora da Saúde sobre a saúde mental nos cuidados de saúde primários alerta para a necessidade de maior articulação com os serviços hospitalares.

O número de psicólogos nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) está “muito aquém” do que foi definido como o rácio ideal para o país, numa resolução de 2021 da Assembleia da República, alerta a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), no recente estudo Acesso a serviços de saúde mental nos Cuidados de Saúde Primários. Aquela resolução definia que deveria existir um psicólogo por cada cinco mil habitantes, ou seja, 20 por cada 100 mil, mas os dados compilados pela ERS, referentes a 2020, colocam a média nacional em 3,16 por cada 100 mil habitantes. O Alentejo, com 5,55 psicólogos por cada 100 mil habitantes é a região que apresenta o valor mais alto.

Apesar de o rácio ser muito baixo para o que foi estipulado pela AR, a verdade é que a evolução global, entre 2019 e 2020, representa um aumento de 184,7%, em Portugal continental. Só no Alentejo, com o valor mais elevado, o crescimento foi de 21,4%, e mesmo na área de Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro, em que o rácio não ia além de 1,31 psicólogos nos CSP por cada 100 mil habitantes em 2020, este valor representa também um aumento de 21,3% quando comparado com o ano anterior.

A ERS frisa que estes dados indicam que “os CSP encontram-se aquém das metas estabelecidas, pelo que se revela importante o maior investimento neste tipo de cuidados.” Um problema para o qual a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) também já tinha alertado, em 2021, ao indicar que dos 529 psicólogos nos CSP, apenas 250 estavam alocados aos centros de saúde, o que, na prática, dava “menos de um profissional por concelho” - muito longe do rácio definido. “É fácil perceber a dimensão da lacuna nesta matéria”, indicava, na altura, o bastonário da OPP, Francisco Miranda Rodrigues.

Contudo, o director do Programa Nacional de Saúde Mental, Miguel Xavier, desvaloriza o rácio fixado pela AR, frisando que ele é “uma recomendação” e que “não tem natureza científica”. Ainda assim, defende que o número de psicólogos nos CSP é, de facto, muito inferior ao necessário. “O número é muito baixo e no mínimo devia duplicar. É nesta base que eu fico. Agora, não se pode duplicar de um momento para o outro”, diz.
Não basta mais profissionais

O especialista em saúde mental realça que o aumento do número de profissionais por si só não resolve o problema do acesso dos portugueses a estes cuidados, pelo que defende a criação de mais programas estruturais, nos CSP, e em articulação com os hospitais. “Não basta termos muitos profissionais se não estiver em funcionamento um modelo efectivo de manejo da ansiedade e depressão nos cuidados de saúde primários, e em articulação com os cuidados hospitalares. Algo que, aliás, já acontece em imensos centros de saúde, e há muito tempo. Só temos de implementar os modelos que já funcionam em Portugal há muito tempo onde ainda não existem”, refere.

E este modelo que defende é uma das razões pelas quais desvaloriza um outro alerta deixado na análise da ERS. O documento refere que apenas a ARS do Centro tem psiquiatras nos CSP, o que o regulador considera revelar “escassez ou inexistência de recursos humanos na área da psiquiatria nas unidades de CSP” e um factor “que poderá impactar no acesso aos cuidados de saúde mental”.

Miguel Xavier entende que não é assim. “Este ponto do relatório não faz sentido do ponto de vista de estratégia política. Não é necessário haver psiquiatras nos centros de saúde, é preciso é haver psiquiatras [nos hospitais] articulados com os cuidados de saúde primários. Já com os psicólogos é diferente, aí têm de existir e a tempo inteiro”, defende.

O estudo da ERS revela que em 2020 existiam cinco psiquiatras e 24 psicólogos na ARS Centro. Na ARS Norte, o número de psicólogos era 184 (o mais elevado de todos), existindo 74 em Lisboa e Vale do Tejo, 28 no Alentejo e 23 no Algarve.

Apesar destes valores absolutos, o rácio entre psicólogos e o número de habitantes era mais favorável no Alentejo, que aparece, em simultâneo, como a região com “um maior acesso a consulta de psicologia ou de saúde mental nos CSP do Serviço Nacional de Saúde, por número de utentes inscritos, nos três anos em análise [2018-2020]”, um dado que é acompanhado "por uma maior incidência de problemas de saúde mental”.

Abrangendo o ano de 2020, quando a pandemia da covid-19 se espalhou pelo mundo, o estudo da ERS refere também o impacto que esta teve no número de utentes referenciados para os cuidados hospitalares, na área da saúde mental, realçando que entre 2019 e 2020 essa referenciação em Portugal continental “diminuiu em mais de 30%”, enquanto os diagnósticos por ansiedade ou depressão aumentaram. Ao mesmo tempo, o número de consultas relacionadas com a saúde mental, nos CSP, caiu, de forma global, em mais de 14%.

Também aqui, Miguel Xavier desvaloriza a quebra referida, afirmando que, “de facto, houve uma diminuição de consultas de psicologia nos centros de saúde, mas na especialidade de psiquiatria o que se passou foi o contrário, houve um aumento”, diz.

A ERS recomenda “um reforço de articulação entre os CSP e os cuidados hospitalares na área da saúde mental” e, neste ponto, Miguel Xavier está de acordo. Mas repete que essa articulação já existe em vários locais, partindo de programas com quatro pontos - dois dos quais são pré-farmacológicos e estão ao nível dos CSP -, pelo que têm é de ser replicados.

1.2.23

Covid-19: OMS mantém nível máximo de alerta

Por Lusa, in Diário das Beiras

A Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu manter o nível máximo de alerta para a pandemia de covid-19, depois de uma reunião do Comité de Emergência dos Regulamentos Internacionais de Saúde.
Embora o comité tenha reconhecido que a pandemia pode estar a aproximar-se de um ponto de viragem, decidiu que “não há dúvida” de que o coronavírus SARS-CoV-2 continuará a ser um agente patogénico permanentemente estabelecido em seres humanos e animais para o futuro e, por conseguinte, é criticamente necessária uma ação de saúde pública a longo prazo, anunciou a OMS em comunicado hoje divulgado.

“Embora a eliminação deste vírus dos reservatórios humanos e animais seja altamente improvável, a mitigação do seu impacto devastador na morbilidade e mortalidade é viável e deve continuar a ser um objetivo prioritário”, salienta a OMS.

12.9.22

Carlos Neto: “A escola a tempo inteiro é uma vergonha nacional”

Helena Pereira (texto) e Nuno Ferreira Santos (fotografia), in Público online

O actual modelo de escola está esgotado e é preciso reinventá-la. Quem o defende é Carlos Neto, professor e especialista em Motricidade Humana, que considera que as consequências dos confinamentos devido à covid-19 nas crianças e jovens ainda não estão totalmente resolvidas. O ano lectivo arranca na próxima semana.

Carlos Neto reformou-se só aos 70 anos. Teve uma vida dedicada à educação e, principalmente, ao papel do corpo e à importância da motricidade humana no processo de aprendizagem.

Catedrático da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) da Universidade de Lisboa (UL), é conhecido por dizer que brincar é um assunto sério e, nesta conversa com o PÚBLICO, é com determinação que defende que as “crianças não podem ser vítimas do trabalho dos pais”, porque não podem passar 50 horas por semana na escola, ou que “as crianças portuguesas brincam menos do que os prisioneiros nas prisões”.

Depois da turbulência causada pelos confinamentos ditados pela covid-19, neste regresso “normal” à escola Neto avisa que “a maior pandemia” que temos agora “é o número de horas em que estamos sentados”.

Este ano lectivo que começa agora pode-se considerar o mais normal desde o início da pandemia. Sem máscaras, sem álcool-gel, sem circuitos alternativos. E os alunos, acha que já ultrapassaram alguns dos traumas da pandemia?
De facto, a pandemia penalizou altamente as crianças, sobretudo aquelas dos primeiros níveis de escolaridade. Foi um verdadeiro Big Brother, não só pelo facto de terem ficado muito limitadas do ponto de vista da expressão das suas energias, dos seus sentimentos, das suas ideias, da sua socialização.

Notei que depois dos dois confinamentos, quando regressaram à escola, as crianças vinham com algumas alterações muito significativas do ponto de vista da saúde física, muitas com excesso de peso e algumas até com obesidade e, por outro lado, com um nível de auto-estima e autoconfiança mais baixo. Acima de tudo, notei uma desorganização, uma agitação “motórica” como nunca tinha percebido ao longo de 50 anos de trabalho.

Uma agitação como?
Uma agitação “motórica” significa uma grande necessidade de contacto físico, de estar com os amigos, de correr, saltar, explorar o espaço. Durante a pandemia houve bolhas, corredores, impedimentos de as crianças se contactarem. No espaço escolar, o contacto físico é das coisas mais importantes para as crianças se conhecerem, se estruturarem. Muitos medos entraram no corpo e ainda não foram ainda totalmente digeridos, para além de uma instabilidade “motórica” e também emocional.

Os efeitos desta pandemia não estão ainda sarados. Há muitas consequências que eventualmente ainda vão manifestar-se durante alguns anos. As coisas não passam de um dia para o outro. Do ponto de vista emocional, as crianças ficaram muito marcadas. Julgo que este ano temos condições de iniciar um ano lectivo em que possamos resolver muitos destes problemas. Depois da pandemia, também apareceram alguns sintomas de maior agressividade, elementos de bullying e violência.

Um estudo do Ministério da Educação de Maio concluía que um terço dos alunos e metade dos professores apresentavam sinais de sofrimento psicológico.
E também emocionais e físicos. Os corpos ficaram aprisionados, não se mexeram durante um grande período de tempo. Isto tem consequências ao nível da percepção do nosso corpo porque não houve movimento, actividade motora. Esse aprisionamento do corpo tem muitas consequências não só a nível da saúde mental, mas da saúde social e emocional também. Neste momento, temos de estar atentos a esses sinais que ainda estão a manifestar-se e que provavelmente vão durar ainda alguns anos. Julgo que já passámos o pior desta pandemia, mas há ainda um medo persistente na cabeça das pessoas, quer dos pais, quer das crianças e jovens.

Acha que as escolas estão conscientes ou preparadas para essa necessidade de estarem atentas aos sinais e de ajudarem a combater os efeitos desse aprisionamento do corpo?
Numa grande parte dos casos, os agrupamentos de escolas estão atentos, despertos para esse tipo de manifestações. Mas a escola está rodeada de outros factores que afectam o sistema educativo. Vivemos um momento de grande transição digital, robótica, IA, neurociências, genética, mas também uma transição climática e energética. Tudo isto implica uma reinvenção da escola. Esta é a questão principal que se coloca.

Como é que a escola se pode reinventar?
A escola tomou consciência, com esta pandemia e com a guerra que agora vivemos, que tem de mudar porque o mundo mudou. Temos de construir um novo modelo de funcionamento das instituições escolares porque nós temos um futuro desconhecido, incerto e imprevisível. A escola que sempre manteve uma função fundamental para o desenvolvimento da sociedade tem de redefinir o seu futuro.

Isso implica — como aliás foi muito bem definido pelo relatório da UNESCO que foi publicado recentemente e que faz uma projecção para 2030 — um novo contrato social para a educação: temos de trabalhar juntos para reinventar uma escola nova. Temos de acabar com esta cultura egocêntrica, de um currículo estruturado em disciplinas com currículos exaustivos e intensos e com uma escola a tempo inteiro que, de facto, foi algo de muito penalizador para as crianças. Uma grande parte delas passa 50 horas na escola.

Na altura [primeiro governo de José Sócrates], a escola a tempo inteiro foi apresentada pelo governo como uma grande conquista.
As crianças não podem passar tanto tempo na escola. Têm de ter outras experiências, mais tempo com os pais, mais tempo informal. Hoje, a escola está completamente formatada e formalizada.

Há muitas famílias que não têm tempo para passar mais tempo com as crianças.
Temos de ter um equilíbrio nas políticas públicas no sentido de harmonizar o tempo de trabalho e o tempo passado em família. As crianças não podem, de nenhuma forma, ser vítimas do trabalho dos pais. O tempo escolar tem de ser apreciado de uma forma nova. As crianças deixaram de ter contacto com o espaço natural, de ter tempo para elas próprias, ter tempo para brincar, fazer aventuras, descobrir o espaço público e a sua comunidade. São transportadas para a escola, estão sentadas imensas horas, quase de manhã à noite, em casa, no automóvel, na sala de aula. A sala de aula aprisionou a criança na escola. A sala de aula também tem de ser desconstruída. Esta é uma mensagem fundamental que vem nesse estudo [da UNESCO].

Para além disso, é preciso conectar a aprendizagem com o espaço natural no sentido de haver mais experiências comunitárias. Por outro lado, é preciso ter atenção a esta abundância de propostas de digitalizar a escola de qualquer forma e feitio. Os instrumentos digitais vieram para ficar, mas não podem substituir o professor. Corpos activos são cérebros activos através da acumulação de sentimentos e emoções. Quem não percebe sentimentos não percebe nada de educação.

É fundamental que o professor seja guia, mentor, tutor dos alunos a fornecer condições e contextos para que as crianças se apropriem de conhecimentos mas também de competências pessoais. Antes de pensarmos em alunos, temos de pensar em pessoas que estão a crescer, a desenvolver-se para um mundo que é desconhecido. Temos de reavaliar os modelos de ensino, daquilo que deve ser o ensino centrado na criança e no adolescente e não apenas sacrificar a aprendizagem através da avaliação. Há um excesso de cultura de escolarização na nossa escola que tem que ser aliviada. A escola não é só para fazer testes, ter médias, para entrar nos rankings.

A divulgação pública de rankings veio distorcer os objectivos da escola? Há famílias obcecadas com isso.
Há uma expectativa parental e escolar sobre os resultados. Agora com a semestralização é preciso ter algum cuidado sobre como isso vai ser feito. É preciso equilíbrio para que as crianças não tenham um modelo de ensino em que a escola seja apenas um local onde o conhecimento se replica. Não podemos ter uma escola replicativa com crianças sentadas a ouvir de forma pouco participativa. Tem de haver mais participação das crianças no processo de aprendizagem.

Temos de tornar a escola um local acolhedor, com entusiasmo, onde seja possível haver alegria e busca de prazer. Isso só é possível numa escola participativa em que aquilo que se aprende é feito através de projectos, mais de perguntas do que de respostas e não apenas de preparação das crianças para testes. Muitas vezes estamos a preparar crianças para memorizar conhecimentos para depositarem nos testes e depois esquecerem.

Temos de fazer uma grande reflexão nacional sobre as políticas de acesso ao ensino superior. As escolas, desde a creche até ao secundário, não servem para preparar crianças para entrarem na universidade. Devíamos libertar as escolas para que as crianças e os professores tivessem tempo para aprender as coisas que são importantes.

Como é que reformularia então esta frase: “As escolas não servem para preparar crianças para entrarem na universidade.” Devem servir para o quê?
A escola deve ter a noção de que o ser humano é o animal que tem a infância mais longa e há muito tempo para aprender e não é preciso aprender tudo à pressa. As crianças andam, como os adultos, a viver à pressa, a aprender de uma forma exageradamente rápida, muitas vezes ultrapassando os níveis de maturidade a nível cognitivo, motor, social e emocional. Passam-se, muitas vezes, essas barreiras. Não se respeita o ritmo de aprendizagem da criança. Não se deve ter a ideia de que todos aprendem ao mesmo tempo e da mesma forma.

Temos de pensar numa escola diferente, adaptada ao nosso tempo em que as crianças aprendam a pensar criticamente, saberem resolver problemas, trabalharem em equipa, saberem comunicar. Devem aprender competências pessoais que serão fundamentais para as preparar para o mundo que aí vem. Estamos a preparar estas crianças para que futuro?

Sim, para que mundo?
Como a escola está muito atrasada em termos de actualização em relação ao mundo moderno, necessitamos de fazer esta pergunta. Provavelmente, aquilo que elas estão a aprender não servirá para nada no futuro. O mundo está a mudar muito e os jovens que estão nas nossas mãos precisam de ser preparados de outra forma e, por exemplo, de ter uma consciência ambiental mais clara. As crianças não aprendem numa dimensão naturalizada e humanizada. Aprendem dentro de uma sala de aula fechada.

As crianças não podem passar tanto tempo na escola. Têm que ter outras experiências, mais tempo com os pais, mais tempo informa

A própria arquitectura das escolas não está pensada para ser de outro modo.
Não, não está. É preciso não só desescolarizar a escola das quatro paredes como também dessedentarizar a escola, tornando-a mais humanista e natural. É preciso sentir e experimentar. Um dos objectivos fundamentais da escola actual era conseguir tornar as crianças exploradoras, pesquisadoras, cientistas, artistas, desportistas. Serem elas protagonistas do processo de aprendizagem. Não matar a curiosidade nem o entusiasmo.

É preciso libertá-las dentro da escola para serem cidadãos activos, conscientes, críticos e com a ideia de que se aprende em qualquer lugar, não só dentro da sala de aula. A escola tem de sair de dentro das quatro paredes. Também há escola na comunidade, uma cultura paisagística. É preciso que tenham consciência do local onde vivem. O Ministério da Educação já criou vários instrumentos que facilitam este processo.

O poder político está a ajudar?
A tutela já produziu esses instrumentos para dar autonomia às escolas. Temos legislação que permite a flexibilidade curricular, o perfil do aluno à saída da escolaridade, as aprendizagens essenciais e o decreto sobre a inclusão. Qualquer escola tem hoje a liberdade de fazer o seu projecto educativo que não precisa de ficar aprisionado dentro da sala de aula. É preciso também repensar a formação de professores e [potenciar] um acordo entre a família-escola-comunidade, porque houve delegação de competências para os municípios. Temos hoje necessidade de fazer um trabalho em rede. A palavra-chave do relatório da UNESCO é precisamente “juntos”, trabalhar juntos no sentido de ter cuidado com a digitalização...

Para muitas pessoas, isso foi uma coisa boa da pandemia, a aceleração da digitalização na educação. Mas, a seu ver, tem de se ter cuidado com isso?
Sim, porque já há muita gente interessada em digitalizar completamente a escola. Ora, eu não concordo com isso. Os instrumentos digitais são fundamentais como coadjuvantes, mas não se pode robotizar ou digitalizar o sistema.

Mas há quem queira substituir os professores por meios tecnológicos?
Já há relatórios sobre isso, sobre o desaparecimento da escola. Há um, por exemplo, da OIT que prevê quatro cenários: o homeschooling; a escola passa a ser completamente digitalizada, dispensando o professor; outro cenário onde há contratação de empresas para substituir os professores; e uma espécie de trabalho misto de contratualização entre a família e a escola. É assustador. Eu sou mais apologista deste modelo humanista e naturalista que está expresso no relatório da UNESCO.

Porque é que as escolas não exploram mais a autonomia que lhes é dada?
É necessário estabelecer estratégias para os professores trabalharem em conjunto porque temos um modelo demasiadamente cartesiano, que centra a aprendizagem num corpo que não se mexe. Em certos casos, o corpo fica à porta da escola e só entra o cérebro. Temos de ter um modelo educacional em que se trabalha o corpo todo. Este modelo de escola está esgotado. Para isso, é preciso dar mais atenção a áreas que são secundarizadas dentro da escola como o desporto, as artes, a perspectiva expressiva e lúdica.

As crianças estão a ficar encharcadas em sedução digital. Passam horas a fio em frente aos ecrãs. Hoje, a escola é o local que mais sedentarismo promove nas crianças e nos jovens. Provoca sedentarismo de uma forma clara. As crianças saem da sala de aula e ficam logo ali nos corredores agarrados aos telemóveis.

Há escolas que proíbem o uso de telemóveis. Vale a pena ou é contraproducente?
Há anos, aproximávamo-nos das escolas e ouvíamos barulho e ruído. Hoje, só ouvimos silêncio porque as crianças estão sentadas a agarradas aos ecrãs. É preciso mexer para crescer. Hoje, na escola, vive-se cheio de medo. As crianças estão aprisionadas dentro da escola.

Medo de quê?
Medo de tudo. Há medo de as crianças poderem ter acidentes, de poderem sofrer violência, medo de tudo. O medo está na cabeça dos pais, na cabeça dos educadores, dos auxiliares.

A pandemia afectou as crianças e os jovens, mas afectou também os professores. Muitos ficaram exaustos, muitos puseram baixa, não estão nas melhores condições de motivação para fazer as mudanças de que fala nas escolas.
Sim, os professores são uns heróis. Fizeram um trabalho notável durante estes últimos anos. Com esta pandemia, reaprenderam muitas coisas. Mas é óbvio que o ensino remoto foi uma fraude, principalmente até aos 10 anos. Há professores exaustos, obviamente. A melhor terapia é reinventar essa escola trabalhando em conjunto.

E o papel dos pais nesse processo? Há muitos pais que ficam mais sossegados se tiverem os filhos sob a sua asa, em casa, mesmo que entretidos com telemóveis e jogos de computador.
Os pais vivem uma espécie de paradoxo. Querem que os filhos sejam os melhores alunos do mundo e tenham as melhores profissões do mundo. Mas ao mesmo tempo andam superprotegidos, não têm autonomia e liberdade.

Segundo um estudo da OCDE, os adolescentes portugueses também aparecem sempre em pior posição do que os de outros países no que diz respeito aos níveis de “satisfação com a vida”, aos 13 e 15 anos. A culpa também é da escola?
Sim, porque a escola não permite que eles possam exprimir os seus talentos, curiosidades, sentimentos. Está tudo formatado e aprisionado. Nos espaços exteriores, andam todos policiados. Não têm liberdade de expressão e de acção.

Há auxiliares que no recreio até pedem aos miúdos que não corram.
Exactamente. Não faltará muito para termos um letreiro na porta das escolas a dizer “É proibido correr e brincar”. Isso será uma tragicomédia. Temos de lhes dar oportunidade de mostrar o que sabem, o que querem, o que gostariam de ser. Eu vejo como os alunos me chegam à universidade.

Como?
Muito imaturos, não sabem fazer uma pergunta, não sabem fazer uma discussão porque foram treinados para apreender conhecimento em silêncio. Eu diria mesmo que, do ponto de modelo educativo, há negligência. Há negligência em relação aos direitos que estão consagrados na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, principalmente o artigo 31.º, que é o direito a brincar, a expressar-se, ao lazer; e, por outro lado, o artigo 12.º, que é o direito à participação. A cultura, as artes, a actividade física e desportiva estão penalizadas.

A carga horária dessas disciplinas tem vindo a diminuir ao longo dos anos?
Há países da União Europeia que têm cinco horas semanais de actividade desportiva e nós só temos uma hora, uma hora e meia no 1.º ciclo. Somos o país com o menor índice de mobilidade, o maior índice de sedentarismo, e isto tem efeitos negativos na saúde pública, e o nosso SNS vai ter gravíssimos problemas porque não está preparado para isso.

E que adultos serão estas crianças que estamos a educar assim?
A adolescência por si própria é uma idade ansiogénica, é uma idade de grandes mudanças e alterações. É uma idade fantástica, talvez a mais interessante na vida humana, mas ao mesmo tempo é uma idade muito complexa. Nós hoje temos jovens que estão perdidos, que estão exilados num mundo complexo. Veja a taxa de suicídio, o nível de angústia e depressão nessas idades. Isso é resultado de não terem tido uma infância suficientemente feliz. Nunca tivemos uma sociedade tão democrática, nunca tivemos tão bons pais, tão bons professores, tão boas escolas.

Temos crianças demasiadamente protegidas? Somos dos países onde os jovens saem mais tarde de casa dos pais.
Mas isso tem que ver com as condições económicas. Mas não só, também jurídicas. Não temos uma legislação de trabalho suficientemente amiga dos pais para lhes dar tempo para estar com os filhos. Nos países nórdicos, os pais vão buscar os filhos à escola às 15h e vão passear com eles, andar de bicicleta, com temperaturas baixas, com neve. Em Portugal, cai um pingo de chuva e entra tudo para dentro de casa, cheio de medo.

Como é que esse novo modelo que defende se pode aplicar em disciplinas como Matemática, História?
Qualquer disciplina pode ser feita de forma activa; pode ser feita com instrumentos que eu coloco na mão dos alunos e eles vão investigar e explorar, vão pensar, fazer projectos, trabalhar em conjunto e descobrir o conhecimento. O conhecimento não se impõe, descobre-se da mesma maneira que o ensino não se faz por pontos finais, mas por vírgulas. Faz-se por perguntas e não por respostas.

As escolas têm de ter uma atitude de descoberta e reflexão para que todos aprendam que a complexidade e a incerteza são elementos fundamentais para pensar no futuro. As escolas não são prisões, têm de abrir os muros, abrir as salas, sair lá para fora. Repare, pintar uma árvore dentro da sala é completamente diferente de ir lá para fora e pintar a árvore real. A sociedade está a mudar, temos à porta o 5G. Dentro de poucos anos teremos uma robotização da sociedade, provavelmente o número de horas de trabalho irá diminuir.

Temos de pensar como vamos para Marte, como se trabalha com a gravidade. Ou seja, colocar na mão das crianças temas de discussão interessantes, que promovam um trabalho interdisciplinar. É fundamental que a escola pense em coisas malucas, em coisas diferentes, em novas temáticas relacionadas com a cidadania, a inclusão.

Para a escola mudar, também têm de mudar muitas outras coisas. Depois desta pandemia, temos de trabalhar em rede. Temos de ter uma visão de permacultura na educação, uma visão ecológica. Os currículos, os métodos têm de ser actualizados para as finalidades que este relatório da UNESCO apresenta de uma forma pertinente.

Para isso, também é preciso que os nossos hábitos egocêntricos de trabalhar sozinhos se revolucionem no sentido de aprender a trabalhar de novo com quem está ao nosso lado. É um trabalho que se faz passo a passo. As revoluções na educação não se fazem à pressa. Mas estou convencido de que vamos construir uma sociedade melhor, ainda que neste momento estejamos a assistir a um ambiente completamente neurótico.

Quando fala em mobilidade, as próprias famílias também têm de dar o exemplo. Como vê agora esta tendência para as ciclovias e o abandono do automóvel?
Essa é talvez uma das maiores lutas da minha carreira académica. É tentar devolver a rua à criança para poder brincar no espaço público. Há mais destreza digitalmente, mas os pais não deixam uma criança subir a uma árvore. Há mais perigos que vêm hoje do tempo que as crianças passam frente aos ecrãs, mas os pais ficam descansados porque eles ficam quietos.

O que é que diria aos pais? Devem limitar o uso de telemóveis e consolas?
Os instrumentos digitais são fundamentais para ir buscar conhecimento quer em casa quer na escola, mas é preciso ter algum cuidado nas primeiras idades com o excesso de tempo que as crianças passam em frente aos ecrãs. Há crianças a passar cinco e seis horas por dia, e isso é um crime. Os pais devem ser vigilantes, devem ter supervisão dos seus próprios filhos em relação a isso, tal como nas escolas se deve ter atenção ao excesso de tempo que as crianças passam frente à televisão, principalmente na creche e no pré-escolar.

Na China e em Taiwan, já há uma regulamentação em que os pais são penalizados se as crianças tiverem mais do que 12 horas semanais frente a ecrãs lúdicos. As crianças foram capturadas e seduzidas. Hoje, a maior pandemia que temos é o número de horas em que estamos sentados. O homem precisa de se mexer. Muitos de nós não despendem durante o dia muito mais energia do que um quilómetro. Isto é aterrador para o nosso organismo.

Qual é o maior drama que estamos a viver na sociedade portuguesa? As nossas crianças não têm tédio, nem frustração, dá-se tudo pronto, na hora. As crianças não têm de se debruçar sobre nenhum problema. Eu tenho crianças que aos sete anos não sabem atar os sapatos, que aos nove não sabem correr. Estamos perante um grande analfabetismo motor.

Escrevi um relatório sobre isso para o Conselho Nacional da Educação em 2020, sobre algumas das consequências da pandemia. Também falo sobre a escola a tempo inteiro e os malefícios que isso teve. É uma vergonha nacional. O tempo a partir das 15h devia ser para a criança, devia ser tempo livre e não continuidade do tempo escolar. Não devemos ter escolas paralelas em cima da escola normal.


Deixe-me voltar àquilo que dizia sobre a pandemia e os adolescentes. Os adolescentes foram os que sofreram mais com a pandemia. Ainda vão demorar muito a ultrapassar esta situação ou as crianças têm um botão de restart muito mais eficaz do que nós achamos?
Costumo dizer que a idade da adolescência é uma idade esquecida. Se temos algumas soluções para crianças de idades mais baixas, quando chega à adolescência aprisionamos demasiado uma época na vida humana que é das mais fantásticas de todas. A adolescência é uma idade de descoberta, de grande sensibilidade, de grandes alterações sexuais, morfológicas, mentais, de angústia, etc. Devemos dar mais atenção aos nossos adolescentes.

Primeiro, dando-lhes mais alternativas para que possam procurar um bem-estar e uma saúde física e emocional maior. As escolas, famílias e cidades deviam oferecer a possibilidade de terem mais contacto com o meio natural. Eles foram muito penalizados por esta pandemia, foram afastados dos amigos, foram fechados em casa, ensinados através do ensino remoto. Ficaram desmotivados. A agenda desportiva foi fechada, houve um abandono desportivo enorme que ainda não está suficientemente estudado.

Devemos fazer uma task-force para ajudar estes adolescentes a recompor-se. Diria que precisam de restaurar o corpo, restaurar as relações sociais, a sua descoberta dos seus talentos pessoais. A escola tem de lhes dar mais opções, mais escolhas, mais coisas para fazer. Quando é que fazemos fóruns no sentido de ouvir a opinião dos jovens sobre o que querem aprender, sobre a visão que têm do seu futuro?

O regime da Educação Inclusiva em Portugal aprovado em 2018 ditou uma nova realidade para milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Depois desta legislação, Portugal tem sido apontado como um bom exemplo, a começar pela vizinha Espanha. Como olha para o trabalho feito ao longo dos últimos três anos? Sente que a escola pública tem sabido adaptar-se e encontrar novos quotidianos que incluam todos?
Quer a escola pública quer o ensino particular e cooperativo têm feito um trabalho exemplar. Tem sido um trabalho notável. Temos uma taxa de imigração enorme. Temos bolsas de pobreza e desigualdade enorme e temos vindo a conseguir fazer um trabalho muito bom a esse nível.

A escola já conseguiu assimilar bem o conceito de inclusão, ainda que tenhamos de melhorar aqui e acolá. Ainda recentemente estive em Odemira e São Teotónio e falei com os responsáveis educativos locais e eles dizem-me que os pais até fazem um trabalho de grande colaboração, o que é interessantíssimo. Eu tenho uma visão muito positiva do futuro, ainda que tenhamos grandes desafios neste momento depois da pandemia, com estas transições que falámos. O mundo está a mudar rapidamente, e a escola tem de acelerar o passo.

Mas é optimista?
Sou e já estou com 71 anos. Mas temos de pensar seriamente em como fazer uma formação de professores eficaz, interessante e competente. Os professores em exercício têm de ter mais carinho da tutela e do povo português. São maltratados. O trabalho que fazem não é reconhecido. As carreiras e os salários estão a desmotivar os professores.

Há ainda esse problema. As crianças que já estão desmotivadas chegam à escola e podem nem ter professor a duas ou três disciplinas.
O que está a acontecer era previsível há muitos anos. O mesmo que está a acontecer na universidade está a acontecer na escolarização obrigatória. Já se sabia que ia haver uma grande debandada por reforma, quer antecipada quer forçada. Se perguntar aos jovens, ninguém quer ser professor. Obviamente, ele é maltratado a vários níveis. É preciso fazer um grande trabalho.

O Ministério da Educação está a tentar encontrar soluções em discussão com os sindicatos e espero que essas soluções sejam encontradas, e com certeza que a escola vai continuar porque a escola não vai desaparecer. Há muita gente interessada nisso para fazer negócio, mas sou apologista de que a escola é um elemento fundante da estrutura de uma sociedade. Foi assim que a civilização humana evoluiu enormemente. Há crianças hoje que sabem jogar, mas não sabem brincar. Isto é uma tragédia.

É preciso desanuviar o corpo. É isto que é preciso, não é só ir a um consultório do psiquiatra ou do psicólogo. É também fazer uma terapia através do movimento. Hoje, nas escolas, as crianças são proibidas de lutar, do toca-e-foge. Os auxiliares parecem GNR. As escolas são de factos prisões. As crianças portuguesas brincam menos do que os prisioneiros nas prisões.

7.9.22

Transporte ferroviário ultrapassa nível pré-pandemia no segundo trimestre

Victor Ferreira, in Público on-line

No segundo trimestre de 2022, os aeroportos nacionais movimentaram 16 milhões de pessoas, abaixo do nível antes da pandemia. Na ferrovia, há ganhos face a 2019.

Depois de um crescimento homólogo em flecha no primeiro trimestre, influenciado pelo encerramento das fronteiras no Inverno de 2021 devido à pandemia, os aeroportos nacionais mantiveram uma forte tendência de crescimento, mas abrandaram a toada. Segundo dados divulgados nesta manhã pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), pelos aeroportos nacionais passaram 16 milhões de passageiros nos meses de Primavera, entre Abril e Junho, correspondendo a um crescimento homólogo de 299,2% no segundo trimestre deste ano.

A recuperação das viagens é uma realidade que acompanha a par e passo a reabertura da economia, depois de dois anos de fortes restrições sobre a actividade e as deslocações. Mas o volume de passageiros movimentados no caso dos aeroportos nacionais, embora tenha quadruplicado face ao mesmo trimestre de 2021, ainda está aquém do que se registava antes da chegada da covid-19, representando uma diminuição de 4,3%, assinala o INE.

O mesmo padrão de crescimento face a 2021 mas, com níveis abaixo do período pré-pandemia, ocorre com pequenas excepções no transporte de passageiros por ferrovia, nos metropolitanos e no transporte fluvial.

Por comboio foram transportados 43,4 milhões de passageiros e por metropolitano foram 54,9 milhões, entre Abril e Junho deste ano. Isso traduz aumentos homólogos de 51,0% e 67,2%, respectivamente. Face a 2019, há variações de mais 0,9% e menos 19,8%, respectivamente. Ou seja, o comboio ganhou passageiros face ao que tinha antes da pandemia e os sistemas de metro perderam.

“O transporte de passageiros por via fluvial aumentou 62,5% relativamente ao segundo trimestre de 2021, atingindo 4,8 milhões de passageiros”, escreve o INE. No primeiro trimestre, o crescimento tinha sido de 105,2% em termos homólogos. Continua, porém, longe dos valores pré-covid, com uma redução de 11,5% em relação ao segundo trimestre de 2019.

No transporte de mercadorias, verifica-se que os volumes transportados superam os níveis antes da pandemia, com excepção do transporte rodoviário. Por ar, mar e carris, as variações face a 2021 e 2019 são todas positivas.

“Por via aérea verificou-se um crescimento de 22,5% face ao segundo trimestre de 2021 (e mais 8,8% comparando com o segundo trimestre de 2019). Na ferrovia, registou-se uma diminuição de 2,1% face ao período homólogo de 2021 mas um aumento de 4,2% face a idêntico período de 2019. Por via marítima, registou-se um acréscimo de 1% face ao segundo trimestre de 2021 e de 1,4% relativamente ao segundo trimestre de 2019. Por rodovia, registaram-se decréscimos face a 2021 (-3,5%) e face a 2019 (-0,8%), tendo sido movimentadas 38,9 milhões de toneladas.”


1.9.22

Quase 300 mil mulheres não aderiram ao rastreio do cancro da mama em 2021

Alexandra Campos, in Público on-line

O rastreio de base populacional de cancro de mama foi alargado a quase toda a região de Lisboa e Vale do Tejo no ano passado, mas a adesão foi reduzida.

Das 655 mil mulheres convidadas a fazer rastreio do cancro de mama em Portugal no ano passado, pouco mais de metade aderiram. No total, foram 355 mil as mulheres que fizeram mamografias no rastreio de base populacional, 54% das que foram convocadas em 2021, ano em que este rastreio foi finalmente alargado à maior parte dos concelhos de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e a taxa de cobertura a nível nacional subiu para 91%.

Após a queda abrupta no número de mulheres que fizeram mamografias em 2020, porque o rastreio esteve parado durante alguns meses por causa da pandemia de covid-19, em 2021 foi possível regressar à normalidade, mas a actividade não foi suficiente para recuperar o que ficara por fazer no ano anterior, de acordo com os dados que constam no Relatório Anual do Acesso aos Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas de 2021, que é elaborado pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e a que o PÚBLICO teve acesso.

A adesão ao rastreio de cancro de mama estava a crescer de forma contínua ao longo dos anos e atingiu um pico em 2019 — 357 mil mulheres rastreadas —, mas em 2020 o número caiu para 168 mil, por causa da pandemia.

No ano passado, a recuperação foi evidente e o número de mulheres rastreadas ficou ligeiramente abaixo do de 2019, mas é preciso notar que em 2021 foram convidadas mais 103 mil mulheres do que dois anos antes porque este rastreio – que é organizado pela Liga Portuguesa contra o Cancro e se dirige às mulheres entre os 50 e os 69 anos – foi alargado em 2021 à maior parte dos concelhos de Lisboa e Vale do Tejo.




As explicações para a diminuição desta taxa são várias, mas a principal, segundo o presidente da Liga Portuguesa contra o Cancro, Vítor Rodrigues, é que na região de LVT a adesão foi “muito reduzida, da ordem dos 20%, o que é habitual” quando a convocatória é enviada pela primeira vez. “No início, as taxas de participação são muito baixas, mas depois começam a aumentar. Eu estava à espera, mesmo assim, que a adesão fosse superior em Lisboa e Vale do Tejo, mas é preciso ver que esta é uma região com maior poder de compra, com mais seguros de saúde, e uma parte das mulheres faz mamografias no sector privado”, justifica.

As explicações são corroboradas pelo director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direcção-Geral da Saúde, José Dinis. “Em LVT, muitas mulheres já fazem este rastreio por sua iniciativa, têm seguros de saúde ou ADSE. E a reduzida adesão à primeira convocatória é, de facto, um fenómeno que se observa em todos os países.”

José Dinis está mais preocupado com o rastreio do cancro do colo do útero, que ainda não é feito por convocatória em Portugal, mas sim “oportunisticamente, quando as mulheres vão aos centros de saúde”. Neste caso, a taxa de adesão é, naturalmente, muito elevada (95,2% no ano passado), mas, de novo, o número de mulheres rastreadas não foi suficiente para compensar a enorme quebra verificada em 2020, tendo chegado em 2021 a mais de 243 mil mulheres, ainda assim abaixo do total de 2019. Este rastreio dirige-se às mulheres entre os 25 e os 60 anos e é intenção do director do programa que passe a ser feito por convocatória, de forma a chegar a todas as mulheres.

Onde se verificou uma evolução assinalável em 2021 foi no rastreio do cancro do cólon e recto, que “tem vindo a aumentar exponencialmente” e em 2021 atingiu finalmente uma taxa de cobertura de 100%, destaca a ACSS no relatório. No ano passado, mais de 188 mil pessoas (metade das convidadas) aderiram, recolhendo uma amostra para a pesquisa de sangue oculto nas fezes que enviaram para análise. Este rastreio dirige-se aos homens e mulheres entre os 50 e os 74 anos.




Recuperação da actividade assistencial

Quanto ao acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, o relatório da ACSS permite perceber que em 2021 ainda se sentiu o impacto da covid-19, mas este foi um ano de recuperação e o aumento da actividade, quando comparado com 2020, foi assinalável. Ainda assim, na porta de entrada do SNS, os centros de saúde, diminuiu o número de cidadãos com médico de família atribuído, como já tinha, aliás, acontecido em 2020 e em 2019. No final do ano passado, 1.139.000 pessoas estavam nesta situação. Apesar da diminuição do número de médicos de família – menos 77 do que em 2020 —, o total de consultas médicas aumentou para 36 milhões, ainda que mais de metade (20 mil) tenham sido consultas não-presenciais, de acordo com o documento.

Nos hospitais do SNS, a informação recolhida pela ACSS indica que 2021 foi um ano de “crescimento generalizado do volume assistencial” em comparação com o ano anterior. O relatório dá conta de um aumento assinalável das consultas médicas em 2021 face ao ano anterior, mas que ficou, ainda assim, ligeiramente abaixo do total de 2019.

Nas consultas hospitalares, as especialidades em que a percentagem de doentes que ultrapassaram o tempo máximo de espera previsto na lei eram a de risco familiar e de apneia do sono, seguidas da neurocirurgia, do rastreio de retinopatia diabética (oftalmologia), da genética médica e da oncologia médica, além da oftalmologia e da radiologia. Ainda assim, a ACSS destaca que em 2021, apesar do “contexto pandémico”, se procurou “recuperar consultas em atraso” e sublinha que o indicador do cumprimento dos tempos máximos garantidos de resposta “melhorou significativamente” relativamente a 2020, ano em que se tinha agravado.

Também no âmbito do programa de recuperação de listas de espera para cirurgia, o ano de 2021 fica marcado como um ano de “significativa recuperação e retoma na actividade”, com 721 mil novas entradas — mais 24,9% do que em 2020 e aproximando-se dos valores de 2019 — e quase 630 mil doentes operados, ligeiramente acima dos números de 2019. A média de tempo de espera dos operados baixou de 3,3 meses, em 2019, para 3,2 meses no ano passado.

Mas os resultados variam muito de região para região. Se nos hospitais do Norte apenas 15% dos doentes esperaram mais do que o tempo máximo previsto na lei por uma cirurgia no ano passado, no Alentejo esse valor era de 23%, no Centro subia para 28% e e, em LVT, ascendia a 40%. Pior só no Algarve, onde 47% das situações ultrapassaram o tempo máximo de resposta garantido.

Em 2021, como já tinha acontecido no ano anterior, a receita com as taxas moderadoras no SNS voltou a diminuir, porque estes pagamentos deixaram de ser cobrados nos exames e meios complementares de diagnóstico prescritos nos centros de saúde. Actualmente, apenas são cobradas taxas moderadoras nos serviços de urgência. Em 2021, as taxas moderadoras renderam 66,9 milhões de euros.